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PROJETO INVISÍVEL

“Aqueles que mais ensinam sobre humanidade, nem sempre são humanos.” - Donald L Hicks

A DIFERENÇA QUE UM GRUPO DE VOLUNTÁRIAS FAZ NA VIDA DE INÚMEROS GATINHOS

O Projeto Resgatinhos, que conta apenas com doações e o trabalho de algumas voluntárias, já tirou das ruas mais de 300 gatos desde 2013

Por Gabriela Mantay e Luiza Pavim Cauduro

Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal

“E aí para mim o voluntariado foi algo que transformou assim a minha vida né.” Relatou Mariana Cavalcanti Albuquerque Pacheco, 36 anos, que se envolveu com o Resgatinhos em 2017. Assumindo apenas as fotos para as divulgações e servindo de lar temporário, ela acabou se apaixonando e não parou mais, se envolvendo cada vez mais nessa iniciativa.

Mariana começou a se envolver com voluntariado em uma ONG, que atendia diferentes animais, em 2014, após um episódio de depressão e ansiedade, e diz que tinha uma paixão pelo lugar. Três anos depois, quando buscava uma “cat sitter” para seus gatos, conheceu a Maitê Brackmann, empresária e uma das criadoras do projeto, junto à Ana Luiza Ratier Do Prado Lima, “ela contou a história dos resgatinhos e eu comecei a acompanhar a página, e acabou que eu fiquei! E a Maitê acabou saindo depois de um tempinho, mas foram as duas que começaram e eu conheci o projeto por causa dela.” No início, Mariana se envolveu fotografando para ajudar a aumentar as doações dos gatinhos, ela conta que o projeto tinha muita dificuldade para doar os

felinos e que as voluntárias não tinham muita noção de fotografia. Então Mariana que tinha “uma máquina mais ou menos boa” percebeu que poderia começar a ajudar ela tirando foto. Logo depois, foi lar temporário para uma gata (que optou por adotar e está com ela até hoje) e assumiu outras funções, agora, quatro anos mais tarde, não trabalha mais com as fotos, porém segue muito presente no projeto.

Ainda sobre as fotografias, Mariana fala sobre a importância “das aparências” no processo de doação: “As pessoas acabam se interessando por aquilo que é a primeira impressão, aquela foto produzida faz toda a diferença e foi visível o quanto aumentou depois que a gente começou a investir nisso”, atualmente as fotos são feitas por uma fotógrafa que também é voluntária. Sobre essa questão, durante a entrevista, também é trazido à tona o interesse predominante das pessoas em tipos específicos de gato, “a gente tem mais facilidade mesmo filhote e ainda assim a gente nota muito preconceito de cor.” Ela explica que quando o projeto tem um filhote laranja e um filhote tigrado, muitas pessoas aparecem interessadas pelo laranja, e nenhuma pelo tigrado, outra dificuldade é em doar felinos que são mais velhos ou que possuem alguma deficiência.

“E acho que a primeira frustração veio assim, quando tu começa a lidar com gatos que já não são tão saudáveis...”

Assim como todos os projetos, ser voluntária no Resgatinhos resulta em lidar com dificuldades e frustrações, tanto pessoais, quanto do projeto em si, principalmente no cenário de pandemia que nos encontramos. Quando questionada sobre as maiores dificuldades a nível pessoal, Mariana contou sobre seu primeiro contato com um gato especial, o Fifis.

O gatinho, Fifis, usava fralda e conseguia mexer as patas de trás, porém não conseguia fazer as necessidades sozinho. Em casos assim, é uma missão quase impossível achar um lar para o felino, pois, segundo a voluntária, dificilmente alguém tem tempo para tantos cuidados. “Então eu acho que a primeira frustração veio disso, tu resgata um gato, e essas são coisas que tu não sabe na hora que opta por tirar ele da rua, que vai dar trabalho pelo resto da vida dele.”

Mais uma dificuldade trazida por Mariana é a carga emocional de conviver com diversos pedidos e tragédias, segundo ela é um sofrimento ter que lidar com as tragédias todos os dias; “tu ter que ficar negando ajuda, quase que diariamente, é uma coisa muito ruim e é difícil assim sabe?”. Desde que começou, Mariana conta que sempre escutava: “vocês não vão conseguir salvar todos eles”. Apesar de dizer que elas acabam se acostumando, relata que ainda tem dias que dói, ”tem muitas coisas boas de fazer

voluntariado, mas tem um lado pesado que pouca gente tem ideia.” Além disso, conciliar a vida pessoal com o trabalho não é fácil, no dia de nossa entrevista, Mariana estava no período final da gravidez, e nos contou que não sabe como vai ser a partir de agora, mas que pretende continuar fazendo o possível!

