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O salva-vidas: Uma história de superação e voluntariado

A cura da dependência química combate a violência na sociedade

Jorge Duarte, 46 anos, ex-monitor e interno da Fazenda de Reabilitação Senhor Jesus em Viamão, conta sobre sua experiência com a dependência química e como o programa ajuda a combater a violência na sociedade.

“A Fazenda é um lugar onde dependentes químicos e alcoólatras são acolhidos, ela é baseada em espiritualidade, disciplina e trabalho e o tratamento dura 9 meses”

Essa foi a definição de Jorge sobre o que é uma fazenda de recuperação, uma das opções encontradas principalmente por famílias para que seus parentes tenham um lugar para se curar do vício em isolamento da sociedade. Sabendo que, apesar de ser considerada a melhor opção por muitos, não é a mais popular. Mas qual a diferença entre as Fazendas e as Clínicas de recuperação? “Na clínica tu fica trancado forçadamente a base de remédio, e na comunidade terapêutica nós tentamos convencer o residente que ele precisa do lugar e precisa mudar e é aberto e sem chave, ou seja, pode sair a hora que quiser ” . Ele também ressalta que a comunidade tem regras a cumprir. “Não pode sexo, não pode drogas e não pode violência, qualquer quebra dessas regras resulta em desligamento do programa ”

Esse tipo de comunidade terapêutica não é uma opção para as famílias que querem trancar o dependente químico à força, mas para quem entende que seja importante mudar de vida.

Combate à violência

Um dos principais motivos para a internação de dependentes químicos nestas comunidades, é que o vício e principalmente a abstinência de substâncias ilícitas podem causar agressividade e tornar o usuário uma pessoa violenta. Na entrevista realizada, Jorge nos conta que 90% dos internos da Fazenda do sr Jesus já cometeu algum tipo de crime, quando pergunto qual, ele diz: “Todos. Assassinato, estupro, bater na mãe, no pai, mulher, tudo em função de drogas ” . Quando perguntado se na sua opinião o fato de internarem essas pessoas em reclusão da sociedade ajuda a combater a violência de alguma forma, ele concorda. Em suas palavras “Com certeza, de cada 100 que fazem um bom tratamento 15 ficam bem, esses 15 não voltam mais para essa vida e são 15 delinquentes a menos na sociedade ” .

O trabalho que Jorge fazia como monitor desta Fazenda é uma opção de carreira que muitos dependentes químicos graduados escolhem, ela não precisa de formação oficial e é oferecida a todos que terminam o tratamento, pois dessa maneira o dependente consegue se manter dentro da comunidade, sempre relembrando os valores base da recuperação -- espiritualidade, disciplina e trabalho -- além de contribuírem para que outros possam se curar, através com compartilhamento de experiências e orientação.

Para Jorge foi assim, ele conheceu a Fazenda em 1995 quando estava procurando ajuda para seu irmão que foi usuário de drogas. Ele não quis se tratar. Em 2001, ele mesmo precisou de ajuda e procurou novamente a comunidade, se internou os 9 meses necessários e desde então está em recuperação e em constante contato com este mundo.

Ele conta que primeiro trabalhou como motorista voluntário na PACTO, que é o local onde os internos residem de 3 dias a 2 semanas antes de serem enviados para a Fazenda, com o principal propósito de se desintoxicarem do mundo exterior. Jorge depois se tornou monitor desse lugar, e logo mais mudou o local de trabalho para a própria sede, continuando como monitor e após, monitor chefe.

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SUPORTE FAMILIAR

Mesmo com 9 meses de internação e toda a orientação envolvida, nada disso importa se quando o residente for reinserido na sociedade e voltar para a casa, a família não esteja preparada para recebê-lo. Os dependentes químicos que estão internados, têm pouco contato com a família durante o tempo de tratamento. Segundo Jorge, “ o contato é uma vez por mês, sendo que a família tem que frequentar 4 reuniões aqui na rua para se preparar para receber o residente que está lá dentro, a família faz as reuniões aqui fora, e os residentes lá dentro. Após as 4 reuniões, a família ganha um passaporte que dá o direito de ir na fazenda visitar das 8h às 17h no primeiro domingo de cada mês ” .

