JA Magazine | Setembro 2010

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M AG A Z I N E PPAR AR TE INTEGR ANTE D ARTE INTEGRANTE DAA EDIÇÃO N.º 2845 DE 6 DE OUTUBRO DE 2011 DO JORNAL DO ALGARVE E NÃO PODE SER VENDIDO SEP AR AD AMENTE SEPAR ARAD ADAMENTE

Olhão

cidade dos

grafíti

Vila Real de Santo António capital do Iluminismo


2 Olhão cidade dos grafíti A

pintura dos interiores de alguns templos não deixa de ser uma continuidade desta vertente artística, em que o teto da Capela Sistina, pintado por Miguel Ângelo é porventura a referência mais conhecida no mundo. Recentemente, a popularização do aerossol, após a Segunda Guerra Mundial, permitiu uma mobilidade na pintura, que conseguiu um cada vez maior conjunto de cores, sem que para isso fosse necessário andar com um armazém de tintas às costas. Grandes manifestações sociais, como o Maio de 68, o Muro de Berlim, até a “demarcação de território”, devido a disputas raciais ou tráfico de produtos ilegais, foram registadas em murais, onde com arte ou simples “sujidade” os grafíti, marcaram presença. Por cá, a Revolução de Abril iniciou um primeiro movimento em que pautaram os murais com temática ideológica, essencialmente partidária; já há alguns anos que estamos perante um segundo movimento, com manifestações mais artísticas, procurando aliar a mensagem a tendências e expressões com assinatura. Há ainda uma ideia de que os grafíti não passam de um convite à violência e à arruaça, mas a “onda” dos murais de assinatura, em que a diversidade de registos vai das pinturas com alguma comicidade, com perspicácia ou até retratista, estão a alterar esse sentimento. Definitivamente os grafíti conquistaram o estatuto de Pop Arte na década de 80, quando algumas galerias de arte convidaram grafitters como Jean-Michel Basquiat ou até outros que pintavam com estéticas e temáticas inspiradas nos murais, como Keith Haring, que ajudaram este movimento a chegar ao das artes de referência. Hoje, as “escolas” surrealistas, futuristas e dadaístas, foram evoluindo com o breakdance, o hip-hop e outras danças de rua, representando para alguns, na essência, um modo de vida. Em 1971, o The New York Times percebeu que nas ruas de Manhattan um grafitter sobressaía, sob o pseudónimo de Taki 183, de-

pois de “sujar” alguns camiões de gelado, iniciando uma ”guerra” que já se iniciara nas ruas de Filadélfia, com prédios “assinados” por Cornbread e Cool Earl, obviamente pseudónimos; foi-se observando uma “guerra” pela concretização de grafíti em zonas visíveis, mas quase inacessíveis, até que o movimento se inverteu, invadindo ruas e edifícios dos centros das cidades. Osgemeos, autor de referência em várias cidades do mundo, entre as quais a fachada da Tate Modern of London, admitiu ter um pas-

sado de alguém que apenas “sujava” paredes e Basquiat, quando já era um ex-grafitter, viu um quadro seu atingir o valor de 14,6 milhões de dólares num leilão da Sotheby's; em 2007, foi encomendado a quatro grafitters brasileiros grafitar os muros do castelo de Kelburn, uma construção do séc. XIII. Usando sprays, estênceis, rolos e outras técnicas, estes “pintores de paredes” conseguiram que esta arte seja já consagrada, fazendo parte da paisagem urbana do nosso planeta.

"Olhão não é uma cidade com uma grande extensão urbana, mas a imensa quantidade de edifícios de antigas fábricas e armazéns, que ao longo das últimas décadas foram sendo abandonados, permitindo uma grande relevância a esta arte de rua" Efetivamente, esta cidade algarvia, tem hectares e hectares cobertos por edifícios aban-

Um pouco de história Este impulso de alguns seres humanos tentarem perpetuar expressões artísticas, em rocha ou em murais, vem de longa data, são célebres as gravuras das grutas de Altamira, bem como por cá, todos se lembram das gravuras do Côa; lembro que estas manifestações são anteriores à escrita. Mas a designação de grafitti (plural de grafitto), remonta ao Império Romano, onde mesmo depois da erupção do Vesúvio, alguns muros da cidade de Pompeia continham grafismos com propaganda política e poesias.

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3 donados e respectivos muros, que convidam os autores dos grafíti a se expressarem. É hoje possível grafitar em Olhão, com autorização e até por encomenda direta de proprietários. Algum do ganho de qualidade passa exatamente por já se poder pintar de dia e sem ter que andar a “fugir à Polícia”. Esta tolerância tem, no entender de alguns cidadãos, ajudado todo este património imobiliário, muitíssimo degradado, a libertar-se do seu aspeto de ruína, dando um caráter próprio a toda a paisagem urbana da cidade.

De entre as evoluções verificadas, é evidente um certo “código de honra”, em que os trabalhos realizados não são estragados por “pichadores”, que, no entender dos grafitters, não passam de gente que suja paredes e ofende trabalhos assinados. A nossa reportagem observou que, além de trabalhos de pouca qualidade e outros de excelência, Olhão possui obras assinadas por grafitters de vários pontos do país, promovendo uma diversidade relevante e digna de um apreciável portefólio.

