DISTRUIBUIÇÃO GRATUITA
JULHO DE 2019 - EDIÇÃO I ~
educacao ~
sem medidas Conheça a história de quem atceitou o corpo
O direito de estudar dos apenados em Londrina ~
~
orientacao sexual
“A gente ainda vai levar muito tombo”
Paracanoagem & mais
A inclusão da pessoa com deficiência por meio do esporte é um exercício de olhar para o próximo entrevista
Conheça a atuação da ativista e educadora Poliana Santos
editorial
Afinal, onde começam os direitos humanos? Criada em 2019, período em que as minorias sociais do país enfrentam barreiras no que diz respeito ao resguardo dos seus direitos, a revista tem o intuito de levantar questões que deem maior visibilidade a essas pessoas. Nesta primeira edição, a Nós abordará algumas questões importantes a respeito de grupos como LGBT, apenados, pessoas com deficiências, em situação de rua, entre outros.
FreePik
Essa é a pergunta que a Nós usa como fundamento para levar ao seu público aos mais variados conteúdos sobre o tema em Londrina. O nome escolhido possui dois significados: a união entre os grupos que precisam de maior visibilidade e, ao mesmo tempo, as dificuldades que eles enfrentam para terem seus direitos respeitados. Assim, se faz importante também o desenho de um nó acompanhando ao nome da revista para simbolizar essa dualidade entre os significados.
JULHO DE 2019 - NÓS
3
quem somos
GIULIA 19 anos Santo André/SP
Toca violão Viciada em séries Sonha em trabalhar no Fantastico
4
NÓS - JULHO DE 2019
MARIANE 20 anos Maringá/PR
Photoshopeira Ama a cidade natal sonha em viajar o mundo inteiro
NATANAEL
NICOLI
20 anos Arabá/SP
22 anos Avaré/SP
Skatista joga vôlei Toca violão Quer cursar direito Sonha em trabalhar Sonha em ser no meio esportivo repórter
SUMÁRIO
6 7 8
expediente
FIQUE POR DENTRO REGISTRO DESTAQUE FAZ A DIFERENCA Ninguém solta a mão de ninguém
TABUS 14 QUEBRANDO Dois pesos, uma medida CHANCE 22 SEGUNDA A tornozeleira no meio dos livros TODOS 32 PARA Não esconde o jogo DE MUDANCA 46 LUGAR Política pública: direito do cidadão e dever do Estado
50 DEPOIMENTOS Respeito cabe em qualquer lugar DE HOJE 58 ASSUNTO Não se comemora esse passado
REVISTA-LABORATÓRIO Produzida pelos alunos do Terceiro Ano Matutino do curso de Jornalismo, para as disciplinas 6NIC184 - Práticas Laboratoriais em Jornalismo Impresso e 6NIC179 - Práticas Laboratoriais em Diagramação. CECA - Centro de Educação, Comunicação e Artes. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA DOCENTES RESPONSÁVEIS Profª. Drª Márcia Neme Buzalaf Prof. Me. Thiago Henrique Ramari Prof. Me. Erick Lopes de Almeida PRODUÇÃO GIULIA ISABELLE MARIANE TELES NATANAEL PEREIRA NICOLI SUMAN
FIQUE POR DENTRO Homofobia e transfobia são criminalizados no Brasil Em pleno mês do orgulho mundial LGBT, o STF (Supremo Tribunal Federa) decidiu, por 8 votos a 3, criminalizar atos de homofobia e transfobia no Brasil. Com a decisão, os atos preconceituosos terão o mesmo tratamento penal que o crime de racismo.
14 de junho é marcado por greve geral em estados do país As manifestações em Londrina começaram na frente da garagem da TCGL (Transportes Coletivo Grande Londrina) com o bloqueio das saídas de ônibus.
Dia de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa 15 de junho foi marcado como o “Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa”. Em Londrina, a data foi lembrada com várias atividades e contou com a participação de grupos e entidades. Vale lembrar qu=-e a cidade foi a primeira do país a criar uma secretaria específica para o idoso. 6
NÓS - JULHO DE 2019
registro destaque
Jogos Paradesportivos Pela quinta vez em oito edições, Londrina sediou os Jogos Abertos Paradesportivos do Paraná (PARAJAPs) entre os dias 20 a 23 de junho. Na abertura da cerimônia, o campeão mundial de paracanoagem, Igor Tofalini, foi o responsável por acender a pira olímpica. No total foram 49 municípios que disputaram 17 modalidades no PARAJAPs 2019. A foto é de Ana Beatriz Pacheco.
JULHO DE 2019- NÓS
7
Ninguém solta a mão de ninguém Para a militante Poliana Santos a frase difundida nas redes sociais no final do ano passado, após a eleição de Jair Bolsonaro como presidente, é uma resposta ao período conturbado que os movimentos sociais enfrentam no país. Poliana tem 36 anos, é educadora há mais de dez, formada em história pela Universidade Estadual de Londrina e envolvida há mais de cinco anos em causas sociais, em especial os movimentos LGBTI+, de mulheres e étnico-racial. Em entrevista, ela fala sobre o funcionamento dos projetos que participa, as intenções na vida política partidária e o projeto de sociedade que defende. Nós: Quais gatilhos fizeram com que você começasse a pen8
NÓS- JULHO DE 2019
Andrade Detsign Criativo
Texto: Natanael Pereira
sar nos problemas sociais existentes e, consequentemente, travasse uma batalha contra eles? Como começou sua militância? Poliana Santos: Ao falar de ativismo social não há como fugir da quase máxima de que a maioria dos ativistas tem determinado protagonismo na causa que defende ou compartilha com outras pessoas. No meu caso não é diferente, pois sou uma mulher negra, lésbica e pobre nascida na periferia de Londrina, que desde muito cedo sofreu os impactos de uma sociedade homofóbica, racista e patriarcal. A partir do momento que comecei a ter um conhecimento mais profundo sobre essas questões, basicamente no início da juventude
FAZ A DIFERENÇA com a inserção no meio acadêmico, passei a adquirir ferramentas para combater mais enfaticamente essas injustiças sociais. É um caminho que eu diria, graças a Deus, sem volta (risos). No momento que você se engaja em um movimento social passa a querer ir até o fim, pois sabe que a luta é diária. N: De que maneira você contribui para que os direitos humanos sejam garantidos em Londrina? Como avalia o papel social que cumpre? PS: São alguns anos de vida no ativismo social. Fazer uma autoavaliação tem um risco no sentido de parecer uma promoção pessoal, por isso gosto de reforçar o quanto o sucesso do meu ativismo é relacionado a outros companheiros e companheiras de militância. A vida pela militância é coletiva. Fazendo um autoavaliação, sem falsa modéstia, acho que o mais importante é que tentamos ampliar os impactos do nosso trabalho em Londrina. Dentre os pontos mais importantes posso citar o Coletivo Luiza Mahin, do qual faço parte há mais ou menos três anos. Além disso, há dois anos ajudo a construir, dentro do Coletivo Movimento Construção, a Parada LGBTI+ da cidade que desde o início nós sonhávamos, mas não acreditávamos ser possível.
N: Quais são as atividades que esses coletivos desenvolvem? Como fazem para que a sociedade londrinense tenha acesso e possa participar? PS: A participação da sociedade nessas duas construções se dá de maneira muito simples. Na Parada LGBTI+ fazemos uma caminhada pelas ruas da cidade e colocamos nossos corpos como forma de resistência. Fazemos isso para celebrar, mas também mostrar para a sociedade que não vamos mais ficar dentro dos armários, pois temos dignidade e queremos justiça social. Desde o ano passado estamos promovendo debates em torno da questão com espaços de formação em universidades, projetos sociais e escolas públicas.
