ANTÔNIA
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA edição 0 - julho 2019
AS RURAIS A geração de mulheres que construíram suas vidas na roça
Pág. 16
Oh, antônia brilha Antônia sou eu Antônia é você E qualquer uma Antônia pode ser
conteúdo
AS RURAIS 16
Profissão dupla: mãe também
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Deixa as mina
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Menstruação consciente
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05 Editorial 06 O que tá rolando? 07 Ei, mulher 08 Ping-pong 14 Coisa mais linda 16 As Rurais 28 Profissão dupla 32 Donas da sua vida 38 Solta o som 40 Deixa as mina 52 Quebrando o tabu 54 Ensaio fotográfico
expediente Revista-laboratório produzida pelos alunos do terceiro ano matutino do curso de Jornalismo, para as disciplinas 6NIC184 - Práticas Laboratoriais em Jornalismo Impresso III e 6NIC179 - Práticas Laboratoriais em Diagramação. CECA - Centro de Educação, Comunicação e Artes. Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docentes Responsáveis: Profª. Drª. Márcia Neme Buzalaf, Prof. Me. Thiago Henrique Ramari e Prof. Me. Erick Lopes de Almeida Produção: Juliana Félix, Lavínia Zaborne, Lívia Seneda, Pamella Carvalho e Tamiris Anunciação Capa: Janice Sung
editorial
Antônia Em uma busca pelo significado de Antônia no Google, há uma definição que diz que Antônia é a variação feminina do nome Antônio. Um equívoco colocar o masculino sempre como percursor do feminino. Antônia são todas as mulheres. As mães, trabalhadoras, adolescentes, escritoras, artistas. Antônia é a representação da mulher autêntica, que pode ser e fazer qualquer coisa, não por ser boa como um homem, mas por ser boa como mulher. Antônia é a variação dela mesma. Antônia sou eu, Antônia é você, Antônia pode ser. A frase é um trecho da música que inspirou o nome e o conceito dessa revista, da cantora Negra Li e que foi trilha sonora da minissérie também intitulada Antônia da rede Globo, em 2006. Antônia é uma revista que abraça todas as possibilidades do que é ser mulher. Antônia também lembra antonímia, uma figura de linguagem que representa uma antítese, ideias opostas. Antônia é a antítese da ideia construída e imposta do que é ser feminino e do que é ser uma revista feminina. Antônia somos nós, mas também, Antônia é você.
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o que tá rolando?
Parada LGBT SP - 22/06 A organização da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo espera um público de mais de 3 milhões de pessoas para a 23ª edição do evento. Serão 19 trios elétricos. Pagadofest Curitiba - 28/06
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Turma do Pagode, Sorriso Maroto, Pixote e Bom Gosto se apresentam com seus maiores sucessos.
Festa do milho 06,07/07 A Festa do Milho é um evento em que a solidariedade e a satisfação de doar-se é o ponto alto da festa, somado ao prazer e grande aprovação.
Virada Cultural Maringá - 27,28/06 Terá como atração principal o músico pernambucano Lenine, ganhador de cinco Grammy Latino e destaque no cenário atual da MPB. Com o tema “Arte Viva”, a virada ressalta o papel da arte no cotidiano.
ei, mulher!
Estamos em constante mudança. Não tem como ser a mesma pessoa que éramos ontem. E nem queremos. Pensando nisso, Antônia foi atrás delas para saber: O que você diria para a mulher que era há 5 anos? Parece uma tempestade mas não é. Isso tudo que está acontecendo vai servir para você crescer e entender que as coisas não são tão simples como parece. Mas você vai passar por tudo isso de cabeça erguida e ser a âncora da nossa mãe. Você é forte, muito mais do que imagina! Giulia, 19 anos
Você não precisa ser sempre forte e nem saber lidar com tudo, e está tudo bem. Pare de se justificar. Pare de poupar os outros. E aproveite ainda mais o colo da sua mãe. Valquiria, 30 anos
Você é a pessoa mais importante! Não esqueça nunca de pensar em você! Giovanna, 25 anos
Thais, 26 anos
Carol, 23 anos
Não se preocupe tanto e não tenha medo das mudanças. Você vai aprender a lidar com as perdas, e quando olhar pra trás vai ver que foi um processo necessário. Julia, 20 anos
Você vai se decepcionar com pessoas, vai sofrer por um relacionamento como nunca sofreu na vida, porém será libertador. Irá amadurecer, aprender muitas coisas sobre você e especialmente se redescobrirá uma mulher maravilhosa, forte e guerreira. Não se preocupe, de pouquinho em pouquinho tudo ficará bem. Lariana, 24 anos
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Estude mais. Saia menos. Gaste menos. Guarde dinheiro. Invista no profissional. Namore somente depois de se formar na faculdade.
Não se preocupe, você vai superar seus relacionamentos abusivos, vai conseguir se sustentar, e vai estudar o curso dos seus sonhos. Acredite: Você não é uma fracassada.
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Antônia é
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Claudete
Não à v
Canezin
violência doméstica Texto
Juliana Félix
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professora Claudete Canezin, do Departamento de Direito Privado, do Centro de Estudos Sociais Aplicados da UEL (CESA), coordena o Núcleo Maria da Penha (NUMAPE), que atende mulheres em situação de vulnerabilidade. Criado em 2013, o Projeto completa seis anos de atuação e contabiliza mais de 22 mil atendimentos à mulheres que sofrem violência doméstica (física e psicológica), a partir da busca de medidas protetivas na Justiça e apoio psicológico.Claudete Canezin, em parceria com a professora Edina Regina Pugas Panichi, acaba de lançar o livro “O Discurso Jurídico nos Processos da Vara Maria da Penha: uma abordagem Estilístico-discursiva”, que faz um estudo multidisciplinar em Direito e Estudos da Linguagem, com o objetivo de analisar o léxico e o discurso jurídico em sentenças proferidas nos processos da Vara Maria da Penha de Londrina-PR.
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forte Antônia: Como se caracteriza, no livro, esse discurso jurídico e a abordagem estilístico-discursiva? Claudete Canezin: O livro é a tese do meu doutorado, quatro anos de pesquisa, aonde o meu corpus foram as sentenças da Vara Maria da Penha de Londrina. Então , o discurso jurídico é mostrar como o juiz, embora neutro e que não pode pôr seu lado pessoal, acaba se emocionando, dependendo do caso e da monstruosidade do crime. É perceptível o lado ser humano, emotivo, dentro da sentença, embora isso não interfira na decisão. Demonstramos no livro esse discurso jurídico, ou seja, como o juíz se porta diante da violência contra a mulher, que muitas vezes chega ao feminicídio. Tratamos desse discurso para mostrar às pessoas que o juíz se emociona e sofre também com esse tipo de atrocidade. E nós resolvemos mostrar a estilística léxica, visto que o juíz, ao buscar uma palavra para definir aquele crime, usa a palavra certa para demonstrar a gravidade dos casos. Embora a justiça, como todo mundo fala, seja cega e não tenha lado emocional, é possível perceber que o juíz, como ser humano, se envolve emocionalmente, no sentido de perceber o requinte de crueldade daquele fato. Antônia: O NUMAPE colaborou, de alguma forma, com a criação do livro?