Mas, não bastante os problemas pessoais, ela nos conta também as dificuldades de ser um projeto que conta apenas com ajuda voluntária. Mariana fala sobre como o Resgatinhos prioriza ter controle da situação, dando o melhor tratamento possível aos gatos resgatados, porém isso faz com que elas precisem delimitar a atuação. Em todas as perguntas relacionadas aos desafios do projeto, a voluntária traz um ponto em comum: a questão financeira, afinal, depende de doações e apoio dos seguidores. “Por mais que a gente tenha muitos seguidores e tudo, não reverte tanto quanto a gente precisa. Por exemplo, na meta do APOIA-SE, nossa plataforma de doações, a gente precisaria em torno de 7 mil por mês ou um pouquinho mais. E a gente não atingiu ainda essa meta e acaba que volta e meia a gente tem despesas extraordinárias, como aconteceu mês passado quando um gatinho engoliu um barbante na casa do lar temporário. Precisa fazer ultrassom, endoscopia e às vezes tem que abrir para retirar, quando tu vê uma internação dessas vai a 3 mil reais, sabe, facinhoacaba que dá um susto e acontece com frequência!”. Uma das formas encontradas por elas de contornar estes gastos “surpresas” é por meio de rifas.

Outro problema recorrente do projeto reside no fato de que ele não possui um local, os gatos ficam em lares temporários, na casa de voluntários, até serem adotados. Sobre isso, Mariana conta que algumas pessoas fazem por um tempo, e eventualmente pedem uma pausa, e se usa como exemplo: “eu sempre dei abrigo para os gatos, mas agora que eu estou grávida, eu tive que dar uma paradinha, mas é uma coisa que eu amo fazer. Eu adoro fazer lar temporário.” Essa questão também é uma dificuldade, porque o projeto não tem muitas pessoas disponíveis para fazer a função, embora Mariana descreva como “uma coisa super fácil, em tese”, afinal elas disponibilizam tudo para o lar temporário, o mais difícil se restringe aos cuidados básicos. Porém, mesmo fornecendo tudo, nem sempre um voluntário aparece para a função: “agora a gente andou pedindo um lar temporário, não apareceu ninguém. Tem vezes que tem que ficar insistindo” .

Além disso, Mariana nos contou sobre o impacto da pandemia, que aconteceu de forma negativa e positiva sob o projeto. Ela relata que no início houve um aumento da procura pelos gatos, porém não de forma expressiva, já que o projeto tem uma postura criteriosa para escolher os adotantes. “Definitivamente, a gente tem vários critérios bem rígidos que não abre mão, a questão das telas nas janelas, tem vários cuidados, porque depois de tudo que a gente fez pelo gato, não queremos que ele volte

para a rua, né? Então, embora tenha aumentado muito a procura, não necessariamente resultou em muito mais adoção!”. Infelizmente o que teve um crescimento significante neste período foram os pedidos de ajuda, já as doações acabaram prejudicadas, tornando inviável atender muitas das demandas. Como a situação de muitas pessoas mudou nesse período, as doações se tornaram mais difíceis, e alcançar as metas um processo mais lento. Mas Mariana também relembra que tiveram pontos favoráveis: o projeto recebeu mais voluntários para lar temporário, já que as pessoas poderiam ficar mais em casa, e acabou crescendo em popularidade.

Um crescimento de degrau em degrau, em todos os sentidos

O projeto Resgatinhos conta com diversas ajudas, influencers, veterinários, hospitais e clínicas para o tratamento de diversos animaizinhos, por parte dos cuidados de saúde, os parceiros conseguem fazer os procedimentos a baixo custo, o que já ajuda muito. Os influencers são normalmente de Porto Alegre e região metropolitana e postam sempre que podem para ajudar a causa.

A parceria também existe com os adotantes, já que o contato pós-adoção é muito valorizado por todas voluntárias. “A gente tem um grupo no WhatsApp. Passamos a seguir a pessoa no Instagram e a gente fica sempre tentando acompanhar o mais perto possível dentro das nossas limitações. Mas tem muitos que nos mandam fotos, e nos marcam, assim a gente sempre pede. Gostamos muito de poder acompanhar.”

A conta no Instagram já adquiriu mais de 17 mil seguidores, e vem crescendo muito. O crescimento nas redes sociais incentivou as voluntárias do Resgatinhos a procurarem crescer fisicamente, cogitando a criação de um espaço próprio algum dia, – para que não dependam apenas de lares voluntários - mas para isso ela afirma que tudo é feito com muita cautela e no seu tempo. “Acontece de não termos estrutura todos os dias. Até por isso a gente acabou criando, no início desse ano, um projeto em paralelo que é o de CEDE: captura, esterilização e devolução de gatos de rua.”

