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MAGAZINE PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO N.º 2805 DE 30 DE DEZEMBRO DE 2010 DO JORNAL DO ALGARVE E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Lídia Jorge

A menina prodígio da literatura portuguesa



Neste número

MAGAZINE

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Melhores artistas da atualidade na quinta edição do Festival Solrir

Portimão aposta no humor para o arranque de 2011 Nuno Couto

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Fininho, Niki e as suas aventuras Daniel Torres

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Amanhecer na Rotunda

7 Director Fernando Reis Editora Luísa Travassos Colaboram neste número Arnaldo Casimiro Anica Daniel Torres Domingos Viegas Ezequiel Ferreira Fernando Proença Fernando Reis Neto Gomes Nuno Couto Raquel Ponte Rita Travassos Rogério Silva Sofia Cavaco Silva Teodomiro Neto Vítor Cardoso Paginação Electrónica Irene Salvador Lídia Palma Montagem Electrónica Ana Reis Departamento de Publicidade e Marketing Filomena Oliveira Helena Reis Execução Gráfica

Município começa a afirmar-se como destino para artistas e apreciadores de arte

Galeria dá novo fôlego à cultura em Monchique

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Conto de Natal J.L.

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UALg atribuiu doutoramento Honoris Causa no Dia da Universidade

Lídia Jorge defendeu tese do "Bom Acaso" Sofia Cavaco Silva

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Lídia Jorge e o 30.º aniversário da publicação do primeiro livro

A menina prodígio da literatura portuguesa N.C./S.C.S.

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António Aleixo e Tóssan Ezequiel Ferreira

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Filhos de Olhão Rogério Silva

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O Algarve aclamou a República Teodomiro Neto

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5 Fernando Pereira

Herman José

Programa Solrir 1 janeiro 21h30 - Nilton com Martim – estreia “Maria Amélia” (Duração: 1h00) 22h30 - Fernando Pereira – estreia “Os humores da minha vida” (Duração: 1h00-1h15)

Serafim

Marco Horácio

Melhores artistas da atualidade na quinta edição do Festival Solrir

Portimão aposta no humor para o arranque de 2011 No início do novo ano, não vai haver crise em Portimão e rir será obrigatório. Isto porque o município vai dar as boas vindas a 2011 com muita galhofa e boa disposição. Trata-se da 5.ª edição do Solrir, que vai juntar no Portimão Arena, entre 1 e 4 de janeiro, humoristas como Nilton, Herman José, Maria Rueff, Ana Bola, Marco Horácio, Serafim e Fernando Mendes, entre outros

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s melhores humoristas portugueses da atualidade vão animar o começo do ano novo em Portimão. A galhofa é garantida com mais uma edição – a quinta – do festival Solrir, que vai decorrer nos primeiros quatro dias de 2011, no Portimão Arena. As principais novidades deste ano prendem-se com as estreias nacionais no município portimonense dos espetáculos de Fernando Mendes, Herman José, Fernando Pereira e Nilton. Mas vamos por partes. No primeiro dia do festival e do ano, 1 de janeiro, Nilton sobe ao palco com a primeira estreia do festival. Acompanhado pelo músico Martim, o humorista apresenta, pela primeira vez, “Maria Amélia”, um espetáculo que promete fazer toda a gente cantar temas como “Vladimir não vás ao Lidl”, “Porca2” ou “Barbie, tu és badalhoca”. A noite continua com mais uma apresentação inédita - “Os humores da minha vida” -, do artista Fernando Pereira. Nesta produção, feita propositadamente para o Solrir, Fernando Pereira surge na sua vertente mais divertida e bem-

disposta, surpreendendo tudo e todos com fabulosas caricaturas e imitações de grandes nomes do humor português, como Vasco Santana, António Silva ou Raul Solnado. A 2 de janeiro, o palco do Portimão Arena transforma-se no “Corner das Nails” para receber Denise (Maria Rueff) e Maria Delfina (Ana Bola), duas hilariantes manicures que, em tempos difíceis, prometem animar a sua clientela com o espetáculo “VIP Manicure: A crise”. A segunda noite termina com mais uma estreia: “One Her(man) Show”, de Herman José, um balanço humorístico do ano, acompanhado por viola e pelos inúmeros e inseparáveis heterónimos do humorista.

Surpresas "gordas" em ano "magro" Ervilhas abre o terceiro dia de festival (3 de janeiro), uma noite marcada, também, pela estreia de um sketch da revista “Aqui não há crise”, do grupo Boa Esperança. Ao palco sobe, ainda, o Teatro Experimental da Mexilhoeira Grande, com o

sketch “O Guardador de Retretes”. A fechar este serão de humor, “Rouxinol Faduncho”, de Marco Horácio, com mais de 180 apresentações ao vivo e seis programas de televisão, com audiências sempre acima da média. O último dia de festival (4 de janeiro) começa com as histórias alentejanas de Serafim e termina com a estreia do espetáculo de Fernando Mendes, “Fernando Mendes – especial Ano Gordo”, uma “gorda” surpresa para começar com gargalhadas um ano “magro”. O festival de humor Solrir é uma iniciativa do município de Portimão e realiza-se desde janeiro de 2007. Este ano conta com algumas novidades, incluindo um passe especial para os quatro dias de espetáculos e uma sala destinada a crianças, que são acompanhadas por monitores (gratuitamente) enquanto os pais assistem aos espetáculos. Os espetáculos dos humoristas têm lugar a partir das 21h30 e os bilhetes custam cinco euros, para adultos, e 3,5 euros para crianças. Existe ainda um bilhete de 15 euros que dá acesso aos quatro dias. N.C.

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2 janeiro 21h30 - Ana Bola e Maria Rueff – “Vip Manicure: A crise” (Duração: 1h00-1h15) 22h45 - Herman José – estreia “One Her(man) Show” (Duração: 1h001h15) 3 janeiro 21h30 - Ervilhas (Duração: 0h15) 21h45 - Boa Esperança – estreia sketch da revista “Aqui não há crise” (Duração: 0h20) 22h05 - Teatro Experimental da Mexilhoeira Grande – “O Guardador de Retretes” (sketch da revista “Cá vamos indo”) (Duração: 0h20) 22h30 - Marco Horácio – “Rouxinol Faduncho” (Duração: 1h00-1h15) 4 janeiro 21h30 - Serafim – o contador de histórias… (Duração: 0h45) 22h15 - Fernando Mendes – estreia “Fernando Mendes – especial Ano Gordo” (Duração: 1h30-1h45)


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Festa das Chouriças em honra de São Luís

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uerença celebra, no final do mês de janeiro, a tradicional festa em honra de São Luís, popularmente conhecida como Festa das Chouriças. No interior do Algarve, as famílias tinham o hábito de criar o porco para sustento ao longo do ano. Era também tradição pedir a São Luís, patrono dos animais, que conservasse em boas condições o animal, para garantir a alimentação de toda a família. Em forma de gratidão eram oferecidas ao Santo Protetor as melhores chouriças caseiras. Esta festa, que decorrerá a 30 de janeiro, inicia-se com uma missa na Igreja de Nossa Senhora da Assunção, seguindo-se uma procissão. O ponto alto da festa tem lugar no adro da igreja com o habitual leilão de chouriças e ofertas. Esta festa leva a Querença gentes de todo o lado que gostam de apreciar uma boa chouriça caseira e participar nas habituais cerimónias religiosas.

Encontro de Janeiras em Loulé Cumprindo a longa tradição de Reis, a 7 de janeiro, pelas 21h00, o Mercado Municipal de Loulé volta a abrir as portas para receber um Encontro de Janeiras, num espectáculo que tem entrada livre. Participam neste Encontro o AGAL - Racho Folclórico Infantil e Juvenil de Loulé, o Grupo de Canções da Nossa Terra, o Grupo Charolas Flor-de-lis, o Grupo Juvenil Bordeirense, o Grupo de Charolas da Casa do Povo da Conceição de Faro e os Janeireiros de Boliqueime. As janeiras remontam a tempos bastante longínquos mas em muitas aldeias portuguesas, nomeadamente no interior do Algarve, mantém-se viva esta tradição que vai passando de geração em geração e hoje são ainda muitos os grupos de amigos e vizinhos que nesta altura do ano cantam as janeiras de porta em porta.

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Município começa a afirmar-se como destino para artistas e apreciadores de arte

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Galeria dá novo fôlego à cultura em Monchique Em apenas dez meses, a Galeria de Santo António colocou o concelho de Monchique na rota das melhores exposições de arte. Este novo fôlego para a dinamização da vida cultural num município serrano é fruto de uma parceria entre a câmara municipal e a associação Arte Divina, que pretendem colmatar uma carência a nível cultural e colocar Monchique no mapa internacional para apreciadores de arte do mundo inteiro

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m dos prédios mais antigos de Monchique foi transformado há alguns anos numa galeria municipal, mas só no início de 2010 é que algo mudou no concelho. Em fevereiro de 2010, o espaço reabriu com o nome Galeria de Santo António e a vida cultural do município nunca mais foi a mesma...! Nos últimos dez meses, a galeria deu um novo fôlego à cultura em Monchique, apresentando uma programação regular de exposições com artistas ligados a diversas formas de arte: pintura, escultura, fotografia, ilustração, cerâmica, etc. A Galeria de Santo António foi recuperada através de uma parceria estabelecida entre a autarquia de Monchique e a associação cultural Arte Divina, que mostraram vontade e empenho para “imprimir a este espaço um novo dinamismo e colmatar uma carência a nível cultural”. E, assim, desde fevereiro que a galeria tem acolhido várias exposições de artes plásticas, revelando os melhores trabalhos de inúmeros artistas nacionais e internacionais. As inaugurações decorrem todas as segundas sextas-feiras de cada mês, às 18h00, com música ao vivo e beberetes, transformando cada iniciativa num invulgar encontro de artistas e apreciadores de arte que não era habitual ver por estas bandas. Mas não são apenas os artistas e pessoas ligadas diretamente à arte que se deslocam a Monchique para ver as exposições. A galeria já começou a atrair também a comunidade local, com destaque para os alunos das escolas, e visitantes de outros concelhos.

"Dar um impulso cultural ao Algarve" Para o sucesso da Galeria de Santo António muito têm contribuído os cerca de 100 artistas ligados à Arte Algarve,

uma feira anual promovida pela associação Arte Divina. Através desta feira e da galeria localizada em Monchique, a associação pretende “dar um impulso cultural ao Algarve e posicionar a região com firmeza no mapa internacional para apreciadores de arte de todo o mundo”. A feira, que se realiza durante o verão, quando a região é visitada por milhões de turistas nacionais e estrangeiros, está ligada à Galeria de Santo António como parte deste novo projeto cultural, que tem como objetivo “adicionar uma nova dimensão à atração do Algarve como destino para artistas e apreciadores de arte”. Entre as exposições que passaram pela galeria, destacara-se as mostras coletivas sobre Fernando Pessoa (abrilmaio) e Amália Rodrigues (novembro 2010 – fevereiro 2011). Também é de realçar a exposição individual de Rui André, atual presidente da câmara de Monchique, que exibiu em outubro cerca de 60 peças artísticas da sua coleção.