SEN em muitos cantos e recantos da cidade

De entre os grafitters de Olhão, SEN é omnipresente em muitos cantos e recantos da cidade

Tivemos uma conversa informal com este autor, que conta já mais de 10 anos de percurso nesta arte e é claramente idolatrado pelos seus pares e por alguns “aprendizes”, que lá vão procurando o seu “lugar ao Sol”, que é como quem diz: mais muros para pintar. SEN começou com 13 anos de idade, tendo que grafitar pela noite adentro e experimentar algumas fugas da Polícia, tendo contribuído para que hoje já se tenha evoluído para uma pacificação deste problema. Foi inicialmente motivado pela observação de um mural com o logótipo dos Metallica, um dos seus ícones musicais; a partir daí foi ensaiando técnicas, transferindo alguns dos desenhos que fazia no caderno. Não o motiva a importância de qualquer mensagem, gosta da estética pela estética, do jogo de cores e de como isso valoriza a paisagem urbana. Tem claramente um estilo muito próprio, numa certa perspetiva “old fashion”, desenhando o seu pseudónimo muito rabiscado, com grande proliferação de cores e brilhos, dando-lhe um registo com algum volume. Claro que não é tudo, porque em simultâneo vai criando alguns trabalhos figurativos, mas SEN sublinhou que a sua “cruzada” é a de dar cor à cidade. Obviamente, já conta com muitas obras encomendadas, até em espaços interiores, onde a temática é também encomendada. Para este artista olhanense, o grafíti é um modo de vida, contando também com obras em outras cidades do país; está normalmente presente quando há encontros desta vertente artística e acredita que nesta forma ou noutras, é uma arte que sempre existirá. Pedro Luís Guerreiro

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Vila Real de Santo António capital do Iluminismo durante três dias A oitava edição do Congresso Internacional de Cidades e Entidades do Iluminismo vai avaliar desafios na recuperação dos centros históricos. O secretário de Estado da Cultura intervém na sessão de encerramento

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ila Real de Santo António recebe, a partir desta quinta-feira e até domingo, a oitava edição do Congresso Internacional de Cidades e Entidades do Iluminismo, um evento de entrada livre e aberto a toda a comunidade, que terá lugar no Centro Cultural António Aleixo. O encontro é organizado pela Associação Internacional de Cidades e Entidades do Fórum do Iluminismo (AiCEi), da qual fazem parte um conjunto alargado de urbes e instituições como os municípios de Vila Real de Santo António (VRSA), Madrid e Cartagena, as universidades de Cádis e Oviedo ou a cidade de Nueva Guatemala de La Asunción (Guatemala). Vila Real de Santo António, que assume atualmente a presidência desta associação, quer promover um debate amplo sobre os novos desafios que se colocam à regeneração urbana, tendo em vista o desenvolvimento sustentável, a coesão territorial e a atual situação económico-financeira mundial. O congresso pretende ainda ser um espaço de reflexão sobre as novas oportunidades económicas, culturais e habitacionais que hoje se colocam à rentabilização e recuperação dos centros históricos e à inserção destes espaços na economia de cada cidade ou país. Os es-

cassos recursos actualmente disponíveis pelas administrações públicas para enfrentar os elevados custos da manutenção e recuperação do património de que dispõem, a que se somam as dificuldades na articulação de soluções entre património público e privado, serão, necessariamente, outros dos aspetos em debate.

Duas dezenas de painéis em debate As quase duas dezenas de painéis e apresentações em programa incluem contribuições de cidades como Havana, Lisboa (Baixa Pombalina), Porto, São Luís do Maranhão (Brasil), Madrid, Barcelona e Coimbra, que irão partilhar experiências no campo da regeneração urbana. A atualidade do tema levou o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, a presidir à comissão de honra do congresso. Desta comissão faz também parte o secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, que marcará presença na sessão oficial de encerramento dos trabalhos, na sexta-feira. O Centro Histórico de Vila Real de Santo

António constitui, na atualidade, um bom exemplo da arquitectura e do urbanismo do século XVIII. Trata-se de uma cidade-fábrica, fundada nos ideais iluministas, cuja importância está identificada e preservada no Plano de Salvaguarda do Núcleo Pombalino de VRSA. O futuro desta área, onde está projetada a instalação de um conjunto de hotéis de charme em edifícios de matriz pombalina, será, aliás, um dos temas a abordar pelo presidente em exercício da AiCEi e vice-presidente da Câmara Municipal de VRSA, José Carlos Barros. A AiCEi é uma associação sem fins lucrativos, de carácter internacional, que visa estabelecer uma rede de cooperação, conhecimento e de estudo entre as cidades e entidades membros, promovendo a valorização e conservação do património cultural – material e imaterial – herdado do período do Século das Luzes.Paris, Edimburgo, S. Petersburgo e Lisboa são algumas das metrópoles que, em breve, se deverão juntar à AiCEi.