Mariana relata que, infelizmente, “chegou num ponto que a gente, não é nem que tenha impressão, é exatamente isso que a gente sente; que está meio que secando gelo.” Com o intuito de que o projeto possa continuar cuidando para que novos gatinhos não sejam esquecidos na rua e visando a longo prazo a qualidade de vida deles, está disponível no Instagram e no site do Resgatinhos todas as formas de doação e ajuda que as voluntárias aceitam, e também, as informações sobre como adotar. Faça também a diferença na vida de milhares de gatinhos!

Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal

CÃES DA REDENÇÃO: A JORNADA DA ADOÇÃO RESPONSÁVEL

Por Fernanda Grapiglia e Rafaela Hartmann

Cãozinho Trevo

O machucado já não é mais tão aparente. A faixa azul-marinho presa a cabeça, passa quase despercebida, como um enfeite. Saltitando feliz por entre o gramado, os olhinhos brilhando, esperançoso, com uma pergunta singela na plaquinha presa junto a coleira azul: Me adota?

Todo domingo, no brique da Redenção, estão presentes diversas feiras de adoção de animais, promovidas por ONGs e também, por pessoas que tentam dar uma vida melhor a esses pequenos companheiros. O cãozinho Trevo, cuja história vamos contar a seguir, tem uma trajetória muito similar à de outros 20 milhões de cães, que segundo a OMS - a Organização Mundial da Saúde - foram abandonados no Brasil, e hoje estão em busca de um novo lar.

Os caminhos de Trevo

Caminhando pela feira do brique, na Redenção - famoso parque de Porto Alegre - procurávamos uma história digna de pauta, quando ela apareceu. Trevo foi encontrado pela Luiza Fragomeni, de 27 anos, que é engenheira. Ela trabalha com estradas, e estava indo para uma obra em Palmeira das Missões. Ela o avistou ao passar pelo trevo na BR-158/RS e viu que ele estava magro e parecia fraco. “Fiquei com ele na cabeça até chegar no local da obra. Aí passei o dia no trabalho, normal, e quando fui conhecer o

escritório administrativo, que fica numa rua perpendicular à rodovia, em um local diferente da obra, tava lá o mesmo cachorro que eu vi na estrada. Ali meu coração já parou porque pra mim foi destino”.

Ao ver o carro de Luiza chegando, Trevo ficou assustado e se escondeu. Nesse momento, ela percebeu um machucado fundo na cabeça do bichinho. “Achei que talvez fosse ser necessário até fazer eutanásia nele porque ele estava muito mal, perdendo muito sangue. Achei até que teria alguma sequela neurológica porque a ferida era muito funda”, afirmou. A partir daí, ele foi levado à clínica veterinária Amigo Bicho, onde ficou recebendo cuidados por uma semana. Agora o Trevo já está saudável e forte, com a ferida praticamente curada, morando com a Luiza e o namorado, Gustavo Collares, de 32 anos, e os seus outros dois cães de estimação. Por conta da falta de espaço e do ciúme dos pets com Trevo, o casal não pode permanecer com ele. “Ele é doce, carinhoso, bonzinho. Deixou a gente trocar curativo, mexer na ferida. Nunca deu uma rosnada. Mas ninguém se interessa em adotar”.

Feira da Esperança

Além do Trevo, encontramos também outros cãezinhos para adoção. Sete filhotinhos estavam sob a tutela da publicitária Claudia Santos. Ela é uma protetora voluntária de 40 anos que, há quatro, frequenta a feirinha de adoção no Brique, tentando conseguir bons lares para os animais que ela mesma resgata das ruas.

Claudia trabalha com a adoção responsável dos bichinhos que ela realoca. Os adotantes têm que assinar termos, morar em um local capaz de abrigá-los, se comprometer com sempre manter a vacinação em dia e também a castração. Por isso, a protetora voluntária diz que, pelo menos através de sua experiência pessoal, não ocorreu um aumento grande de adoções durante a pandemia, mas sim, um aumento na procura: “Até teve uma procura um pouco maior, mas tem toda essa questão da responsabilidade, que a gente tem que ter bastante cuidado, porque não adianta eu resgatar o animal e daqui a seis meses a pessoa me devolver”.

Outra parte importante da adoção responsável é a castração. Os cães adultos recebem uma castração solidária, feita por ONGs e pet shops, que procuram diminuir o valor do procedimento, facilitando o acesso à castração a fim de evitar o aumento de cães abandonados nas ruas. Quando se tratam de filhotes, o adotante assina um termo, garantindo que aos seis meses, será feita em seu animal a castração.