Não vamos mais ficar dentro dos armários, pois temos dignidade e queremos justiça social JULHO DE 2019- NÓS
9
FAZ A DIFERENÇA
10 NÓS- JULHO DE 2019
Edmilson Perrota
Produtor e integrantes do Coletivo Luiza Mahin no Sarau das Pretas (maio/2019)
condições, por exemplo, de alugar uma casa para fazermos uma sede ou ter um espaço físico e fixo. Trabalhamos com as parcerias para fazer nossos eventos, como a Usina Cultural, Cemitério de Automóveis, Casa da Vila e o Canto do Marl. As redes sociais também são um atalho muito forte entre nós e a sociedade, tanto para ter acesso ao nosso trabalho quanto para colaborar conosco. N: Você também já mostrou interesse na vida política parti-
Arquivo Pessoal
Essa troca com a sociedade é constante. Já o Coletivo Luiza Mahin é um grupo de mulheres que trabalham com o protagonismo da voz feminina, em especial da mulher negra, no combate ao racismo. Até esse momento é patrocinado pela bolsa do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (PROMIC). Temos buscado ir basicamente em espaços mais carentes, onde as pessoas têm mais dificuldade de acessar um cenário cultural. Quando vamos até os bairros e procuramos as escolas ou centros infantis é uma maneira de tentarmos levar o nosso trabalho aos menos favorecidos, mas também ganharmos com a participação dessas pessoas. Elas trazem experiências maravilhosas para que possamos refletir a nossa cidade. É importante lembrar que além desses coletivos de maior destaque, também participo da Frente Feminista de Londrina, Rede Feminista de Saúde e da Marcha Mundial das Mulheres que já são movimentos mais consolidados. N: Como avalia esses projetos que participa? Quais são os fatores que subsidiam a realização deles? PS: Nessas ações coletivas não temos retorno financeiro e nem estrutura financeira. Não temos
Nosso sistema de proteção é a educação, a consciência e a reflexão
Casamento LGBTI coletivo realizado em 2018 pelo Movimento Construção JULHO DE 2019- NÓS
11
Marcha das Mulheres Negras em 2015 com a escritora Conceição Evaristo (ao centro)
Arquivo Pessoal
12
dária de Londrina, tendo se candidatado ao cargo de vereadora em 2016 pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Atualmente quais os projetos que desempenha no segmento político? Tem planos para o futuro na vida política? PS: Nessa ocasião tivemos uma votação surpreendente, já que foi uma campanha muito complicada para o partido. Nossa presidenta havia sofrido um impeachmentacredito que por um golpe- e um ódio pela legenda do Partido dos Trabalhadores começou a se consolidar, mas surpreendentemente alcançamos mais de mil votos. Foi uma campanha que tentou fazer com que a sociedade refletisse sobre a diversidade e esse não é um plano que morreu lá. Tenho dialogado com muitas pessoas que sempre me cobram dizendo: “você NÓS - JULHO DE 2019
não pode sair da política”. Não vejo a política como a possibilidade de uma profissão e nem acho que é um espaço de ambição particular. Minha intenção de dar continuidade na política, em um cargo do Poder Legislativo como vereadora, é justamente levar a experiência dos movimentos sociais para dentro da Câmara e ser representatividade em uma função pública legitimada. N: Na última eleição presidencial, Jair Bolsonaro (PSL) venceu com pouco mais de 80% dos votos válidos em Londrina. Enquanto londrinense, mulher e militante das causas populares, como se fazer ouvida em uma sociedade que elegeu um governo que representa a barbárie dos direitos das minorias no país? PS: Falar de Londrina e política é muito interessante, pois é uma
FAZ A DIFERENÇA cidade ambígua. Por mais que ela tenha um perfil extremamente conservador - não podemos negar - ao mesmo tempo é uma cidade contemporânea. Foi uma cidade que cresceu, mas manteve uma cultura um pouco engessada. Londrina ter eleito Bolsonaro não é uma surpresa, pois já vinha elegendo vários outros candidatos com posturas semelhantes. Não podemos esquecer que somos uma das primeiras cidades do país a formalizar uma Secretaria da Mulher. Uma cidade do Paraná que sempre teve uma tendência ao voto menos progressista, mas que já teve três legislações do próprio Partido dos Trabalhadores. É uma mistura cultural de pensamentos na cidade. Lidar com essas questões é complicado, mas não impossível. N: Em uma realidade de ataques aos movimentos que lutam pelos direitos humanos, como enxerga o futuro dos movimentos sociai no país? Quais os caminhos para se fazer resistência em um período tão conturbado como esse? PS: Penso que estamos em risco, porém isso serve de estímulo para nos fortalecer. Serve para que possamos resistir, assim como diz o jargão “Ninguém solta a mão de ninguém”. É claro que o medo é
constante e o que aconteceu com Marielle Franco bate na cabeça de todo mundo. É claro que os nossos Matheus de Londrina, as nossas chacinas até agora não solucionadas e a morte de uma grande guerreira como Yá Mukumby permanecem nas nossas mentes. Diferente das pessoas que utilizam esse pensamento conservador para extrapolar suas próprias violências, nosso sistema de proteção é a educação, a consciência, e a reflexão como forma de combater a violência extremista que temos hoje em dia. N: Quais os planos que você tem para o futuro dentro da militância? PS: É difícil falar em planos quando a ação de um ativista social não é fixa. Temos pilares da sociedade que combatemos eternamente como é o caso do racismo, do machismo, da lgbtfobia e das injustiças sociais, mas as demandas se renovam muito. O plano é sempre continuar na luta. A priori o primeiro pensamento para o futuro é sempre estarmos unidas e unidos para resistir aos ataques e defender o que acreditamos ser um projeto de sociedade. Um projeto de sociedade progressista, humano e que respeite as diversidades e a cidadania. JULHO DE 2019 - NÓS
13
quebrando tabus
Freepik
Dois pesos, uma medida
Texto e fotos: Nicoli Suman
Os padrões estéticos estão por toda parte. Esses padrões de beleza são culturais, amplos, e diferentes em cada lugar. No caso do Brasil, país tropical, cheio de praias e calor, o corpo deve ser quase uma escultura. Quem nunca começou uma dieta no “projeto verão”? Seja na propaganda de cerveja com a mulher sarada de biquíni ou no comercial de desodorante com o jogador de futebol de tanquinho, sempre há um modelo de corpo a ser alcançado. Não pode ter nada sobrando e também nada faltando. A mídia alimenta a ideia do corpo perfeito nas capas das revistas, mesmo que o corpo que está lá não seja totalmente real, pois muitas fotos 14
NÓS - JULHO DE 2019
são tratadas com photoshop. Ainda, os perfis nas redes sociais se tornam palco de disputas de quem tem o corpo mais bonito para postar fotos, mesmo que a blogueira famosa do Instagram tenha feito uma dieta restrita uma semana antes só para tirar aquela foto que também foi editada. O corpo ideal precisa ser algo inatingível, já que todas essas mídias se sustentam na nossa insegurança. São tantas regras para se enquadrar que aquelas pessoas que não se encaixam nesses padrões, ou por estarem gordas ou magras demais, são deixadas de lado. Essa pressão estética em que estamos inseridos causa desconforto e também o questionamento:
Parece que o fato da pessoa não conseguir controlar o peso significa que ela não é apta a fazer outras coisas
quebrando tabus por que eu não sou assim? A situação é delicada, pois ao mesmo tempo que nos obrigam a termos corpos perfeitos, a indústria nos empurra para os fast foods. Olhar para a realidade e padrões estéticos é estar em uma contradição constante. Aceitar o próprio corpo é quase uma utopia. É um trabalho diário e difícil no contexto de padrão de beleza que vemos no país. Silvio Demétrio, 51, passou a engordar depois dos 30 anos e conta como é a sua experiência sendo uma pessoa acima do peso. NÓS: Muitos pensam que magreza é sinônimo de saúde e nem sempre isso é verdade. No seu caso, você já procurou um médico para saber se o sobrepeso passou a influenciar na sua saúde de maneira negativa? Reprodução: ABESO
16
NÓS - JULHO DE 2019
SILVIO DEMÉTRIO: Eu sempre acompanho e não é uma coisa que me agrada, me incomoda em vários aspectos, por exemplo, eu tenho um problema no joelho hoje que é por conta disso, não é legal. Tão assim, eu vou em médico cardiologista, endócrino que me acompanha, procuro sempre fazer exames. Então, tá tudo ok tirando as coisas que eu tenho que controlar como colesterol, até tem uma série de coisas que eu não como mesmo. Mas eu tive uma vida sedentária, se você ver engordei no período da pós-graduação, mestrado e doutorado. Mas a gente sente isso quando fica fora do peso que existe uma coerção social, um jogo desigual, as coisas não são feitas para quem é gordo. Mas é engraçado, porque a gente