Uma associação em crescimento O VIII Congresso Internacional de Cidades e Entidades do Iluminismo insere-se na atividade da Associação Internacional de Cida-

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des e Entidades do Fórum do Iluminismo (AiCEi), da qual faz parte um conjunto alargado de cidades e entidades. Refira-se que a AiCEi é constituída pelo município de Vila Real de Santo António, município de Madrid, o Institut Municipal Del Paisatge Urbá I La Qualitat de Vida (Barcelona), o MUVIM (Museu Valencià De La Il.Ilustació I La Modernitat – Valência), o municipio de Cartagena, o Centro de Investigación para El Desarrollo (Carta-gena), o município de San Fernando, a Universidade de Cádis, o município do Real Sítio de San Ildefonso, a Fundación Ferrol Metrópoli (Ferrol), o município de Almacelles, a Loggia Gestión de Património Cultural (Cádiz), o Instituto Feijoo del Siglo XVIII da Universidade de Oviedo, o município de Es Castell (Menorca) e a cidade de Nueva Guatemala de La Asunción (Guatemala), num movimento que tende a alargar-se a outras cidades e entidades do Iluminismo. A AiCEi é um eixo de ligação destinado a difundir o conhecimento e a proteção do património material e imaterial do século XVIII e a sua projecção e reflexo na sociedade do século XXI, considerando que os seus valores são um elemento diferenciador para o progresso e o desenvolvimento socioeconómico.


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Almacelles

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Cidade da Guatemala

lmacelles localiza-se na província de Lleida, na Catalunha (Espanha), tem cerca de 7 mil habitantes e representa um dos aglomerados urbanos mais carismáticos daquele território, devido à forma como surgiu, nos finais do século XVIII. A antiga vila medieval ficou completamente arrasada após a Guerra dels Segadors (ou Guerra da Catalunha, 1640-1652). O território de Almacelles passaria mais tarde para as mãos da coroa e, em 1773, Carlos III acabaria por cedê-lo a Melcior de Guárdia i Mata, um burguês de Barcelona, no âmbito da reforma agrária que teve o objetivo de diminuir os terrenos improdutivos. O comprador ficou obrigado a construir uma nova vila no local da antiga Almacelles. Para levar a cabo a obra, Melchor de Guárdia contratou Josep Mas Dordal, que começou a trabalhar no projeto de acordo com as correntes artísticas de então e com o movimento cultural do Iluminismo. A vila foi projetada seguindo um modelo em que ruas e casas seguiam uma simetria perfeita. O conjunto era formado por dez “quarteirões” de casas, com dois grupos de quatro a cada lado do caminho principal que unia Lleida e Huesca. No centro ficava a igreja e o palácio do “Senhor” de Almacelles. Tratava-se de um modelo que pretendia tocar a perfeição e a igualdade e onde não havia lugar para zonas ou bairros marginalizados. Em setembro de 1773 era colocada a primeira pedra e, um ano e meio mais tarde, as primeiras 20 casas já estavam habitadas.

Cidade da Guatemala, também conhecida por La Nueva Guatemala de la Asunción (nome original, mas atualmente em desuso) é a capital da Guatemala e foi fundada a 2 de janeiro de 1776. O Iluminismo surgiu aqui como resultado de uma combinação de factos históricos que aconteceram em Espanha sob influência do pensamento iluminista, dos movimentos independentistas nas colónias americanas e da transferência e refundação da cidade no Valle de la Ermita (1776), devido à destruição da antiga Santiago de los Caballeros, causada pelos terramotos em 1773. De acordo com a planta de 1776, a nova cidade começou a ser delineada por Diez de Navarro, mas a sua traça final, de 1778, ficou a dever-se ao arquiteto Marcos Ibáñez, tendo sido levada a cabo segundo as recomendações de Francisco Sabatini. A sua geometria, que ainda se conserva praticamente na totalidade, transforma La Nueva Guatemala de La Asunción numa cidade típica do período iluminista. A sua origem é a interseção da sexta e da oitava ruas, onde se localiza a Plaza Mayor de Armas, que era delimitada pelos principais edifícios representativos dos poderes Real, Local, Civil y Eclesiástico. O traçado original localizou estrategicamente as igrejas tradicionais, à volta das quais surgiriam posteriormente os bairros tradicionais, que hoje em dia ainda mantém o espírito iluminista original.

Barcelona

Es Castell

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pós a Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), os novos projetos urbanísticos de Barcelona foram desenhados e supervisados pelos mesmos que tinham submetido e destruído a cidade: o poder militar. Destaca-se a construção da Cidadela, para a qual foi destruído grande parte do bairro da Ribera. Os engenheiros militares acabariam depois por desenhar a Barceloneta para realojar os antigos habitantes da referida zona. Durante este período, a Igreja foi outra das instituições responsáveis pela construção da cidade, erguendo diversos templos, dentro e fora das muralhas. Barcelona acabaria por se transformar numa cidade mais próspera devido, em grande parte, às fábricas que se foram instalando principalmente no Raval e que foram acompanhadas pela abertura de novas ruas pavimentadas e da inauguração da primeira iluminação pública em 1757. Foram criadas diversas escolas profissionais (a universidade tinha sido fechada depois da guerra), a zona portuária voltou a ganhar importância, construíram-se novos edifícios, entre os quais muitos com que a classe burguesa ostentava a sua riqueza e que transformaram a Rambla numa das zonas mais movimentadas da cidade.