tão, em uma simples, entre aspas, discussão, ele matou a mulher na frente dos filhos que também estavam presentes. É algo absurdo. O homem se acha proprietário da mulher. Então eu busquei pluralizar as sentenças. Antônia: Como você avalia a importância da psicologia dentro do processo? Claudete Canezin: A violência psicológica é tão devastadora quanto a física ou até maior. Dentro desse processo, em que uma menina de 15 anos teve seu cabelo todo cortado, você percebe que a violência moral, psíquica, foi muito maior do que os chutes e socos que ela levou. O emocional fica tão devastado que às vezes não se recupera. Aqui no NUMAPE temos diversos casos assim e oferecemos atendimento psicológico. São feitas dez seções de acompanhamento aqui e depois, se necessário, há encaminhamento à clínica psicológica da UEL. É com a psicologia que é possível restaurar esta mulher e fazer com ela resgate sua dignidade. Antônia: O que mudou com a implantação da Lei Maria da Penha? Claudete Canezin: Nós vemos uma crescente do dia em que foi implantada a Lei Maria da Penha. ANTÔNIA
Claudete Canezin: Como eu coordeno o Núcleo, eu pude trazer essa violência, que nós trabalhamos aqui no dia a dia, para dentro do livro. Foi a partir do meu projeto de extensão que me despertei a pesquisar e fazer uma sentença que trata da violência contra a mulher. Então o projeto corroborou para que eu decidisse o que eu queria pesquisar e demonstrar. A violência contra a mulher é algo presente e devastador na vida da mulher, e consequentemente na sociedade. Então o projeto me ajudou a balizar a minha pesquisa. Antônia: Quais os critérios utilizados na escolha das doze sentenças jurídicas presentes no livro? Claudete Canezin: Eu busquei sentenças no período de dez anos e busquei também a diversidade de crimes. Por exemplo, o namorado que pegou a menina pelo cabelo porque ela não queria mais continuar com ele e cortou todo o cabelo dela. Ela sofria muito. Nós pudemos perceber que o sofrimento dela era muito maior por ele ter, naquela forma bruta, cortado todo o seu cabelo, do que pela violência física que também vinha sofrendo. A dor moral para ela era muito maior. Outro crime também presente no livro, é o caso de um casal que trabalhava na roça. Eles discutiram, o homem simplesmente pegou uma máquina e decepou a mão da mulher. Ela chegou no hospital já morta. En-
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forte São treze anos de Lei efetiva que resgata mulheres que sofrem violência. Nós percebemos que hoje a mulher denuncia muito mais. Mulheres que apanham há mais de vinte, trinta anos, passaram a denunciar seus agressores. A popularização de campanhas contra a violência está encorajando essas mulheres. Aqui no NUMAPE nós mostramos a essas mulheres que elas podem fazer um B.O Maria da Penha, pedir uma medida protetiva, ter uma separação de corpos, fazer um divórcio e viver livre. Então, é através de uma campanha, de um folder, de uma reportagem na TV ou jornal, que abriu os olhos dela. Ela busca primeiro saber como e depois toma a decisão. Estamos percebendo que as mulheres, hoje, dizem não muito mais cedo do que as que sofrem violência há vinte, trinta anos. Elas dizem que se as mães e as avós sempre apanharam, esse era também seu destino. Naquela época não existia uma Lei e a mulher que chegava na delegacia e falava que tinha sido agredida, ouvia perguntas do tipo: “o que você fez para apanhar?” Então ela era vitimizada duas vezes, dentro de casa e depois na delegacia. Hoje, com a Lei Maria da Penha não existe isso. Há
whatsapp, a mídia televisa também, mostra muito mais hoje essas campanhas de diga não a violência, à campanha de março, mês da mulher, campanha da luta contra o câncer de mama, entre outras. Essas campanhas durante o ano fazem a divulgação e trazem o encorajamento a essas mulheres, além de atingir todas as classes sociais. Antônia: Como é feita a assistência pelo Núcleo a essas mulheres? Claudete Canezin: Fortalecemos o psicológico e buscamos a justiça. Aqui no NUMAPE trabalhamos em rede, junto a Secretaria da mulher, ao Centro de Referência e Atendimento à Mulher (CAM), Casa Abrigo Canto de Dália, Ministério Público, Delegacia da Mulher. Tomamos as medidas para que essas mulheres sejam tiradas dessa situação. Antônia: Você acha que a partir de um número maior de denúncias, as agressões tendem a diminuir? Claudete Canezin: Acredito que sim, mas acredito também que o homem precisa passar por um programa de reciclagem. Nós temos em Londrina o BASTA que trabalha o psicológico dos agressores e tem trazido resultados positivos. Foi feita uma pesquisa com cem homens que passaram pelo Projeto. ANTÔNIA
um estímulo para dizer não à violência, na primeira violência. Antônia: Como você avalia a ques tão de que agora a Delegacia da Mulher de Londrina será 24 horas ? Claudete Canezin: Acredito que haverá muito mais denúncias. Naquele calor, em que o homem bebeu e quando chega em casa, empurra e xinga, a mulher sai de dentro de casa e denuncia. Se deixa para o outro dia, ela se cala. Quando me perguntam se eu acredito que a agressão está aumentando, eu não acho. Há um aumento das denúncias hoje em dia. Isso, em razão da divulgação, em razão do amparo, em razão da Lei. Agora, o NUMAPE vai começar um Projeto, aonde nós estamos selecionando dois julgamentos finais do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tido como o Tribunal da Cidadania, no período de 2006 a 2019, e vamos analisar a evolução de como a mulher denunciava no ano da implementação da Lei, e todos os outros anos, e assim criar uma amostragem desse processo. Então o Núcleo vai fazer esse trabalho durante um ano, para nós termos um perfil desta violência, desse crescimento e de como nossas cortes estão julgando. Antônia: Como você vê a participação da mídia nessa questão? Claudete Canezin: Eu acredito que essa divulgação, essa mídia social, seja facebook, seja instagram,
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coisa mais linda.. Olha que
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Lavínia Zaborne
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io de Janeiro. 1959. A produção brasileira ‘Coisa Mais Linda’ traz a discussão sobre machismo, violência doméstica, feminismo, trabalho, maternidade e liberdade sexual de forma quase didática. Maria Luiza Carone Furtado, interpretada por Maria Casadevall é quem começa abrindo a vida. A personagem de família rica (o detalhe faz diferença para o desenrolar da trama!) descobre que foi abandonada pelo marido, que fugiu com todo seu dinheiro, ao viajar de São Paulo para o Rio de Janeiro em busca da realização do sonho construído pelo casal – mas visivelmente alimentado apenas por ela – de abrir um clube de música na cidade que era coração da bossa nova. E como nada é por acaso, Pathy Dejesus dá vida à Adélia Araújo. A mulher negra da periferia aparece para consolar a garota paulistana recém-chegada. Duas mulheres de vivências opostas começam a selar uma amizade que seria improvável sem que o destino cinematográfico desse uma mão. Simultaneamente nos é apresentada Thereza Soares,
a jornalista interpretada por Mel Lisboa que luta por igualdade e respeito na revista onde trabalha e aqui vale sinalizar: Thereza trabalha em uma revista feminina onde ela é a única mulher da redação. Todas as colunas são feitas por homens. Todos os assuntos são determinados por homens. Assim como qualquer decisão importante. Fica ainda com Thereza a oportunidade de discutir uma liberdade sexual pelo fato de que ela e seu marido deixam claro os traços de um relacionamento aberto. Todos os caminhos também cruzam com a personagem da atriz Fernanda Vasconcelos. Lígia Soares representa de forma crua um relacionamento marcado pelas atitudes abusivas de um marido machista e agressor. Sem dúvida alguma qualquer cena de Lígia arrepia a alma. A mulher que tinha um sonho de ser cantora, mas foi reprimida pelo marido uma vida quase inteira. É com suas mulheres que ‘Coisa Mais Linda’ justifica a preocupação em discutir assuntos ainda tão atuais em um contexto de 60 anos atrás. Se o que
um ‘filtro’ vintage, de forma que todo figurino e cenário se familiarizam com o contexto. É, sem dúvidas, uma produção brasileira de tirar o fôlego. Adélia, Ligia, Thereza e Maria Luiza são tantas e são únicas ao mesmo tempo. E a série não deixa de marcar cada uma com personalidades, perspectivas e angústias tão significativas. Definitivamente não é uma série que se deixa para depois. A questão que fica logo após o sétimo (e último) episódio é: por que tais assuntos e situações vividas pelas personagens ainda são tão latentes em 2019?
