Jornal Lampião - Edição 30

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ECONOMIA

ESPORTE

CULTURA

Pesquisador explica por que Mariana é a cidade mais cara de Minas

Carcarás: equipe de futebol americano cresce em Ouro Preto

Patrimônimo musical, seresta atravessa o tempo e encanta

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2 LAMPIĂƒO

FEVEREIRO DE 2018

ARTE: LUCAS SANTOS

EDITORIAL

ENTRE OLHARES

Abalos ruidosos A proposta de reforma previdenciåria representa uma ameaça à qualidade de vida de todos os brasileiros, especialmente a dos jovens. Nossa velhice serå comprometida ao trabalho, sem direito à remuneração justa e ao conforto devido. Os desgastes trazidos por uma vida de esforços são, agora, ignorados em favor de argumentos meramente financeiros. Essa mesma juventude estå sendo atingida por vårias medidas, como a proposta de alteração na grade curricular do ensino mÊdio e o corte de 40% do conteúdo essencial pela reforma na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), jå aprovado. AlÊm disso, enfrentamos seguidos recortes financeiros nas universidades, que fazem do conhecimento um privilÊgio para poucos. A falta de compreensão sobre o futuro do país tem resultado na reprodução cíclica de discursos de ódio, juntamente a um sentimento de impotência diante do cenårio político. Essa sensação causa tambÊm a pacificidade frente a um governo inståvel, abalado pela corrupção e que apresenta o pior índice de retorno dos impostos no comparativo mundial do ano passado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Enquanto isso, o investimento em programas sociais importantes como o Bolsa Família representa apenas 0,17% do total. Como consequência, assistimos ao enfraquecimento do sistema público e das próprias estruturas da democracia. O descrÊdito nas decisþes governamentais Ê consequência

LINCON ZARBIETTI

do enferrujamento no pensamento polĂ­tico, com retrocessos nas medidas sociais. Isso resulta em desconfianças nas decisĂľes pĂşblicas, causadas pelo contato contĂ­nuo com escândalos de corrupção. AlĂŠm disso, ter um presidente que nĂŁo foi eleito democraticamente nem apoiado pela população, tornou 94% do paĂ­s insatisfeito. Para que consigamos progredir, sĂŁo necessĂĄrias medidas que motivem debates saudĂĄveis, fundamentais para apontar soluçþes e ressaltar as mudanças necessĂĄrias. Projetos que instigam o pensamento crĂ­tico a partir da educação, cultura e diversidade devem ser ampliados, como as Escolas Parque, que oferecem aulas de ginĂĄstica, mĂşsica, teatro e idiomas para crianças de primeira a quarta sĂŠrie como disciplinas obrigatĂłrias. Para tornar o ambiente escolar democrĂĄtico, representativo e inclusivo, o modelo ressalta a importância da cultura na transformação e consolidação do conhecimento. Afinal, sem diĂĄlogo produtivo, restringimos a visĂŁo de mundo e nĂŁo avançamos no debate. Os discursos de higienismo social, somados a vĂĄrias “certezas absolutasâ€? inflexĂ­veis, como os da “Escola sem partidoâ€?, refletem uma sociedade intolerante, que precisa ser problematizada e estimulada a pensar na solução problemas coletivos. Os abalos estruturais geram ruĂ­dos na democracia brasileira, que repercutem e necessitam de mudanças urgentes, alĂŠm de ser imprescindĂ­vel o ensinamento sobre os direitos e deveres do cidadĂŁo diante da polĂ­tica e da sociedade.

CRÔNICA

O reforço do cafĂŠ LUĂ?SA GONÇALVES

Moro numa cidade, estudo em outra. MiQKD PmH WUDEDOKD SHUWR HQWmR YRX GH FDURQD FRP HOD SRU YROWD GDV VHWH KRUDV 9DPRV FRP o rådio ligado escutando algum CD entre os YiULRV ULVFDGRV GR PHX SDL �EYLR TXH RXYLU TXLQKHQWDV YH]HV RV &'V GR 5DoD 1HJUD H GR 'MDYDQ HQMRD HQWmR YDULDPRV D P~VLFD FRP XP MRUQDO TXH SDVVD QD 5iGLR %DQGHLUDQWHV GH PDQKm e PDLV XPD IRUPD GH SDVVDU UDLYD EHP FHGR SRLV HX GHWHVWR R MRUQDO PH Gi XPD HQHUJLD IXQFLRQD PHOKRU TXH FDIp e DWp XP MHLWR GH SX[DU SDSR FRP PL QKD PmH QR FDVR HX UHVSRQGHQGR JURVVHL UDPHQWH DR UiGLR H H[SRQGR WRGD D PLQKD raiva e ela comentando. É cômico. Isso porTXH R MRUQDO IXQFLRQD TXDVH FRPR XP OL YUR GH WHUURU SVLFROyJLFR ODQoDQGR VXDV QR

jornalismo.ufop.br/lampiao facebook.com/jornallampiao lampiao@icsa.ufop.br issuu.com/jornallampiao