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Iluminismo deixou uma importante marca na ilha de Menorca (Baleares, Espanha), já que decorreu durante o domínio britânico. Menorca passou a ser um ponto estratégico na Europa, especialmente, para as tropas britânicas. O castelo de San Felipe e a antiga localidade de Es Castell começaram a ser alvo de diversas invasões, facto que levou a que todos os habitantes fossem transferidos para um local mais seguro, precisamente onde se encontra a atual El Castell. O novo núcleo urbano começou por se chamar Georgetown (homenageando George III de Inglaterra), seria desenhado pelo engenheiro militar Patrick Mackellar e incluía uma área octogonal com uma espaçosa praça de armas, ao centro e rodeada de quartéis. A localidade foi dividida em parcelas iguais para cada habitante e a existência da referida praça de armas no centro da localidade deve-se a razões militares e estratégicas, ficando a Igreja del Rosel fora desse centro. Hoje em dia, o Iluminismo é perceptível na arquitetura na localidade através de muitos dos seus edifícios, fachadas e, claro, através da sua geometria urbana. Es Castell é uma vila piscatória, com uma localização privilegiada na la ilha de Menorca, estrategicamente situada na entrada do grande porto de Mahón.

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Madrid

ma das maiores preocupações dos primeiros monarcas (dinastia Borbón) que governaram Espanha após a Guerra da Sucessão (1701-1714), foi a de melhorar a imagem de Madrid, capital do reino. Porém, depararam-se com um problema: Madrid já era uma cidade com uma estrutura urbana muito consolidada, o que impedia a realização de grandes projetos, principalmente se estes seguissem a conceção francesa de urbanismo. Por isso, optaram por projetos desenvolvidos na periferia e pela construção de edifícios emblemáticos. O primeiro objetivo foi dotar a monarquia com uma residência que espelhasse a grandeza que se lhe queria dar, tendo Felipe V encomendado a sua construção a arquitetos estrangeiros. Seguiu-se a requalificação da rede de esgotos, a construção de vários edifícios e a expansão da cidade para nordeste, ao longo da Calle de Alcala, obras que prosseguiram no reinado de Fernando VI. Mas seria Carlos III a ficar na história como o monarca que mais fez por Madrid. O rei queria uma cidade à imagem das grandes capitais europeias e contratou conceituados profissionais, que criaram alguns dos edifícios mais emblemáticos da cidade. Entre outras obras, destaque para o Jardim Botânico, o Gabinete de Ciências Naturais (hoje Museu do Prado) e o Observatório Astronómico, alinhados no eixo urbano que melhor define o urbanismo iluminista na cidade, bem como as fontes que adornam as praças de Neptuno e de Cibeles. Este eixo prolonga-se até Atocha, transformando a zona num dos espaços culturalmente mais representativos de Madrid.

Real Sitio de San Ildefonso

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Real Sitio de San Ildefonso, também conhecido como La Granja de San Ildefonso, San Ildefonso ou La Granja, é um município espanhol da província de Segovia (Castilha e Leão) que contribui para as “Cidades e Entidades do Iluminismo” com a sua configuração de espaço para a cultura, para o conhecimento e para o Homem. Com uma extensão de 14 mil hectares, este Real Sitio herdou do século XVIII um imenso património arquitetónico, que ocupa quase todo o seu território, e, principalmente, o pensamento iluminista: a planificação da atividade da localidade, a criação de espaços para a cultura e para o pensamento, a criação da cidade ao serviço do Homem, a assunção do saber... A localidade é constituída por três núcleos populacionais (La Granja, Valsaín e Riofrio), cada um com a sua personalidade, mas também com o orgulho de formar parte de uma realidade única que é o Real Sitio de San Ildefonso. Todos estes núcleos foram parte ativa da história do seu tempo e cada um contribuiu com um palácio real para a memória da construção da Europa e da configuração do mundo atual. Mas antes da chegada de Felipe V ao trono de Espanha (1700), o território ocupado atualmente pelo Real Sitio de San Ildefonso já tinha inspirado Felipe II (em 1552) para a construção de uma das suas residências: o Palácio de Valsaín.

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San Fernando

m estilo neoclássico para duas localidades iluministas da província de Cádis (Espanha) que convivem desde meados do século XVIII: a cidade de San Fernando e a povoação militar de San Carlos (a norte da primeira e no mesmo município), ambas com importante arquitetura civil, militar e religiosa. Carlos III, considerado em Espanha como o Rei do Iluminismo, transformou-se no pai político da atual San Fernando e numa figura de vital importância para a cidade, já que em 1766 decretou a emancipação do território da antiga Real Isla de León, como município independente de Cádis, nascendo assim a Villa de la Real Isla de León. O nome atual tem origem mais tarde, já no século XIX, e deve-se ao rei Fernando VII, que lhe concedeu o título de cidade. A construção naval já existia na cidade de San Fernando, mas em 1717 Felipe V decreta a construção do Arsenal da Carraca, que se transformaria num dos mais importantes núcleos fabris navais de Espanha. A partir de 1769, data da transferência para San Fernando de todas as dependências da Marinha, a investigação científica tornou-se uma constante na cidade. O Real Observatório Astronómico da Armada, edifício neoclássico construído em 1798 de acordo com os planos do Marquês de Ureña, seguiu a ideia inicial do iluminista Jorge Juan. San Fernando teve um um importantíssimo papel no sistema defensivo, que hoje está espelhado e quase todo o seu património.

