13 minute read
PAIXÃO INVISÍVEL
“A paixão jamais combina com lógica ou com racionalidade.
A paixão é uma prisão paradisíaca.” - Autor Desconhecido
SUPERAÇÃO POR AMOR À CAMISA
Torcedores do Bagé e Guarany nos contam a paixão por seus clubes
Por Arthur S. Görgen e Lucas Egg
Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Karen Rodrigues
Torcer para um clube com dinheiro é fácil. Salários em dia, contratações badaladas, disputar as principais competições do país e continente, ser favorito em quase todos os confrontos, dificilmente sua vitória será retratada como uma zebra, e, apesar de dinheiro não ser sinônimo de título, a riqueza facilita o caminho para a conquista. Apesar desses clubes serem tentadores para se apaixonar, existem apaixonados por clubes que não estão na elite do futebol ou em uma grande capital.
No interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Bagé, com cerca de 120 mil habitantes, dois clubes trazem uma legião de apaixonados mesmo disputando a Divisão de Acesso do Campeonato Gaúcho - a segunda competição principal do estado -
no ano de 2021. Esses times são o Grêmio Esportivo Bagé, com as cores amarelo e preto, e o Guarany Futebol Clube, com as cores vermelho e branco. Entrevistamos torcedores de ambos os clubes para conhecermos as paixões e superações que realizaram para acompanharem seus clubes.
“Eu chego a me emocionar, porque falar do Grêmio esportivo Bagé pra mim hoje é uma emoção, é uma emoção muito grande,
eu sou completamente fanática, eu tenho tatuado na pele o símbolo,
a minha casa é toda jalde-negra, é uma emoção inexplicável.” - Karen Rodrigues
Karen Rodrigues, 31 anos, foi a primeira entrevistada fanática pelo clube das cores amarela e preta. A torcedora também é presidente da equipe feminina do Bagé, que além de ser uma equipe de futebol, possui envolvimento com a solidariedade, promovendo torneios beneficentes e, já no primeiro torneio, meia tonelada de alimentos foi arrecadada. Também apoia o clube como participante da Torcida Organizada, a Fúria Jalde-Negra, além de auxiliar em outras funções que o clube precise, tanto que já atuou como gandula.
“O Guarany me preenche todos os sentimentos que eu busco e que eu tenho
expectativa dentro do futebol. O Guarany sempre preencheu.
Mesmo perdendo quando não devia perder, mesmo caindo quando não deveria cair,
mas ele preenche essa coisa romântica, essa coisa romântica
que a gente deve sentir por um clube de futebol.” - Décio Raul Floriano Lahorgue, 57 anos apoiando o Guarany
Décio Lahorgue é um torcedor encarnado e branco. Disse que não é apenas vermelho e branco, é encarnado e branco, apaixonado pelo Guarany. Além do lado que somente apoia, Décio é conselheiro do clube.
“Não existe profissional remunerado em clube do interior.
Vocês não tem noção do quanto é difícil cada passo que um clube do interior dá,
porque na verdade, se parar para pensar, o que o diretor faz é uma paixão
pelo clube e isso são coisas que não se consegue explicar,
se você for avaliar o tempo que se gasta, as despesas que se paga,
noventa por cento das vezes não se ganha nada. É amor à camiseta."
- Fábio Barbosa, 36 anos apoiando o Bagé
Fábio Barbosa foi outro dos fanáticos do Bagé que entrevistamos e nos relatou que hoje sua paixão ultrapassa apenas ser um torcedor. O entrevistado é cônsul do Bagé na cidade de Porto Alegre e também Diretor da Comunicação do clube.
O Grêmio Esportivo Bagé foi fundado no ano de 1920 pela fusão de dois clubes locais, o Sport Club 14 de Julho e o Rio Branco, herdando as cores preta e amarela dos respectivos clubes. Em breves cinco anos de existência conquistou o Campeonato Gaúcho de 1925 de forma invicta, sendo essa equipe lembrada pela torcida como os Imortais de 25. Outros triunfos foram a Copa Governador do Estado, no ano de 1974, a Copa Cícero Soares, um campeonato disputado por equipes do Rio Grande do Sul, três títulos da Segunda Divisão do Campeonato Gaúcho nos anos de 1964, 1982 e 1985 e seis títulos de Campeão do Interior, de 1925 a 1928, 1940, 1944 e 1957.