Primeira Artoteca do país Entretanto, o presidente da câmara já revelou ao JA Magazine que pretende fazer do concelho um destacado destino cultural. Um dos projetos em curso é a criação de uma Artoteca, um espaço onde as pessoas podem ver obras de arte e até levá-las para casa temporariamente. Trata-se de uma espécie de biblioteca onde os livros serão substituídos por pinturas, esculturas, fotografias e outras formas de arte. É este novo conceito em Portugal que o município de Monchique e a associação cultural Arte Divina querem criar no concelho. “A ideia da Artoteca é as pessoas levarem as obras de arte para casa ou usarem-nas em eventos, e depois devolverem as peças”, explicou Rui André. Segundo o autarca, este novo espa-

ço deverá avançar em 2011, entre a galeria e a biblioteca, e Rui André já prometeu doar algumas peças da sua coleção para a primeira Artoteca do país. “O município vê esta aposta na cultura como um investimento para atrair mais turismo cultural, pois Monchique tem enormes potencialidades nesta área. Basta dizer que existem mais de mil estrangeiros a morar no concelho e

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que cerca de 80 por cento são artistas ou estão ligados a alguma forma de arte”, realça. Por outro lado, a câmara de Monchique e a associação Arte Divina também estão a trabalhar em conjunto no projeto “European Art City”. O objetivo é tornar Monchique num destino conhecido internacionalmente pela produção de arte. Nuno Couto



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O Dia da Universidade do Algarve este ano foi encerrado com "chave de ouro" com a atribuição do doutoramento Honoris Causa à escritora algarvia Lídia Jorge

UALg atribuiu doutoramento Honoris Causa no Dia da Universidade

Lídia Jorge defendeu tese do "Bom Acaso" "Um momento único na minha vida" foi como a escritora algarvia, Lídia Jorge, descreveu o momento em que lhe foi atribuído o título de doutora Honoris Causa pela Universidade do Algarve. Um momento que dedicou aos professores das Humanidades e de Português pela responsabilidade da missão que levam a cabo diariamente junto dos seus alunos

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Dia da Universidade do Algarve deste ano teve tradicionais celebrações mas foi selado com “chave de ouro” com a atribuição do doutoramento Honoris Causa à escritora algarvia, Lídia Jorge. “Uma escritora maior” como sublinhou o professor doutor Pedro Ferré, durante o momento de laudatio em que defendeu o título atribuído à escritora. Maior, pela sensibilidade e perspicácia presentes em todos os seus livros, maior pelas inovadoras e surpreendentes soluções que apresenta nos seus livros, aliadas a um estilo e técnicas narrativas admiráveis. Por tudo isto, e muito mais. Durante o seu discurso após a homenagem da Universidade do Algarve, Lídia Jorge, aproveitou para recordar os processos familiar e escolar que a cativaram para a leitura e para o prazer da escrita. Recordou a ânsia com que aguardava cada vez que a mãe regressava a casa com um livro novo, os livros da biblioteca itinerante da Gulbenkian durante o verão. Recordou as inúmeras viagens que fez pelo mundo graças aos li-

vros, numa altura em que não havia passado as fronteiras algarvias, quanto mais as nacionais. Agora, passados 30 anos desde a publicação da sua primeira obra “O Dia dos Prodígios”, Lídia Jorge, tem recebido a atenção de leitores além-fronteiras. Com a sua arte tem levado o Algarve e os seus recantos a diversos pontos do planeta. Recorde-se que a sua obra está publicada em diversos idiomas. “Tornou universal o particular: o Algarve fez-se mundo e Lisboa a cidade”, comentou Pedro Ferré, durante o seu discurso. Perante uma vasta plateia que encheu o grande auditório do Campus de Gambelas da Universidade do Algarve, Lídia Jorge afirmou: “a porta de entrada para este acolhimento, foi o mundo dos livros”. “Ninguém escreve sozinho. Boa parte do que até agora fiz, e que veio a merecer esta distinção, também foi o resultado de certos encontros e do que foi acontecendo, ao longo da vida, um pouco por acaso”, acrescentou.

O acaso, aliás... o Bom Acaso, foi de resto o fio condutor de todo o discurso da escritora nesta solene cerimónia académica. Para Lídia Jorge, a vida é frequentemente influenciada pelos acasos felizes e infelizes. Mas neste dia especial, a escritora decidiu debruçar-se sobre os bons acasos que surgem na vida e fazem as pessoas desabrochar. No seu discurso, esteve implícita uma descrição de um Algarve diferente e de tempos ainda mais difíceis que os que agora se vivem. Um tempo onde as distâncias eram maiores, as atividades económicas eram mais ligadas ao setor primário, principalmente à terra, um Algarve onde a maior parte das raparigas não tinham acesso ao ensino e onde o prosseguir estudos era apenas para alguns. Um Algarve onde as crianças e os jovens não tinham a abundância de coisas que existem atualmente. “Os jovens da minha geração precisavam de inventar os espaços da imaginação. Os jovens de hoje encontram o espaço atravancado de propostas. O significado das coisas, hoje, está escondi-

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do debaixo dos seus acessos”, comentou. Hábil a refletir e a comparar realidades, Lídia Jorge, diz que ainda hoje, o Bom Acaso é determinante na vida de todos, principalmente dos jovens. Os bons acasos continuam a ser as pessoas, familiares, amigos ou professores que cada um encontra ao longo da vida e que sabem incutir o gosto pela leitura, o gosto pelo conhecimento e conseguem levar o indivíduo a dar um passo em frente. Por isso mesmo, deixou uma mensagem aos professores: “Não desistam de promover, caso a caso, o Bom Acaso”. Dirigindo-se diretamente à comunidade académica, Lídia Jorge, mostrou-se satisfeita com o título que lhe foi atribuído e disse encarar este gesto como um símbolo de que a Universidade pretende que o conhecimento nela produzido e transmitido seja amplo. “Não querer que os narradores se afastem é um fator de esperança nos caminhos que se abrem para uma Universidade virada para o futuro”. Sofia Cavaco Silva


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Lídia Jorge e o 30º aniversário da publicação do primeiro livro

A menina prodígio da literatura portuguesa O primeiro romance de Lídia Jorge, “O Dia dos Prodígios”, data de 1980. Trinta anos e vários prémios literários depois, a escritora algarvia continua a sentir as ideias e as palavras a fervilhar dentro de si. O JA Magazine mostra aqui o retrato de uma mulher com uma arte invulgar para contar histórias e que vê o amanhã através da escrita. O próximo romance será publicado em março de 2011, mas Lídia Jorge prefere guardar segredo sobre o título da obra “até ser tempo”

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A Magazine - Além dos inúmeros prémios e distinções que tem recebido pelos seus livros, recebeu agora o doutoramento honoris causa da Universidade do Algarve. Além disso, está em curso um programa comemorativo da sua carreira. De que forma estas iniciativas a influenciam? Lídia Jorge – Vejo, com muito bons olhos, que algumas pessoas se interessam cada vez mais pela leitura, pelos livros e, em consequência, valorizam os autores. Saber que se faz alguma coisa que merece reconhecimento público é confortável. Mas as iniciativas de afeto e de apreço confortam a pessoa, não influenciam a escrita. O que influencia a escrita encontra-se numa outra esfera de acontecimentos.

Tavares. Cada um deles, à sua maneira, coloca a fasquia da ambição muito alta. O José Luís reinventa um lirismo melancólico, a Inês recria a análise de sentimentos e consegue uma expressão da sensualidade bastante inusual entre nós, e o Gonçalo retoma a narrativa do absurdo, com uma forte inscrição no desmantelamento da História.

“No tempo que passa, em matéria de «honras», há os esquecidos e há os super-inflacionados”

“Saber que se faz alguma coisa que merece reconhecimento público é confortável (...) mas não influencia a escrita” JA Magazine - Quando escreve, pensa no que os leitores vão pensar ou na reação dos mesmos? L.J. – Não, não penso. Os leitores, enquanto um livro não tem o formato de livro, são destinatários ausentes. Só surgem como tal, quando o livro se transforma num objeto que passa de mão em mão. Aí, já está suficientemente distante para se poder ter em conta a reação de quem lê. Então, é surpreendente ver que, muitas vezes, os aspetos em que mais se investe deixam de ter importância e, pelo contrário, são valorizados outros que se encontravam submersos. Os leitores criam uma outra parte dos livros. Um grande livro é aquele que revela ao próprio autor o que o autor havia escrito. JA Magazine - Acha que o país está a aprender a honrar o mérito dos seus

em “tempo útil”? L.J. - Como vamos saber? Daqui a umas décadas o gosto pode ser outro e alguém poderá dizer – “Que pena! Aqueles não souberam honrar os seus em tempo útil”. Não é para me descartar da pergunta, é só para dizer que não sei como dar a resposta. Acho que no tempo que passa, em matéria de “honras”, há os esquecidos e há os super-inflacionados. Todo o tempo tem o seu Mozart e o seu Salieri. JA Magazine - Neste momento, está a ler algum livro? Há algum ou alguns autores da atualidade que a entusiasmem particularmente? L.J.- Tenho sobre a mesa “Luka e o

“Um grande livro é aquele que revela ao próprio autor o que o autor havia escrito” Fogo da Vida” do Salman Rushdie. Acabei de reler o livro da Hélia Correia, “Adoecer” que acho um livro muito importante. Em Portugal, entre os autores mais jovens, é preciso estar atento a José Luís Peixoto, Inês Pedrosa e Gonçalo M.

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JA Magazine - Tem uma aparência calma, mas pressinto que interiormente as ideias e as palavras fervilham em si e vão ganhando forma ainda antes de chegarem ao papel... L.J. - Se não ferverem antes de chegarem ao papel, nunca poderão encontrar o ponto de ebulição. É nessa antecâmara que as coisas acontecem. Há mesmo um desfasamento nos tempos. Pode-se dizer que o sonho da escrita é leve, mas a escrita em si é pesada. Na cabeça correm vários filmes ao mesmo tempo e, em cada noite de insónia, escrevemse dois livros. Na prática, porém, cada livro demora a escrever dois anos. E muitas vezes, a noite serve para desmanchar o que se escreveu durante o dia. Quem gosta de ir sempre para a frente, e não tem paciência para se sentar no chão, a olhar demoradamente para as formigas, não deve querer escrever livros.

“Em Portugal, entre os autores mais jovens, é preciso estar atento a José Luís Peixoto, Inês Pedrosa e Gonçalo M. Tavares”


“O sonho da escrita é leve, mas a escrita em si é pesada” JA Magazine - Dedicou o seu doutoramento honoris causa aos professores de Português. Acha que estes profissionais merecem mais apoio e reconhecimento pelo trabalho que desenvolvem? L.J. - Não precisam de mais apoio nem de mais reconhecimento do que outros quaisquer. Merecem, isso sim, ser mais escutados do que são, e mais considerados do que estão a ser. E isso porque lhes cabe uma tarefa muito difícil num momento em que as novas tecnologias, e o primado das ciências ditas exatas, e a pragmática, se fizeram tão dominantes que se tornou paradigma desmantelar a cultura humanística. Mas as Humanidades devem ter em conta o tempo que passa, saber resistir sem ser desadaptado, saber evoluir sem perder a essência do pensamento reflexivo. A matéria dos professores das Humanidades e dos professores de Português é uma ciência de contornos indefinidos, mas fundamental, como anteparo de salvaguarda no momento que estamos a viver.

“Vimos de patamares muito recuados de educação, estamos a dar uma salto de várias gerações sobre uma só” JA Magazine - Fez questão de sublinhar o impacto que teve a sua mãe no “alimentar” a sua sede de viajar através dos mais diversos livros e autores. Acha que, além do trabalho dos professores nas escolas, importa sensibilizar os pais e encarregados de educação para a importância de dar esse “alimento” suplementar? L.J. - Os pais estão lá, antes dos professores. Aliás, permanecem ao lado dos professores, e são determinantes, ao longo da vida. Tem sido dito e redito, que a escola portuguesa tem de ser também uma escola de pais. Vimos de patamares muito recuados de educação, estamos a dar uma salto de várias gerações sobre uma só. Há que ter paciência. A integração dos pais na comunidade escolar, entre nós, é um ponto muito

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sensível. Eu diria que prioritário.