WtFLDV VREUH RV DFRQWHFLPHQWRV H GHFLV}HV do governo brasileiro, no maior estilo O Iluminado GH 6WHSKHQ .LQJ Vy TXH HOHV HPSD pam tudo com purpurina e perfume de rosas. De umas reformas do governo pra cĂĄ o MRUQDO WHP VH HPSHQKDGR EDVWDQWH HP PDQ ter as conversas a caminho da faculdade basWDQWH DWLYDV 'HVGH TXH D WDO GD 5HIRUPD GD PrevidĂŞncia foi enviada para o Congresso e a 5HIRUPD GR (QVLQR 0pGLR Ă€ FRX HP VHJXQGR SODQR R WUDMHWR GH FDUUR HVWHYH DQLPDGR ( R SDSR IRL SDUD GHQWUR GH FDVD $GPLWR TXH QR LQtFLR HX QHP HQWHQGL PXLWR EHP DSHVDU GH viver com dois aposentados nunca tinha parado para pensar sobre o assunto. Ficou um SRXFR PDLV HQWHQGLGR TXDQGR XP GRV KR PHQV GR MRUQDO GLVVH ´e XP PHLR GH GLPL QXLU D GHVLJXDOGDGH Qp"Âľ H HX GLVVH ´'HVGH TXDQGR WUDEDOKDU DWp PRUUHU GLPLQXL D GH VLJXDOGDGH"Âľ ( PLQKD PmH GLVVH ´3RLV p Âľ

LAMPIĂƒO

)LTXHL HQFXFDGD 6LP WRGR PXQGR LD WHU TXH WUDEDOKDU PDLV SUD FRQVHJXLU VH DSRVHQWDU mas e a igualdade nesse meio? Perguntei ao PHX DY{ TXH GLVVH ´6H TXDQGR HX DSRVHQWHL Mi WLYHVVH HVVD UHIRUPD PLQKD DSRVHQWDGRULD VHULD XPD PL[DULDÂľ &DUDPED 6y GHSRLV GLV VR TXH HX HQWHQGL R IDOVR PRGHOR GH LJXDOGDGH TXH D GDQDGD GD 5HIRUPD SUHJDYD SRUTXH VH HX IRVVH GHSHQGHU GR UiGLR 1LQJXpP H[SOL cava, sĂł pra ir aceitando. A propaganda do goYHUQR IDODYD ´WXGR TXH p QRYR DVVXVWDÂľ H ER WDYD PHLD G~]LD GH FRLVDV TXH XP GLD DVVXVWRX WRGR PXQGR SDUD QR Ă€ QDO IDODU TXH VHP D UH IRUPD R %UDVLO TXHEUD 1mR TXH R SDtV QmR HVWHMD QXPD FULVH GDQD GD PXLWR PHQRV TXH QmR VHMD QHFHVViULR XPD UHIRUPD 0DV QRVVR ´TXHULGR JRYHUQRÂľ FR PHoRX SHOR OXJDU HUUDGR GD IRUPD HUUDGD (X ouvia tudo isso na rĂĄdio e sentia uma revolta, FKHJXHL D FRQWDU DWp TXH LGDGH HX LULD SUHFLVDU