não se percebe como gordo, pelo menos eu não. Mas daí chega um ponto que agora o negócio ferrou (risos). N: As pessoas à sua volta, que você é próximo ou não, já te indicaram dietas ou exercícios? SD: Ah já, sempre tem né? Tem um pessoal que faz isso porque gosta de você e quer te ver bem aí é legal. Mas tem um pessoal que tem muita maldade em relação à isso. E tem uma coisa que eu acho complicado, que existe uma idiotização do gordo. Parece que o fato da pessoa não conseguir controlar o peso significa que ela não é apta a fazer outras coisas. Isso não tem nada a ver. N: Em Londrina, você consegue achar opções de vestuário para o seu corpo? SD: Eu ainda consigo achar, mas se eu engordar mais um pouco aí fica complicado. Mas dá para se virar, talvez não com a mesma abundância de alguém que está em um padrão. Às vezes você acaba comprando o que tem e não o que você quer. Mas dá para achar, Londrina é até um lugar legal para isso, porque em cidades menores é mais difícil. N: Em alguma época da sua vida o seu peso passou a ser
um problema para você? Você passou a pensar e a aceitar o seu corpo ou isso ainda é um conflito dentro de você? SD: Isso ainda e um conflito porque eu quero emagrecer por uma questão de saúde mesmo. Eu faço tratamento no endocrinologista, eu consegui perder 10 quilos. O duro é que depois de uma certa idade o seu organismo tente a se estabilizar, eu teria que emagrecer mais. Precisa fazer exercício, ter uma rotina regular e se tem uma coisa que eu não tenho é uma rotina regular. Uma coisa que eu me dei conta e que muda a perspectiva é o fato de ser pai. Quando você tem filho, a tua relação com a vida muda. Você pensa na finitude de uma maneira diferente. Eu quero ver crescer, quero ajudar quando for preciso, ter netos se for para ter neto, se não for também tá joia (risos). Mas sempre tem isso das pessoas darem dicas. Quem é gordo quer emagrecer, o peso é desconfortável, ele cansa muito fisicamente. N: Você já deixou de usar alguma roupa por pensar que as pessoas não achariam aquela roupa adequada para você? SD: Tem uma coisa engraçada em casa, por que assim, eu sou JULHO DE 2019 - NÓS
17
quebrando tabus muito fã de uma banda americana e tem uma coisa no meio dos fãs que é usar camiseta tie dye. Eu tenho algumas que vieram dos Estados Unidos que são muito legais, mas a minha mulher não gosta que eu use (risos). Ela fala, essa camiseta de deixa enorme, a gente abre mão até porque não é por causa de uma camiseta que eu vou criar problema. Mas eu acho ruim roupa apertada, mesmo quando eu era magro eu já gostava de usar roupa larga. N: Você sofreu algum preconceito em algum lugar devido ao seu peso? SD: Uma vez eu tinha que ir para um casamento e eu tinha que procurar um terno. Eu fui em uma loja de roupa e o cara deu risada por eu experimentar um paletó que não me serviu. Mas eu tava tão numa boa, que isso não chegou a me maltratar, mas eu pensei que cara despreparado né? Mas é a coisa do preconceito. N: Você tem algo para acrescentar que ache importante em relação a imagem do corpo? SD: Acho que tem tanta coisa que é mais importante do que isso, simplesmente por uma questão estética. Uma coisa que me incomoda, por exemplo, é a pressão alta, é horrível. Não queira saber 18
NÓS - JULHO DE 2019
como é uma crise de pressão, parece que você vai morrer, é ruim. Mas poxa, eu conheço tanta gente legal que é gorda. Não vai ser nem um pouquinho melhor se emagrecer, já é legal por ser o que é. Se emagrecer, tudo bem, tá legal também. As coisas estão em outro lugar, que não esse. Mas ninguém tá bem sempre, essa coisa de rede social é muito mentirosa. Pow, menos! (risos). OUTRO LADO DA MOEDA Não apenas as pessoas que estão acima do peso sofrem com a pressão estética da sociedade. A estudante de jornalismo Ana Beatriz Pacheco, 20, desde pequena é magra. A sociedade cultua a magreza, mas, para quem é “magro demais” e sai fora do padrão a realidade não é maravilhosa. NÓS: Você sempre foi uma pessoa magra? Na sua infância, você sofreu com apelidos ou situações por causa do peso? ANA BEATRIZ: Na minha infância eu não lembro de apelidos, porque eu estudava muito, então meus apelidos eram por eu ser “cdf”. Mas eu sempre fui muito magra. Na terceira série eu pesava 18 quilos. A minha mãe não controlava tanto a minha alimentação, eu comia bolacha, sorvete, chocolate e eu sempre fui assim. Então,
quebrando tabus é o meu biótipo mesmo. A mãe do meu pai, quando eu era pequena, dizia que eu era doente por eu ser muito magra. Então a minha mãe me levou para fazer vários exames e depois mostrou para a minha avó que não tinha nada de errado, eu era assim mesmo. Mas eu já cheguei a tomar biotômico e sustagem. Eu tenho uma amiga que é mais magra que eu e tem colesterol alto. Essa questão de você não engordar por causa do seu biotipo, você acaba comendo qualquer coisa, então isso pode não ser bom para a sua saúde. N: As pessoas à sua volta, que você é próximo ou não, já te indicaram dietas ou exercícios? AB: Já falaram para eu fazer academia, mas nunca é uma coisa direta. É sempre muito sutil do tipo “nossa fulano tem a bunda desse tamanho”. Aí você acaba se sentindo mal. Falavam que eu tinha que comer mais. Mas as vezes eu ía na escola com duas leggings, uma em cima da outra para parecer que eu tinha mais perna. As pessoas vivem me perguntando quanto eu peso, as vezes pessoas que eu nem tenho intimidade. Nossa, isso já aconteceu muito. N: Em Londrina, você consegue achar opções de 20
NÓS - JULHO DE 2019
vestuário para o seu corpo, nas suas medidas? AB: Tenho vários problemas para comprar roupas. Calça para mim é uma coisa muito difícil. Eu descobri que em uma loja tem calça 34 menor, porque não é toda que serve. Hoje não tanto, mas uma época eu me sentia muito mal na hora de comprar roupa, porque nada me servia. É desesperador. Ano passado, eu ganhei a primeira calça que eu não tive que ajustar. Mas tem isso de você ir na loja e vendedora falar “nossa como você é magrinha”. Eu sei, eu escuto isso o tempo inteiro. N: Em alguma época da sua vida o seu peso passou a ser um problema para você? Você passou a pensar e a aceitar o seu corpo ou isso ainda é um conflito dentro de você? AB: Eu acho que a coisa que mais me incomoda é quando falam que eu não pareço ter a idade que eu tenho. Porque eu tenho 20 anos e algumas pessoas já falaram para mim que pareci que eu tinha 12. Isso é o que mais me incomoda porque pode me atrapalhar até profissionalmente. É a questão de eu ser magra e não ter corpo, no sentido de peito e bunda. Porque não existe magrofobia,
só existe esse incômodo da vida alheia, de ficar falando e perguntando. Outra coisa que eu escuto também, é “nossa e você come normal?”. Eu não pareço a ideia que eu tenho mesmo, mas eu não sei se é um problema que eu tenho que resolver comigo. Mas o peso era um problema mais na adolescência mesmo. N: Você já deixou de usar alguma roupa por pensar que as pessoas não achariam aquela roupa adequada para você? AB: Eu já deixei de comprar roupa, eu não sei se é por eu ser magra. Mas tem modas que não vão ficar boas em mim, fica horrível. Saia rodada por exemplo, dependendo como for só aparece meus “cambitinhos”. Mas eu nunca cheguei a usar roupas que me fizessem parecer maior. Mas eu acho que eu devia usar roupas mais diferentes, sem esse medo de arriscar. N: Você tem algo para acrescentar que ache importante em relação a imagem do nosso corpo? AB: Eu tenho uma irmã de 16 anos que tem muito peito e as pessoas acham que ela é mais velha só por isso. É muito esquisito essas coisas da sociedade.
Uma coisa que me ajuda muito na autoestima é reparar na blogueiras que usam photoshop. Tem vários perfis no Instagram que eles postam quando descobrem algum photoshop nas fotos de blogueira. Aí eles postam a foto de verdade e a editada. Isso é muito bom porque muitas vezes o padrão que você quer alcançar não existe. É tudo fake, tudo mentira. O legal é que um desses perfis a pessoa que criou não deixa outras pessoas xinguem nos comentários das fotos. Porque esse Instagram é para ajudar na autoestima das mulheres reais e não é para ofender as blogueiras porque elas também são vítimas da sociedade patriarcal que impões a distorção do corpo. Mesmo as pessoas que estão próximas do padrão, também sofrem com o padrão.