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faltou para que a série agradasse perfeitamente o público foi uma fluidez um pouco mais natural de todo conteúdo, trabalhando com textos menos óbvios e algumas reações quase forçadas, o que sobra é a representatividade. É quase que impossível, enquanto mulher, não sentir na pele ao menos uma das situações em que as personagens são submetidas durante os episódios. A criação de Heather Ruth e Giuliano Cedroni ainda oferece mais um bônus: a fotografia. A cada episódio os olhos vão se acostumando e se deliciando com
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Tamiris Anunciação
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arumã é minha cidade natal. É uma cidade pequena, no interior de São Paulo, com pouco mais de quatorze mil habitantes. A cidade tem uma economia bastante voltada para o agronegócio. 800 dos 1200 funcionários da Usina Nova América, (empresa produtora de cana-de-açúcar e outros produtos derivados da cana) são de Tarumã. Inclusive meu pai. Passei alguns anos da infância morando numa colônia para funcionários da Usina. Era tipo um bairro rural bem perto das dependências da empresa. Morei lá até os sete anos de idade e então me mudei para a cidade. Era comum chegar da escola e ver cinzas caindo do céu. Eu achava divertido e ficava estendendo a mão para desfazer as cinzas que caiam nela. As cinzas eram em razão das queimadas nas lavouras de cana da Usina. Outra coisa comum durante a minha infância era ver os ônibus de trabalhadores rurais de manhã bem cedo e no fim da tarde. Quando eu completei quinze anos comecei a estudar em uma escola na cidade vizinha, Assis, e por isso precisava pegar o ônibus dez para as seis da manhã. O ponto do meu ônibus era o mesmo do ônibus que transportava os trabalhadores rurais para a roça. Eu ia para a escola e eles para o trabalho.
Durante os dezoitos ano que morei em Tarumã nunca tinha parado para pensar em como era o trabalho na usina que sempre fez parte da minha vida. Em um certo momento as cinzas pararam de cair do céu e eu nem dei importância. Também nunca dei importância para o número sempre reduzido ou inexistente de mulheres esperando o ônibus para o trabalho na Usina. Era sempre “os rurais”. Eu até lembro de ver uma ou duas mulheres descendo do ônibus no final da tarde, com botas e perneiras até o joelho, sujas de terra e com um pano cobrindo a cabeça, mas “os rurais” era tão comum que eu nunca tinha me atentado que poderia existir “as rurais.” O trabalho dos Boias-frias como foram chamados por muito tempo, sempre foi considerado um trabalho muito pesado e na minha cabeça criada aos moldes machistas patriarcais uma mulher não cabia naquela realidade. Mulheres rurais são mais comuns do que a minha cabeça me permitiu pensar todos esses anos. Para muitas meninas da minha geração o trabalho é uma conquista, um direito que nos proporciona liberdade e independência. Mas para grande parte das mulheres trabalhar é questão de sobrevivência. Em 1975, uma equipe de documentaristas colheu
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Sonho? Eu nunca tive sonho
entrevistas de trabalhadoras nas lavouras de cana-de-açúcar da Usina, em Tarumã. Pouco se tem registrado sobre mulheres rurais que não estão organizadas em movimentos sociais. As entrevistas feitas em 75 faziam parte de um curta-metragem sobre acidentes de trabalho no campo. O curta produzido durante o regime militar foi censurado e disponibilizado recentemente na internet. Nas imagens, duas mulheres contam como é a vida na roça e as dificuldades de ser boia-fria naquele tempo. Era comum as trabalhadoras rurais levarem seus filhos para a roça por não terem outra opção e, porque acreditava-se que quando as crianças ficassem maiores também trabalhariam na roça. Atualmente a Usina Nova América tem um total de cento e setenta trabalhadores rurais que trabalham em períodos sazonais. Desse número, vinte e cinco são mulheres. Eliane Aparecida Gomes, 43, e Benedita Aparecida Da Silva, 46, são amigas e trabalham na mesma equipe há três anos. As
riência com elas. As duas disseram que o plantio ainda é a parte mais tranquila, que o serviço mais pesado é o corte da cana já crescida. O dia em que eu estive acompanhando o dia-a-dia na lavoura o tempo estava nublado, mas muitas vezes elas encontram a terra molhada, o que torna o serviço ainda mais difícil, assim como os dias em que o sol está muito quente. O trabalho rural não é fácil nem para homens e nem para mulheres. A maior dificuldade para as mulheres não está no campo, mas em casa. DUPLA JORNADA Chegar da roça e ter que realizar todas as tarefas domésticas, fazer janta e cuidar dos filhos é a parte mais cansativa para Eliane. “Dizem que a gente tem que dormir oito horas por dia né, eu não durmo tudo isso não...Minha rotina é cansativa, se vocês forem querer filmar minha rotina vão querer parar e me ajudar de dó.” Perguntei para Eliane se ela já tinha pensado em desistir, ela disse que não. Que apesar da vida cansativa agradecia a Deus pelo trabalho e pela sua força de vontade de trabalhar na roça e ainda conseguir realizar todo o serviço da casa e cuidar da sua família. O marido ouvindo a companheira falar, concorda. “Guerreira”. Benedita teve por muito tempo a rotina como a de Eliane. Trabalhar na roça e chegar em casa e ter que fazer o serviço doméstico e cuidar dos filhos. Benedita tem dois filhos. Matheus Silva Soares de 20 anos e Maiara Silva Soares de 18 anos
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duas trabalham com os seus companheiros. Eliane além de trabalhar com o marido, também trabalha com um de seus filhos mais velhos, Eduardo Gomes de 23 anos. ROTINA O dia começa antes de amanhecer. Cheguei na casa da Eliane às cinco da manhã. Eliane já estava com a comida que leva para o almoço no fogo, ao mesmo tempo que fazia café e fritava bolinhos. Conversamos enquanto ela finalizava o preparo das coisas. Eliane começou trabalhar nas plantações de algodão quando tinha apenas doze anos, assim como sua mãe. Se casou e teve quatro filhos. Os gêmeos Miguel e Samuel de 9 anos, Eduardo que trabalha com ela e Matheus de 21 anos que trabalha em outra usina da cidade. Eliane voltou para o trabalho no campo há três anos por necessidade. Perguntei se ela já tinha sofrido algum tipo de descriminação dos seus colegas de trabalho por ser mulher. Ela disse que não, que raramente tem algum ‘engraçadinho’ que faz piada, mas que ela e as outras mulheres que dividem o campo trabalham muito bem e às vezes até melhor que os homens. O serviço na roça é bastante repetitivo. No dia em que acompanhei o expediente, eles estavam preparando as ‘ruas’ (as fileiras de terra em que a cana é plantada). É necessário bastante prática para caminhar entre as fileiras de amontoados de terra, algo que Eliane e Benedita fazem com bastante facilidade. Eu quase caí inúmeras vezes durante minha expe-
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forte viço doméstico e cuidar dos filhos. Benedita tem dois filhos. Matheus Silva Soares de 20 anos e Maiara Silva Soares de 18 anos. Matheus é estudante de Análise e desenvolvimento de sistemas e Maiara terminou o ensino médio ano passado. Já faz alguns anos que Maiara faz o serviço da casa para a mãe. Benedita disse que quando a filha decidir o que quer fazer da vida e for estudar ou trabalhar, as duas vão dividir o trabalho doméstico. A primeira coisa que Benedita me disse quando nos conhecemos e eu fui anotar seu telefone, foi que não gostava do nome Benedita. Desde pequena a chamam de ‘Fia’. Benedita era o nome da sua mãe que fez promessa dizendo que se tudo ocorresse bem durante a gravidez sua filha também se chamaria Benedita. Fia, como gosta de ser chamada, trabalha na roça desde os 16 anos. Seu primeiro emprego com registro foi na Usina Nova América. Foi na roça que ela conheceu o marido. O trabalho rural representa a maior parte da história de Benedita. Fizemos a entrevista na sua casa depois do trabalho. Sentada no sofá em poucos minutos me contou toda a sua vida. Desde quando nasceu até o presente. Perguntei o que ela sonhava ser quando era criança, ela respondeu que nunca teve sonhos. Nunca tinha pensado sobre isso, sempre pensou que fosse trabalhar na roça como seus pais, que sempre chegavam felizes em casa. Mais solta, no conforto do lar, Fia, me apresentou sua casa. Mostrou as fotos dos filhos e uma fotografia antiga dela com sua mãe que já faleceu. Perguntei o que ela desejava para o futuro, ela disse que apenas se aposentar e