“A integração dos pais na comunidade escolar é um ponto muito sensível. Eu diria que prioritário” JA Magazine - Tem uma visão perspicaz e muito própria do mundo e dos problemas que o afetam. Na sua opinião, quais as maiores virtudes e os maiores defeitos da sociedade atual? L.J. - A sociedade atual é mais esclarecida, a vida está simplificada, a mobilidade é imensa, é uma sociedade jovem em todos os aspetos. É uma sociedade em que a oferta do saber é ilimitada. O Google é um milagre. O grande problema é a assimetria na distribuição da riqueza, o empobrecimento que a globalização trouxe consigo, quando deveria ter trazido o contrário. É preciso pensar que talvez, em breve, se possa inverter essa tendência. Mas para isso terão de surgir muitos abanões. Talvez o incómodo abanão do Wiki Leaks seja um deles.

“O grande problema é (...) o empobrecimento que a globalização trouxe consigo, quando deveria ter trazido o contrário” JA Magazine - Que projetos tem em vista e quer concretizar nos próximos tempos? L.J. - Tenho vários projetos, mas são projetos. Quando forem objetos concretos, falaremos sobre eles. Dizia-se, no tempo em que as crianças iam aos ninhos, que se tocássemos nos ovos, os pássaros abandonavam as crias. Que fique tudo guardado no seu lugar até ser tempo. Os livros, os títulos, as capas, tudo isso, antes de aparecer, são seres muito sensíveis. N.C./S.C.S.

“Os livros, os títulos, as capas, tudo isso, antes de aparecer, são seres muito sensíveis”

Uma estante de livros consagrados Ao longo da sua carreira, Lídia Jorge escreveu dezassete obras e já recebeu outros tantos prémios literários. O primeiro livro foi editado em 1980 e desde então a autora não tem parado de dar azo à sua imaginação e vocação Bibliografia: O Dia dos Prodígios (1980) O Cais das Merendas (1882) Notícia da Cidade Silvestre (1884) A Costa dos Murmúrios (1988) A Última Dona (1992) O Conto do Nadador (1992) A Instrumentalina (1992) O Jardim sem Limites (1995) A Maçon (1997)

Marido e outros contos (1997) O Vale da Paixão (1998) O Vento assobiando nas Gruas (2002) O Belo Adormecido (2004) Combateremos a Sombra (2007) Praça de Londres (2008) Contrato Sentimental (2009) O Romance do Grande Gatão (2010)

De Boliqueime para o mundo das letras Lídia Jorge nasceu em Boliqueime, uma freguesia do concelho de Loulé, encostada ao mar, em 1946. Licenciou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa e foi professora do ensino secundário. Aos 24 anos, a escritora algarvia parte para África, onde dá aulas em Angola e Moçambique. Regressada a Lisboa, continuou a dar aulas, tendo sido professora na Faculdade de Letras de Lisboa. A sua primeira obra, O Dia dos Prodígios (1980), sobre o regime anterior ao 25 de abril, causou desde logo um forte impacto, projetando de imediato Lídia Jorge como uma das mais importantes revelações das letras portuguesas. Seguiram-se os romances O Cais das Merendas (1982) e Notícia da Cidade Silvestre (1984), ambos distinguidos com o Prémio Literário Cidade de Lisboa. Mas foi com A Costa dos Murmúrios (1988), livro que reflete a experiência colonial passada em África, que a autora confirmou o seu destacado lugar no panorama das letras portuguesas. Entre outros romances, conta-se O Vale da Paixão (1998) galardoado com o Prémio Dom Dinis da Fundação da Casa de Mateus, o Prémio Bordallo de Literatura da Casa da Imprensa, o Prémio Máxima de Literatura, o Prémio de Ficção do P.E.N. Clube, e, em 2000, o Prémio Jean Monet de Literatura Europeia, Escritor Europeu do Ano. Passados quatro anos, Lídia Jorge publicou O Vento Assobiando nas Gruas (2002), romance que mereceu o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores e o Prémio Correntes d’Escritas.“A autora publicou ainda duas antologias de contos, Marido e Outros Contos (1997) e O Belo Adormecido (2003), para além das publicações separadas de A Instrumentalina (1992) e O Conto do Nadador (1992). A peça de teatro A Maçon foi levada à cena no Teatro Nacional Dona Maria II, em 1997. O romance A Costa dos Murmúrios foi recentemente adaptado ao cinema por Margarida Cardoso. Os romances de Lídia Jorge encontram-se traduzidos em diversas línguas. Em 2006, a autora foi distinguida na Alemanha, com a primeira edição do Albatroz, Prémio Internacional de Literatura da Fundação Günter Grass, atribuído pelo conjunto da sua obra. Combateremos a Sombra, apresentado em março de 2007, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, mereceu o Grande Prémio SPA-Millennium. Desde então, Lídia Jorge publicou uma média de um livro por ano - Praça de Londres (2008), Contrato Sentimental (2009) e O Romance do Grande Gatão (2010) -, sendo hoje considerada uma das maiores romancistas da literatura nacional contemporânea.

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12 Fininho, Niki e as suas aventuras Baseado em factos verídicos: a morte de D. Sebastião e o problema de sucessão

Um menino chamado "Fininho" Era uma vez um miúdo chamado Francisco, mas todos o tratavam por "Fininho" porque era bastante magro. O Fininho andava no 6.º ano, como tantas outras crianças. Este tinha um animal de estimação (um hamster) chamado "Niki". "NiKi" acompanhava-o para toda a parte. Quando o Fininho estava na escola, o Niki escondiase na mochila, entre os livros e os cadernos, para a professora não o descobrir. Quando andava pelas ruas da cidade, sentava-se no bolso da sua T-shirt, lugar que ele gostava bastante. O Fininho tinha um irmão e uma irmã (Zé e Anita). O irmão era mais velho e a irmã mais nova.

O super rato Niki Um dia, quando o Fininho, o irmão, o hamster (Niki) e a irmã iam para a escola, o Fininho decidiu ir jogar à bola. Era um grande jogador de futebol. O Niki ficou a ver o jogo, muito atentamente, enquanto comia um queijo parmesão, com camada dupla e recheado com um molho de mozzarela, vindo de Itália. Fininho apercebeu-se de que já tinha dado o toque de entrada, correu apressadamente, e, felizmente, conseguiu chegar a tempo da aulas começar. Quando lá chegou, a professora perguntou-lhe: -Porque estás todo suado, Francisco? -Estive a jogar à bola, senhora professora – res-

pondeu o Fininho. -Ai sim! Então vai para casa e toma um banho, pois estás mal cheiroso! O Fininho foi para casa todo chateado. Sua mãe ao vê-lo, admirou-se e perguntou-lhe: - Fininho, tu, agora, aqui, o quê…? - Sim, mãe! Fui para a rua. – disse ele. - Ai, ai, acho que vais ficar de castigo! – contestou a mãe do Fininho. Fininho suplicou várias vezes por perdão, mas a sua mãe não cedeu, pois considerava que ele teria de aprender uma lição (isto porque gostava muito do seu filho). A partir daí, o resto do seu dia foi diferente e aborrecido. Nessa noite, Fininho não foi jantar, pois sentia-se culpado por toda a situação. Decerto ficou com fome. Por incrível que pareça, o seu rato fez algo que Fininho pensava não ser possível acontecer: Niki começou a falar. Tu não devias estar tão aborrecido. – disse ele. -Ma-s tu fa-a-las! – gaguejou o Fininho, muito assustado. -Sim, eu sempre soube falar, mas nunca pude contar a ninguém, por causa do nosso regulamento interno, da ordem R.F.D.Q (Ratalial Fatia De Queijo). Agora como temos um novo líder, este já nos permite falar – acrescentou. -Então o que vai acontecer? Vão andar montes de ratos falantes pela rua!?? -Claro que não, só podemos falar com os nossos donos. E vocês, donos, também têm de prometer guardar segredo. É um contrato. -Mas isso é mesmo verdade? -Sim, já te disse que é! Amanhã trago-te a Constituição dos Direitos do Novo Rato. -Ok, mas agora estou muito cansado, vou deitar-me. Boa noite! -Boa noite! - respondeu o rato. Foram os dois dormir, cada um para a sua cama.

Uma grande surpresa No dia seguinte, Fininho teve uma grande surpresa: no seu quarto estava um montão de ratos, com papéis gigantes para ele assinar. Era o contrato, com uma letra que ninguém percebia. Seguidamente o líder dos ratos começou a discursar: - Estes são os teus deveres. Deves cumpri-los e guardar segredo sobre eles. São eles: 1-Não aleijar o teu companheiro nem os seus colegas. 2-Ajudar-nos quando precisarmos. 3-Dar-nos sempre alimentação, lugar para dormir e tudo o que precisarmos. Também estar sempre atento com os cuidados a ter connosco. E por ai seguiu, até aos 7979 deveres. Mas, em relação aos direitos, estes resumiam-se apenas a 3. Eram eles os seguintes: 1-Estar sempre quando

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restauração necessário; 2-Ser obediente; 3-Conceder todos os desejos quanto possível. Quando acabaram de ler, desapareceram como flechas, ficando apenas o Niki. Este apresentou a Fininho um grande discurso. Seguidamente, Fininho foi para a escola, muito calmo e tranquilo. Ficou todo o dia a pensar naquilo que tinha acontecido e a olhar pela janela da sala da aula, enquanto a professora lhe perguntava algo. Como estava distraído, não ouviu e claro que não respondeu. A professora ainda pensou em dispensá-lo da aula, mas, por sorte, isso não chegou a acontecer. Voltou para casa, lanchou, fez os T.P.C, jantou e foi dormir. A certa altura, começou a ter um sonho muito esquisito e estranho.

Uma viagem No dia seguinte a rotina foi a mesma, mas desta vez estava distraído com o sonho que acabava de ter. No final do dia, à hora de ir para casa, perguntou se o Niki queria ir dormir para a sua fofa, mole, quente e fantástica cama.

Niki respondeu que sim, pois quem pode recusar uma oferta destas? Ninguém, claro. Ao acordarem, aperceberam-se que estavam num sítio que não reconheciam. Admirados, e até um pouco assustados, sabiam apenas que era uma aldeia perto do oceano. O Fininho saiu, perguntando de pessoa em pessoa, onde estavam, mas, por alguma razão, ninguém lhes respondia. Pensavam que estes eram soldados de outro país, talvez de África, por usarem uma roupa tão esquisita e simples. Então passaram (o Fininho e Niki) num lugar parecido com uma estalagem, onde estava trabalhando um ferreiro. Felizmente esse respondeu-lhes, pensando que estes lhe comprariam uma armadura nova. - O que querem? - perguntou ele. - Quero uma informação. – respondeu. -Sim! Sobre o quê? Querem saber que tipo de armaduras tenho? - Exclamou ele. -Não, apenas gostaríamos de saber em que século é que estamos? – perguntou firmemente Fininho, pois desconfiava de que não se tratava do século XXI,

por várias razões, entre elas o facto de usarem vestes diferentes. -Não tens uma pergunta melhor para fazer? No século XVI, é óbvio! – respondeu-lhe o ferreiro admirado com tal pergunta. -Obrigado! – disse Fininho admirado e surpreendido com a resposta. Então Fininho e Niki ouviram na rua uma conversa entre dois velhos. Estes falavam sobre um jovem chamado D. Sebastião, que ambicionava conquistar terras no Norte de África, contra a vontade dos seus conselheiros. Os dois decidiram partir até o Palácio Real, investigar sobre este assunto. Andaram, andaram, andaram, andaram até lá chegar. Conseguiram-no não pelos sinais de trânsito, mas pela ajuda das pessoas que se cruzavam no caminho existente (de terra batida). Os habitantes eram obrigados a responder, pois o rei tinha decretado a lei de que o povo teria de ajudar os estranhos na sua terra, ameaçando-os com castigos severos caso não obedecessem. Ao chegar ao palácio pediram para falar com o rei. Não foi fácil, mas por fim conseguiram. Falaram com ele em pessoa. Perguntaram-lhe quais os acontecimentos importantes que estavam a acontecer no momento, pois queriam participar. O rei contou-lhes que estava prestes a partir para o Norte de África, com 18.000 homens, à procura de conquistar terras. O Fininho e o Niki pediram ao rei para que os levasse com eles, pois poderiam ser úteis com suas experiências. O rei, muito alegremente, agradeceu suas companhias. Partiram no dia seguinte muito cedo. Ao chegarem ao Norte de África, montaram um acampamento preparando-se para a batalha. Esta viria a chamarse a Batalha de Alcácer Quibir. Mais tarde, o inesperado aconteceu. Em poucas horas, os portugueses foram cercados pelos Mouros, morrendo muitos soldados portugueses (cerca de 9000, incluindo o próprio rei, D. Sebastião). Os sobreviventes foram feitos prisioneiros. Entre estes estava o Fininho e o Niki.