Não existe magrofobia, só existe esse incômodo da vida alheia JULHO DE 2019 - NÓS
21
segunda chance Fábio Santos é aluno do segundo ano de Serviço Social
A tornozeleira no meio dos livros
Texto e fotos: Mariane Teles
Londrina é a primeira cidade a ter projeto para apenados em regime fechado poderem cursar uma graduação “Candidato Classificado”. É com essas palavras, através de um edital, que a Universidade Estadual de Londrina (UEL) começou a receber um novo perfil de estudante: os apenados. Aos poucos, eles começaram a fazer parte da rotina de estudo nas salas de aulas. E apesar de serem alunos comuns, todos os dias enfrentam a dificuldade de viverem em uma realidade totalmente di-
ferente daquela da universidade. “Eu tenho dois tipos de vida: na mesma hora que estou aqui [universidade], eu tenho a total liberdade para andar, conversar e me expressar, mas quando eu chego lá [centro de reintegração], preciso abaixar a cabeça – dizer sim senhor, não senhor - e seguir regras que se não cumpridas, você vai para o castigo”. Esse é o depoimento de Fábio da Silva JULHO DE 2019 - NÓS
23
Santos conta sua experiĂŞncia de viver em dois mundos diferentes
segunda chance Santos, 34, aluno do segundo ano de Serviço Social. Ele conta sobre a sua experiência de poder estar estudando em uma universidade após 10 anos preso. Santos gostaria de cursar Educação Física, mas mesmo depois de ter passado duas vezes no vestibular, só conseguiu a aprovação do juiz para iniciar os estudos tempo depois e em um outro curso. Isso por causa de sua pena ser alta, 45 anos ao total. A situação dele abriu um precedente para mais casos semelhantes. Antes, apenas presos já em estágio final do regime fechado conseguiam autorização para frequentar a UEL agora, já existem casos de pessoas que ainda terá mais de 10 anos para entrar no regime semiaberto que conseguem essa liberação. A VITÓRIA O primeiro aluno apenado a se formar no curso de Serviço Social será Valdomiro Alves dos Santos, 46. Casado e com três filhos, hoje ele está no regime aberto, porém iniciou o curso em regime fechado, obrigando-o a usar a tornozeleira eletrônica durante o tempo que passava na faculdade. O estudante explica que o
motivo de querer começar uma graduação, além de amenizador da pena, é que o estudo torna-se uma porta aberta para sair daquela situação. Ele também conta que estudava por conta própria para prestar o vestibular; era a família que levava os livros e materiais. Após ser aprovado, iniciou a graduação ao mesmo tempo em que evoluía o seu processo penal. Segundo a Lei de Execução Penal nº 12.433, a cada 12 horas de frequência escolar, o detento tem um dia a menos na pena. Valdomiro já cumpriu 8 anos e 3 meses da sua pena total de 13 anos. Sua experiência ajudou a delimitar o objeto de estudo de seu Trabalho de Conclusão de Cur-
O preso quer trabalhar e estudar para ir embora JULHO DE 2019 - NÓS
25
segunda chance so: a educação no sistema penal por meio de um olhar crítico de quem vive aquela situação e apresentar a realidade das penitenciárias de Londrina, para as pessoas compreenderem que não há essa estigmatização de toda cadeia ser violenta . “O preso quer trabalhar e estudar para ir embora. O respeito é incrível. Lá tem mais respeito do que aqui fora”, Valdomiro afirma. OS OBSTÁCULOS A sociedade tem medo da ressocialização dos presos fora da cadeia, o que contribui para a manutenção do preconceito que se estende até a universidade. Valdomiro conta que por causa da idade, conseguiu fugir das dificuldades de interação com outros alunos, mas sentia logo no começo de curso a dificuldade em formar grupos de trabalhos na sala. A saída de um lugar fechado para entrar na sociedade novamente também causa estranheza, Fábio Santos ressalta. Ele diz que ficava perdido ao fazer coisas simples do dia a dia, como usar o cartão do ônibus ou conversar com as pessoas de fora. Além disso, há uma outra dificuldade presente entre os alunos 26
NÓS - JULHO DE 2019
Andreia Pires Rocha é professora de Serviço Social e orientadora de TCC do Valdomiro
apenados. Quem explica isso é a professora de Serviço Social, Andreia Pires Rocha. Ela já trabalhou na Febem (atual Fundação Casa) e hoje estuda os adolescentes explorados como “mulas” em atos infracionais do tráfico de drogas. Muitos apenados vêm de condições sociais baixas e isso resulta em terem dificuldades para acompanhar o conteúdo. O acesso à internet e a materiais de estudo fora do campus
Segundo a Lei de Execução Penal nº 12.433, a cada 12 horas de frequência escolar, o detento tem um dia a menos na pena também são empecilho para o estudante. Andreia diz que “eles passam uma parte do dia em um universo onde podem falar o que estão pensando, se posicionar e depois precisam voltar para um universo de segurança, onde não podem se expressar”. Ela conta de um caso no qual o apenado veio para a aula e estava com um pen drive, quando voltou para o centro de retenção, levou uma advertência, tendo que ficar alguns dias sem vir para a aula. JULHO DE 2019 - NÓS
27
Fábio Santos demorou para conseguir a autorização para estudar devido a sua pena alta
Melissa Portes é coordenadora do colegiado de Serviço Social, curso que tem mais números de apenados matriculados
segunda chance PROJETO EXCLUSIVO Tudo começou quando a UEL firmou o Termo de Cooperação nº 005/2013 com a Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) para que os apenados da Penitenciária Estadual de Londrina – Unidades PEL I e PEL II pudessem realizar o Processo Seletivo de Vestibular 2014. As provas foram aplicadas nas próprias unidades penais, seguindo todos os critérios e procedimentos da Coordenadoria de Processos Seletivos. Surgia então esse projeto exclusivo da Vale de Execuções Penais de
Londrina, o primeiro do Brasil a conceder autorização para presos em regime fechado de cursarem o ensino superior, concedido pelo juiz Katsujo Nakadomari. Dessa forma, os primeiros alunos de graduação chegaram nos cursos de Letras, licenciaturas e na grande maioria, em Serviço Social. A coordenadora do colegiado, Melissa Portes, conta como o curso de Serviço Social tornou-se referência entre os demais cursos da universidade nesse assunto: “Pela própria natureza da nossa profissão, nós entendemos que esses alunos são sujeitos iguais a outros, que tem direito a educação. O serviço social apoia essa política afirmativa porque é uma política inclusiva”. O curso já recebeu 15 alunos apenados, alguns deles trancaram, outros trocaram de curso e apenas um cometeu novo delito e teve sua permissão de estudar anulada. Atualmente o curso conta com uma média de 8 alunos do primeiro ao quarto ano. Ela também explica a necessidade do colegiado entender as demandas desses alunos em condição especial, por isso fazem regularmente reuniões com JULHO DE 2019 - NÓS
29
segunda chance o diretor do Centro de Reintegração Social de Londrina (Creslon), Reginaldo Peixoto. Nessas reuniões, eles discutem o melhor tipo de acolhimento e acompanhamento para os estudantes no período que estão na faculdade. Toda a realização de atividades extras, estágios, aulas no contra-turno precisam da autorização do juiz – feita por meio de um ofício e entregue ao Creslon. Porém Melissa afirma que “a função do colegiado não é fiscalizar”. Nas aulas, os apenados são incentivados a eles mesmos se apresentarem para a turma e aos professores, já que no começo do ano letivo, o colegiado faz questão de não informar quem serão os alunos em condição de regime fechado ou aberto. Isso estimula a integração em sala de aula. “Alguns escondem, mas a maioria não porque se sentem à vontade com a recepção do curso”, concluí Melissa. Cada curso trata o acompanhamento dos alunos de maneiras diferentes, já que na UEL não há uma política que padronize esse tipo de questão. Algumas reuniões com a Pró-reitora de Graduação já foram realizadas, ainda esse ano, para tentar institucionalizar esse tema entre todos os colegiados, pois o número de novos estudantes apenados tende a aumentar com o sucesso do projeto de inclusão. 30
NÓS - JULHO DE 2019
saiba mais!
O cárcere feminino Para quem quer entender sobre a realidade das mulheres que passam seus dias dentro de celas, o livro “Presos que Menstruam” da jornalista Nana Queiroz é imprescindível para uma boa leitura. No Brasil, cerca de 30 mil presos menstruam uma vez ao mês, esses presos são mulheres mães, esposas ou filhas, detidas na maioria das vezes por tráfico ou crime por complemento de renda. O livro conta através de crônicas reais o cotidiano dos presídios femininos no país. Queiroz usa a linguagem coloquial para trazer ao leitor a reflexão de uma igualdade desigual. Hoje as mulheres precisam se submeter ao cárcere privado feita para homens. Temas como maternidade, péssimas condições de higiene e preconceito com as lésbicas são tratados ao longo de toda narrativa.
Presos que Menstruam Nana Queiroz Editoria Record, 2015 292 páginas
PARA TODOS
Treino de Goalball da equipe do Instituto Roberto Miranda
Não esconde o jogo O esporte é uma ferramenta eficaz para a socialização, mas, infelizmente, ainda é pouco conhecido quando relacionamos à pessoas com deficiencia Texto e fotos: Giulia Vibosi
Dizer que o esporte é importante para pessoas de todas as idades e que traz benefícios a saúde física e mental é de conhecimento geral. Quando exercitamos, o nosso cérebro libera endorfina que gera sensações de prazer e alegria. Para as pessoas com deficiência, a prática esportiva representa muito mais do que a boa disposição. O condicionamento vascular 32
NÓS - JULHO DE 2019
e o aprimoramento da coordenação motora são algumas das vantagens de fazer atividades físicas. Há também, no campo psicológico, o aumento da autoestima e da confiança, possibilitando ao atleta o melhoramento da segurança pessoal em conquistar seus objetos. Isso tudo contribui com a socialização do esportista e na visão errada que a sociedade tem sobre o esporte adaptado.