WUDEDOKDU (QWmR EDL[HL R YROXPH GR UiGLR H SHUJXQWHL j PLQKD PmH ´1RVVD VHUi TXH DJR UD QLQJXpP UHDOPHQWH YDL ID]HU QDGD"Âľ (OD GHX GH RPEURV H D QRLWH GXUDQWH D MDQWD WRGR PXQ GR GHX GH RPEURV TXDQGR UHĂ€ ] D SHUJXQWD ´2 %UDVLO QmR WHP PDLV MHLWRÂľ GL] PLQKD DYy ( QLQJXpP IH] PHVPR HQTXDQWR IRWRV GRV ´KHUPDQRVÂľ TXH ORWDUDP R &RQJUHVVR GD $U gentina contra a reforma da previdĂŞncia deles foram compartilhadas centenas de vezes das redes sociais, inclusive por mim, nĂłs aceitaPRV H VHJXLPRV UHVPXQJDQGR MRJDQGR D FXO SD GD EDJXQoD GH XP SUD RXWUR &RORFDQGR WRGD QRVVD LQGLJQDomR QDV UHGHV VRFLDLV GLJOD diando uns contra os outros e atĂŠ tirando sarUR GD VLWXDomR %HP PDLV F{PRGR )D] XP WHPSR TXH QmR RXoR R UiGLR HVWRX GH IpULDV EDWH DWp XPD VDXGDGH GD P~VLFD GH HQWUDGD GR MRUQDO VHP HOH HX DQGR DFRUGDQ GR WDUGH FDQVDGD WHQGR TXH PH YLUDU VR]LQKD

Jornal-laboratĂłrio produzido pelos alunos do curso de Jornalismo – Instituto de CiĂŞncias Sociais Aplicadas (ICSA) / Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) – Reitora: Profa. Dra. ClĂĄudia Aparecida MarliĂŠre de Lima – Diretor do ICSA: Prof. Dr. JosĂŠ Benedito Donadon Leal – Chefe de Departamento: Prof. Dr. AndrĂŠ Quiroga Sandi – Presidenta do Colegiado: Profa. Dra. Jan Alyne Barbosa Prado – Professores responsĂĄveis: Phellipy JĂĄcome (Reportagem), $QD &DUROLQD /LPD 6DQWRV )RWRJUDĂ€ D 'D\DQH %DUUHWRV 3ODQHMDPHQWR 9LVXDO ² (GLWRUD FKHIH /XFLDQD *RQWLMR ² (TXLSH GH 5HSRUWDJHP eULFD 5DQJHO )UHG $OYHV 7KDLV 6LOYD 6DQGUR $QGUDGH 6DQGUR $XUpOLR ² (TXLSH GH )RWRJUDĂ€ D &ODUD /HPRV -~OLD 5RFKD 6DQGUR $XUpOLR ² (TXLSH GH $UWH -RmR 5HQDWR 1HJURPRQWH /XFDV 6DQWRV 7DWL 0DUTXHV ² 0RQLWRULD /DtV 6WHIDQL 7DLQDUD 7RUUHV ² &RODERUDomR /LQFRQ =DUELHWWL /XtVD *RQoDOYHV ² 7LUDJHP H[HPSODUHV ² (QGHUHoR 5XD GR &DWHWH Qž &HQWUR 0DULDQD 0* &(3


LAMPIĂƒO 3

FEVEREIRO DE 2018

ARTE: LUCAS SANTOS

ECONOMIA

Cidade mais cara de Minas Mesmo apĂłs paralisação da Samarco e com alto Ă­ndice de desemprego, Mariana ĂŠ o municĂ­pio mineiro com maior custo de vida SANDRO AURÉLIO

O site Brasil Financeiro divulJRX HP QRYHPEUR GH XPD SHVTXLVD TXH UHYHOD DV FLGDGHV mineiras mais caras para se viver. A partir da anĂĄlise de gastos com moUDGLD DOLPHQWDomR WUDQVSRUWH VD~ GH H HGXFDomR 0DULDQD RFXSD R SUL meiro lugar desta lista. Para entender os motivos, o LAMPIĂƒO conversou com Chrystian Soares Mendes, professor do FXUVR GH (FRQRPLD GD 8IRS H UHV SRQViYHO SHOR SURMHWR GH H[WHQVmR CiDATAnia. A iniciativa analisa a YDULDomR GH SUHoRV HQWUH RV SULQFL SDLV SURGXWRV H VHUYLoRV DGTXLULGRV SHOD SRSXODomR PDULDQHQVH Por que ĂŠ tĂŁo caro viver em Mariana? (VVH FXVWR p SURYHQLHQWH GR IDWR de ser um local histĂłrico e a gente vem sofrendo com o aumento do desemprego na cidade, um grande SUREOHPD GHSRLV GD TXHGD GD 6D marco. O maior peso nos gastos ĂŠ a DOLPHQWDomR VHJXLGR SRU KDELWDomR WUDQVSRUWH VD~GH H HGXFDomR 2 DOX JXHO QD UHJLmR WDPEpP p PXLWR FDUR PDLV TXH HP %HOR +RUL]RQWH Houve aumento no preço da cesta bĂĄsica nos Ăşltimos meses? 'R PrV GH RXWXEUR GH SDUD cĂĄ, tivemos um aumento em alguns produtos. A cesta bĂĄsica ĂŠ composta SRU LWHQV H WHP YDULDGR HQWUH 5 H 5 (VWD PpGLD p XP SRX FR VXSHULRU j GH %HOR +RUL]RQWH PDV VH HTXLYDOH D PXQLFtSLRV FRP R PHVPR SRUWH GH 0DULDQD FRPR 9L oRVD H *RYHUQDGRU 9DODGDUHV