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Vila Real Sto. António

Vila Real de Santo António foi erguida como uma cidade regular criada de raiz resultado da vontade política para controlar as pescas do Algarve. Criada como uma moderna unidade industrial de pesca, de transformação e exportação de peixe, especialmente a sardinha, ao mesmo tempo que se reprimia o contrabando e a evasão fiscal. O desenho da cidade e da zona industrial ajustaram-se às ideias iluministas de Marquês de Pombal. O conjunto dos edifícios da fachada ao longo da Avenida da República, está centralizado pelo edifício da Alfândega, ladeado pelas Sociedades de Pescarias, cujo limite são os dois torreões a Norte e a Sul. O edifício da Alfândega, dedicado à lota do pescado, funcionava como centro administrativo aduaneiro. O largo portal principal de arco de volta perfeita encimado por um óculo central, está ladeado por duas janelas varandas de ferro forjado e um duplo telhado com mansarda ao centro. Os doze edifícios das Sociedades de Pescaria são construções de grande simetria, apresentam-se com dois pisos e janelas sacadas de ferro forjado e telhados com pequenas mansardas. Localizados nas laterais do edifício da Alfândega, representam uma clara funcionalidade, como complexos industriais para fabricação, armazenamento e comercialização de sardinha.

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8 Os dois torreões laterais que fecham a simetria da fachada desempenharam um papel fundamental na vila, servindo de guardiões marcavam os limites a norte e a sul da fachada. Na rua traseira se alinhavam uma série de pátios arcados, destinados ao lugar de armazenamento e processo artesanal da salga do pescado. A cidade idealizada como um todo orgânico de forma a funcionar como “cidade fábrica”, organiza-se de forma regular através de rigorosa geometrização urbana. As ruas desenhadas com a mesma largura cruzam-se ortogonalmente, construindo uma malha urbana, que forma uma retícula perfeita. O centro histórico da cidade ocupa uma área construída correspondente a um rectângulo de 1930 palmos por 950 palmos (403.370 m2), com cinco ruas em direcção Norte-Sul, e seis ruas transversais direcção Leste-Oeste, uma fachada frente ao rio, e uma praça central quadrada com 330 palmos (23.958 m2), o conjunto ocupa um total de 41 quarteirões edificados. A Praça Real é quadrada, foi desenhada para funcionar como centro cívico e comercial na vila Pombalina. Nela erguia-se o amplo edifício da Câmara Municipal, a Igreja e a casa do Corpo da Guarda, salientando-se ao centro da praça o Obelisco em homenagem ao rei D. José I. O pavimento é uma reabilitação efectuada no século XX. Duas praças laterais em forma de U foram desenhadas na sua origem com um poço público ao centro, respectivamente substituídos por uma fonte pública, uma delas tinha ainda um Pelourinho hoje desaparecido. O edifício da Câmara Municipal preside na Praça Real. É uma construção ampla de dois pisos, no piso térreo localizava-se a cadeia de homens e de mulheres e a casa do carcereiro, a cavalariça, o palheiro, o celeiro público, o mercado municipal, e o primeiro piso integrava a Casa da Câmara e a Casa do Governador. Nas quatros esquinas da Praça Real, assinalam-se os quatro torreões de dois pisos que marcam os limites da praça, com telhados duplos “à holandesa” e mansarda central. O antigo edifício do quartel militar ocupava um quarteirão do centro histórico, repetia morfologicamente as forma dos edifícios das habitações, e dispunha de um grande pátio interior para usos funcionais. Hoje abriga o Centro Cultural da cidade. O edifício do antigo Mercado localizado nas traseiras da Câmara Municipal ocupava metade de um quarteirão, dando a sua frente para a Rua da Princesa. É um edifício de dois pisos, repetindo as características construtivas já mencionadas, dispunha de um pórtico arcado na entrada. A antiga fábrica do Assento constituída por três edifícios que ocupavam um quarteirão do centro histórico, tinha como função principal a preparação da farinha e o fabrico do pão, ao mesmo tempo que servia de residência ao administrador. As suas fachadas foram desenhadas mantendose os mesmos elementos tipológicos dos restantes edifícios. Hoje abriga o quartel da Guarda Republicana. Dos quarenta e um quarteirões que compõem a planta da Vila Pombalina, vinte e cinco deles foram exclusivamente constituídos por casas térreas, edificadas sob o recurso à regra da simetria. Trata-se de casas com telhados de duas águas, construídas com grande economia de meios e uma clara funcionalidade predominando a alternância entre portas e janelas. A igreja localizada na Praça Real apresenta simples formas clássicas, a sua altura não rompe o equilíbrio com os restantes edifícios da praça. O portal da fachada da igreja é de cantaria, com tímpano e simples colunas, janela central e frontão triangular que lhe serve de remate. Tem planta de nave única, com capela-mor e altares laterais ao estilo "Rocaille". Possui um relevante conjunto de imagens do século XVIII, com destaque para a imagem de Nossa Senhora da Encarnação, atribuída por tradição local ao escultor Português Joaquim Machado de Castro. O cemitério estava projectado para ocupar a traseira da igreja. Por razões de higiene no ano 1776 foi construído fora do perímetro do casco histórico.