O Guarany Futebol Clube foi fundado em 1907 por 11 jovens poetas e intelectuais, saindo da lógica que apenas os grã-finos da sociedade poderiam praticar o esporte bretão. O nome foi inspirado na obra de Carlos Gomes, O Guarany, que por sua vez foi inspirada no romance de José de Alencar, O Guarani. Seus maiores feitos foram dois Campeonatos Gaúchos dos anos de 1920 e 1938, dois triunfos na Segunda Divisão do Campeonato Gaúcho, nos anos de 1969 e 2006, três títulos da Terceira Divisão do Campeonato Gaúcho e seis títulos de Campeão do Interior, de 1920, 1926, 1929, 1938, 1958 e 1962.
Os Apaixonados e Suas Histórias
A viagem para Vacaria, para enfrentar o Glória foi marcante para Karen, que contou o seu plano inicial: um ônibus e uma van, em que iriam integrantes da Fúria Jalde-Negra e outros torcedores. Entretanto, ao embarcarem algumas pessoas não constavam na lista e a van, que deveria levar 15 pessoas, levou 20 torcedores numa viagem de 12 horas. A sorte estava tão grande que entraram no estádio e enfrentaram chuva, frio, ficaram perto da torcida adversária, a Brigada Militar confrontou a torcida e a derrota veio nos pênaltis, retirando a classificação para a semifinal da Copinha.
Já Décio lembra que sempre foi apenas Guarany, era mais ou menos traumatizado com a dupla Grenal, ao menos assim que nos descreveu, já que ganhavam
do Guarany usando fatores extracampo para isso, como a arbitragem. Essa escolha é até “engraçada” já que um tio avô do entrevistado foi presidente do Internacional, João Alberto Lahorgue.
Em 1993, na época com 14 anos, Fábio vivenciou um dos jogos mais emocionantes de sua vida acompanhando o Bagé. A partida entre Bagé e Veranópolis, no último ano em que o clube subiu à elite do futebol, contou com um jogo preliminar em que nosso entrevistado balançou as redes, somadas à ascensão do time profissional à elite.
A Rivalidade
A cidade de cerca de 120 mil habitantes possui como maiores campeões do campeonato municipal o Bagé e o Guarany, duas equipes que trazem uma forte rivalidade. Com estádios com apenas cerca de 2,7 km de distância, os clássicos por lá são de grandes emoções. Geralmente os torcedores possuem algum relato para nos contar.
O último Baguá no estádio do Guarany, o Estrela D’alva não encerrou como um jogo exemplar, os torcedores do Bagé foram recebidos a pedradas e garrafadas, o clima ficou tenso e essa violência repercutiu de forma negativa. Karen, fanática do Bagé, relembrou essa partida e comenta que tenta esquecer um pouco a rivalidade, mas ela existe e, neste ano, o Guarany está bem no campeonato e o Bagé nem tanto, mas a torcida dela é para que o rival caia na próxima fase. Enquanto entrevistávamos Décio, o Bagé era julgado no Tribunal Desportivo do Rio Grande do Sul por uma possível escalação irregular de jogadores, que poderia tirar pontos e rebaixar o clube, ao invés do até então rebaixado São Gabriel, quando Décio relatou: “Estamos torcendo muito pelo São Gabriel”.
Um confronto marcante para nosso entrevistado torcedor do Guarany foi um Baguá em que o Bagé ganhava por 1 a 0. Porém, aos 40 minutos do segundo tempo, quase sagrando-se campeão municipal e com parte da torcida já comemorando, o Guarany consegue empatar. Com esse resultado, que foi extremamente comemorado por Décio, o clube foi o campeão daquele ano. Do outro lado, Karen conta que tem pouquíssimos amigos que são torcedores do Guarany, que não usa vermelho, não suporta vermelho e que dentro de sua casa não tem nada de vermelho, já que é rivalidade.
Nessa temporada, o Bagé encerrou o campeonato, após perda de pontos na justiça, rebaixado à Terceira Divisão do Campeonato Gaúcho. Enquanto isso, seu rival,
o Guarany confirmou sua volta à elite do futebol gaúcho, após ficar com o vice campeonato, perdendo para o União Frederiquense na final.