Em 2016 assistimos o Rio de Janeiro sediar a 15ª edição das Paraolimpíadas. Mais de quatro mil atletas competiram 23 esportes, entre eles o hipismo, bocha, natação, triatlo, remo ou tiro com arco. Esse evento desportivo, de modo indireto, incentivou a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. Mas você sabe quando foi que tudo isso começou? A primeira edição dos Jogos Paraolímpicos foi na cidade italiana Roma, em 1960. Nessa edição foi reunido 400 atletas de 23 países diferentes. Pode parecer pouco, mas ao longo dos anos esse número vem se multiplicando cada vez mais. Em 2004, mais de 4000 atletas de 143 países distintos participaram das Paraolimpíadas de Atenas. Isso prova que os jogos deixaram de ser uma simples competição amadora para se tornar um paradesporto de alto nível. Na expectativa de trazer medalhas, a equipe brasileira estreou em 1972, na cidade alemã Heidelberg. Sem sucesso, voltaram ao país de mãos vazias. Em 2016, competindo em casa, o Brasil teve, até então, o seu melhor desempenho. Conquistando
o 8ª lugar com 72 medalhas. Só de ouro foram 14, sendo 29 de prata e 29 de bronze. Ao total, a delegação brasileira já obteve 229 medalhas e visa conseguir mais nas próximas Paraolimpíadas de Tóquio em 2020. Segundo dados do IBGE, mais de um quinto das pessoas brasileiras se declaram com deficiência, o que totaliza 45,6 milhões. As deficiências alegadas mais constantes são as físicas, auditivas e visuais. Em Londrina, existe projetos e iniciativas que permite inclusão através do esporte a pessoas com deficiência. Pensando sobre isso, separamos algumas dessas práticas esportivas para você conhecer mais. GOALBALL Inventado em 1946 pelo austríaco Hanz Lorenzen e pelo alemão Sett Reindle, o goalball é um esporte praticado por atletas que possuem deficiência visual. Cada equipe conta com seis jogadores. Em quadra, são três jogadores vendados, que são defensores e, ao mesmo tempo, arremessadores. Os outros três são mantidos no banco como reservas. São dois gols, de cada lado da quadra, com nove metros de largura e 1,2 de altura. O JULHO DE 2019 - NÓS
33
A equipe existe há 5 anos em Londrina
objetivo é lançar a bola, de forma rasteira, dentro da rede oposta. Durante o jogo não pode haver barulho pois o goalball é um esporte que trabalha com a percepção auditiva e tátil, exceto em momentos do gol e o recomeço da partida. A bola tem pequenos furos que permitem a passagem de sons produzidos por guizos contidos em seu interior. Essa medida ajuda os jogadores a se direcionarem. Sua cor é alaranjada, tendo 76 cm de diâmetro e pesando 1, 25 kg, semelhante a uma bola de basquete. Para o jogo ficar dinâmico, são 34
NÓS - JULHO DE 2019
dois tempos de 10 minutos cada e as equipes não podem passar mais de 10 segundos segurando a bola. Além disso, a quadra é separada por cinco linhas táteis que facilita o jogador a se localizar. No total são 11 juízes, sendo dois responsáveis pelo andamento da partida; quatro estabelecidos nas traves, auxiliando na reposição da bola e conduzindo os atletas reservas; e 5 encarregados de fazer súmulas e controlar o tempo de jogo. Todos os atletas usam vendas nos olhos, estando divididos em três categorias para que a competição seja em condições igualitárias. A classificação B1 é destinada para cegos totais, já a B2 é para atletas que conseguem perceber vultos e a B3 são para aqueles que conseguem definir imagens. O atleta Guilherme Almeida, de 25 anos, faz parte da equipe de Londrina e é classificado como B2. Ele explica mais sobre esse código de divisão que categoriza o grau da deficiência: “Tem que ser deficiência visual dos dois olhos porque se a pessoa for monocular, consegue enxergar de um olho só 100%, é considerado sem deficiência”. Guilherme é deficiente visual desde que
PARA TODOS nasceu e soube do esporte em 2007 através de uma oficina de goalball no Distrito Federal. “Eu acho que o esporte me ajudou na parte da saúde, social e na questão da percepção corporal”, contou o atleta que já competiu em várias cidades do Brasil, como João Pessoa, Cuiabá, São Paulo e Porto Alegre. Seu técnico, Marcio Rafael, de 40 anos, começou a equipe londrinense de goalball há 12 anos no Instituto Roberto Miranda. No início, ele convidou garotos que estavam no time de atletismo dos Jogos Escolares do Paraná. Diferente de outras modalidades, o goalball foi pensado para um pú-
Alguns integrantes da equipe de Goalball/ Londrina
blico específico. Segundo Marcio, “a maioria dos esportes paraolímpicos vem de um esporte convencional, existe o futebol de cegos que vem do futebol convencional, como o vôlei sentado e o basquete de cadeira de rodas, mas o goalball foi criado para pessoas com deficiência visual, ele tem a sua exclusividade”. Atualmente, a equipe está com oito atletas, sendo alguns vindo de Jandaia do Sul, Blumenau, Foz do Iguaçu e Santos. Recentemente, a equipe londrinense conquistou o segundo lugar no Campeonato Regional Sul de Goalball, sendo a atual pentacampeã da competição.
PARA TODOS O pedagogo Adenilson Oliveira, que também faz parte do time, comentou os benefícios que o goalball o trouxe. “Ele me deu conhecimento geográfico porque eu já viajei para todos os lados. Também melhorou no meu convívio social, ajudando na questão de noção espacial dentro de quadra, que me ajuda no dia a dia, e a oportunidade de defender o meu país em competições internacionais”. O atleta que é de Jandaia do Sul, mas representa a equipe de Londrina, já defendeu a seleção brasileira no Pan-Americano de 2005 e participou, em 2007, do time que ficou em quarto lugar no Mundial, realizado em São Paulo. “Pela minha família eu não saia de dentro de casa, foi uma batalha para buscar a minha independência. Quando eu fiquei cego, a minha mãe e o meu pai falava: ‘Você tem a gente, não precisa de bengala, não precisa sair’. ‘Não pais, hoje eu tenho vocês, mas eu não sei o amanhã’. Foi quando eu corri atrás da minha independência e comecei a viajar para as competições”, disse Adenilson sobre a preocupação dos pais. Com orgulho, o técnico Marcio comenta sobre as conquis36
NÓS - JULHO DE 2019
tas do time: “Hoje pensamos em competições grandes. De tantas equipes no Brasil, nós somos uma das dozes equipes que estão no campeonato da série A”. A equipe londrinense de goalball pertence ao Instituto Roberto Miranda, localizada na rua Netuno, 90, bairro Jardim do Sol. Mais informações pelo telefone: (43) 3327-4330 ou pelo site www.institutorobertomiranda.org.br. HALTEROFILISMO PARAOLÍMPICO Estreando nos Jogos Paraolímpicos do Japão, em 1964, o halterofilismo paraolímpico, conhecido também como levantamento de peso, é um esporte em que o atleta executa um movimento chamado supino. Antigamente apenas homens com lesão na medula espinhal podiam praticar, até que em 1996 as mulheres começaram a competir. Hoje ambos os sexos podem participar, desde possuam uma deficiência que afete o movimento das pernas e quadril. Assim como o halterofilismo convencional, no esporte paraolímpico os atletas são divididos em categorias conforme o peso corporal. Para competir é preciso que os competidores deitem de
PARA TODOS costas sobre um banco fixo, realizando um movimento chamado supino. A partir do levantamento da barra de apoio, a prova tem o seu início. O ápice do momento é quando o atleta suporta o peso com os braços totalmente levantados e logo após, finalizando quando a barra desce até a altura do peito. É válido somente o maior peso das três tentativas permitidas. Para auxiliar na hora de levantar, os competidores podem pedir para que amarrem suas pernas e requisitar um anilheiro, que ajudará na retirada da barra do apoio. Se empatar, ganha o atleta com o menor índice de massa corporal. Ao total são 3 tentativas e se houver uma quarta, não vai ter relevância para a competição, sendo usável apenas na intenção de quebrar o recorde mundial. Em Londrina, um projeto esportivo é incentivo para a inclusão de pessoas com deficiência. A Associação Esporte Atitude, oferece gratuitamente, treinos adaptados para a equipe de halterofilismo paraolímpico. O atleta, Rogério Bena, de 38 anos, integra a equipe há 9 anos e conta que conheceu o esporte através de um convite de amigos.