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forte conseguir descansar. Sobre se aposentar: é uma questão complicada para as mulheres rurais. FUTURO Benedita precisa de mais oito anos de trabalho com registro para conseguir se aposentar, mas não há garantias de que o serviço humano nas lavouras de cana vai existir nos próximos anos. A mecaniza-
ção é uma realidade e se precisa cada vez menos de mão de obra humana no campo. Segundo o censo agropecuário de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde 2006, a cada trator adquirido em uma empresa para o trabalho no campo, quatro trabalhadores rurais foram dispensados. A mecanização cria empregos, mas empregos que
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É uma rotina pesada pra gente que é mulher necessitam de escolaridade, algo que a maioria dos trabalhadores rurais não têm. Um futuro tão incerto quanto o dos trabalhadores ruwrais que nunca sabem se estão com o emprego garantido, é de deixar qualquer pessoa com medo ou, no mínimo, com algumas crises de ansiedade. O futuro pode ser incerto, mas a certeza de ter que trabalhar para sobreviver está acima de qualquer insegurança. De um jeito ou de outro, na roça ou não, mulheres como Eliane e Bendita sempre vão acordar cedo, arregaçar as mangas e fazer o que tiver que ser feito. Nós somos mulheres e a força nos encontra. Sim. Mas as mulheres que conheci trabalhando na roça não puderam esperar a força as encontrar, algumas foram atrás da força elas mesmas, outras foram lutar sem forças e ficaram fortes depois. E eu, a repórter dessa história, me encontrei frente a frente com a força quando as conheci.
elas criam
Samantha Torres
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Pro
Mãe que trabalha fora é assim: corre pra não perder a hora de deixar o filho no jardim Depois corre pro escritório e passa o dia pensando na sala de aula, banheiro, refeitório, se o filho se diverte estudando Mãe que trabalha fora vive tentado equilibrar o tempo pensa no antes, no depois e no agora. Difícil focar num único momento Mãe que trabalha fora adora cultivar seu lado profissional, mas não vê a hora de ir embora Pra curtir com o fihote - seu lado mais especial
ofissão dupla: Texto
mãe também
Lívia Seneda
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criança, desde que tenha contribuído por pelo menos 10 meses para a Previdência Social. Para quem tem carteira assinada, o valor da licença é igual a um mês de salário integral e quem paga é a empresa onde trabalha. As mães desempregadas também podem requerer o salário-maternidade, desde que tenham feito a última contribuição até 12 meses antes da data do parto. Quem não tem carteira de trabalho, mas contribui com a Previdência, recebe o benefício de acordo com o valor do salário de referência. Se a sua contribuição é referente a um salário mínimo, você recebe um salário mínimo. (Para mais informações, ligue 135 ou acesse o site do INSS) A licença-maternidade pode ser requerida até 28 dias antes da data do parto ou da adoção, com duração de 120 dias. As mães que trabalham em empresas participantes do Programa Empresa Cidadã tem direito a mais 60 dias de licença. Mas para Veronica* não houve tempo de requerer o benefício antes da chegada da filha Marina* (nomes fictícios para proteger a identidade). “Eu e meu marido ficamos seis anos na fila de adoção, eu falo que foi uma gravidez de seis anos. Quando nos avisaram que íamos receber uma filha, eu só tinha uma ou outra roupinha
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poema que você acabou de ler se chama Vida de mãe que trabalha fora, de autoria de Talita Rodrigues Nunes. Segundo uma pesquisa do Instituto Data Popular, o Brasil tem 67 milhões de mães. Dessas, 30.8 milhões trabalham. Apesar do que diz o poema ao lado, nem todas se dedicam a uma atividade profissional porque gostam. Juliana Pereira dos Santos começou a trabalhar na roça quando tinha 16 anos. Dois anos depois, ela engravidou de Amanda, sua primeira filha. Depois de um ano e meio, quando ficou sem trabalhar para cuidar dela, voltou a trabalhar colhendo milho. Logo que voltou a trabalhar, engravidou de Valquíria. “Eu levei a Valquíria para a roça, mas ela dava muito trabalho. Precisei parar de trabalhar porque ela chorava, tinha que dar atenção para ela”, relembra. “Naquela época, a gente não recebia licença. A gente ganhava o filho, ficava quinze dias em casa e já ia trabalhar na roça”. Juliana acordava às 3 horas da manhã para ir trabalhar. Deixava as filhas com sua irmã para que ela as levasse para a creche. A licença-maternidade, cujo nome oficial é salário-maternidade, é um benefício pago a quem vai ter ou vai adotar uma
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múltipla no armário. Tive que montar enxoval da noite para o dia, tomar providências da noite para o dia”, conta. Veronica era responsável por um grande projeto na empresa em que trabalha, que precisava concluir antes de se ausentar. “Eu fiquei num esquema de home office, fazia horário comercial em frente ao computador. Quando nós recebemos a Marina, nós arranjamos um berço com rodinhas, eu ficava trabalhando na mesa e ela do meu lado. Eu tinha uma funcionária que ajudava no almoço, a dar mamadeira quando eu não podia. Eu olhava no computador se tinha alguma coisa urgente para resolver, se não tivesse, eu corria e trocava fralda, dava mamadeira. Se eu não pudesse, era ‘Moça, me ajuda aqui”, relembra. Mães que estudam Tainá Francisco Bueno é aluna do último ano de pedagogia e teve seus dois filhos, Analú e Itan, durante o curso de graduação. “Não passou em momento nenhum na minha cabeça deixar ela em casa, eu pensei ‘Vou levar para a faculdade”, diz ela sobre a filha, que nasceu quando ela cursava o segundo ano. “Depois que meu filho nasceu, eu passei a trazer ele para as aulas. Tem outras meninas que trazem os filhos também. Mas o colegiado do curso pediu para as alunas não trazerem mais os bebês. Falaram que os alunos e os professores podem reclamar. Na minha turma, todos apoiam trazer os bebês. Mas em outra turma fizeram um abaixo-assinado para a menina sair da sala. Já é um processo muito difícil da mulher tomar a atitude de não desistir de estudar, ela te-
ria que ser apoiada. Ela se sentiu coagida a desistir do curso”, desabafa Tainá, que ainda amamenta Itan, de quatro meses. “Eu vou deixar ele em casa como?”. A Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde recomendam que os bebês sejam alimentados apenas com leite materno até os seis meses, e até os dois anos sejam alimentados com leite materno em conjunto com outros alimentos. Em maio de 2017, o então ministro da Educação, José Mendonça Filho, assinou uma portaria que garante o direito à amamentação em escolas e qualquer outro lugar público vinculado ao Ministério
“Não passou em momento nenhum na minha cabeça deixar ela em casa, eu pensei ‘Vou levar para a faculdade” da Educação, havendo locais específicos para amamentar ou não. Jaqueline Araújo engravidou do filho Joshua quando já tinha terminado o terceiro ano de pedagogia, mas tinha duas matérias pendentes para cumprir. “Ainda na gestação, eu descobri que tinha um tumor no seio. Eu fiz tratamento em Curitiba, então mesmo antes de ganhar ele eu já estava de licença médica e realizava as atividades acadêmicas em casa”, conta. A Lei n° 6.202 garante que as estudantes grávidas tem direito ao regime de exercícios domiciliares a partir do oitavo
mês de gestação. Isso quer dizer que elas podem cumprir as atividades escolares em casa, sem nenhum prejuízo de faltas, por até três meses. É necessário um atestado médico para requere o regime de exercícios domiciliares. A Lei 6.202 também garante o direito de fazer provas finais, não importa o estágio da gestação. Jaqueline relata que tem várias dificuldades no seu dia a dia com o filho. “Muitos olhares negativos, muita dificuldade em ter que sair de casa com ele
mais cedo, de expor ele a uma realidade que ele não precisava”, desabafa. “Sinto tristeza ao ver que a maioria das pessoas não entendem a sua situação, julgam e não ajudam”. Se você é mãe e tem uma atividade profissional, se informe sobre seus direitos no Capítulo III da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Se você teve um direito desrespeitado, você deve procurar um advogado e requerer na Justiça do Trabalho, ou procurar uma Defensoria.