Por fim, a paixão por um clube talvez não possa ser explicada, mas tentamos nos aproximar de uma possível explicação. Essa relação talvez fique mais clara para quem possui uma forte relação com um clube, que possa entender o que outro torcedor sente ao ver seu clube jogar, a ver seu clube vencer e, sobretudo, que compreenda o que significa escolher um clube para torcer. Os torcedores dessa reportagem escolheram Bagé e Guarany, e, mesmo nas piores fases, continuarão a apoiar.
Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Décio Raul Floriano Lahorgue
Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Fábio Barbosa
UMA MULTIDÃO INVISÍVEL QUE ERGUE ÍDOLOS
Em uma sociedade em que as distâncias se encurtam cada vez mais, a relação entre fã e ídolo se torna mais complexa.
Por Estephani Azevedo e Juliana Farinati
Imagem/Reprodução: Juliana Farinati
O fenômeno da cultura de celebridades vem se intensificando cada vez mais nas
últimas duas décadas, principalmente nos dias de hoje com as tecnologias gradativamente mais intrínsecas às nossas vidas, mantendo-nos conectados com o mundo inteiro o tempo todo. Nesse contexto, vale parar para observar o quanto a mídia impulsiona esse fenômeno na mente - principalmente - dos jovens nos dias de hoje. Logo, estimulados à uma sensação de proximidade com seus ídolos, maior a tendência de que os fãs desenvolvam sentimentos reais por essas figuras, criando um verdadeiro apego intangível pelos mesmos.
Segundo definição, a origem da palavra “fã” surge do encurtamento de “fanático” e define “todo aquele que sente admiração por algo ou alguém” (FÃ, 2020). Sendo assim, vale analisar como a mídia configura as experiências dos indivíduos nesse sentido, sendo um agente ativo no processo, tanto de visibilização de um artista, quanto de construção da própria figura do artista enquanto celebridade e sua comercialização para o público. Dessa forma, a mídia atua de modo a projetar a imagem da celebridade de maneira que gere identificação com a audiência, a partir de valores e significados que estejam socialmente em questão no momento; um bom exemplo disso é o cantor,
compositor e ator britânico, Harry Styles, que vem chamando atenção na indústria da música cada vez mais nos últimos anos.
Um movimento nascido num tal de Cavern Club
O que acontece hoje com Styles, pode-se dizer que é algo bastante semelhante com o que foi a Beatlemania - termo criado, originalmente, na década de 1960 para designar a intensa euforia dos fãs da banda The Beatles, demonstrada principalmente por garotas adolescentes -, no sentido de que se repete um fenômeno de adoração mundial, no qual, principalmente, jovens garotas, reagem passionalmente à artistas e à ideia vendida pelos mesmos. “Hoje me sinto uma funcionária do Harry. Quando você administra uma conta que precisa acompanhá-lo 24 horas por dia, faz você se sentir mais próxima dele, como se fôssemos literalmente suas amigas ou funcionárias”, comenta a administradora E do portal no Twitter Harry Styles Daily Brazil, que preferiu se identificar somente pela inicial - assim como os demais membros da equipe que prestaram declaração para a seguinte matéria. Nesse contexto, ainda trabalha-se com uma ideia de Beatlemania moderna, na qual a globalização e os avanços das tecnologias de comunicação intensificam a noção de proximidade entre fã e ídolo, uma vez que se multiplicam as possibilidades de contato entre as pessoas. Ademais, vale destacar a maneira como os Beatles pavimentaram o caminho que hoje Harry trilha, como a banda mudou a cultura pop de modo a criar um novo tipo de fandom que permanece e é testemunhado até o presente momento.