“Eu entrei nele foi bem no começo da lesão e isso me ajudou muito porque eu tinha vergonha de sair de casa. Depois que eu conheci o projeto, já fui me enturmando mais e vendo que não era só eu que estava assim”. Rogério, após a um acidente de carro que ocasionou na sua lesão, pensa no halterofilismo paraolímpico como um grande auxilio para a retomada da vida social. O atleta Marcos Macedo, de 43 anos, foi medalhista de bronze, em 2013, no Campeonato Open de Halterofilismo, e faz parte da equipe londrinense. Quando o chamaram para participar, ele sempre negava e achava o fim do mundo um atleta com deficiência fazer levantamento de peso. Após 9 anos praticando o esporte, ele diz com proprieda-
Me ajudou muito porque eu tinha vergonha de sair de casa JULHO DE 2019 - NÓS
37
PARA TODOS de que o para-halterofilismo contribuiu com a sua autoestima, o proporcionando conhecimentos e convívio social. Além disso, ele fala sobre a sua relação com os demais da equipe. “Aqui a gente costuma tratar não de deficientes, mas sim por apelidos. É muito bom, não tem discriminação, não tem cor, não tem crença, não tem nada. Aqui é sarro puro, barra para cima e treino forte. Ele proporciona para a gente, além de amigos, uma família”. Atualmente, a equipe de halterofilismo paraolímpico de Londrina conta com nove atletas que treinam todas as semanas no Centro de Educação Física e Esportes (CEFE) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A treinadora, Vanessa Cristina, conheceu o projeto em 2008 através da universidade e foi somente comandar o time há 7 anos. Ano passado, a equipe conquistou na categoria 54 kg o ouro, do Dorival Jorge, e o bronze, do Rogério Bena, no Campeonato Brasileiro Loterias Caixa de Halterofilismo. Para Vanessa, “teve alguns atletas que não treinavam nada e ficavam em casa desanimados. Depois que começou a treinar com a gente, reaprende38
NÓS - JULHO DE 2019
ram a autonomia porque depois que você sofre uma amputação tem que aprender tudo de novo”. Ela também conta que os atletas aumentam a sua massa muscular e melhoram o seu convívio social, conforme o avanço dos treinamentos. A equipe conta com o apoio da Prefeitura de Londrina, através do Fundo Especial de Incentivo a Projetos Esportivos (Feipe). Mais informações pelo telefone: (43) 99955-0609. PARACICLISMO O esporte teve início na década de 1980, com apenas participantes com deficiência visual. A bicicleta era de dois assentos, um para o atleta com deficiência visual e outro era para o ciclista não-deficiente, que estava como guia. A primeira vez que uma Paraolimpíada cedeu espaço ao paraciclismo foi em 1984, em Nova Iorque. Nesta edição, os atletas com paralisia cerebral e amputados começaram a participar. Somente nas Paraolimpíadas da Coreia do Sul, em 1988, que o esporte entrou oficialmente no programa oficial. Em 1996, na paraolimpíada de Atlanta, as pessoas com deficiência passaram a ser categorizadas e o veló
Victoria ĂŠ londrinense, mas defende o time de MaringĂĄ
PARA TODOS dromo incluído na programação. O handcycling (ciclismo com as mãos) teve suas primeiras aparições nas Paraolimpíadas de Sidney. Mesmo ainda não conquistando medalhas no paraciclismo em Jogos Olímpicos, em 1992, a modalidade teve sua estreia brasileira com o Rivaldo Martins, em Barcelona. Ao longo desses anos, o Brasil não tinha conquistado nenhuma medalha no esporte em Jogos Paraolímpicos. A atleta londrinense, Victoria Barbosa, tem 25 anos e está treinando o paraciclismo em uma busca de uma vaga nas Paraolimpíadas. Por conta de uma complicação pós-cirúrgica, ela perdeu o movimento do joelho esquerdo aos 17 anos, quando estava ingressando na universidade. Treinando há um ano, Victoria explica como ficou sabendo do esporte. “O meu pai trabalha com ciclismo, na confederação brasileira de ciclismo, e quando eu tive a minha lesão, eu não conseguia ficar parada porque eu era atleta de basquete e queria outro esporte, então o paraciclismo eu achei mais viável dentro da minha limitação”. 40
NÓS - JULHO DE 2019
A categoria do atleta vai definir o tipo de bicicleta a ser utilizado, podendo ser triciclos, bicicletas duplas ou com pedais manuais. Victoria pertence a categoria LC2, que são atletas com dificuldade física em uma das pernas, sendo permitido o uso de prótese. O LC1 é o que o menor grau de deficiência geralmente nos membros superiores. Já o LC3 é para atletas que pedalam com apenas uma perna, sem usar prótese. E por fim, o LC4, que é voltado para as pessoas com maior número de deficiência, geralmente com amputação em um membro. Antes da lesão, Victoria nunca imaginaria que poderia defender a seleção brasileira sem estar no time de basquete. “O esporte significou um novo começo na minha vida porque quando eu fiquei de cama, entrei em uma depressão muito profunda e para piorar os meus pais se separaram. É uma nova oportunidade que eu comecei a enxergar de uma nova forma. Então, de um ano para cá, eu comecei a me sentir útil, vivenciar no paraciclismo o que eu sentia no basquete há um ano atrás”. A londrinense, que foi campeã da primeira etapa da Copa Brasil da modalidade,
PARA TODOS vai competir pela primeira vez no Mundial de Paraciclismo nas cidades da Itálica e Bélgica. “Eu sei que o nível lá fora é muito elevado, mas agora o meu foco é ir lá e aprender, tentar me aproximar ao máximo de quem eu conseguir”, comenta Victoria que acredita que essa experiência vai ser importante para o seu crescimento. PARACANOAGEM A Federação Internacional de Canoagem tornou, em 2009, a canoagem olímpica um esporte acessível a toda a sociedade. Uma das mais recentes modalidades estreando nos Jogos Paraolímpicos de 2016, no Rio de
De azul, Giovani de Paula; em preto, Igor Tofalini e vestido de camisa verde, o técnico Gelson
Janeiro, a paracanoagem é voltado exclusivamente para atletas com deficiência física. As regras não são muito diferentes da canoagem tradicional. Os dois barcos, caiaques, impulsionados por um remo de duas pás e canoas, onde o barco tem um segundo pontão chamado de ama como uma boia de apoio, são utilizados durante a prova. As provas variam entre 200km, podendo participar homens e mulheres que tenham alguma deficiência física. A classificação é dividida em classes: K1, pouco ou nenhum funcionamento das pernas. K2, parcialmente funcionando as pernas e o tronco e o
PARA TODOS K3, que se refere aos atletas que são capazes de sentar-se com o tronco em posição flexionada para frente. O atleta, Igor Tofalini, é atleta de paracanoagem do Iate Clube de Londrina. Através do esporte, já participou de diversas competições e obteve títulos como semifinalista das Paraolimpíadas 2016, campeão da Copa do Brasil de paracanoagem do mesmo ano e atual campeão mundial de paracanoagem. Segundo o atleta, o foco agora é representar o Brasil no Campeonato Mundial de Paracanoagem, que vai acontecer em agosto, na Hungria. “Minha expectativa é poder conquistar uma vaga no Japão e trazer a medalha. Estou me dedicando bastante e vou me esforçar muito para manter o meu desempenho ainda melhor”. Essa competição vai qualificar as vagas para as Paraolimpíadas de Tóquio, em 2020. Outro atleta da equipe londrinense de paracanoagem, Giovani de Paula, também vai representar o país na Hungria. Ele já participou do Pan-Americano no Equador, Sul-Americano na Argentina e recentemente esteve competindo no Mundial, em 42
NÓS - JULHO DE 2019
Portugal. O jovem de 21 anos lembra com carinho do seu início no esporte. “Eu conheci a paracanoagem em 2015, estava passeando em Londrina e vi uma maratona com pessoas remando. Fui perguntar para o Gelson, que hoje é o meu professor, e ele pediu para eu retornar na segunda-feira. Isso já faz cinco anos”. Atualmente, o técnico Gelson Moreira orienta seis atletas de alto nível, mas antes de chegar nessa posição os competidores começam do básico. “Quando o atleta chega, tem todo um processo de adaptação para aprender a remar, porque a maioria que chegou aqui nunca entrou em um caiaque. Então, tem todo um processo de iniciação, começando com os caiaques mais largos e depois vai mudando gradativamente na medida que ele ganha equilíbrio”. Ele ressalta que existe um desenvolvimento para fazer adaptação nos caiaques, pois tem que ser de acordo com a deficiência de cada um. O Iate Clube fica na avenida Higienópolis, 2135, jardim Higienópolis. Mais informações sobre o projeto de paracanoagem pelo telefone: (43) 3305-6300.
PARA TODOS
Igor Tofalini é o atual campeão mundial de Paracanoagem JULHO DE 2019 - NÓS
41
PARA TODOS saiba mais!
O jogo vai começar
Nada é impossível quando se tem força de vontade. É essa a lição que as setes edições do Parajaps, os Jogos Abertos Paradesportivos do Paraná, nos trazem. Organizada e executada pela Secretaria do Esporte e do Turismo, a intenção é valorizar o paradesporto, além de incentivar a inclusão de pessoas com deficiência. A competição é o evento que tem maior investimento do Governo Estadual, disponibilizando aos municípios arcar somente com os custos da locomoção. Em 2018, o evento foi sediado em Londrina pela quarta vez e contou com a participação de atletas paraolímpicos, medalhistas sul-americanos e pan-americanos. Esteve presente 43 cidades, sendo mais de 1.500 participantes, entre atletas, organizadores, arbitragem e dirigentes. Todo esse empenho foi dividido em quatro dias de jogos por 17 modalidades diferentes, como vôlei sentado, bocha adaptada e parabadminton. 44
NÓS - JULHO DE 2019
A abertura foi no Colégio Vicente Rijo e os jogos ramificados em 14 locais de competições. As equipes que não residem em Londrina foram alojadas em instituições parceiras do evento por meio do Núcleo Regional de Educação (NRE). A maior delegação foi a de Curitiba com 175 integrantes, seguido por Maringá com 152 participantes e logo após Cascavel com 131 pessoas. Vencendo com 150 pontos, os atletas da capital paranaense demonstraram um excelente desempenho e levaram mais uma vez o primeiro lugar, assim como todas as outras edições. Londrina se classificou na quarta posição com 84 pontos, perdendo também para Maringá e Cascavel. Neste ano, a oitava edição já tem data e lugar. Londrina foi escolhida para sediar novamente o Parajaps. O evento vai acontecer do dia 19 a 23 junho. A expectativa é contar com mais de 1.400 paratletas, entre 100 representantes londrinenses.