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e acordo com a Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2016 em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) o público feminino é maior que o masculino quando se trata de abrir novos empreendimentos. O estudo revelou que os negócios que alcançam sucesso e tem até três anos e meio de existência, são 15,4% de mulheres, frente 12,6% de homens. Atualmente 34% de todos os donos de negócios formais e informais no Brasil, são mulheres. São mais de nove milhões de empresárias. Neyde Jordão é exemplo dessa realidade. A africana de São Tomé e Príncipe chegou ao Brasil em 2004 para um programa de intercâmbio universitário. No país de origem, cursava línguas e literatura moderna, mas, iniciou os estudos em psicologia na Universidade Estadual
Hoje, ou a mulher é demitida ou não encontra algo que consiga encaixar em seus planos pessoais e profissionais. Neyde Jordão
de Londrina (UEL). Na época, ela visava apenas o mercado São Tomense, porém, chegando ao Brasil, constatou dificuldade em cuidar dos cabelos afro. Usando os produtos que havia trazido de casa, as pessoas a paravam na rua para perguntar o que usava e como cuidava dos cabelos. Foi então que percebeu um segmento que poderia ser explorado. Soube de salões especializados apenas em São Paulo e outras capitais. Em Londrina algumas outras africanas atendiam de maneira informal, em suas casas. A empresária começou do mesmo jeito: poucas clientes sendo atendidas em casa. Posteriormente, ao iniciar o curso de administração, perceber uma grande demanda e ter o interesse latente em administrar o próprio negócio, planejou o primeiro salão londrinense de tranças e apliques especializado em cabelo afro e, implementou. A cabeleireira confessa que há 10 anos, quando o projeto se concretizou, era uma forma de realização pessoal por sonhar com algo e fazê-lo crescer, não existindo muita necessidade econômica, já que tinha proposta de emprego em seu país. Ela afirma que o objetivo era ver o projeto atingir suas metas. Atualmente, com 37 anos, casada e mãe de duas filhas, a realidade é outra: “Hoje é necessidade [financeira]. A taxa de
A disponibilidade em cuidar dos filhos, da casa e do emprego, é mais difícil. Ou ela é demitida ou não encontra algo que consiga encaixar em planos pessoais e profissionais Arquivo pessoal
desemprego é grande. A mulher depois de ter filho, tem o tempo mais limitado. A disponibilidade em cuidar dos filhos, da casa e do emprego, é mais difícil. Ou ela é demitida ou não encontra algo que consiga encaixar em planos pessoais e profissionais. Como solução está o empreendedorismo”, completou. Além disso, quando Neyde escolheu o Brasil como seu país, fez algumas entrevistas
e percebeu que poderia ter uma renda melhor em seu próprio empreendimento e viu o salão como forma de melhorar sua vida financeira. Cora Fernandes também faz parte do índice de empreendedoras. A personal organizer conta que sempre quis ter o próprio negócio mas que era apenas empolgação e não havia paixão suficiente para seguir no ramo escolhido. ANTÔNIA
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múltipla Um dia, enquanto trabalhava como coordenadora de atendimento ao cliente em uma concessionária, no interior de São Paulo, uma pessoa a questionou sobre a área de organização. Curiosa, pesquisou um pouco, pediu demissão e
foi fazer o curso. No primeiro instante se apaixonou pelo segmento e decidiu investir nisso. Aos 29 anos estava desesperada por entrar nos 30 sem fazer algo que realmente amasse. “Entrei nos 30 [anos] com louvor. Eu amo o que
“Entrei nos 30 anos com louvor. Eu amo o que faço!”
Infelizmente com o preconceito que sofro por ser mulher, e também por raça, estou em desvantagem. Ser homem e negro tudo bem, pois ser homem já é mais fácil. Mas isso não me abala. Cora Fernandes
das redes sociais que tiram dúvidas e que também são negras, a vêem como exemplo de motivação. As fãs da personal organizer e de seu trabalho que se sentem desvalorizadas, passam a ver em Cora uma inspiração. Quando pedi dicas para mulheres que querem empreender, as duas profissionais comentaram sobre controle financeiro. Não é para menos. Entre as desvantagens para mulheres, o acesso a crédito e linhas de financiamento é uma diferença significativa. As empresárias têm acesso a um valor médio de empréstimos de aproximadamente R$13 mil a menos que a média cedida aos empresários. Segundo a Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2016, mesmo com taxa de inadimplência menor que a dos homens (3,7% de mulheres, contra 4,2% de homens), as mulheres pagam juros mais elevados. Em média são 3,5 pontos percentuais a mais que para os empresários do sexo masculino.
