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Os miseráveis
from Edição 1206
detém mais da metade da riqueza produzida e 93% por cento o restante. Cinquenta milhões de brasileiros, um quarto da população, dados de 2017, vivem na linha de pobreza. Na Região Nordeste são 43,5%, enquanto no Sul são apenas 12,3%.
Geraldo Magela
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Pirau
Não, não me refiro aos Miseráveis de Victor Hugo (1802/1885), clássico da literatura universal, em que o autor, nesta obra memorável, revela a crueldade humana de forma inimaginável. Saramago (1922/2010), escritor português, ganhador do Nobel de Literatura em 1998, afirmou, em uma de suas entrevistas, que, dos seres vivos, o mais cruel é o ser humano.
7% da população mundial
Realidade gritante, agressiva, contundente. Realidade cruel, desumana, desrespeitosa. Saramago, autor do Ensaio sobre a Cegueira, afirma: “a fome é o mais feio dos palavrões”.
Em uma das esquinas, na Rua São Francisco, em Arapiraca, “mora” em uma calçada, dormindo em um chão frio forrado com papelão, um cidadão brasileiro, apesar de ainda jovem, de aspecto envelhecido, que, ao me ver passar, cumprimenta-me de forma cordial, desejando para mim que Deus realize meus desejos. Respondo de forma alegre, dando-lhe uns poucos trocados.
Não sei seu nome. Não lhe dou um abraço e nem paro para conversar. Quanto egoísmo de minha parte. Sua fisionomia reflete um homem alquebrado, dominado pela fome, e, talvez, seja usuário de drogas. Seus companheiros, dois cães que, enquanto dorme, lhe fazem guarda. Ao lado uma cuia, trapos de roupas e restos de comida. A fome é o pior dos palavrões. Este é um caso isolado de uma cidade do Nordeste do Brasil. Quantas situações destas não há. A Cracolândia, em São Paulo, é o retrato de um Brasil sofrido, desigual, cruel, desumano, miserável.
Já não bastam o ódio, o desamor e as paixões desenfreadas que levam o humano aos desentendimentos e aos ilícitos.
Por que as escolas não ensinam, enquanto matéria, o amor, a compaixão e a solidariedade humana? Por que a distribuição da riqueza, produzida pelo homem e para o homem, não é menos desigual?
Por que haveremos de ver, ainda, pessoas dormindo nas calçadas cobertas por um papelão, famintas, e às vezes, usando drogas? Não possuem teto, e nem comida. Falam em Deus, como o cidadão que não sei o nome, da esquina da São Francisco, clamando por amor e justiça social.
Esses são os miseráveis da existência. São entregues às intempéries. São os condenados à vida. São os fantasmas da sociedade. São os famintos de amor. Buscam, apenas, o direito de existir.
Precisamos compartilhar o amor. Viver o bem. Praticar a solidariedade. Saber estender a mão, compreender o sofrimento e diminuir a desigualdade. Os miseráveis, os tratemos pelo nome, passemos a ouvi-los, amá-los e compreendê-los. Eles são condenados à vida e representam o lado cruel da existência. São humanos, demasiados humanos.
Não sei seu nome. Não lhe dou um abraço e nem paro para conversar. Quanto egoísmo de minha parte. Sua fisionomia reflete um homem alquebrado, dominado pela fome, e, talvez, seja usuário de drogas. Seus companheiros, dois cães que, enquanto dorme, lhe fazem guarda.