Antiga planta de Vila Real de Santo António

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Ganhar a cidadania para o património

elizmente para Vila Real de Santo António, o núcleo histórico pombalino teve, desde muito cedo, muitos e bons defensores. Enumero, para que não se percam no esquecimento do tempo, alguns dos nomes principais daqueles que, sempre bem acolhidos, mas por vezes mal compreendidos, deram parte do melhor do seu esforço para que, no dia de hoje, ainda possamos respirar alguma da realidade do que foi a vila fundada pelo Marquês de Pombal, dentro do espírito do Século das Luzes. Começo pelo arquiteto Joaquim Cabeça Padrão, o primeiro que por ordem governamental e ainda antes do 25 de abril iniciou vários estudos sobre o património no território do Algarve, com maior incidência no concelho de Albufeira. Ele fez as primeiras fotografias e levantamento daquilo que ainda existia de pé, no início dos anos setenta. Já faleceu, mas ainda tive oportunidade de trocar com ele alguma palavras e impressões que ajudaram a que também ficasse cativo pela causa do património. No início dos anos 80, um grupo de intelectuais interessados pelo património, onde se encontravam o dr. Fernando Reis, o doutor José Horta Correia, o arq. João Horta e o historiador Hugo Cavaco, reuniu-se em torno da revista ADIPACNA, tendo realizado um seminário, que contribuiu para o lançamento da ideia da necessidade de classificação do núcleo pombalino. Esta ideia foi acolhida pela câmara municipal, então presidida por Alfredo Graça, e onde era vereador da cultura e do urbanismo, António José Martins.Este viria a ser mais tarde, presidente da câmara municipal. António Murta e Luís Gomes também desencadearam ações com o objetivo de levar à lei a classificação do núcleo histórico pombalino. O arq. Rui Figueiras, um jovem precocemente ceifado pela morte também viria a ter um papel determinante neste processo, em especial na recuperação do Torreão Sul. Pode afirmar-se que, mais pressão, menos pressão, mais cedência menos cedência, todos os que em Vila Real de Santo António se interessavam pelas questões do património vieram a ter a sua oportunidade de participar na defesa do núcleo pombalino e nalgumas ações para a sua recuperação, embora, as verbas fossem sempre curtas. Deve também figurar nos registos que o projeto de recuperação do edifício da câmara municipal e outros da zona histórica, elaborado pelo arquiteto João Horta, ainda sob a responsabilidade da câmara municipal socialista, foi entregue para ser apoiado pelos fundos do Interreg II já pela câmara CDU, mas as verbas daquele programa “sumiram” no sorvedouro regional para outros projetos muito longe da fronteira, cujas assimetrias se destinavam a corrigir. E chegamos hoje, depois de vários estudos internacionais, diversos seminários e congressos, ao dia da realização de mais uma iniciativa meritória de discussão do património do iluminismo, onde o núcleo histórico da nossa cidade se enquadra. Aprendi, pela participação nestes eventos, a tirar uma constatação que gostaria de exprimir, no sentido de se tentar compreender alguma distanciação por parte das populações locais, deste tipo de atitude, identificada como exercício de elites ou, pior, como sorvedouros de dinheiro ou empecilhos para a construção de edifícios modernos. É que, são os especialistas que o dizem, a beleza o e valor do património de Vila Real de Santo António não reside nos seus edifícios, de arquitetura pobre, destinados a residências e a apoios à fabricação e conservação do pescado. Reside sim, na monumentalidade da sua retícula, do retângulo perfeito, na relação do obelisco e da praça com os eixos dos poderes temporal e espiritual, tendo por centro o rei absoluto. E, também, no facto de ter sido em Vila Real de Santo António que se terá ido mais longe, a nível mundial, na implantação da ideia do urbanismo iluminista. E é isto que tem de ser explicado às pessoas, para que a defesa passe para a cidadania e deixe de ser apenas objeto de louváveis e bem-vindos estudos académicos. José Cruz

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O Mundo em miniatura

Ilídio Estevão começou por construir cenários para integrar as linhas ferroviárias e comboios em miniatura. Hoje faz autênticas cidades em miniatura e réplicas de zonas urbanas e de edifícios, muitas das quais localizadas no seu concelho: Vila Real de Santo António

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udo começou com uma paixão antiga pelo modelismo ferroviário. Ainda criança, Ilídio Estevão comprava as miniaturas de comboios, aumentava as linhas e criava os respetivos cenários. Aos poucos, os horizontes alargaram-se e, às miniaturas das vias férreas, foi acrescentando edifícios, ruas e praças, na sua maioria réplicas à escala da realidade. “Desde criança que tenho o hobby dos comboios. Mas só há cerca de cinco anos é que comecei a fazer maquetas em PVC. Os comboios passam por localidades e, para decorar a maqueta, é preciso fazer edifícios. Peguei nessa ideia e comecei a fazer réplicas, à escala”, conta Ilídio Estevão. “Alguns dos cenários são da minha criatividade, mas a maioria representam zonas e edifícios que existem realmente, principalmente no meu concelho”, explica este amante do modelismo e das miniaturas, de Vila Real de Santo António, que reparte a sua atividade profissional entre as aulas de Educação Moral Religiosa Católica e a gestão de uma empresa de condomínios.