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faço!”, comemorou a empreendedora. Quando conheceu melhor as funções de uma personal organizer, Cora percebeu que já gostava de organizar desde os nove anos. “Eu acabava de fazer trabalhos da escola na casa das minhas amigas e pedia para arrumar o armário delas. Sempre fui muito organizada. A profissão caiu em mim como uma luva”. A personal organizer que já trabalhou com famosas, como as globais Sheron Menezes e Fernanda Souza, acredita que uma das principais razões para as mulheres estarem empreendendo é o tratamento desigual, entre homens e mulheres, dado por empresas. “Sabemos que em empresa a gente não tem o valor devido. Inteligente, prática, muito mais pensante que homem. Temos a mesma capacidade que homem ou até mais. Mas em empresa isso muitas vezes não é visto. Empreendendo nós podemos mostrar que somos capazes”, disse. Além do machismo, Cora aponta o racismo com um dos principais desafios que encontra. Sendo mulher e negra, sabe que está em desvantagem. “Infelizmente com o preconceito que sofro por ser mulher, e também por raça, estou em desvantagem. Ser homem e negro tudo bem, pois ser homem já é mais fácil. Mas isso não me abala”, acrescentou. Tratando-se de representatividade, as duas empreendedoras sabem a responsabilidade que carregam. Neyde sempre escuta que é admirada por ser de outro país, manter um comércio no centro da cidade há mais de 10 anos, por ser amiga e batalhadora, como colocou. A proprietária do primeiro salão afro de Londrina emprega imigrantes e as coloca no mercado de trabalho. Já Cora percebe que as seguidoras
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solta o som
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Favoritas da
d bad guy - billie eilish d Bichinho - Duda Beat d Ciumeira - Marilia Mendonça d Doin’ Time - Lana Del Rey d Sorry - Beyoncé
Descubra mais na nossa playlist: Bodil Jane
elas criam Isabelle Feliu
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Pamella Carvalho
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ssa poderia ser mais uma reportagem sobre os padrões de corpo feminino, com a fala de alguma influencer ou de alguém muito renomada na pauta. Mas fui em busca das adolescentes. Tentar entender o que elas pensam e como tem se posicionado, dá indícios de quais caminhos precisamos seguir para avançar ainda mais. A reportagem reservava um encontro com mais de 50 adolescentes, entre 13 e 16 anos, alunas do Colégio Aplicação. O que eu não imaginava é que encontraria tanta consciência e disposição em falar sobre os padrões, indústria da moda, rivalidade feminina, transtornos alimentares e machismo. “Desde criança a gente escuta que nosso corpo é errado. É imposto que a gente não pode engordar, ter estria, celulite como se tudo isso fosse imperfeição”, disparou Amélia* em poucos segundos de conversa. Foi suficiente para que muitas das meninas contassem alguma situação em que se sentiram pressionadas e alguns posicionamentos, em tom de desabafo, surgiram. Bela* defendeu que os conflitos e problemas psicológicos são menosprezados, vistos como frescura, mas que isso precisa ser levado a sério. “Querer se matar não é brincadeira. Muitas vezes isso é desencadeado por causa desses padrões impostos”, afirmou. As meninas comentaram que muitas vezes só querem ser reconhecidas pelo seu esforço, pela sua inteligência ou por conquistarem algo. Estão cansadas de ouvirem que só conseguiram algo
por serem mulheres, por serem bonitas ou por alguma característica física. “A maioria dos homens acham que se eles derem em cima de mulher eles estão no direito deles, porque eles são superiores. Na verdade, não! A gente tem direito das coisas sem que a gente invada o espaço e o direito do outro. Isso de passar e gritar “oh, gostosa”, eles acham que estão elogiando, mas na verdade só faz a gente se sentir mal e suja”, completou Bela*. Amélia* defende que isso acontece pela criação machista que eles também recebem e Ellen* complementou dizendo que tudo foi construído ao longo de muito tempo e toda uma desconstrução deve ser feita para que eles entendam que não são superiores. Isabeli* entrou na discussão e afirmou que, para ela, pior que lidar com os meninos, é enfrentar a rivalidade feminina. Muitas meninas concordaram e relataram situações em que uma garota se opôs à outra. O que elas comentaram é que se uma menina vê outra que em sua concepção é linda, imediatamente cria um rótulo de que ela é “chata” sem ao menos conhecer. Além disso, disseram que muitas vezes acontecem “críticas” que não são necessárias, como falar das roupas, cabelo, peso ou maquiagem umas das outras. “Eu sempre tive um pouco de dificuldade. As pessoas falam que eu sou metida sem nem falar comigo. Se me conhecer vai saber que eu não sou isso. As mulheres deviam se ajudar. Se tem alguém diferente, temos mais é que apoiar, falar o quanto ela é maravilhosa por estar sendo quem ela quer ser
e não ficar fazendo comentários negativos”, finalizou. As meninas defenderam a ideia de união e sororidade, lembrando que os homens ganham tudo de bandeja e as mulheres sempre precisaram lutar muito para conquistar o pouco espaço que tem. Por isso defendem que uma precisa estar cada vez mais unida a outra. Se não amiga, respeitando as características, as vontades, sonhos e conquistas. Já basta os caras menosprezando o que a gente faz e dizendo que conseguimos apenas por sermos bonitas. Voltei à pauta e as questionei se em algum momento elas já quiseram mudar algo em seus corpos. Foi suficiente
‘‘Querer se matar não é brincadeira. Muitas vezes isso é desencadeado por esses padrões impostos’’ Bela
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para ouvir risadas de desespero e muitos “com certeza” engajados. Não é engraçado. TODAS as meninas, sem excessão, compartilharam, oralmente ou escrevendo, o momento em que isso aconteceu. Nos relatos pude presenciar que, de fato, é tsempre imposição. Quase todas as meninas começavam com “Eu não ligava para minhas estrias/celulites/peso/cabelos, mas [alguém] comentou algo e eu fiquei pensando e repensando até não saber mais lidar”. Parte considerável dos “alguém”, são as mães, irmãs, primas, colegas... Alguém nenhum tem direito sobre o nosso corpo. Principalmente de
criticá-lo sem solicitação. Ninguém precisa ouvir que engordou ou emagreceu. Que está com uma espinha nova no rosto. Todo mundo tem espelho em casa! Se cada um cuidasse de si, respeitasse o outro e deixasse de ser desagradável, muitos problemas seriam evitados. Respondendo minha pergunta, inúmeras delas relataram situações de bullying dentro da própria casa. Fran* percebeu que algo estava errado, pois sempre foi muito magrinha e, nessa Páscoa, todos comentaram que ela tinha engordado. Enquanto a ouvia falar eu só conseguia pensar em como nossas relações podem ser tóxicas e como esses espaços de debate são importantes. Confiem em mim: a adolescente é magra. Porém, se questionou por vários dias depois de toda a família perguntar do porquê ela havia engordado. Amélia* problematizou a questão do peso: “se você emagrece, automaticamente recebe um elogio. Quando engorda, não funciona assim”. Giulia* relatou, entre lágrimas, o problema que tem com estrias. A estudante garante que nunca tinha se importado, mas sua mãe sempre investiu em cremes para esconder as marcas e isso se tornou uma séria questão para ela: “não consigo mais usar biquíni por causa disso”, desabafou. Muitos relatos que surgiram foram sobre cabelo. Marcela*, mesmo com a mãe dizendo a todo tempo para alisar o cabelo, resistiu com os cachos. Mas a adolescente afirma que sofreu bullying na escola, quando mais nova, por conta disso. Nayara* viveu situação semelhante, mas comemora a liberdade de ter