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Assim que o rei morreu, como não tinha filhos, surgiram três pretendentes ao trono de Portugal, sendo eles netos do rei D. Manuel: D. António, Prior do Crato, que contava com o apoio do povo, mas também estava D. Filipe II, rei de Espanha tendo o apoio da nobreza e da burguesia e D. Catarina de Bragança. D. Filipe II foi coroado, tornando-se um dos reis mais ricos e poderosos da Europa. Enquanto o Fininho e seu amigo estavam prisioneiros, os nobres pretendiam ocupar cargos muito bem pagos, caso o rei de Espanha fosse rei de Portugal. Os burgueses também estavam interessados em negócios em Espanha e Portugal .Todos queriam que D. Filipe governasse e melhorasse as condições económicas, pois estas não estavam nada famosas. O certo é que ninguém se preocupava com o Fininho e o Niki e estes só sabiam notícias através dos guardas. D. Filipe entrou em Portugal no ano 1580 com um poderoso exército. Conseguiu derrotar D. António prior de Crato e todo o seu exército, em Alcântara. Com o passar do tempo o Fininho e o Niki que eram muito espertalhões, observaram todos os movimentos dos guardas. Uma bela noite, quando os guardas festejavam a sua vitória, numa festa com bebidas, o Niki conseguiu apoderar-se das chaves das suas celas, pois o guarda adormecera. Saíram mas na sua fuga viram que centenas de soldados os perseguiam. Estes dois fugiram a sete pés, tropeçando um no outro, caindo por uma ravina abaixo, acabando por bater com as suas cabeças numa pedra enorme, ficando inconscientes. Quando acordaram estavam os dois deitados na sua deliciosa cama, ouvindo a voz de sua mãe – Acordem, seus dorminhocos! Já estão atrasados para a escola. No caminho para a escola comentaram o estranho sonho que tinham tido e, para surpresa destes, aperceberam-se que era exactamente do mesmo sonho. Fininho jogou a mão ao bolso e encontrou as chaves da cela. Os dois ficaram a pensar no que realmente teria acontecido… As ilustrações deste conto são de Francisco José Cardoso Torres

Este conto foi escrito pelo aluno Daniel Torres, do 6º Ano Turma F, da escola EB 2, 3 D. José I, Vila Real de Santo António, no ano 2009/2010, para a disciplina de História e Geografia de Portugal, pelo que relata acontecimentos verídicos

O conto "O Segredo de João", publicado no mês anterior, foi escrito pelo aluno Diogo Gonçalves, do 6º Ano Turma F, da escola EB 2, 3 D. José I, Vila Real de Santo António, no ano 2009/2010, para a disciplina de História e Geografia de Portugal

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14 Amanhecer na Rotunda - na E.B. 2,3 de Castro Marim -

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m ano de Centenário da República, os autores do romance histórico Amanhecer na Rotunda, dedicado à implantação da República, estiveram presentes no auditório da Escola dos 2.º e 3.º ciclos de Castro Marim. O encontro serviu para apresentar a obra às turmas dos 6.º e 9.º anos, que na disciplina de História abordam o conteúdo da implantação da República. Desta forma, durante a sessão, o escritor José Sequeira Gonçalves confessou que “foi a própria República e as mudanças que a mesma trouxe” que o inspirou a escrever este romance histórico. A relação entre personagens históricas e personagens criadas pelo autor “leva o leitor a viajar entre a verdade histórica e a ficção” afirmou o escritor e mestre em História Contemporânea de Portugal, com tese sobre Sidónio Pais e a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial. Por outro lado, o ilustrador João Espada salientou a importância de “acompanhar os sentimentos das personagens nas suas ilustrações”. Licenciado em Educação Visual e Tecnológica, autor de várias exposições colectivas e individuais, o artista plástico revelou ainda a necessidade de texto escrito e ilustrações se complementarem nesta obra que retrata, através de doze capítulos ilustrados, os dias 4 e 5 de outubro de 1910, que transformaram Portugal numa República. Os autores destacaram também o facto da obra estar neste momento em cena, numa adaptação teatral, levada a cabo pelo Teatro Análise de Loulé. As mais de 40 personagens do romance celebram, agora, o 5 de Outubro pelos palcos do Algarve. Este encontro entre autores, alunos e professores foi uma iniciativa da Biblioteca Escolar e do Departamento de Ciências Sociais e Humanas do Agrupamento de Escolas de Castro Marim, que contou com o apoio da Direcção do Agrupamento, da Câmara Municipal de Castro Marim, da turma 7.ºA, que cantou A Portuguesa, da turma SM2, que serviu o chá da República, da turma HOT2, que fez a exposição das bandeiras da Monarquia e da República, e dos professores e alunos das turmas de 6.º e 9.º anos, que analisaram a obra e participaram no espaço de perguntas e respostas com os autores. Houve ainda espaço para a TeaTroTeca, grupo de teatro escolar, e o Clube de Música dedicarem um texto dito e cantado a José Sequeira Gonçalves e João Espada. O escritor, associando-se ao espírito do encontro, presenteou a plateia com uma excelente interpretação (voz e viola) de A Pedra Filosofal de António Gedeão. Neste encontro também participou a Liga dos Amigos da Galeria Manuel Cabanas, que distribuiu pelos presentes conjuntos com três jornais elaborados na celebração do Centenário da República.

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Conto de Natal

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uando a noite chegava, levava o banquinho para a porta da rua e, enquanto a avó tricotava uma camisola para o tio Miguel, o que andava na tropa, ela entretinha-se a embalar a sua boneca Nila,- era assim que se chamava a boneca de trapos, da qual gostava tanto! - feita pela avó e por esta deixada na botinha pousada em cima do fogão, numa noite de Natal. Quanto tempo já passara! Todos nós temos recordações, porque o tempo tudo arruma nas gavetas da memória;mas para que não desapareçam é preciso abri-las,de vez em quando, para que respirem e não sufoquem. Como todos nós, ela também tinha recordações, e quando fechava os olhos e abria as gavetas tornava-se pequenina. Desse modo aproximava-se da infância, quando queria. Era só contar um, dois, três e... abrir uma gaveta. Nesse tempo já esfumado, o Natal enchia-a de interrogações e de espanto. Um dia arranjou coragem e resolveu descobrir o segredo do Natal. Queria ver com os seus olhos o Menino Jesus, - e quem o não quer? Já de camisinha de alças... - seria de alças? Não se lembra do pijama de flanela estampada, mas da camisinha de alças que quase sempre lhe cobria a nudez, devido à doçura do clima. Pronta para se deitar, trepou pela cadeira alta de fundo de palha, e apertou a torcida do candeeiro a petróleo,- colocado sobre a meia-lua da mesa redonda da sala comum-, ficando, assim, com menos luz. Curiosamente, não aparece ninguém. Como pode ignorar a avó e o avô? Certo, certo, é que saltou para a grande cama e ali ficou, de olhos muito abertos para espantar o sono, acabando por seguir com o olhar o contorno das florinhas brancas bordadas na garrafa de vidro azul. A avó,- agora, sim-, veio junto dela para lhe aconchegar a manta e com ela rezar:

“Padre Nosso pequenino Quando Deus era Menino Pôs o pé no seu altar Com o sanguinho a pingar É já a Noite Santa Já o galo se levanta Já Jesus subiu à cruz Para sempre Amen Jesus” Ou seria:

“Cruz em monte, Cruz em fonte Que o pecado Não me encontre

Nem de noite, Nem de dia Padre Nosso, Avé Maria” Ou ainda:

“Anjo da Guarda Minha companhia Guardai minha alma De noite e de dia” - Não quero dormir!- dizia para si própria, tentando vislumbrar pelas pestanas a garrafa de vidro azul com florinhas brancas em relevo. Quero ver o Menino Jesus! Os olhos, habituando-se à penumbra, iam contornando os cálices de igual cor. Porém, mal a avó virou costas, levantou-se de mansinho e, pé ante pé, atravessou as cortinas de cretone florido, colocadas como barreira de divisões mais íntimas. Já na cozinha, à direita, o poial de pedra e sobre ele, em repouso, a grande talha de barro vidrado com uma torneira centrada no bojudo ventre. O que teria dentro?Outra vez aquela nuvem a esconder o que ela tanto queria ver. Seria água? -tinham água canalizada. Azeite?- não, que não eram tão fartos, assim. Azeitonas? Tremoços? Carne de porco salgada, trocada por atum fres-

co? Uhn... não. Talvez fosse, mesmo, um depósito de água fresquinha para ser bebida no Verão, ou então, para tê-la em dias de falta. Quem sabe? Em frente, o fogão de lenha - ou seria de carvão?, lá grande era ele. De carvão. Lembra-se de o ir comprar, sempre que a avó lhe pedia para não largar o que estava a fazer.Tinha sido ali, em cima do fogão já apagado, que a avó deixara as botinhas. Mas onde estaria o alguidar das filhós que a avó amassara, batera e recortara: umas, com a florinha de metal; outras, rasgadas da enorme massa e postas a frigir na sertã, com muito cuidado, para não se queimar? Nesse momento, ouvindo vozes escondeu-se. Onde? Na cozinha? No outro quarto ou no páteo. Não interessa onde, eram apenas sussurros. Se calhar era o Mestre-Zé-Sapateiro a falar com a mãe da Florinda ou, então, a vizinha do outro lado, a mãe da Bia. Escondida, pôs-se a espreitar. A avó tirava de um saco de papel os rebuçados circulares e chatos, comprados na praça, com protuberâncias prontas a derreter na boca e a deixar a língua colorida, quando os apanhasse. Mais uma boneca da feira, daquelas de papelão, que a avó retirara da gaveta da mesa da cozinha

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e... uma fita para o cabelo, com coelhinhos saltando na transparência do plástico que a avó se apressou a embrulhar. Mais um laçarote a colocar nos seus cabelos, sim, mais um, nada mais. De manhã tiraria a prova real,- sempre queria ver a cara da avó. E se o Menino Jesus não viesse? Nem queria pensar! Saindo do esconderijo sem ser vista, foise deitar. No dia seguinte, pela manhã, correu à cozinha e começou a desembrulhar os presentes, mas ao fazê-lo, as lágrimas que lhe corriam até ao queixo, humedeceram o papel que se desmanchou, tal qual as bonecas de cartão, quando lhes dava banho. Afinal, o Menino Jesus esquecera-se dela! Fora a avó que comprara tudo. Tudo? Não. Havia, ainda, um embrulho. O que teria? A ternura e o sorriso de um coelhinhde pano branco, fofinho e... quem não resiste a uns bracinhos estendidos para nós? Ela não resistiu e de pranto enxuto correu para a avó, gritando: - O Menino Jesus lembrou-se de mim, avó! Depois... foi apresentar o coelhinho à boneca de cartão. J.L.