Zonas urbanas reais Ilídio Estevão diz que não consegue contabilizar quantas horas dedica a este passatempo. “Ás vezes, passam-se meses em que não faço nada. Noutras alturas dedico entre meia hora e uma hora por dia. Mas ao domingo é diferente. É quase a tarde inteira”, explica. Se o tempo é

difícil de contabilizar, a área que ocupa o trabalhos levado a cabo ao longo destes anos é mais fácil. E já são mais quatro metros quadrados. Entre as muitas réplicas que Ilídio Estevão construiu, estão a igreja de Monte Gordo e a zona envolvente, a sua própria casa, o terminal rodoviário de Vila Real de Santo António e até um quarteirão original do centro histórico pombalino, onde não faltam os antigos poços que se localizavam nos quintais e que eram compartidos pelos habitantes de diversas casas. Atualmente, está a realizar uma maqueta de toda a zona portuária de Vila Real de Santo António. “Já tenho o antigo edifício da Alfândega e o antigo apeadeiro, mas o trabalho ainda está no início”, revela Ilídio Estevão, que pretende, um dia, partilhar com a população o resultado do trabalho de todos estes anos, através de uma exposição. “Ainda não tenho ideia quando será, porque não quero fazer uma exposição sem ter concluída a maqueta da zona portuária. E nem faço a mínima ideia quando é que a conseguirei acabar. É que isto é um hobby e não um trabalho. O trabalho está sempre primeiro e, desde que começou o verão, ainda não tive tempo para continuar este projeto”, refere.

Um hobby mais barato recorrendo à reciclagem Para quem gosta, ainda não se dedica a esta atividade e pretende começar, Ilídio Estevão diz

que, de uma forma geral, é um hobby bastante caro. “Se comprarmos aqueles kits que estão à venda no mercado e é só montar, então a 'brincadeira' vai sair um bocadinho cara”, explica. No entanto, no seu caso, e uma vez que a maioria das réplicas são construídas por ele próprio, a situação é um pouco diferente: “A maioria destas construções são feitas por mim, trabalhando em PVC e utilizando, depois, tintas e cola. E também aproveito outros materiais que, de outra forma, iriam para o lixo. Mas tenho

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sempre que comprar bonecos para colocar na rua, automóveis, entre outros acessórios. Por isso, na globalidade, acaba por não ser um hobby muito barato”. Parte das suas maquetas já estiveram expostas na Escola D.José I, onde trabalha, pouco antes do final do anterior ano letivo. Brevemente, e se a nova exposição se concretizar, toda a população poderá apreciar estes trabalhos. E, acreditem, vale a pena. Domingos Viegas



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Música I Cinema Fernando Proença

LITERATURA INCLUSA

Número vinte e três 1 – O que faz, automóveis de média, alta e altíssima cilindrada, circular numa estrada deste nosso Portugal à beira-mar plantado a uns rigorosos oitenta e cinco quilómetros à hora, quando o limite nessa zona são noventa? Mais: o dia está bom, não há muito trânsito, a visibilidade é boa e não existem traços contínuos nos cinco quilómetros seguintes. A resposta é simples: segue, no meio da fila de trânsito, um automóvel da brigada da GNR. Aconteceu-me isto num dos acessos à Via do Infante, onde eu andava todo lampeiro e a certa altura fiz uma daquelas travagens, em que logo no momento pensamos e a seguir perguntamos: quem é que vai a empatar esta merda? A resposta vem logo a seguir, assim que fazemos a primeira curva do nosso percurso em bicha. No meio da bicha, no âmago da bicha, segue um automóvel branco com listas de lado, cor de laranja. Que o respeitinho é muito bonito e as multas são a valer. Está certo mesmo sem saber se estará completamente certo. 2 – Ouça lá, ó Marques. Não sei porquê, mas dá-me a ideia que esta malta toda já nos tinha ultrapassado se não fosse termos trazido este carro. - Sargento Ferreira, que eu seja ceguinho, se não vou passar esta tarde pelo mecânico. Não sei o que é que andam a fazer, mas a trabalhar é que não é de certeza. - Mas os gajos são parvos ou quê? - Sargento, cheguei ao pé do Lopes, o mecânico tinha saído. O Lopes com aquela

cara de parvo que tem lhe deu em olhar para mim, parece que nunca me tinha visto mais gordo. E não há cá batatinhas: o carro está pronto quando estiver, que a vossa equipa não tem mais direito que os outros. - Não tem mais direito? Eu digo-lhe na cara um destes dias, um gajo daqueles devia ter pedido licença para nascer, o bardamerda. - Acha que puxei demais pelo carro, meu sargento? - Ó homem, se não tivesses puxado como é que chegávamos cá a tempo? - Só nos arranjam aqueles tribunais longe para irmos. Parece que não fazemos mais nada na vida que andar sentados a ouvir juízes e tipos que excederam a velocidade. - Deixe lá, é a vida. Se não tivéssemos vindo a bater os duzentos, como é que chegávamos a tempo dos anos da minha sobrinha? Haja prioridades, ó Marques, mas para a próxima devíamos trazer o carro descaracterizado. Sempre apanhávamos uns aceleras. 3 – Ou de como tratei de arranjar um diálogo completamente estúpido e retardado para mostrar certas e determinadas coisas que acontecem, mas que no fim se inserem na perspetiva sempre renovada da natureza humana. Ninguém fala assim, como tentei escrever no parágrafo anterior. Mas no fundo não tenho culpa. Apenas estive em contacto visual com um filme português, outro dia na RTP2. E, no fim de contas, todos vocês podem responder à única pergunta importante que se pode fazer neste momento: como se chama o sargento? 4 – Um jogador de uma equipa qualquer, de um qualquer jogo televisionado, vai entrar na segunda parte. A equipa defende o resultado. O comentador (nunca Luís Freitas Lobo, que tem sempre uma ideia sobre as substituições que envolve respiração dos jogadores e cultura adaptada a novas propostas para uma renovada forma de estar, enquanto atores de um palco maior) discorre (corre, perceberam a piada?),