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os cabelos que quer. Outras meninas querem cortar, mas alguém da família acha que isso é “coisa de sapatão” (sic) e que elas não vão encontrar namorado de cabelo curto. Para Karen* o problema é outro. A garota de cabelos lisos sonha com cachos já que toda a família é assim. Depois de muito ouvir que as primas eram mais bonitas, ela começou a se comparar e sofrer. Além dos cachos, a adolescente queria ter os olhos verdes, mas sabe que isso não vai acontecer. O outro lado da moeda,é ver uma geração resistente. Junto aos relatos, ouvi muitos “isso é natural do corpo”, “eles não podem impor isso para a gente” e “não existe padrão”. Que este texto não romantize a dor dos estereótipos, nem mesmo “passe pano” para quem nos fere toda hora, enfiando goela abaixo como devemos nos comportar. Porém, é notável saber que as meninas tão novas conseguem perceber que isso não parte delas e se algo que deveria ser natural as incomoda foi porque alguém implantou essa ideia errada de corpo, de cabelo, de vestir-se. Eu não tive a coragem delas. Até pouco tempo atrás, me culpava pelo meu corpo. E, infelizmente, sei que não estou sozinha. Dentre as alunas, uma trabalha como modelo. Quando conversávamos sobre as medidas ideais do corpo perfeito, Hanna* falou sobre o quanto isso era comum pra ela. Na realidade do trabalho, disse que as medidas de quadril, cintura e qualquer parte do corpo, são exatas. “Eles enfiam tanto na sua cabeça que você começa a ficar louca, começa a
fazer sentido. Eu fico sem comer quando tenho que ir trabalhar a tarde”, completou. Falando sobre roupas, as meninas falaram muito sobre a dificuldade de encontrar variedade nas peças. Já é de conhecimento comum que em geral as roupas são pequenas e com medidas
“O corpo e a vida da mulher sempre foram mais dos outros do que dela mesma. tudo que nós fizermos tem que girar em torno do que os outros vão achar . não dá para ser quem você é, se ficar pensando no que os outros vão pensar. Independente de tudo, seremos julgadas” Jamile
que não são capazes de atender todas as mulheres, afinal, não existe padrão. Fica mais fácil entender que nossos corpos são vistos como vitrines e não como nossa morada em vida, quando adolescents conseguem “solucionar” o problema. Isabeli* aha toda a indústria de moda, tóxica. Segundo ela, um pa-
drão inalcançável é imposto e a solução na “melhora de visão” das marcas é não fazer sempre tamanhos estereotipados. “Nem sempre uma menina alta e magra quer usar uma roupa. Pode ser alta e gordinha. Baixa e gordinha. Baixinha e magra. Não tem que fazer roupa para só um tipo de corpo. Essas coisas fazem as pessoas repensarem se estão mesmo bem e, muitas vezes, tomar medidas drásticas para emagrecer. Tem gente que toma remédio, que tem bulimia e tal. Para emagrecer precisa de um profissional e a questão é que a maior parte das pessoas nem precisa emagrecer”, defendeu. Tudo que ouvi e vemos frequentemente por aí, são reflexo de uma sociedade que obriga as mulheres, desde cedo, a terem o “corpo perfeito”. Desde criança as meninas tem medo de engordar e são incentivadas a isso. Mais do que brincar ou estudar, por exemplo. Karen* comentou que cresceu vendo os primos correrem nos almoços de família e não podia participar das brincadeiras para não amassar e sujar o vestido. Vida pessoal, social e profisional, são secundárias para mulheres.Aparência tem mais valor. Tentar alcançar o inalcançável, não é feio só gramaticalmente. É errado. Causa angústia e frustrações desncessárias. Deixa as mina!
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Descubra quem você é
e faça isso de propósito E
mbora com 21 anos, no meio da graduação e com algumas decepções e dose de realidade na conta, confesso que sempre gostei de filmes adolescentes clichês. De certo modo é anestésico para os dias pesados da vida de jovem adulta de quem mora longe da família, estuda, cuida da casa e ainda tenta a sorte em bicos para quitar os boletos. A questão é: eu nunca fui representada. Nunca fui magra e meu corpo sempre esteve longe do padrão. Algumas pessoas dizem que eu “não sou tão gorda assim”, mas, qual a medida usada por elas? Dia desses, quando já tinha escolhido essa pauta, estava na Netflix buscando um desconector de realidade e encontrei “Dumplin’”. Fiquei interessada. No trailer a boa fotografia, as adolescentes curtindo o verão, o conflito mãe e filha típico e o “príncipe” fo-
ram bons ingredientes para se destacar entre a lista de filmes apresentado pela plataforma de streaming. Como se não fosse suficiente, as personagens referiam-se a um concurso de beleza como “protesto de salto alto”. Foi suficiente para conquistar a adolescente de 13 anos que ainda habita em mim. Porém, os roteiristas não seguiram o atalho já conhecido. Willowdean Dickson (Danielle MacDonald), protagonista da trama, sempre foi negligenciada pela mãe. Rosie (Jennifer Aniston) foi miss e é responsável por concursos de beleza regionais. Sempre ocupada com o trabalho e a missão de manter o corpo e estilo de vida impostos, não encontrou brecha na agenda para criar uma relação de proximidade verdadeira com a filha. Lucy (Hilliary Begley), tia da personagem principal, foi, pois, sua figura materna presente. Dona de
e atua com sentimento convincente. A atriz consegue transmitir a evolução da protagonista. Ao lado dela, Jennifer Aniston segue sendo um ícone e, mesmo com um enredo clichê, o filme se destaca. Além das atuações, a trilha sonora é interessante. Dolly Parton, cantora conhecida pela música country, é escolhida como inspiração da protagonista. Com mensagens empoderadoras, letras já conhecidas ou inéditas são pano de fundo para a aceitação de Willow e suas amigas. Quando os créditos subiram, eu desejei ter visto um filme assim aos 14 anos. Talvez algumas idas ao clube teriam sido mais aproveitadas, a praia seria mais divertida e a escolha do look para alguns eventos, menos dolorosa. O mínimo que podia fazer era indicar o longa para quem amo e tento proteger de algumas situações chatas que vivenciei – e vivencio até hoje.
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um humor invejável, alegria, leveza e autoconfiança, Lucy ensinou valiosas lições para a sobrinha. Agora, pasmem, ela é gorda! Pois é, quem diria que uma mulher empoderada assim pudesse ser gorda, não é mesmo? A beleza do filme reside em tratar a temática com leveza e naturalidade. A trama não cai no clichê o lado da protagonista é o correto e quem não pensa como ela é vilã. Isso não cabe em “Dumplin’”. As meninas que estão “dentro do padrão” e querem participar do concurso sem protestar, como a melhor amiga de Willow, Ellen Driver (Odeya Rush) estão lá sem ampliar a rivalidade feminina que somos habituadas a ver nos filmes adolescentes. O filme não legitima o bullying e valida a importância de aceitar cada um como é além de se amar. Danielle MacDonald tem 27 anos
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Menstruação
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Lívia Seneda
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sabiam o que é um coletor menstrual; quarenta e duas sabiam o que é uma calcinha absorvente. Apesar disso, apenas sete mulheres declararam já ter usado o coletor. Apenas uma já havia utilizado a calcinha absorvente. Isis Pelegrin faz uso da calcinha absorvente desde o ano passado. “Acho higiênica. Tenho duas calcinhas, eu revezo usando uma de dia e a outra de noite. Nos dias de maior fluxo, eu uso um absorvente junto”, conta. Das cinquenta mulheres entrevistadas que nunca usaram a calcinha absorvente, quarenta e uma estavam dispostas a experimentar. “Eu fiquei assim, ‘meu Deus, que maravilha!’. Eu usaria para testar em casa”, diz Ketlyn Miranda. “Eu usaria porque é mais sustentável, e mais confortável também. Já pesquisei sobre, mas não achei para comprar”, lamenta Bianca de Souza Corrêa. No Brasil, as calcinhas absorventes estão disponíveis apenas para compra online. Os coletores menstruais são mais acessíveis, mas ainda assim a oferta é li-