LUGAR DE MUDANÇA O Instituto realiza diversas atividades ao longo do ano, entre elas, a Festa Junina do Bom Samaritano
Reprodução do Facebook
Política pública: direito do cidadão e dever do Estado Especialista reforça a necessidade da união entre o setor público e movimentos sociais para atender às demandas Texto: Natanael Pereira
Uma pesquisa que vem sendo realizada pelo Ministério Público desde outubro do ano passado, mostra que em Londrina cerca de mil pessoas vivem em situação de rua. Em contrapartida, o número de instituições da cidade que atuam na promoção de políticas públicas voltadas às pessoas em situação de vulnerabilidade é escasso e não consegue atender a demanda de todos que necessitam. O cenário 46
NÓS - JULHO DE 2019
é ainda mais problemático na medida em que a quantidade de verba repassada pelo município aos poucos lugares que existem é insuficiente. Segundo Alisson Moreira, assistente social há dois anos no Instituto de Promoção Social de Londrina- Casa do Bom Samaritano, é necessário que a entidade faça promoções e companhas, além de arrecadar doações ao longo do ano para
manter o funcionamento do local. Por conta da conjuntura que vivemos no país, o assistente social acredita que é necessário repensar maneiras de captar recursos, entre elas investir em projetos, editais e até mesmo financiamentos externos. “Vivemos um momento de incertezas nas políticas públicas tanto em Londrina quanto no país. Não sabemos se a Política de Assistência Social continuará sendo custeada pelo Estado e talvez seja necessário buscar novas alternativas de renda”, diz. De acordo com Moreira, o caminho para expandir o número de instituições que promovem condições de bem-estar social é a união entre o setor público e grupos que lutam para que suas necessidades sejam atendidas, como é o exemplo do Movimento População em Situação de Rua. O movimento reivindica qualidade e um aumento no número de vagas de acolhimento institucional. “Quem fiscaliza a política pública em Londrina é o Conselho Municipal de Assistência Social. É necessário que as reivindicações cheguem até o Conselho para que ele proponha ao município a ampliação das vagas. Vejo que o
A Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) é responsável por executar a Política de Assistência Social em Londrina. Realizada em conjunto com a sociedade, o objetivo é garantir os direitos fundamentais do cidadão
JULHO DE 2019 - NÓS
47
LUGAR DE MUDANÇA A Casa do Bom Samaritano foi fundada em 27 de fevereiro de 1983 e fica na Rua José Fierli, 153.
Reprodução do Facebook
caminho é a organização entre o Conselho de Assistência Social, Ministério Público e o Movimento População em Situação de Rua para que a demanda possa ser discutida e o número de vagas ampliado”, finaliza. FAZENDO A DIFERENÇA HÁ 35 ANOS O Instituto de Promoção Social de Londrina- Casa do Bom Samaritano foi fundado por uma organização de casais católicos. Atualmente a instituição oferece dois serviços custeados parcialmente pela prefeitura do município que são vinculados 48
NÓS - JULHO DE 2019
à Secretaria Municipal de Assistência Social. A prestação dos serviços é ininterrupta e contempla a residência inclusiva com 29 vagas e o acolhimento institucional provisório com 50 vagas, ambos para homens na faixa etária dos 18 aos 60 anos em situação de vulnerabilidade social. O instituto conta com uma equipe técnica de assistentes sociais, psicólogos, coordenação técnica e geral, nutricionista, equipe de cozinha, setor de limpeza e equipe de educadores para cuidar dos acolhidos. Além disso, a Casa do Bom Samaritano mantém
dois Centros de Educação Infantil, contabilizando quase 90 funcionários ao todo. Um dos principais objetivos é buscar a independência institucional e fazer com que os acolhidos consigam se inserir da melhor maneira na sociedade. “Temos conseguido bastante êxito, principalmente no sentido de cobrar para que nossos usuários tenham seus direitos garantidos, cobrar para que o mercado de trabalho abra as portas para esse público apesar da resistência que a maioria das empresas têm em oferecer trabalho aos moradores de rua, fazendo com que eles voltem para a vida independente ou retornando para a família”, ressalta Alisson Moreira. José (nome fictício), de 53 anos, chegou ao abrigo há quase dois anos. O morador enfrentava o alcoolismo e procurou ajuda após sair da casa de um familiar. Antes de chegar na instituição, o homem já havia passado por uma clínica de reabilitação para lutar contra o vício do álcool. Terminou o tratamento e ao sair da clínica conseguiu um emprego, mas recaiu. Hoje ele recebe apoio de assistentes sociais e psicólogos e avalia a
permanência no instituto como essencial em sua vida. “Aqui a gente dorme com roupa limpa e tem uma alimentação muito boa. Não tenho reclamação nenhuma a fazer, sempre fui bem tratado”, ressalta o morador. Ele é formado em contabilidade e já trabalhou por muitos anos em supermercados e bancos de Londrina. Agora faz um curso de informática e procura uma maneira de ingressar novamente no mercado de trabalho e voltar a ser independente. “Eu sempre fui uma pessoa independente, por isso preciso arrumar um emprego. Estou correndo contra o alcoolismo, mas se Deus me der saúde eu continuo na luta”, finaliza.
O que eu quero é arrumar um emprego e tocar o barco pra frente JULHO DE 2019 - NÓS
49
“Respeito cabe em qualquer lugar” Textos e fotos: Nicoli Suman
Muitas pessoas entram em conflito com a família no momento de contar sobre a sua homossexualidade; o caminho da aceitação é delicado e muitas vezes sem apoio
depoimentos O cenário de derrota aterrorizava os Aliados quando submarinos nazistas dizimaram frotas e mais frotas de navios durante a Segunda Guerra Mundial. Diante da situação, o serviço secreto britânico descobriu a Enigma, uma máquina usada pelo exército inimigo para se comunicar através de mensagens criptografadas. A chance de saber os próximos passos do inimigo se deu graças à Alan Turing, um jovem matemático formado em Princeton. Ele se candidatou para um trabalho na antiga instalação militar secreta na Inglaterra, onde especialistas tentavam quebrar a Enigma. Turing foi o primeiro a perceber que apenas uma máquina poderia vencer outra. Sua invenção funcionou e, estima-se, encurtou a guerra em cerca de dois anos, salvou mais de 14 milhões de vidas e ajudou diretamente na vitória dos aliados contra Hittler. Para camuflar sua homossexualidade, Turing pediu a colega Joan em casamento. Mesmo sabendo que ele era gay ela aceitou, pois na época a homossexualidade era vista como
indecência. Apenas entre 1885 e 1967 cerca de 49 mil homossexuais foram condenados pela justiça britânica. Dois anos depois do final da guerra, Turing foi condenado por sua orientação sexual, e sentenciado a um ano de castração hormonal, ou dois anos na cadeia. Por fim, ele optou pelo uso das drogas, assim poderia continuar trabalhando em seus computadores. Ele morreu em 1954, vítima de uma intoxicação com cianeto. Toda a contribuição de Turing para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial e o futuro da tecnologia foi deixada de lado diante das acusações de homossexualidade. Reprodução: ABESO
JULHO DE 2019 - NÓS
51
depoimentos No Brasil, atualmente, estima-se que a população homossexual se aproxime de 18 milhões de brasileiros. Essa estimativa é da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. A orientação sexual não é motivo para a justiça condenar um cidadão, mas o preconceito contra homossexuais ainda é grande. O país registrou 445 casos de assassinatos de homossexuais em 2017, segundo o levantamento do Grupo Gay da Bahia. Inúmeros gays, lésbicas e bissexuais lidam com o preconceito também dentro de casa. Para muitos, o momento de contar sobre a sexualidade para a família se torna um pesadelo. Ao contrário do hétero que em momento algum precisa firmar ou contar sua sexualidade para ninguém, o homossexual carrega esse processo com uma nomenclatura usada socialmente com cunho negativo. “Assumir” a sexualidade. Esse termo muito usado mostra o quão ainda é pesado o processo do homossexual ser aceito dentro de casa e pela sociedade. 52
NÓS - JULHO DE 2019
A estudante de jornalismo, Ana Almeida, 22, conta que espera que um dia ninguém precise contar a sexualidade, pois isso precisa ser visto com naturalidade pela sociedade. Afinal, uma pessoa é muito mais que só a sua sexualidade. “Seria muito melhor que a gente não tivesse que se assumir, seria melhor que a gente só vivesse a nossa vida independente de qualquer coisa”. Ela conta que depois que se relacionou com a primeira menina aos 12 anos foi um “divisor de águas”. Isso aconteceu durante suas férias escolares. “Eu cheguei super contente depois das férias para contar para a minha melhor amiga. Ela não recebeu bem a notícia e ficou me perguntando: e aí, agora você é lésbica? Essa minha amiga contou para minha mãe”. Ana Almeida veio de uma família religiosa na qual a homossexualidade nunca foi vista com bons olhos dentro de casa. O processo foi complicado, sua mãe a proibiu de sair de casa, usar celular e manter contato com qualquer pessoa. “Uma vez foi pior que as outras, ela