16 Mazagão no Algarve de Além Mar - Património da Humanidade até quando? Fernando Pessanha (CEPHA/UALG)

N

o âmbito dos conhecimentos adquiridos ao longo da licenciatura em Património Cultural, decidi, para tema de monografia de seminário, abordar a história da praça de Mazagão no contexto da expansão portuguesa para o Norte de África. Fundada em 1513, no contexto do espírito de cruzada invocado pela dinastia de Avis, foi uma das mais importantes praças que Portugal possuiu no Algarve de Além Mar e, aquela em que os portugueses mais tempo subsistiram (desde 1513 a 1769), quando numa profunda alteração da estratégia colonial, o Marquês de Pombal manda transferir toda a população da cidade para Nova Mazagão, no Brasil. Esta antiga possessão portuguesa, enquanto herança patrimonial edificada, é uma praça precocemente moderna, um exemplar de arquitectura militar do Renascimento, construída no contexto da reformulação da estratégia Norte Africana de D. João III. Trata-se do primeiro grande baluarte construído fora da Europa e em espaço do império português, projectado por Benedetto de Ravena e construído pelo mestre-pedreiro, João de Castilho, segundo os princípios do sistema abaluartado “à italiana”. Assim sendo, um autêntico bem patrimonial que testemunha a dura realidade em que os portugueses subsistiram nas praças lusas do Norte de África e o paradigma da herança cultural e arquitectónica que os portugueses deixaram em Marrocos. A metodologia de trabalho utilizada para esta monografia de seminário baseou-se, para além necessária recolha bibliográfica sobre o assunto, num estudo in loco, de modo a recolher bibliografia marroquina existente e a visualizar e documentar o estado das estruturas desta antiga possessão portuguesa. O resultado deste estudo foi, infelizmente, assinalado pela decepção subjacente à busca das fontes locais e ao lamentável estado em que se encontra este monumento. As investigações realizadas no terreno, junto das entidades culturais da região, revelaram-se um lamentável fracasso pautado quer pela quase total inexistência de bibliografia marroquina, quer pela ignorância da população local relativamente às eventuais informações que poderiam ser facultadas pela tradição oral. Da experiência do estudo in loco, acabo, inevitavelmente, por concluir que a grande generalidade dos marroquinos não tem noção do valor

patrimonial deste monumento de interesse histórico, arquitectónico e arqueológico, classificado pela UNESCO, em 2004, como património da humanidade. Da fortaleza, o que melhor se encontra conservado são os muros, os baluartes e a cisterna. O traçado das ruas sofreu variadas modificações sem, no entanto, perder a toponímia portuguesa. Do castelo manuelino subsistem ainda restos das torres e as galerias. De todas as construções de cariz religioso restam apenas duas igrejas; a Igreja de Nossa senhora da Assunção e a Capela de São Sebastião. Infelizmente, os elevados níveis de degradação no interior da fortaleza e a abundante lixeira a céu aberto que os actuais moradores da “cité portugaise” tão orgulhosamente insistem em preservar são o espelho do vergonhoso estado em que este monumento se encontra. Os edifícios civis encontram-se num lamentável estado de degradação e modificados em relação ao traçado português. No que se refere ao espólio arqueológico, alguma epigrafia e outros restos de material bélico encontramse guardados numa espécie de “núcleo museológico”, instalado numa galeria do edifício do antigo castelo, para além dos poucos canhões portugueses que miraculosamente subsistem nos baluartes. Grosso modo, o lamentável estado de conservação verificável no interior da fortaleza de Mazagão, classificada pela UNESCO como património da humanidade, é uma situação que nem honra os antepassados marroquinos que lutaram contra o invasor português, nem prestigia as instituições marroquinas, alegadamente responsáveis pela preservação e defesa do património, como o Centre du Patrimoine Luso-Marrocain, organismo dependente do Ministère de la Culture do reino de Marrocos. Dadas as circunstâncias, coloca-se uma questão: até quando conseguirão as entidades responsáveis marroquinas manter o estatuto de Mazagão enquanto Património da Humanidade? Será a fortaleza de Mazagão um caso pontual ou tratar-se-á antes do triste fado dos demais monumentos de origem portuguesa no mundo, mesmo quando supostamente protegidos ao abrigo da classificação da UNESCO? É uma questão que deixo no ar…

Nota: O autor não escreveu o artigo ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

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António Aleixo e Tóssan N

o dia 16 de Novembro de 1949 (fez agora 61 anos), António Aleixo deixava-nos para sempre. O homem físico, bem entendido, que não o génio que nele habitava. Esse encontrava-se, e permanece até hoje, na essência da sua obra. Apesar do tempo soalheiro e brilhante como há muito não se via naquela altura do ano – foi um dia triste e penoso para quantos, além da sua família, conheciam e estimavam o poeta. Passado um mês sobre a data do infausto aniversário, já não é para assinalar a dolorosa efeméride que se publica hoje este texto. Ele destina-se, antes e acima de tudo, a evocar as relações de convívio e amizade entre António Aleixo e esse outro grande artista algarvio – também natural de Vila Real de Santo António – que se chamou António Santos, mais conhecido por Tóssan. É voz corrente, muitas vezes estampada nas páginas dos jornais, que António Aleixo conheceu o Tóssan no Sanatório, onde ambas se encontravam e permaneceram durante alguns anos, em demanda da cura para a doença comum. A repetição desta inverdade, aparentemente inócua, não só deturpa as biografias dos dois amigos, como anula – porque omite – o papel que Tóssan desempenhou nas diligências que foram efectuadas com vista ao internamento do poeta. É, pois, chegado o momento de afirmar, alto e bom som, que não foi no sanatório dito dos Covões – na realidade Hospital Sanatório da Colónia Portuguesa do Brasil, situado na quinta dos Vales, da freguesia de São Martinho do Bispo, concelho de Coimbra – que os dois conterrâneos se conheceram. Muito antes de A. Aleixo precisar (ou imaginar sequer que um dia precisaria) de internamento em sanatório, já Tóssan era seu amigo íntimo, apesar da diferença de idade (19 anos) existia entre eles. Conheceram-se (não por acaso), no Ginásio Clube de Faro, naquela noite memorável de 22 de Dezembro de 1937, que foi a da festa de encerramento dos primeiros Jogos Florais a que António Aleixo concorreu, e quando ficou conhecido dos principais vultos (entre eles o Dr. Joaquim Magalhães) da intelectualidade farense da época. Quem apresentou o Aleixo ao Tóssan foi o Fernando Laginha, de Loulé, que nessa noite acompanhara o amigo a Faro. Tóssan já tinha ouvido falar do poeta e até sabia de cor algumas das suas quadras mais famosas que lhe haviam sido transmitidas por outro grande amigo comum, o relojoeiro e arqueólogo amador, José Rosa Madeira. O encontro dessa noite constituiu um marco importante para ambos – principalmente para o poeta, que nunca deixou de sublinhar quanto a amizade do seu jovem conterrâneo contribuiu para amenizar o fardo da existência, na última fase da sua vida.

Por essa altura, com dezanove anos de idade, Tóssan já ensaiava os primeiros tentames de desenhador humorístico e propendia alegremente para o teatro amador, quer como actor, quer como cenógrafo – actividade em que viria a destacar-se mais tarde em Coimbra, integrado no Teatro dos Estudantes Universitários (TEUC). Entretanto, várias localidades algarvias iam tendo a oportunidade e o privilégio de apreciar o seu múltiplo talento repartido pelos palcos e pela decoração de interiores. A esse respeito, vejamos o que dizia “O Louletano” de 26-X-1939: «Os amadores da secção de Teatro do Sport Lisboa e Faro vão levar à cena num dos teatros da Capital da nossa província, a revista «Ora toma Mariquinhas» da autoria da António do Nascimento, com música dos maestros Bernardo Ferreira e Manuel Ribeiro, e cenários sintéticos do artista algarvio TÓSSAN». Dois meses depois, na noite de 28 de Dezembro do mesmo ano, foi «a interessantíssima revista» representada no Cine-Teatro Louletano, com a presença do cenógrafo e proválmente a de António Aleixo, na qualidade de espectador. Passados alguns dias, também o Atlético Sport Club (de Loulé) anunciava no mesmo jornal, que iria proporcionar «aos digníssimos consócios uma noite festiva e inédita (a noite da passagem do ano) estando a decoração da sala a «cargo do artista algarvio António dos Santos (Tóssan) que a isso se prestou gentilmente». Como se pode ver pelo que fica exposto, o jovem «artista algarvio» não só conheceu o poeta Aleixo seis anos antes da doença os juntar no mesmo estabelecimento hospitalar, como se prestava a ir, mui gentilmente, a Loulé, para revelar algumas das facetas mais notórias da sua veia artística – não esquecendo que nesta vila residiam os seus dois amigos, em atenção aos quais efectuava aquelas deslocações. Entretanto Tóssan adoeceu gravemente e teve de ser internado no Sanatório da Quinta dos Vales, em data incerta, por volta de 1941 ou 1942. António Aleixo, só lá entrou em Julho de 1943,meses depois de ter publicado o seu primeiro livro «Quando começa a cantar». Nesse mesmo ano, Tóssan aproveitou para fazer, a lápis e tirado do natural, aquele que passa por ser o retrato mais conhecido do poeta. Aconteceu até um facto curioso, mas de certo modo trivial, durante a elaboração desse retrato: o pintor pediu ao modelo que se mantivesse firme numa certa posição, porque queria captar bem a expressão singular daqueles olhos miudinhos; a resposta do visado não se fez esperar:

Embora os meus olhos sejam Os mais pequenos do mundo, O que importa é que eles vejam O que os homens são no fundo. Quadra que Tóssan registou imediata-

mente. A história do internamento de António Aleixo fica para outra altura; mas posso desde já adiantar que sem a dedicação de Fernando Laginha, em Loulé, e a intervenção de Tóssan junto do director do Sanatório, o poeta nunca teria sido admitido naquele que era então o melhor estabelecimento de combate à tuberculose que havia em Portugal. Reconhecido e grato por tudo quanto devia aos amigos, e não podendo pagar-lhes de outra forma, António Aleixo obsequiava-os com exemplares dos livrinhos que ia publicando, nos quais escrevia (1) tocantes autógrafos em verso como este, extraído de um volume de “Intencionais”, oferecido ao Tóssan:

Para ti Tóssan amigo, Que de há muito me conheces, É pouco o muito que digo De ti que tanto mereces. - Ou este, em prosa, num exemplar dedicado ao outro amigo: ”Para o meu grande Amigo Fernando Laginha com um abraço e os meus agradecimentos pelo muito que me tem auxiliado durante o período da minha doença – António Aleixo – Loulé, 14 de Dezembro de 1948” (sic, apenas com ligeiras correcções ortográficas) Seis anos depois do primeiro internamento, António Aleixo, perdidas as esperanças na cura que tanto almejava, deixou definitivamente o Sanatório, em Maio de 1949, para ir acabar os seus dias em Loulé junto da família. Tóssan – António Fernando Santos, de seu nome completo – viveu mais quarenta e dois anos, na companhia da sua dedicada esposa, D. Manuela Leça da Veiga Santos,

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vindo a falecer em Lisboa, em Agosto de 1991. Deixou – além de dois pequenos livros de desenhos humorísticos – uma obra dispersa e variada, constituída por desenhos, retratos, caricaturas, ilustrações de livros, jornais e revistas…que muito ganharia em ser reunida e publicada. Isto, sem falar dos poemas (ou textos poéticos, como ele preferia) que só parcialmente mostrava aos amigos e quase nunca publicou, e dos quais se dá aqui uma pálida amostra: António Aleixo por Tóssan Os Gatafunhos do Tóssan O gafanhoto é um gatafunho feito pelo punho de um canhoto. Os canhotos São os que fazem Gatafunhos Sem saberem Que fazem Gafanhotos. O perigo das pragas De gafanhotos É comerem tudo Menos os canhotos. Porque se comessem os canhotos Já não havia Gatafunhos nem gafanhotos Ezequiel Ferreira (1) Escrevia, sim, porque, ao contrário do que dizem alguns "doutores", António Aleixo não era doutor mas também não era analfabeto Nota: O autor não escreveu o texto ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.