Ao lado do estande de Claudia, encontramos um grupo de amigos que, com muito amor pelos animais e a vontade de fazer a diferença, se juntou e decidiu fundar

o projeto Peludos do Asfalto. Luciana Bastos, Bruna Ziebel, Thales Camargo e Vergílio Latreille formam esse time de peso. Luciana tem 52 anos, e é protetora dos animais há 13. Todo domingo, eles se reúnem na Redenção e integram a feirinha de adoção. “Nós trabalhamos com recursos próprios, então quando a gente vê cães em situação vulnerável, a gente resgata, castra e doa, ou por meio das redes sociais ou aqui na Redenção”, contou.

Na pandemia, além da circulação de notícias falsas - como a de que cães e gatos transmitiam o coronavírus -, a crise econômica apertou o orçamento de muitas famílias, de modo que os bichinhos de estimação foram os primeiros na lista de corte de gastos. Com o número de abandonos crescente, as ONGs superlotadas e a falta de recursos, o trabalho exercido pelo grupo ficou ainda mais complicado. Por outro lado, devido ao confinamento social vivido nos primeiros meses, uma procura maior pelo “melhor amigo do homem” aconteceu. A protetora relatou que mesmo com o aumento do número de adoções na pandemia, o cuidado passou a ser redobrado. “Temos que ver se aquela pessoa não tá querendo aquele cachorro só pra essa época, pra evitar depois um abandono. Inclusive, a gente entra em contato quando as pessoas adotam e diz ‘olha, se não se adaptar, traz pra nós’, pra evitar que seja abandonado de novo. Eu já recebi cães que tinham sido doados há cinco anos. Não é o ideal, a gente não gosta, mas a gente faz”, completou.

Ao longo do desenrolar dessa matéria, fomos acompanhando os detalhes da busca de um lar para o Trevo. Posts nas redes sociais, divulgação em grupos de WhatsApp, boca a boca nas praças da cidade... e nada. “Eu procurei muitos lares temporários, nós visitamos alguns, alguns dentro da cidade inclusive, mas, esse me pareceu o melhor”, contou Luiza, ao encontrar um lar temporário em um sítio em Viamão. A ideia do casal era buscar o Trevo nos finais de semana e levá-lo a Redenção para seguir na procura por adotantes responsáveis. “Seria muito puxado. O sítio fica a uma hora de Porto Alegre, buscar e voltar já dá duas horas. Aí no final do dia a mesma coisa, entregar e voltar, mais duas horas. Dá quatro horas, é uma viagem. Mas, como era o melhor sítio, ficou por isso. Eles tavam cobrando 350 reais de mensalidade, mais ração, então ia dar uns 400 e pouco, 500 reais por mês”, explicou a engenheira.

Contudo, pouco antes do Trevo ser levado ao sítio, uma menina de Tubarão Santa Catarina, viu a postagem de Luiza em um grupo do Facebook e se interessou pelo cãozinho. Luiza e Gustavo ficaram emocionados, afinal, apesar dos cuidados que receberia no sítio – que abriga cerca de 30 cachorros - o bichinho não teria o mais importante: uma família. “Quando ela viu o post, ela disse que bateu, ‘esse é o meu cachorro’, ela disse que se apaixonou. Daí ela entrou em contato comigo, disse que queria muito e que ia conversar com a namorada. Elas duas moram juntas com os dois

gatos. Só que a namorada não gosta muito de cachorro, aí isso gerou um conflito.” O combinado foi que o Trevo ficaria uma semana, em período de teste na nova família.

Na semana seguinte, pelo WhatsApp, com a voz embargada, Luiza nos enviou um áudio: “a menina veio me dizer que a namorada dela não tava gostando, que os gatos não se deram bem com ele. Acharam que ele era muito criança, muito pilhado, aí pediram pra devolver. Então vou buscar ele em Tubarão. E ele tá de volta aí na busca”.

Assim como Luiza, Claudia e Luciana, os protetores de animais lutam todos os dias contra o abandono. “Ele merece muito ir pra uma família legal, e não pra um lugar onde ele não vai ter carinho humano, sabe? Onde não tem uma pessoa que senta no sofá com ele no fim do dia e faz um chameguinho na barriga...” Existem milhares de Trevos espalhados pelas ruas, praças e rodovias. Tanto o Trevo, quanto os demais, estão disponíveis para a adoção responsável, por meio do Instagram da Luiza (@lufragomeni), do Peludos do Asfalto (@peludosdoasfalto_), ou na feira da Redenção, e esperam encontrar logo um lar feliz. Para contribuir com a causa, você pode doar cobertores, ração, ou até mesmo realizar um Pix de qualquer valor para as organizações.

Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal

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