JULHO DE 2019 - NÓS
53
depoimentos Reprodução: ABESO
surtou e me bateu, bateu muito e me expulsou de casa. Eu fui para casa do meu pai e ele me bateu muito também. No outro dia eu fui para a escola e meus amigos me perguntaram por que eu estava roxa e eu disse que não era nada”. Na época Ana Almeida reprimiu sua sexualidade, chegou a namorar com homens. Mais tarde ela se apaixonou por uma menina “Eu comecei a namorar com ela, bati o pé e fui viver minha vida. Eu tinha uns 16 anos e terminei com o cara que eu namorava. Ele contou para todo mundo que eu era “sapatão” e por um mês e pouco ninguém da escola falava comigo, eu sofria preconceito e bullying”. Hoje, a família de Ana Almeida lida melhor com sua orientação sexual. Ela não tem problema em falar que gosta de mulheres e que namora com mulheres. Apesar disso, ela conta que ainda não se sente totalmente aceita. “Mas ainda é aquela coisa, fica aí no seu canto, embaixo do seu tapete porque a gente não vai conversar sobre isso”. Durante o processo de realmente viver sua
sexualidade, Ana Almeida teve a ajuda de alguns amigos e especialmente de um primo. Por nascer em uma família evangélica o conflito entre sua sexualidade e a religião era grande. “Eu cheguei a fazer encontros com pastores, até participei de uma “cura gay” e nada adiantava. Eu não deixava de gostar de meninas, eu só ficava mais triste. Eu não deixava de gostar de meninas, mas também não conseguia gostar de homens”. Nos últimos tempos ela se aproximou da irmã, que no início era bem preconceituosa, mas que agora apoia enxerga a situação de uma maneira diferente e a apoia nos embates com a família. A história de Gabriel Estevão, 21, não é muito diferente da de Ana Almeida. Após sua família saber sobre sua homossexualidade, ele teve que frequentar a igreja e ir ao psicólogo da igreja. Ele contou com o apoio de sua mãe, mas nunca na frente de seu pai. “Não tinha diálogo, sempre era discussão e as vezes ele me batia. Eu tive o meu período de auto aceitação, mas nada se compara à
uma rejeição dentro de casa”. Por terem uma criação diferente e mais tradicional a aceitação demorou um pouco, mas com o decorrer do tempo a relação com seus pais melhorou, tanto com a mãe quanto o pai “Hoje nós temos uma relação ótima e nem parece que a gente passou pelo que passou”. Na época em que Gabriel Estevão contou que era gay o primeiro apoio veio dos amigos do ensino médio. “Foram as pessoas que me abraçaram, eu ganhei uma segunda família”. Ele conta que perdeu o contato com a família de seu pai por ela ser muito religiosa e enxergar sua sexualidade como um pecado. Ele teve o apoio de amigos, mas muitos cortaram contato por esse fato e só por esse fato. “Eu acho que a pessoa tem que ser muito forte. Você precisa da ajuda de alguém que te aceite, independente do que você seja. Família é o lugar onde você se sente bem e onde você pode ser você mesmo”. Mostrar que homossexuais existem, manter uma luta contra o preconceito e olhares maldosos, para Gabriel JULHO DE 2019 - NÓS
55
depoimentos Estevão, é algo essencial “O respeito cabe em qualquer lugar e em qualquer ser humano”. Antigamente, a aceitação homossexualidade por parte da família era mais complicada. A tradição e os costumes religiosos tinham um peso maior do que hoje. Para o jornalista e professor universitário Regis Moreira, 51, o processo de auto aceitação de sua homossexualidade foi delicado. No princípio em sua juventude houve uma negação por parte dele mesmo. Ele tentava explicar sua atração por homens através da psicanálise, admitindo que isso era reflexo da ausência de seu pai, para criar um escudo. Quando estava com cerca de 19 anos, Moreira namorou uma garota por quatro anos. Ele descreve o namoro mais como uma grande amizade e por ter uma formação dentro da igreja católica havia um fator protetivo, o de se casarem virgens. “Então a gente fez um pacto, vamos casar virgens, e para mim, era um alívio, ótimo!”. Moreira sempre morou no interior do estado de São Paulo em uma cidade bem pequena, 56
NÓS - JULHO DE 2019
mas para cursar a universidade mudou-se para Campinas. Quando ele e a atual namorada passaram no vestibular, o namoro teve que ser levado a distância. Decidiram continuar o namoro, mas chegou o momento em que ele se apaixonou por um garoto. O término foi difícil, pois o clima do momento era de dúvidas para Moreira. Devido ao estigma que havia na época da relação do fato de ser gay e ter HIV, ele decidiu fazer exames. Os testes deram negativo para a doença e Moreira começou a fazer terapia. “Eu cheguei no psiquiatra e expliquei todo o problema. Ele me perguntou: “é só isso? ”. E não era, tinham outras questões, o HIV mascarava a culpa da minha sexualidade. Estava tão culpado que eu achava que eu precisava ser portador do vírus”. No caso da mãe de Moreira a aceitação ainda não chegou plenamente. Atualmente com 78 anos ela não toca no assunto da homossexualidade do filho. Para ele isso é ruim porque é como se ele vivesse uma vida dupla “Quando eu tento conversar sobre ela pede para mudar
de assunto”. Ele acredita que ela tenha essas atitudes devido ao fato de sempre ter morado em uma cidade pequena e dar muita importância para o que os outros pensam. Ela participa de sua vida até certo ponto, pois ela não suportaria saber de tudo. Depois que começou a lecionar na universidade, Moreira confessa que por um tempo durante seu período de estágio provatório, sua homossexualidade ia um pouco para debaixo do tapete. Tinha essa atitude por um pouco de medo, pois era o único gay declarado do departamento. “Não enxergo o ficar no armário como coisa ruim, ele pode ser uma estratégia de sobrevivência as vezes. Mas ficar no armário a vida inteira como estratégia de sobrevivência é muito sofrido para quem fica”. Quando chegou em Londrina, ele foi trabalhar as causas LGBT com as travestis e transexuais, por acreditar que essas pessoas ainda sofrem muito com o preconceito. Para ele, o processo de libertação da homossexualidade não é maravilhoso, sempre se
paga um preço. Seja por perder o contato com alguns familiares e amigos que não concordam e aceitam. Ser um homossexual mais velho e de outra geração pode ser mais sofrido. Hoje temos muitos jovens se entendendo como homossexuais, mas para quem era de um outro contexto a luta, para muitos, foi mais difícil. Apenas em 17 de maio de 1990 a homossexualidade deixou de ser considerada doença. Quase não existia representação e representatividade do grupo LGBT nas mídias. “A minha inserção foi muito mais difícil. Aqui em Londrina eu fiquei surpreso com o tanto de gente enclausurada em casamentos heteronomativos”. Reprodução: ABESO
JULHO DE 2019 - NÓS
57
assunto de hoje
Não se comemora esse passado Abri meu Facebook hoje e logo vi uma publicação com a seguinte mensagem: “Mimimi de janeiro – azul e rosa; Mimimi de fevereiro – hino nacional; Mimimi de março – 1964; qual será o mimimi do próximo mês?”. Olhei para conferir quem tinha compartilhado, e nada causou surpresas, era uma pessoa que eu já conhecia suas posições ideológicas pró-Bolsonaro. Chamar as discussões sobre o Golpe Militar de 1964 de mimimi é deixar claro a persona que 57,8 milhões de brasileiros criaram e compartilham entre si. E é dessa forma, que a lembrança amarga de um período que deveria ser vergonhoso para o nosso país, vira pauta para ser comemorado no 31 de março de 2019. Cinquenta e cinco anos nos separam de uma época de dor e luto para a democracia brasileira. Mortes, perseguições e torturas vão sendo descobertas até os dias de hoje, revelando a verdade escondida pelos militares que comandaram o Brasil por 21 anos. Foram esses anos de chumbo que estavam sendo celebrados, como uma data de orgulho nacional, pelos nossos governantes. Após sido denunciado a ONU (Organização das Nações Unidas), o governo de Bolsonaro mandou uma carta afirmando que o golpe, de fato, não era golpe. Apenas uma tomada 58
NÓS - JULHO DE 2019
Por Mariane Teles
de poder pelas Forças Armadas para afastar o Brasil de um governo comunista. O que isso nos diz? Que depois de anos aprendendo na escola sobre a miséria de tal período, o governo quer criar uma máscara para aludir a população a acreditar que isso foi uma época boa, um crescimento para o país, na qual a educação e a saúde melhoraram, que o desemprego caiu, que morria só quem pegava em armas. Men-ti-ra. Mas acredito que a esperança vive na juventude! Dizem que em coração de criança não há maldade, será então que são os jovens, aqueles que acabaram de sair das fraldas para dar a cara ao tapa do mundo, que conseguem ver com facilidade as maldades da sociedade? O Movimento Estudantil representou uma das resistências de 1964. Jovens na faculdade que negaram-se a participar das novas entidades oficiais, denunciando a violência. Hoje, são esses jovens que lutam pelos seus direitos, a geração “mimimi”, não é mesmo? Ver meu pai compartilhando esse tipo de publicação (volte ao começo do texto), me dá a certeza que eu posso, como jovem, abrir os olhos de quem eu amo, daquelas pessoas mais velhas, que talvez já tenham cansado um pouco do mundo e que dificilmente vê na luta, uma vitória para não voltar ao passado.