18 Rogério Silva

Filhos de Olhão M

as o grande negócio de Olhão foi sempre o contrabando. Não é contrabandista quem quer: é preciso inteligência e astúcia, o arrojo, o alerta dum chefe selvagem e a imaginação de um poeta. Conheço um contrabandista famoso, o senhor Mendinho... tem setenta e dois anos, um grande engenhoeprometelevaraAlcácer-Quibir todos os poetas portugueses... O marítimo de Olhão tem, como nenhum outro, um grande sentimento de igualdade: estende a mão a toda a gente... Homens simples, porque a profissão é simples e o meio, grande e eterno, não os corrompe. E como o mar abundante e pródigo não tem cancelas, são generosos, imprevidentes e comunistas. Por míngua de engenho que me permitisse fazer a exaltação justa, despida de bajulação, do carácter sobre todos incomum que conforma a alma do povo desta cidade, fui-me às crónicas do Mestre Raul Brandão, no seu livro Os pescadores, e de lá respiguei as esplêndidas linhas com que abro esta croniqueta. Também genuína e brava, tanto como a do marítimo de Olhão, a alma do Mestre soube, como muito poucas outras, deixar-se deslumbrar por esse espírito único em que os sentidos da igualdade, da alforria e do convívio, se combinam para formar uma teia de sedução que nos faz sentir um deles mesmo ainda não sabendo quantos azuis há na ria. Enganou-se um outro mestre das letras em português, brasileiro este, quando num seu conto descrevia um baiano como compincha a tal ponto encanta-

dor que ao fim de duas horas de conversa ficava-se amigo de infância. Baiano?! Garofes, mestre Jorge. Um gajo desses era daqui. Eu seja ceguinho se não! E nas pedras do fundo do mar, no covão dum canal da ria, no desenho esgrouviado das ruelas da Barreta, o de Olhão conserva ainda hoje, com fervor de frade, esses haveres que o passado lhe legou e que o enlevo daquele homem verdadeiro com tanta luz e graça foi capaz de nos mostrar. Mas não só os conserva. Guarda-os e atira-os com insolência de rapazola à cara da vizinhança, de que escarnece às escâncaras, abusador como é. Esta nossacontemporaneidadeencarneirada,derivada do petróleo, não lhe bule com o feitio libertário e safo, capaz de ensinar a uma gaivota a física dum vendaval. Passa incólume sobre os jorros de frioleira enlatada e quantas vezes cabotina com que à má fila as televisões chicoespertas vão nivelando na acefalia o pequeno-burguês de todos os continentes, que deslumbram incitando-o a imitar o brilho de fancaria das suas banalidades cor-de-rosa. Brilhos desses não são com ele. É independente e genuíno, atávico e igualitário e esse Mundo que se marimbe. E faz-me espécie que tendo Olhão no seu haver, assim agora como ontem, tantos e tão grandes poetas, não seja esta gente, que só com a ajuda do mar a si mesma se modelou, e a sua vida e génio tão singularmente alodiais, a comandar o mote dos seus versos, que embora tantas vezes muito belos e veementes, apenas visam atrair-nos para a

contemplação emocionada dos seus próprios estados de alma, onde parece estar ausente o afecto por esta arraia graúda. Tivesse sido eu um dos contemplados com um poucochinho que fosse dos dons que as musas prodigalizaram a esses vultos, e franquearia um céu inteiro a tais patrícios, para que os admirasse o mundo, não como heróis de feitos individuais que a narração enchumaçaria (como é de malino costume...) mas como resultantes singelas de uma alma e de um modo de vida que compõem em si próprios o mais inspirador dos poemas. E cantaria a gesta do mestre Joaquim, que de entanguido até aos ossos em lugre bacalhoeiro, crianço ainda nos anos, veio a ser encabeçado na função de que conserva o título por um velho governador com quem mantinha rinha velha não se falando havia anos, mas sob cujo mando servia em companha de traineira. E que o empossou com um despacho selado a tanganhada na venda do Sete Estrelas, exarando como segue, se sou fiel ao traslado: Joaquim, tu és pior que uma zebra, um excomungado de merda, mas para o governo do barco tens já mais arte que o velhadas que aqui está; amanhã vamos à Capitania. E continuaram de candeias às avessas e mudos um para o outro depois disso... E também poria em letra louçã e fidedigna o feito de um nadador audaz que me suavizou a amargura de uma manhã de ruína. Vi-o de uma janela alçada sobre a ria, e denotava inquietação nos passos que dava a um e outro

lado, junto à água, no primeiro mouchão que se abre logo ali em frente à praça. Curvado para o chão um homem escavava o lodo na busca resignada do sustento. A certa altura deteve-se como se tivesse acabado de tomar grave resolução. Foi-se até ao pé do homem, recebeu dele um afago e meteu-se à água em direcção ao cais do bate-estacas onde hoje ancora o caíque. Não há-de ser travessia fácil para um cachorro, pois a corrente ali é forte e grande o risco da vazante lhe arrastar o corpo miúdo para a imensidão das águas. Mas ele devia saber de tudo: correntes e azimutes, ventos e coordenadas. Durante muito tempo fiquei a ver-lhe a cabecita a dar a dar e o leve sulco que o seu movimento deixava no azul, atrás de si. Não o vi chegar ao cais, que ficava fora do meu alcance, mas tenho a certeza de que chegou. Era de competência e ânimo que não se deixam enganar. E no bulício do mercado de terreiro, naquela manhã de sábado, há-de ter sacudido a água a salpicar as pernas de uma vendedora e partido em busca de companhia, quem sabe se de parceira ou namorada que o esperasse, orgulhosa do seu empreendimento. Era um canito-de-água minorca, tetraneto daqueles que Raul Brandão também homenageou com admiração, membro desta comunidade que no devir dos tempos vem moldando, sem condes nem maiorais, só em comunhão entre si e com o mar, a sua história e o seu destino. E cuja vida um poeta, que volte de Alcácer Quibir, há-de algum dia cantar.

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Comemorações do 1.º Centenário da República louletano veio palestrar a Tavira

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o prosseguimento do seu programa comemorativo do 1.º centenário da Implantação da República em Portugal, a Câmara Municipal de Tavira trouxe a esta cidade no dia 2 de Dezembro corrente a fim de palestrar sobre a referida implantação, o engenheiro senhor Luís Guerreiro, ilustre chefe de Divisão da Cultura e História Local da Câmara Municipal de Loulé. O acto cultural teve lugar na Biblioteca Álvaro de Campos, à noite, perante uma razoável assistência que, no final, prestou ao conferente calorosos aplausos. De facto, o engenheiro Luís Guerreiro mereceu-os realmente. O tema da sua conferência foi sobre o doutor Silvestre Falcão e respectiva carreira política, que como é sabido, foi brilhante a favor dos republicanos desde o início dos anos noventa do século XIX até que morreu em 1927. E como o dr. Silvestre Falcão prestou coomo médico, durante vários anos, serviço em Loulé, certamente daí a disposição do conferente para o estudo daquele personagem. Enfim, um acto cultural meritório, especialmente para Tavira onde o dr. Silvestre Falcão residiu grande parte de saua vida e fundou e dirigiiu o Jornal "Província do Algarve" com existência entre 1908 e 1920. Arnaldo Casimiro Anica

O Algarve aclamou a República Artes e Cultura no Algarve Republicano (6)

F

oi com a criação da primeira escola no Algarve, em Faro, de Comércio e Indústria, Pedro Nunes, em 1889, sendo ministro de Obras Públicas, do reino, Emílio Júlio Navarro, e criando-se, por lei, o primeiro museu, anexo à escola, que se abriu o conhecimento para o futuro de muitas artes, para todo o Algarve. Logo que a República se implantou, já a Escola Pedro Nunes se assumia na sua competência de escola das artes. Três nomes se distiguem para o conhecimento: a arte do ferro, a arte da pedra, a arte do desenho, que dois mestres haveriam de passar à história; os pedagogos Carlos Alberto Lyster Franco e o austríaco Adolfo Hasmann. Três alunos se destacaram: o mestre ferreiro Pimenta, o mestre canteiro Tomaz Ramos, o pintor Carlos Porfírio. Com a República, e vamos a partir da cidade de Faro, a cidade enche-se de todas essas obras que hoje constituem, mais pela pedra, dado que a arte do ferro foi desaparecendo da cidade, a partir do fim dos anos quarenta, e por aí fora. Mas a construção de pedra ficou, na responsabilidade do mestre canteiro, desde os palacetes Belmarço, Fialho, Guerreirinho, café Aliança, Obelisco, plinto do monumento a João de Deus e muito mais. O pintor Carlos Porfírio teve a maior responsabilidade na arte pictórica. O artista tornou-se notado, a partir dos anos 1916/17, com a responsabilidade em organizar o Movimento Futurista, em Faro, em apoio do seu mestre Carlos Augusto Lyster Franco, então director do semanário "O Heraldo". Porfírio foi o director da célebre revista "Portugal Futurista", que logo, com a ditadura de Sidónio Pais, em 1917, foi apreendida, em todo o país. É tempo de se iniciar o período das grandes exposições de pintura pela cidade, em apupos e delírios de aplauso, pelo movimento da nova pintura que surgia; pela literatura. Nomes futuristas haveriam de encher o país de orgulho, chegando ao internacional, como Fernando Pessoa e Carlos Porfírio. Já por Faro circulavam os primeiros automóveis e se inaugurava o primeiro autódromo, no Rio Seco. Com a República chega a electricidade à cidade. As cidades algarvias tomam um novo impulso de modernidade. O animatógrafo começa por destruir os teatros. Faro inaugura-se o primeiro cinema, o seu Santo António, em cotas de 5$00. Era a época de todas as inovações. Até que vem a primeira guerra mundial 1914/ /18, que causou algumas dezenas de milhares de mortos na juventude portuguesa, nessa participação exigida, em tempos do imperialismo colonialista, para salvar as colónias de Angola e Moçambique. Por Faro funda-se a primeira Universidade Livre, que iria chegar até à Ditadura, em 1926. Debatia-se, em novidade, Freud e a psicanálise. Os maiores nomes da cultura da região e do país vieram pela "ousadia"... Também, em 1917 a cidade ganha a sua primeira Orquestra Sinfónica, dirigida pelo maestro Rebelo Neves, conforme os semanários de Faro, com "O Algarve" e "O Heraldo", num orgulho anunciado. Maria Campina recorda, nos seus tempos de menina, chegar a Faro, "para no Lethes assistir ao concerto que a Orquestra Sinfónica, de Faro daria, com o poema sinfónico de Luís de Freitas Branco,