2 TXH p LQĂ DomR H FRPR HOD LQ terfere na vida das pessoas?

sação da Samarco, após o rompimento da barragem de Fundão?

3RGHPRV SHQVDU D LQà DomR FRPR XP EDOmR VHQGR FKHLR É PHGLGD TXH você for enchendo, vai crescendo. $Wp TXH VH R EDOmR À FDU PXLWR FKHLR YDL H[SORGLU $FRQWHFH D PHVPD FRL VD FRP RV SUHoRV $ LQà DomR SRGH acontecer por vårios fatores: grande demanda, falta de oferta, custo de transporte, custo de matÊria-prima. ( VH R SURGXWR DXPHQWD D UHQGD GD SRSXODomR WHQGH D À FDU UHODWLYDPHQ te menor, pois você terå de gastar PDLV SDUD DGTXLULU R PHVPR LWHP

Justamente por conta dos custos. Agora temos menos pessoas trabalhando e alguĂŠm tem de pagar por elas. O desemprego em MariaQD HVWi H[SUHVVLYR DV SHVVRDV WrP menos renda para consumir, isso resulta em menos gente comprando e, FRPR RV RXWURV FXVWRV QmR PXGDP a despesa continua alta.

$ LQĂ DomR SHVD PDLV QR EROVR GH quem ganha menos?

O ICMS [Imposto Sobre CircuODomR GH 0HUFDGRULDV H 6HUYLoRV@ LQ FLGH VREUH D TXDQWLGDGH H FRPpUFLR GRV SURGXWRV 1R FDVR GH 0DULDQD DOpP GR ,&06 Ki R &)(0 >&RP SHQVDomR )LQDQFHLUD SRU ([SORUDomR GH 5HFXUVRV 0LQHUDLV@ LPSRVWR TXH as empreiteiras pagavam Ă PrefeituUD H TXH D FLGDGH DUUHFDGD SRU FRQWD GD H[SORUDomR GD PLQHUDomR $ SDU WLU GD SDUDOLVDomR GD 6DPDUFR KRXYH XP JUDQGH FRUWH H D DUUHFDGDomR GH ,&06 H &)(0 FDtUDP UDGLFDOPHQ te. A Prefeitura estĂĄ arrecadando EHP PHQRV TXH DQWLJDPHQWH $ UH FHLWD HUD GH 5 PLOK}HV HP H FDLX SDUD 5 PLOK}HV HP

Sim, com certeza. Se vocĂŞ aumenta o imposto e aumenta o custo, D SHVVRD PDLV SREUH p TXHP YDL VHQ WLU D GLIHUHQoD 'RV 5 GR VDOi ULR PtQLPR Vy D FHVWD EiVLFD FRQVR PH XPD SHVVRD WUDEDOKD FHUFD GH KRUDV VRPHQWH SUD SDJDU D cesta bĂĄsica, sem considerar o custo GH WUDQVSRUWH VD~GH YHVWXiULR OD]HU H KDELWDomR TXH WDPEpP VmR LPSRU WDQWHV SDUD XPD IDPtOLD Qual a relação entre desemprego H LQĂ DomR" 2 TXH SRGHPRV REVHUYDU QR FDVR GH 0DULDQD p TXH VH YRFr WHP XPD JUDQGH TXDQWLGDGH GH SHVVR as desempregadas, elas tĂŞm menos FRQGLo}HV GH FRPSUDU VHXV EHQV H VH R FXVWR SDUD RIHUWDU RV EHQV Ă€ FD PDLV FDUR R SUHoR GRV SURGXWRV tambĂŠm aumenta. Por que o custo de vida continuou alto mesmo com a parali-

O custo mĂŠdio para se viver em Mariana

Como a redução na arrecadação GR PXQLFtSLR LQà XHQFLD D YLGD dos moradores?