“Desde a One Direction, você conseguia ver que ele pertencia a algo muito maior. Ele merecia estar em algo só dele porque ele tinha competência suficiente para crescer muito. Eu acompanhava a banda apenas por conta dele, sempre fui fã apenas dele e quando ele finalmente entrou em carreira solo, foi aquele respiro de alívio”, relata a administradora J do mesmo portal. É importante lembrar que essa ideia de sucesso de Styles com a qual estamos trabalhando - em diferentes dimensões - é ainda anterior à sua carreira solo, uma vez que o músico é ex-integrante da boyband One Direction, que entrou em hiatus no ano de 2015. Ainda enquanto membro da banda, o cantor atraía muitos olhares para si, sempre muito carismático costumava conquistar a preferência das fãs com frequência; e isso preparou muito do terreno para o seu sucesso atual, fruto do frenesi gerado pela repercussão da boyband no início da década de 2010, em conjunto com o seu talento que o permitiu ter um rumo diferente do costumeiro e fatal destino de ex-membros de boybands. “Harry era considerado um artista teen por muitos anos devido a One Direction. A forma que ele se desvinculou da banda e se entregou 100% no seu trabalho solo foi puramente linda e magnífica. Ele conseguiu
ser considerado Hitmaker do Ano e Grammy Winner com apenas dois álbuns, sendo ambos sem nenhum feat de artistas. Isso é lendário", complementa a administradora E.
Just let me adore you
“Ser fã pra mim é como se fosse uma válvula de escape para quando eu quero fugir um pouco da realidade. Escutar, ler, assistir qualquer coisa relacionada ao Harry me faz muito bem e não sei explicar o motivo”, conta a administradora L2 do HSDB - portal de notícias e atualizações sobre o artista que conta com mais de 14 mil seguidores e uma equipe de sete pessoas. Assim, evidencia-se a questão trabalhada anteriormente sobre como hoje o contato com o ídolo é facilitado pelo advento da internet e pela rapidez do trânsito de informações; coisa que, até cerca de duas décadas atrás, não fazia parte da realidade dos fãs da época. Enquanto hoje existe a possibilidade de - a qualquer momento - termos acesso à música de nossa escolha, aos videoclipes, matérias e, até mesmo entrevistas que permitem que reparemos os trejeitos, gostos e traços de personalidade dos artistas que gostamos, antigamente esses fãs dependiam de ir presencialmente em shows, contavam com a incerteza do que tocaria nas rádios e, muitas vezes, para conseguir um disco do seu ídolo, precisavam pedir para que conhecidos o trouxessem do exterior, uma vez que o disco não estava disponível no Brasil. Logo, é natural que com esse estímulo constante - ainda agravado pelo fator dos algoritmos, que tendem a nos apresentar com maior frequência coisas pelas quais demonstramos interesse - se crie uma relação de apego com a celebridade em questão.
Além do portal já citado, conversamos com algumas fãs que administram o perfil no Instagram @SITEHARRYSTYLESBR. O portal conta com cerca de 24,8 mil seguidores e é composto por uma equipe 100% feminina espalhada por diferentes regiões do território brasileiro. “O Harry tem uma influência muito grande na vida de todas nós, tanto pela música como pela moda. É muito inspirador como ele usa as roupas como uma forma de expressão e isso é uma coisa que reflete muito na equipe”, comentam em grupo as administradoras Beatriz Ferreira, 20 anos, Vitória Arantes, 23 anos, Julya Bastos, 18 anos, Luana Lopes, 27 anos, Luiza Naves, 20 anos e Luana Benfica, 19 anos. Além disso, as meninas relatam que um dos principais motivos de admiração que elas têm por Styles é a forma que o mesmo é reconhecido por tratar as pessoas, “sempre educado e gentil”, afirmam. Logo, é fácil compreender o fenômeno no qual Harry Styles se tornou. Com o seu lema Treat People With Kindness (Trate as Pessoas com Gentileza); a capacidade de se reinventar musicalmente na carreira solo; e suas diferentes e cativantes maneiras de expressão artística - como através da moda, com um estilo muito inspirado em grandes nomes como David Bowie, em especial durante sua era
Diamond Dogs -; Harry Styles nos recorda um pouco do que foi a Beatlemania e abraça fãs ao redor do mundo, ainda que, em sua maior parte, apenas de maneira simbólica. “Ter alguém que de certa forma está lá pra mim, independente se sabe da minha existência ou não, é algo inexplicável. Acredito que amor de fã e ídolo é algo que não é pra todos, é um sentimento único que sempre vai me fazer bem”, desabafa a administradora identificada como L2 do portal HSDB.
Imagem/Reprodução: Juliana Farinati