"Paraísos Artificiais", numa tarde de Agosto de 1924. E se pela musical estreada em Lisboa, em 1913, em primeira audição, foi muito mal entendida e sapateada, em Faro, no Lethes, foi um êxito" (1). Já o gosto pela partitura clássica, do compositor vila-realense, João Guerreiro da Costa, se notava com a sua ópera, no teatro da sua terra, O Marquês de Pombal, com a "A Moira de Silves", a ganhar admirações por Lisboa, no Teatro da Trindade. No jornalismo e literatura vêm importantes nomes regionais, como Elisa Santos, Manuel Roldan, Rocha Martins, Umberco Pacheco, Sousa COsta, Maurício Monteiro, Coelho de Carvalho, Maria Arade, Manuel Caetano de Sousa, José Dias Sancho. Ainda poetas, em que se destacam dois nomes maiores, Cândido Guerreiro e Emiliano da Costa. Ambos dominarão a poesai até meio século XX. Já António Aleixo morria, sem reconhecimento, para um futuro que se anunciava. Pintores como Roberto Nobre, seguidor do movimento Futurista, mestre Augusto Lyster Franco, o artista do carvão, Martins Gimenez, o pintor da monumentalidade algarvia. Um berto Martins, o pintor das gentes de Olhão, do campo e da Ria. As irmãs artistas do poeta Bernardo e do dramaturgo e cronista Boaventura Passos, a pintora Virgínia e a escultora Rosalina, valorosas republicanas são-brasenses. Samora Barros, o admirável artista do retrato, a quem Margarida Tengarrinha, no seu estudo sobreo pintor de Albufeira, diria, "Samora, o pintor do Algarve" (2). Haverá muita gente das letras e das artes que viveu nos tempos vivos e dolorosos do movimento republicano, mas que lhe ficaram alheios ou seus opositores. Não ficará bem, respeitando os seus percursos políticos, colocá-los nesta galeria do centenário da República Prtuguesa, seria injuriar as suas memórias... Teodomiro Neto 1) "O Último Concerto de Maria Campina" - página 114 - Edição 1988. T.Neto 2) "Samora Barros - Pintor do Algarve" - Edição 1990 - Margarida Tengarrinha

Palestra sobre a vida Militar entre 1910 e 1931 em Tavira

D

ecorreu em Tavira uma palestra pelo Capitão Arnaldo Casimiro Anica sob o título "Tavira Militar na 1.ª República", proferida na Biblioteca Municipal Álvaro de Campos, perante razoável assistência, entre a quel se viam diversas individualidades locais. O palestrante, ou conferencista, que há muito estuda a História de Tavira, analisou as vicissitudes várias porque passou a guarnição

militar daquela cidade entre 1910 a 1931, guarnição constituída pelo Regimento de Infantaria n.º4 que, em 1917, forneceu um dos seus Batalhões, o 3.º, para o Campo de Batalha da Flandes onde, a 9 de Abril de 1918, foi sujeito a um formidável ataque das tropas alemãs que o dizimou inglo-riamente. A palestra acabou focando a campanha do "Reviralho", de 1927 em que

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tomou parte uma pequena fracção do efectivo daquele Regimento seduzida por um Tenente pouco antes fora trasnferido para o Regimento de Infantaria n.º 4, vindo do norte de Portugal. Por fim houve um animado diálogo entre a assistência e o palestrante, ocasião propícia ao esclarecimento de certos pormenores ainda não focados.


20 Espaço

Saúde em Diálogo

Seniores com direitos… para gozarem de mais saúde

A

Constituição da República é generosa com as suas propostas quanto às políticas públicas referentes aos idosos. De facto, o seu artigo 72º prevê que os seniores têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal. A Lei Fundamental prevê uma política de terceira idade e que os seniores têm direito a uma pensão de velhice. Esta diretriz, como é sabido, tem recebido alguns impulsos altamente positivos, mas muito há a fazer. Continuamos a viver no mundo que está a envelhecer mas onde nem todos reconhecem os idosos como um recurso valioso. A promoção da solidariedade intergeracional continua a ser um objectivo longínquo e as medidas de apoio aos seniores, na maior parte dos casos, são tomadas avulsamente. Não deixa de assombrar o que se está a fazer nas autarquias quanto a iniciativas orientadas para seniores em áreas como: apoio domiciliário; programas de actividade física; eventos de convívio, programas culturais, excursões, etc. Concretamente os seniores têm direito a quê? Têm direito a acompanhamento, de acordo com a sua escala de limitações, a viverem no seu domicílio pelo tempo que for viável; a permanecerem integrados na sociedade; a serem incentivados a prestar serviços à comunidade, trabalhando com voluntários, de acordo com os seus interesses e capacidades; a terem acesso a serviços sociais e jurídicos que lhes assegurem melhores níveis de autonomia, protecção e assistência. Este conjunto de direitos expressa-se em assistência médica, em acesso a recursos educacionais, culturais e espirituais e a ser tratado com dignidade. É interessante observar que muitos seniores permanecem autónomos até idades tardias, desempenhando funções de grande influência, liderando movimentos associativos e mantendo-se ligados à estrutura familiar. O envelhecimento com dignidade prende-se com os cuidados do indivíduo e da comunidade e a capacidade de poder semear afectos ao longo da vida e até planear o seu próprio envelhecimento. Um estilo de vida saudável requer

uma alimentação que dê prazer e seja social. Os profissionais de saúde e os cuidadores de seniores devem estar atentos às seguintes realidades: o envelhecimento não é uma patologia mas está associado a necessidades e riscos específicos, pelo que devem ser encorajadas as acções de prevenção para que o regime alimentar seja variado, agradável e em porções compatíveis; a atitude proactiva e a sociabilidade do sénior exigem que a alimentação seja encarada como um prazer importante e os alimentos devem ser apreciados com boa qualidade gustativa; deverá sempre ter-se em conta que os regimes alimentares restritivos poderão ter consequências nefastas no estado nutricional do sénior. Por definição, o sénior fica mais influenciável na maturidade. Daí haver toda a vantagem em apoiá-lo quanto às aldrabices do mercado e às práticas abusivas que podem explorar a fraqueza nas suas decisões de compra. Estas intrujices podem manifestar-se de muitas maneiras: nas compras com ou sem promoções; nas cláusulas dos contratos; nos produtos milagre ligados sobretudo à saúde; nas vendas por telefone, em reunião e nos cartões de férias… os seniores são um alvo privilegiado dos trapaceiros do mercado. Todas as associações que têm seniores devem

pensar na sua defesa, explicando-lhes: o que são técnicas de venda e como elas podem manipular a liberdade de escolha; o consumidor deve conhecer os seus direitos nas compras com promoção em saldo, nas vendas com brindes, com redução de preço, etc. (as vendas agressivas sugerem sempre preços mirabolantes, condições únicas e preços imbatíveis); o sénior deve estar alertado de que as intrujices sobre a saúde podem provocar danos irreparáveis, pelo que se deve ter cuidado com os regimes de redução de peso, os alimentos disfarçados de medicamentos e sobretudo os medicamentos comprados na internet. Há, é verdade, as questões relacionadas com as patologias, por vezes a perda de mobilidade, certas incapacidades. Devemos todos estar conscientes dos porquês do envelhecimento. Um sénior socialmente activo resiste sempre melhor ao isolamento e às obsessões, mesmo quando as limitações são fortes: resiste à perda de visão próxima, à redução de agilidade, ao andar por vezes penoso ou às modificações do

s reflexos. O importante é estarmos conscientes do que é o processo do envelhecimento e de como o podemos retardar. Por exemplo, o processo de envelhecimento do sistema nervoso pode começar na meia-idade e manifesta-se por atrofia cerebral. As associações de doentes e de consumidores, os promotores de saúde, enfim as organizações que estão envolvidas no Espaço Saúde em Diálogo têm o dever de apoiar todos aqueles que lhes batem à porta para lhes dar instrumentos para apoio ao envelhecimento positivo: como comunicar com os profissionais de saúde e fazer um uso responsável na toma de medicamentos; saber cuidar do corpo, viver numa casa segura e funcional, dispor de um regime alimentar satisfatório, partilhar as alegrias da vida com os outros. A solidariedade inter-geracional é uma das garantias para a cidadania de pleno direito, para viver cuidado e a cuidar-se com total dignidade. Com esta solidariedade faremos bem uns aos outros e a sociedade ganhará em termos de desenvolvimento e qualidade de vida: com mais cuidados de saúde e muito menos solidão; com a solicitude e partilha de carinho; com entreajuda e respeito pela memória desses seniores que são bibliotecas vivas. Enfim, como envelhecer sem uma doença crónica é mais a excepção do que a regra, todo o discurso proactivo em favor dos seniores passa por ajudalo a saber gerir a sua própria vida, a preservar as habilidades físicas e mentais necessárias à manutenção de uma vida autónoma. Um sénior que trabalha até tarde, que é educado e que tem a sua curiosidade educada, que é comunicativo e dotado de vida social, está menos sujeito à exclusão e à discriminação social, fica mais aberto a ajudar os outros, permanece receptivo à busca da beleza e ao optimismo. É exactamente isto o que as organizações que participam no Espaço Saúde em Diálogo têm para lhe dizer.

Para saber mais sobre estas matérias, contacte:

Espaço Saúde em Diálogo, Praceta Azedo Gneco, nº 17, Bloco E, Edifício da Carreira de Tiro, 8000-163 Faro Telefone: 289829132 E-mail: esd.plataforma@gmail.com

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Leituras Contributos para a Construção da História local

O

Dr. Hugo Cavaco, consagrado historiador regional algarvio, acaba de editar mais um trabalho sobre a História do seu concelho: Vila Real de Santo António. Desta vez sob o título "Contributos para a Construção da História Local". Trata-se de um opúsculo de 48 páginas, mas todo ele de grande valor histórico e literário. Os subtítulos são os seguintes: Histórias da minha Vila;

Ecos da Expansão Portuguesa em Marrocos; Relógios Públicos de Vila Real de Santo António; Feiras e mercados do concelho; Tempos idos. O autor deu a este seu livro a classificação de "caderno escolar". Mas a obra é muito mais do que um caderno escolar, questão que demonstra logo no 1º dos subtítulos no qual dá a conhecer as vicissitudes por que passou, ou vem pas-

sando, a fixação do Feriado Municipal de Vila Real de Santo António, actualmente o dia 13 de Maio. Outro dos subtítulos deste livro, aquele "Ecos da Expansão Portuguesa em Marrocos", trata de uma pedras que António Leite trouxe de Marrocos quando abandonámos a Praça de Arzula, pedras que depois empregou na obra de construção de uma igreja de Santo António da Arenilha, que o mar destruiria mais tarde, na foz do Guadiana.

E até alcançar as 48 páginas, trata ainda Hugo Cavaco, neste seu livro, dos diversos relógios públicos que a sua cidade tem tido desde meados no século XIX e das feiras e mercados que no concelho tem realizado desde 1760 até à actualidade. Livro que não apenas os vila-realenses mas todos os algarvios que à História dediquem a sua atenção, nomeadamente à História da sua província, devem procurar ler.

O Algarve em Património

O

conhecido homem da cultura algarvia, prof. doutor José Eduardo Horta Correia, residente em Vila Real de Santo António, trouxe há pouco a público mais um livro da sua autoria de grande interesse para o estatuto da Arquitectura desta província, ao qual deu o título de "O Algarve em Património".

Trata-se de uma colectânea de grande parte dos textos por ele publicados desde 1982, muitos dos quais são hoje de difícil acesso, a que juntou alguns inéditos igualmente da sua autoria. São 319 páginas, todas sem ilustrações. Tudo sem prejuizo de outros trabalhos que o autor declara ter entre mãos.