sobre questões tácticas. Somos então levados ao colo pelas explicações da praxe, quando percebemos um pormenor. O jogador que se presta a entrar em campo e que espera que o seu colega saia (ele sai, mas a andar como se soubesse que fora do campo tem uma cadeira elétrica à espera para o executar. Afinal de contas está a ganhar e o tempo conta) é obrigado a pôr a camisola para dentro dos calções. O quarto árbitro avisa-o que sem isso não pode entrar em campo. Entra e logo de seguida, um metro à frente, já corre com a camisola fora dos calções. Se estivermos um pouco atentos (dois dos meus três leitores irão estar a partir de agora), vamos perceber que nenhum dos vinte e dois jogadores que estão neste momento em jogo tem a camisola dentro dos calções. Não estavam assim um minuto antes do jogo começar. Mas mudaram a indumentária um minuto depois do jogo começar. Ou seja, quase tudo o que os árbitros querem é que no princípio do jogo todos estejam equipados segundo o que devem dizer as normas (um atleta deve equipar-se assim, assado e cozido). Um minuto depois de começar já não. Para quem não percebe como se constrói um árbitro e se querem mesmo uma discussão e não sabem como, aqui está uma achega. O disco – Ian Dury – "New Boots And Panties!!" – CD – NINETY 15 – 1977 – 2006 – Outras reedições disponíveis Palavra que neste doce fim de verão e apesar de ter vindo a ouvir este disco continuadamente, não tinha nada previsto escrever umas linhas sobre o dito, o disco. Tinha em mão o último de PJ Harvey; o primeiro de Twin Shadow (Forget) e o pop adulto de Jarvis Cocker, dos Pulp, aqui sem o Pulp (Record). E agora perguntam os meus amigos, por que não o fiz? Estou a ouvir qualquer coisa. Bem, já que tanto insistem cá vai. Estou um bocado farto de caganças. E não é nada de pessoal contra os enjeitados. É que me deu uma ira contra a música contemporânea, há umas horas atrás. E se um gajo lhe dá uma ira

Apontamento de Cinema A Poeira do Tempo "A extraordinária vida da francesa Séraphine de Senlis, uma mulher nascida em 1864 que foi uma empregada antes de se transformar em pintora e mergulhar na loucura… Séraphine Louis foi uma das figuras francesas dedicadas ao estilo Naïf. Trabalhava como mulher-a-dias em Senlis até a sua pintura ter sido descoberta em 1912 pelo colecionador de arte Wilhelm Uhde. Em 1930, três anos depois da sua primeira exposição, Uhde parou de comprar os seus quadros como consequência da Grande Depressão. A loucura de Séraphine começou a agravar-se até culminar numa clínica de psiquiatria". A vida de uma pintora dada com realismo, em paisagens deslumbrantes, numa interpretação notável de Yolande Moreau. Esta obra obteve sete Césars/2009, incluindo o de Melhor Filme. Edição em DVD. Realização: Martin Provost Com: Yolande Moreau, Ulrich Tukur, Anne Bennent, entre outros. Distribuição: Atalanta Filmes.

Vitor Cardoso

JORNAL DO ALGARVE MAGAZINE - SETEMBRO/2011

contra a excessiva complexidade às vezes armada em parva do que se vai ouvindo, a quem recorrer? A Ian Dury por exemplo. Por exemplo, PJ Harvey: o disco (Let England Shake) é bom. Não é bom, é muito bom. Mas há poesia de mais, história de mais, boas intenções (disfarçadas de más) de mais. E depois parece que Harvey quis agarrar em todos os instrumentos que pôde e enfiou-os em todas as faixas. O disco é bom mas parece saturado de tanta ideias. Ian Dury gravou New Boots and Panties, também cheio de ideias mas resolveu ser mais parcimonioso: distribuiu-as tema por tema; o music-hall, o jazz, o punk (na fraquinha Plaistow Patricia), o disco; a balada. Tudo sempre muito bem acompanhado por letras de boa qualidade. A acentuação "cockney" de Dury põe mais uns pós. No resto entra a sua voz doce e triste de puto rebelde e homem apaixonado (última linha, responsabilidade de Miguel Esteves Cardoso). Ouvimos Dury e simpatizamos logo. Pela sua descomplexidade e pelo palhaço que há nele. Talvez por isso e por não ver o rock em gavetas nunca lhe perdoaram em vida, não o valorizando como merecia. Tenho uma edição de 2007, em CD, com a faixa "Sex & Drugs & Rock & Roll", que não constava do disco original. Original ou não, agradecemos.



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