Nessas reuniões a família é ensinada por pessoas especializadas como tratar o residente na volta para a casa, o que devem encorajar e quais gatilhos que podem ou não “ ativar ” esse lado adormecido do dependente químico. No início, é recomendado não sair para festas, não ter contatos com pessoas ou lugares que remetem à vida antiga.

O perdão também é um assunto muito falado nestas reuniões, pois é fácil para a família se revoltar. Afinal, quando os parentes se internam muitas vezes é depois de muita briga e dificuldades, violência, roubos e todos os tipos de crimes possíveis, e é difícil acreditar que alguém mudou depois de somente 9 meses. Eles precisam estar dispostos a perdoar e aceitar, e dar uma segunda chance, e enquanto esse processo acontece, dentro da Fazenda os seus familiares estão sendo ensinados a mesma coisa sobre eles mesmos.

Há alguns anos, um comercial da Pacto era veiculado na televisão, e a mensagem da música traduz todo o posicionamento da comunidade: “Sou feliz de cara, sou feliz na vida, sou feliz sem drogas, sempre tem outra saída ”

A LUTA PARA COMBATER A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS UNIVERSIDADES 19

Fafate Costa, jornalista e professora na UFRRJ, compartilha sua trajetória como pesquisadora da violência contra a mulher em ambientes universitários do Brasil, Portugal e Reino Unido.

Violência é palavra que carrega gritos silenciados, dores de histórias que se tenta esquecer ou apagar e marcas que são o reflexo de uma sociedade adoecida. Palavra que de tanto repetida há quem não perceba mais a sua força. Palavra transformada em dados estatísticos, banalizada em jornais policiais da TV aberta e por vezes encarada como

de seus efeitos. A pesquisa sobre a violência contra a mulher no contexto universitário desenvolvida pela jornalista e professora Fafate Costa busca trazer visibilidade para o tema e encontrar maneiras de fazer o ambiente acadêmico mais justo e igualitário para as mulheres. Fafate percebe que para gerar mudanças é necessário ir além do discurso, por isso até mesmo as palavras que antes eram substantivos, tornam-se ação através do verbo palavrar.

Da TV à Sala de Aula

Natural do interior de Minas Gerais e encantada pelo Rio de Janeiro. Filha de uma professora e um metalúrgico. Fafate cresceu entendendo a origem das lutas sociais, abraçada a um forte senso de justiça, apaixonada pelas palavras e pelo desejo de fazer diferença. Descobriu – se no telejornalismo e se destacou na arte de elaborar uma combinação primorosa entre texto e imagem no universo do audiovisual.

“Vinte anos como jornalista de TV sempre tentando construir dentro do factual um jornalismo mais humanizado, que tivesse um sentido e transformasse vidas. Esse era o propósito. Fazer jus ao papel da gente ser ponte. ” , comenta. Iniciou como repórter e passou boa parte da carreira como editora de texto em grandes emissoras do país. Transitou pelas redações de várias cidades e muitos Estados, afinal para um jornalista a vida é movimento.

Após um convite para dar aula em uma faculdade de Lorena no Vale da Paraíba (SP), passou a se interessar pelo meio acadêmico, mas antes de entrar em sala de aula queria estudar para poder ocupar esse cargo, com isso concluiu o mestre em Análise do Discurso quando já tinha treze anos de TV.

Ao notar que alguns colegas jornalistas estavam sendo dispensados quando completavam 40 anos, resolveu mudar de carreira e prestou um concurso público para ser professora de telejornalismo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). “Entrei nessa Universidade aos 44 anos como se eu tivesse 20 anos. Com a alegria de quem está começando ” , declara.