Como a economia da cidade poGHULD VH GLYHUVLĂ€ FDU" 2 PXQLFtSLR WHULD GH WHQWDU DSUR veitar mais os seus potenciais, como o turismo. Recentemente a PrefeituUD YLQKD YHQGR D FULDomR GH XP SROR LQGXVWULDO TXH p XPD ERD LGHLD 9RO WDU D DWHQomR SDUD DJULFXOWXUD VHUYL oRV H FRPpUFLR ORFDLV WDPEpP VHULD uma alternativa. FONTE: PROJETO CIDATANIA / RELATĂ“RIO DE DEZEMBRO DE 2017

Para alÊm da roupa usada SANDRO AURÉLIO

SANDRO ANDRADE

A falta de oportunidade somaGD j FULVH FRQMXQWXUDO GH HPSUHJR ID] FRP TXH DV SHVVRDV WHQKDP TXH criar novas estratĂŠgias de trabalho H GH UHQGD H[WUD 'H DFRUGR FRP D 3UHIHLWXUD GH 0DULDQD VmR PDLV GH PLO GHVHPSUHJDGRV HP WRGR R PXQLFtSLR WRWDOL]DQGR GD SRSXODomR 1D FLGDGH FXMR R FXVWR GH YLGD p R PDLV DOWR GH 0LQDV *H rais, alguns empreendedores locais buscam sair do vermelho atravĂŠs do comĂŠrcio de roupas em brechĂł. ´&RPHFHL Ki WUrV DQRV FRP URX SDV PLQKDV GRV PHXV Ă€ OKRV H QH WRV TXH QmR XViYDPRV PDLV IRL XPD forma de agregar renda, principalPHQWH SDUD PLQKD Ă€ OKD TXH HVWD YD GHVHPSUHJDGDÂľ GLVVH *LUOHL 5LWD )HUUHLUD GH &DVWUR DQRV TXH possui dois brechĂłs em Mariana. Outra proprietĂĄria do mesmo UDPR D DGYRJDGD )LDPD 9LWyULD GH 6RX]D $VVLV OHPEUD FRPR FR PHoRX ´7LQKD DFDEDGR GH VDLU GR estĂĄgio e precisava continuar ganhando dinheiro. Por isso, comecei FRP XP ED]DU HQWUH DPLJDV DTXL HP casa e depois no Instagram e FaceERRNÂľ FRQWD HOD TXH KRMH GLYLGH R WHPSR HQWUH DV DWLYLGDGHV MXUtGLFDV H o negĂłcio no centro da cidade. 2V QRYRV FRPHUFLDQWHV HQ[HU gam no brechĂł uma alternativa de IDWXUDPHQWR H[WUD H RV FRQVXPLGR res, diante do desemprego e endiviGDPHQWR GHL[DP GH ODGR R SUHFRQ

Empreendedorismo. Girlei Rita Ferreira de Castro ĂŠ proprietĂĄria de dois brechĂłs em Mariana

FHLWR SRU URXSDV GH VHJXQGD PmR como revela Maria do Carmo FerreiUD &DUQHLUR ´$ PDLRULD GD PLQKD FOLHQWHOD VmR PDULDQHQVHV GH WRGDV as classes sociais. Uns vĂŞm comprar SRUTXH TXHUHP JDVWDU SRXFR H RX WURV SRUTXH EXVFDP D H[FOXVLYLGD de.â€? Segundo ela, os lucros oscilam HQWUH 5 D PLO UHDLV PHQVDLV &DOoDGRV FKDSpXV EROVDV URXSDV GHFRUDomR H WDQWRV RXWURV DFHVVyULRV VmR HQFRQWUDGRV FRP SUHoRV DFHVVt YHLV FXMD D VDWLVIDomR QRV YDORUHV H D TXDOLGDGH GDV SHoDV p DWHVWDGD SRU TXHP QmR DEUH PmR GH JDVWDU SRX

FR VHP SHUGHU R ERP JRVWR (VVH p R FDVR GH 5RVH 6LOYD FOLHQWH DV VtGXD GHVVH VHJPHQWR ´*DVWR KRUDV JDULPSDQGR SRLV VmR URXSDV ERDV com costura e acabamentos resisWHQWHV H EHP IHLWRV HODV WrP XPD GXUDELOLGDGH EHP PDLRU TXH DV SH oDV TXH D PDLRULD YHVWH 6HP FRQWDU RV SUHoRV (X PHVPD FRPSUHL XP FDVDTXHWR SRU 5 TXH QR VLWH GD PDUFD FXVWDYD 5 Âľ GHVWDFD -i SDUD $QD /XtVD 5HLV ´R EUH FKy p XP OXJDU TXH SRGHPRV JLUDU a economia em tempos de crise e de forma sustentĂĄvelâ€?.