É pois evidente o interesse da presente publicação, não apenas para os alunos da Universidade do Algarve mas também para os estudiosos da História desta província aos quais tenham passado despercebidos alguns dos textos reunidos nesta colectanea. O professor doutor Horta Correia é um desassombrado especialista no trans-

mitir ao público, por escrito, as suas opiniões no que respeita à História da Arte algarvia. Daí o grande interesse em que se pode apreciar pausadamente esta colectânea e fazer a análise das referidas opiniões, confrontando-as com a observação directa dos monumentos em estudo. Arnaldo Casimiro Anica

Opinião De como as iludências aparudem Para os que pensam que ando a dormir, para os que pensam que não me preocupo com os problemas sociais aqui vai: os portugueses estão equivocados, quando pensam ser fácil a vida de um político em Portugal. Sabendo que a dificuldade ou facilidade é - quase - sempre relativa, nada melhor que demonstrar o que penso através de uma comparação. Por exemplo com a vida de um professor do ensino secundário, do grupo 430 (economia e contabilidade). Neste grupo, leccionam os que há mais tempo dão aulas, não estando vinculados ao ministério. Há quem tenha trinta anos de serviço e ainda seja eventual. Vejamos um destes casos: salário líquido mil euros (por cima, muito por cima, amigos meus). Mil euros, multiplicado por catorze, catorze mil euros anuais. Vejamos como pode ser a sua vida, em termos médios: vigiando a sua saúde, comerá na cantina (onde pagará oitenta euros por mês); jantar em casa (bife de peru, chá, marcas brancas, bolachas de água e sal): cento e vinte euros por mês. Sair de casa, quatro vezes por mês (cerveja, três caipirinhas; dez euros). Roupa (marcas de conhecidas lojas que sustentam muitos postos de trabalho em centros comerciais conhecidos): cinquenta euros em média. Gasóleo (se trabalhar a mais de vinte quilómetros de casa), oitenta euros. Pode acrescentar casa, carro (mensalidades, cartões de crédito, porque muitas vezes o salário não chega), vamos lá trezentos euros. Se tiver filhos, mais cento e cinquenta euros (se comprar roupa e biberons numas certas superfícies comerciais, pode poupar até trinta euritos). Como se sabe, o professor médio terá na sua vida, de se comportar em termos médios. Não deve vestir roupa cara, andar em automóveis caros; é mau sinal. Resultado: despesa média mensal igual a setecentos e noventa euros. Poupa duzentos e dez euros por mês, fora as emergências, como nos meses em que manda o carro à revisão. Agora, vejamos o caso de um certo político que tem andado nas bocas dos blogs e que ocupava (ou ocupa) o lugar de assessor técnico e político do gabinete de um certo vereador de uma das Câmaras mais importantes do país. Esta personalidade de que não se conhecem outros méritos públicos que não sejam, o estar

inscrito num dos partidos do rotativismo, percorreu Seca e Meca (inscrições em distritais do partido; uma candidatura a uma junta de freguesia; subsídios para fundar a sua própria empresa; celebração de contratos de assessoria) para, entre subsídios a fundo perdido e salários prometidos arrecadar em dois anos cerca de cento e cinquenta mil euros líquidos. E pensam que é muito, não só em relação à pessoa em questão, como na restante classe política? Façam as contas: um político não pode almoçar em qualquer lado. Tem que, constantemente redimensionar a sua esfera de influência, através de refeições em lugares caros: custo médio por refeição: cinquenta euros. Imaginando que come fora vinte refeições dia = mil euros. Para mais um político pode não conseguir estar parado: imaginem que está a prestar serviço numa empresa municipal e esta mesma empresa atravessa um mau bocado (nunca relacionado, com o salários dos administradores, que é sempre baixo como se sabe). Neste caso tem que ingressar noutra empresa ou instituto e deslocar-se por exemplo 5 quilómetros de casa. Neste caso o professor está muito melhor servido, como eventual pode cair por exemplo a cento e cinquenta quilómetros de casa, o que lhe permitirá conhecer (embora involuntariamente), muito mais Portugal. Apartamento amplo (a qualidade, do político claro, paga-se), roupas Hugo Boss; férias onde possa aparecer a imprensa, enfim, um assessor tem que ter uma vida com uma certa dignidade. Feitas as contas (que não vos vou maçar com miudezas), digo-vos meus amigos: uma receita de oitenta mil euros anuais é igualada e ultrapassada nas calmas pela despesa, em vários milhares de euros. Ou seja, se estavam à espera que a vida de um professor eternamente eventual fosse muito mais difícil que a de um político, desenganem-se. Se ninguém se digna oferecer uns robalos a um ou outro destes servidores, bem se pode dizer que se não fosse a sua capacidade de sacrifício em prol da causa pública, trocariam de boa vontade a sua situação pela vida de, por exemplo, um professor eventual do grupo de economia e contabilidade. Fernando Proença

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22 Fernando Proença

LITERATURA INCLUSA

Número catorze Catorze um – Agora estou na fase de não me lembrar do que já escrevi. Ou é cabeça, velhice ou as duas coisas. Portanto se já escrevi sobre os CTT do largo do Carmo, desculpem meus amigos, escreverei outra vez. Não é que eu tenha nada contra as pessoas que lá trabalham, se calhar todas excelentes profissionais mas porque vejo o exemplo dos CTT, como Portugal moderno em ponto pequeno, ou se quiserem uma pequena parte do Portugal moderno. Entramos na sala e logo desconfiamos sobre o objecto daquele espaço. Será livraria? Loja de conveniência? Adiante: tiramos a senha (falo, em Dezembro, mês tradicionalmente de grande movimentação nos correios) e descobre-se que entre o número que está a ser atendido e eu, vão trinta pessoas. A questão é que não se vê muita gente à espera. Percebe-se depois porquê: alguns aproveitarão para visitar a família, outros para tomar uma refeição num café ao lado. Os que tiverem comido, poderão ficar dentro do edifício, vendo saquinhos para embrulhar prendas de Natal, miniaturas de figuras do presépio ou livros. Agora compreende-se a razão porque os correios têm livros à venda. As pessoas vêem os livros, folheiam-nos e podem levá-los. Depois começa-se apensar que talvez seja má ideia. Com o tempo que esperam se forem de

Música I Cinema comprar muito por catálogo, são capazes de ler um livro inteiro enquanto aguardam pela sua vez de levantar uma encomenda, já que vão aos correios várias vezes. Por isso seria muito mais lógico vender, por exemplo, automóveis aproveitando as muitas secretárias vazias para lá pôr alguém que trate do crédito. Este tipo de serviços funcionam agora mais ou menos assim: grandes espaços, tudo muito luzidio, moderno e atractivo mas muito poucos empregados que ainda por cima se mostram quase sempre muito cansados e de certeza fartos, de aturar administradores que não entendem nada do que gerem e pessoas fartas de esperar. Catorze dois – Escrevi noutro lado, neste mesmo jornal, que os debates na televisão para a eleição da presidência da República são refrescantes. Pelo menos não temos de aturar tanta quadra natalícia. Agora também é verdade que ninguém ouve aquilo com atenção. Aliás nunca vi nada tão parecido com as lutas que tínhamos em pequenos como esta eleição. Pareço que estou a ver o que se fazia: mediam-se forças como se fossem os pontas de lança armados da facção de um qualquer exército de justiceiros. Sou mais forte que tu, o meu pai levanta pesos antes de se deitar, ou é do COPCON (mentira que tinha na altura – fim dos anos setenta - grande peso junto da potulaça, palavra que funde putos e populaça). Porque, amigos meus nunca vi em toda a minha vida uma desproporção tão grande entre o que os candidatos dizem que querem fazer e o que na realidade fazem ou podem fazer ou o caraças, que eu ainda estou para saber uma série de merdas sobre as atribuições legais de um presidente. Quando estão em pro-

paganda, todos dizem (Cavaco também, escusa de se pôr de lado. Já o fez na eleição anterior), fazer isto, mais aquilo, mais pressionar o governo, aumentar a competitividade, apostar em qualquer coisa que dê votos. Quando vão para a presidência, ou não sabem (aprendem com Sócrates); ou não ouviram; ou não podem fazer nada por que é competência do governo. Têm (como lembrava Pinto Monteiro, sobre outros aspectos), menos poderes que a rainha de Inglaterra e um décimo da sua graça, digo eu que sou maluco. Ou seja, a montanha vai parir um rato e eu – desta vez - não estou com segundas intenções. Catorze três – Um pequeno apontamento. Não falo sobre as grandes maravilhas da técnica adaptadas a um auto rádio, que devem existir nalguns automóveis mais caros. Escrevo sobre os auto rádios normais, que mesmo assim chegam a ser muito sofisticados. Numa altura em que o Homem já pôs homens na Lua; na altura em que os satélites viajam incessantemente à volta da Terra; na altura em que um pequeno aparelho nos diz em que rua de qualquer cidade do mundo havemos de virar; na altura em que Paulo Sérgio ainda é treinador do Sporting, não consigo perceber porque não produzem rádios para automóveis que não precisem de antena exterior. Sim, antena exterior. Serão os fabricantes de antenas que não querem ver a sua posição posta em causa? Serão osamericanostambémculpadosdemais este atentado à nossa inteligência? Não sei, é por isso que pergunto. O Disco – Deerhunter – “Halcyon Digest” – CD – 4 AD; Popstock – 2010 Ouvimos o disco e não temos dúvida sobre a sua baliza no tempo; é contem-

Apontamento de Cinema Paris Sobre este filme, diz-nos o seu realizador Cédric Klapisch: "Esta é a história de um parisiense que adoece e se questinoa sobre a morte. O seu estado dá-lhe um novo olhar sobre as pessoas com que se cruza. Fá-lo encarar a morte de repente e pensar na vida, na vida dos outros, na vida da cidade que o rodeia. Vendedores, uma padeira, uma assistente social, um dançarino, um arquitecto, um professor, uma modelo, um imigrante clandestino dos Camarões... todos se encontram reunidos nesta cidade, neste filme.

Podem pensar que eles não são excepcionais mas, para cada um deles, a sua vida é unica. Podem pensar que os problemas deles são insignificantes, mas para eles, são os mais importantes do mundo". Interligações humanas que nos dão com realismo, e em síntese, a vitalidade de Paris. Actores talentosos, num filme bem conseguido: Realização: Cédrio Klapisch. Com: Juliette Binoche, Romain Duris, Fabrice Luchini, entre outros. Distribuição: Atalanta Filmes. Vítor Cardoso

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porâneo sim senhor, produto do início do século que corre. Um ruído de fundo (guitarras, alguma distorção, sons que não se percebe a proveniência a parecer My Bloody Valentine): ou Jesus and Mary Chain. Melodias sinuosas, algumas bastante penetrantes nos nossos pavilhões auditivos, pegadiças. Ideias que encheriam cinquenta discos aqui condensadas num (veremos se o número de bandas que ajuda a criar batem certo com o número de cópias vendidas, como aconteceu com os Velvet Underground. Respeitemos as diferenças). A produção de Ben Allen, de “Merriweather Post Pavillion”, dos Animal Collective, está aqui muito presente. Presente com a ideia que a música pode subir e descer montanhas, no mesmo tema, sem que isso signifique grande esforço vocal ou orquestrações gongóricas. Isto a um tempo. A outro, a certeza que estes putos derreteram a colecção de discos dos pais, nunca se colando a nenhum som, antes construindo uma interpretação muito sua da história da música popular. De quase toda a história da música popular. E como se sabe, é dessa matéria que são feitos, sempre foram, os grandes discos.




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