Me Avisa Quando Chegar

Em 2016 começou o movimento estudantil “Me Avisa Quando Chegar ” de combate as violências dentro da UFRRJ, no Campus de Seropédica, na Baixada Fluminense. O nome surgiu de uma preocupação cotidiana das alunas que pediam umas às outras notícias quando chegassem aos seus destinos por medo de que sofressem algum tipo de violência no caminho. Uma intervenção bem significativa foi o abraço das estudantes no prédio principal da UFRRJ com a esperança de serem amparadas pela mesma e receberem um pronunciamento da reitoria a respeito das denúncias de casos de assédio e estupro na universidade.

Os manifestos ganharam o apoio de outras Universidades Federais do Rio de Janeiro e também de outros Estados. Além despertaram o interesse de da chamarem atenção da grande mídia para os acontecimentos e professora de jornalismo Fafate Costa, que passou a investigar 16

“Me Avisa Quando Chegar ” e a repercussão na UFRRJ. A partir disso, pensou que poderia expandir a pesquisa fazendo um paralelo entre Portugal e Brasil.

Relatos de uma Pesquisadora

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Fafate ficou um ano e meio em Portugal analisando a situação da violência contra a mulher nas universidades de lá, porém se deparou com certos obstáculos para concluir a pesquisa no país. A temática do projeto não foi tão aceita como imaginava e por esse motivo encarou dificuldades até para conseguir entrevistas. Durante um Congresso Feminista em 2018, pôde desfrutar de um espaço para dividir os problemas ao ter a pesquisa quase barrada e também teve a oportunidade de conhecer a pesquisadora Maria do Mar Pereira que é especialista em estudos de gênero na universidade. No fim do encontro, foi marcada uma conversa entre as duas e formalizado o convite à Fafate para ir ao Reino Unido estudar a violência contra a mulher na Universidade de Warwick.

Aceitou o convite e trabalharam juntas no Centro de Estudos de Mulheres e Gênero de Warwick. Em 2019, levou o projeto para ser apresentado no World Coference On Women ’ s Studies, que ocorreu na Tailândia, considerado o maior congresso internacional de estudos sobre as mulheres.

Enquanto isso na UFRRJ, um longo intervalo de tempo se formou entre a revisão do código estudantil e a estruturação de um texto que contemplasse toda a política de acolhimento as mulheres vítimas de violência nas universidades. No ano de 2021, em meio a uma rotina remota –por decorrência da Pandemia de COVID – 19 – Fafate foi selecionada pelo reitor para colocar a nova política de diversidade e gênero em funcionamento.

No intuito de englobar e suprir as necessidades vistas em um local de pluralidade, precisou ser alterada para: política institucional de diversidade, gênero, etnia, raça e inclusão. Já com algumas iniciativas aplicadas no primeiro semestre de 2022, lembrando que as melhorias são lentas, porque se trata de uma mudança cultural.

Tornando-se todo esse processo de pesquisa sua tese de pós-doutorado e o documentário “É Pela Vida das Mulheres ” que ainda está em produção. “ É com muita honra que hoje, a professora que estava estudando a violência contra a mulher e saiu da universidade pra fazer um pósdoutorado, faz parte de uma gestão que está se pensando e repensando para construir um novo ambiente ” , relata.

Sociedade Patriarcal

“Com essas minhas pesquisas sobre assédio em ambiente universitário é que eu pude realmente enxergar muitos dos assédios que eu sofri também no ambiente jornalístico ” , afirma.

Fafate foi muito feliz nas redações que trabalhou, assim como quando não gostava de algo optava por se desvincular e embarcar em novas paixões. Na entrevista ela identificou a desigualdade de gênero no ambiente jornalístico, relembrando episódios de machismo, desigualdade salarial e casos de repórteres mulheres que eram demitidas por estarem acima do peso para aparecerem na TV.

Salienta que a mídia desempenha um papel relevante ao trazer visibilidade e levar informação sobre a violência contra a mulher, mas há uma diferenciação na narrativa e na comoção do público dependendo do caso e da vítima. Constata que mesmo trabalhando em uma mídia hegemônica é dever do jornalismo não compactuar com a desigualdade, injustiça e seletividade estrutural que elege pautas para condenar ou defender na imprensa.

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