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menstruação faz parte do universo feminino, assim como todas as práticas e costumes relacionados a esse evento mensal do corpo. Tem crescido no Brasil a tendência e o desejo de que a menstruação seja um período ecologicamente sustentável. A reportagem fez uma enquete com cinquenta mulheres para saber suas opiniões sobre coletores menstruais e calcinhas absorventes. Aqui faremos um parêntesis para quem está lendo. O coletor menstrual é um recipiente em forma de copo, daí seu apelido de ‘copinho’, que é posicionado dentro do útero para impedir que o sangue menstrual saia. Periodicamente o coletor deve ser retirado para limpar o sangue já acumulado. É usado apenas no período menstrual. A calcinha absorvente é uma calcinha feita com tecido que absorve e retém o sangue menstrual, dispensando o uso do absorvente. Das cinquenta mulheres que participaram da enquete, quarenta e oito
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mitada. Em Londrina, de sete redes de farmácias, apenas quatro têm coletores menstruais no catálogo de vendas. Os preços dos coletores menstruais descartáveis variam de R$ 29,90 a R$ 35,99. A faixa de preço dos coletores menstruais reutilizáveis é de R$59,90 a R$ 95,19. As opiniões sobre o coletor menstrual são diversas. Júlia Gomes faz uso do coletor há um ano. “Me adaptei bem desde o começo. Depois nunca mais voltei para o absorvente”, relata. Karine Veres Faria sintetiza a opinião das nove mulheres que disseram na enquete que não usariam o coletor. “Eu tenho medo, não conheço ninguém que já usou. Vai que dá alergia, ou fica preso”, conta. O coletor menstrual é feito de silicone e tem risco pequeno de contaminação se forem tomados os cuidados básicos de higiene. Cassia Canizares, ginecologista, alerta que o coletor pode fazer um ‘vácuo’ no colo do útero se o fluxo menstrual estiver reduzido, e com isso dificultar a retirada. “Mas é facilmente resolvido com uma suave tração e pinçamento do coletor”, explica. “Dificilmente as usuárias reclamam disso”. Milena Gomes usa o coletor menstrual há quatro anos. “Meu
processo de adaptação com o coletor foi bem fácil, na verdade. Eu tinha alergia, odiava usar o absorvente comum. Eu já usava o absorvente interno, então foi fácil colocar”. O coletor menstrual deve ser dobrado antes de ser inserido no útero para que seja posicionado corretamente. Existem vários tipos de dobras, cada mulher precisa descobrir qual fica mais confortável. É importante higienizar corretamente o coletor menstrual e a calcinha absorvente depois do uso. “Eu lavo o coletor com sabão de coco, e no final e no começo de cada ciclo eu coloco em água fervente. No final do ciclo, eu deixo um pouco em água sanitária antes de guardar”, diz Milena Gomes sobre sua maneira de higienização. Cassia Canizares recomenda que os coletores sejam lavados com água e sabão neutro e conservados secos enquanto não são usados. As calcinhas absorventes devem ser lavadas como recomenda o fabricante. “Acho métodos ecologicamente sustentáveis incríveis para usarmos. A grande dificuldade acaba sendo a educação que recebemos em relação a nos tocarmos e manipularmos, e até mesmo a falta de conhecimento da própria anatomia”, completa Cássia.
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corajosa Texto
Juliana Félix Absorvendo o Tabu, (em inglês, Period. End of Sentence.) é um documentário americano lançado em 2018, escrito e dirigido por Raika Zehtabchi e que foi o vencedor do Oscar na categoria de Melhor Curta Documentário. O tabu é acerca da mestruação. Em 26 minutos é nos apresentado a estigmatizada relação de mulheres indianas com o período menstrual. Moradoras de uma vila rural, localizada em Nova Delhi, na Índia, não conhecem o absorvente higiênico e usam qualquer tipo de pano para evitar que o sangue escorra pela roupa. Envolta em preconceito e estigmas, no local, a menstruação chega a ser vista como doença e até maldição. Jovens largam os estudos por não terem como conter o sangue. Uma das entrevistadas conta que não anda mais em público durante o período por manchar continuamente suas roupas e não ter onde e como trocar. Mulheres são impedidas de entrar nos templos sagrados quando estão menstruadas porque são vistas como impuras. Os depoimentos evidenciam a dificuldade e a vergonha que homens e mulheres têm de abordar o assunto. Uma delas conta que na presença do patriarca, leva-se tempo para conversar sobre assuntos relacionados a mulher. Leva tempo até entre as próprias mulheres. A terrível realidade de milhares de mulheres indianas vai além desse tabu arraiga-
O tabu que che
egou ao
Oscar Divulgação
do. Uma pesquisa da Fundação Thomson Reuters, feita com 550 especialistas em questões da mulher, coloca a Índia como sendo o país mais perigoso do mundo para mulheres, em termos de assistência médica, recursos econômicos, práticas culturais ou tradicionais, violência e abuso sexual, violência não-sexual e tráfico humano. Os crimes contra as mulheres aumentaram 83% entre 2007 e 2017. Absorvendo o Tabu traz a importância de discutir o papel feminino em um país que trata mal suas mulheres. Com a chegada de uma maquina que produz absorventes biodegradáveis naquela área rural, o documentário mostra que elas não querem apenas conseguir melhores condições de higiene. É sobre independência financeira e liberdade. “Não é atoa que o absorvente se chama Fly. Instalamos essa máquina para mulheres. Queremos que as mulheres voem.” “Não acredito que um filme sobre menstruação ganhou o Oscar!” Essas foram as palavras da diretora quando subiu ao palco da maior premiação do cinema. A obra poderia ser dramática, mas opta por deixar claro o quão importante é o empoderamento da mulher dentro de qualquer sociedade. Uma das protagonistas não exagera em afirmar: o mundo não pode ir para frente sem nós, mulheres. Nós somos as criadoras do universo. ANTÔNIA
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(des) cons tru ção
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Junte mulheres de todas as idades. Todas as cores. Todas as formas. Deixe que elas desenvolvam – no tempo delas – a flexibilidade, a confiança e a força. Espere alguns meses e você terá uma mulher que se aceita através do processo de desconstrução de padrões. O pole dance carregou por muito tempo o estigma de ser uma dança exclusivamente sensual. Os pré-requisitos eram um corpo magro e jovem. Não se imaginava que em tão pouco tempo a arte se tornaria um impulso positivo para o empoderamento feminino. Além de exigir do físico, o pole dance trabalha com a mente de forma íntima. Tudo começa com a noção de que a evolução faz parte de um processo demorado e, muitas vezes, doloroso. E, independente da dor, todas concordam que não existe sensação mais poderosa do que chegar no topo da barra. As professoras Pim Lopes e Talia Streciwilk, donas da Pólen Studio em Londrina, abriram a porta da colmeia para a nossa revista e deram um recado: “o pole dance não é sobre o que o corpo aparenta ser, mas sim o que ele pode fazer”. Texto e fotos
Lavínia Zaborne
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“O pole dance não vai te ajudar a emagrecer, o pole dance vai te tonar f*da!”
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antônias Juliana Félix, 20 Oie! Meu nome é Juliana Félix e sou estudante de Jornalismo. Sou apaixonada por gatos e fã de tudo relacionado a moda. Sou 100% matutina, amo assistir o nascer do sol e tudo aquilo criado por Deus.
Conheça as Antônias que estão por trás do conteúdo e produção da revista
Lavínia Zaborne, 21 Eu sou viciada em fazer piada quando tô nervosa. Nas horas vagas eu gosto de dormir, descobrir novas bandas indie e posso passar horas assistindo documentários sobre o mundo! Tamiris Anunciação, 20 Sou apaixonada pelo jornalismo. Também arrisco escrever poesia. Já fui bailarina, sou vegetariana e adoro cozinhar. Meu estilo de música preferido é o rap e minha música do momento é Hat-trick, do Djonga. Lívia Seneda, 19 Sempre gostei de escrever, e cheguei no Jornalismo por causa disso. Prefiro trabalhar por trás das câmeras, nos bastidores. Duas coisas para lembrar: respirar fundo e seguir em frente.
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Pamella Carvalho, 21 Apaixonada pelo céu e pôr do sol. Fã de Friends. Irmã coruja que só quer viajar. Catarse a flor da pele: derramo, brilho, ardo, dou asas e estilhaço.
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