QuestĂľes formais O Departamento de Receita, da Secretaria Municipal da Fazenda, reJLVWURX TXH HP H GDV HPSUHVDV DEHUWDV HP 0DULDQD IRUDP IHFKDGDV (QWUH DV TXH permanecem em funcionamento, SUHGRPLQDP SHTXHQRV ORMLVWDV DX W{QRPRV H SUHVWDGRUHV GH VHUYLoRV WHPSRUiULRV TXH VH HQTXDGUDP QD categoria de Microempreendedor ,QGLYLGXDO 0(, %UHFKyV H ED]DUHV HP VXD PDLRULD QmR HVWmR FRQWDELOL ]DGRV SRU DLQGD QmR SRVVXtUHP UH JLVWUR IRUPDO FRP R PXQLFtSLR &k

mara de Dirigentes Logistas (CDL) RX $VVRFLDomR &RPHUFLDO ,QGXVWULDO e AgropecuĂĄria de Mariana (Aciam). %XVFDQGR D OHJDOL]DomR 3UHIHLWX UD H 6HEUDH SODQHMDP FRQWDELOL]DU R Q~PHUR GH FRPpUFLRV LQIRUPDLV QD FLGDGH ´2 TXH GLĂ€ FXOWD R OHYDQWD PHQWR GHVVHV GDGRV p TXH ERD SDU WH Ă€ FD ORFDOL]DGR HP ORWHDPHQWRV QmR OHJDOL]DGRV H FRP LVVR QmR WHP como criar o cadastro sem ter endeUHoR UHFRQKHFLGRÂľ UHVVDOWD R VHFUH WiULR DGMXQWR GH (FRQRPLD ,QG~V WULD H &RPpUFLR $QW{QLR 0DXUR 1R HQWDQWR PXLWRV GRQRV GH brechĂł ainda esperam a rentabilidade aumentar para formalizar o neJyFLR ´(VWDPRV QHVVD QRYD ORMD Ki VHWH PHVHV PDV SUHĂ€ UR DJXDUGDU XP SRXFR PDLV SDUD UHJLVWUi OD 2 TXH IDOWD VmR DV SHVVRDV WHUHP PDLV FR QKHFLPHQWR GR TXH UHDOPHQWH p XP brechĂł. SĂł assim o lucro compensarĂĄ as despesas com abertura de emSUHVDÂľ DĂ€ UPD &LGLPDU 3HL[RWR empreendedor no bairro Santana. Quando registrado, o microempreendedor individual recebe diverVRV LQFHQWLYRV GR *RYHUQR )HGH ral, entre eles, facilidade para obter crĂŠdito bancĂĄrio, cobertura previGHQFLiULD DVVHVVRULD MXUtGLFD &13- UHGXomR GH WULEXWRV DOYDUi H HPLV VmR GH QRWD Ă€ VFDO 3UHYLVWR QR 6LP SOHV 1DFLRQDO TXHP DGHUH DR 0(, Ă€ FD LVHQWR GH ,PSRVWR GH 5HQGD GH 3HVVRD -XUtGLFD 3,6 &RĂ€ QV ,3, H CSLL. PorĂŠm, deve pagar o valor Ă€ [R PHQVDO HTXLYDOHQWH D GR VD OiULR PtQLPR YLJHQWH


4 LAMPIĂƒO

FEVEREIRO DE 2018

ARTE: JOĂƒO R. NEGROMONTE

CLARA LEMOS

THAIS SILVA

sĂŁo narrativas a espera de serem contadas, com seus moradores e VXDV YLYrQFLDV Por exemplo, parte do local em que habito jĂĄ foi conhecido como Morro do Paschoal ou Morro do Ouro Podre. Com esse ouro, alimentei um dos primeiros arraiais mineradores que deram origem Ă atual FLGDGH (P KRXYH XPD UHYROWD liderada por Felipe dos Santos e por Paschoal da Silva GuimarĂŁes, que se opunham aos aumentos de impostos e Ă criação das casas de fundição pela Coroa Portuguesa. NĂŁo aceitando a revolta, o Conde de Assumar mandou incendiar tudo. Por isso, a UHJLmR Ă€ FRX FRQKHFLGD FRPR 0RUUR da Queimada. Mais tarde, o espaço IRL GLYLGLGR HP WUrV SDUWHV DOpP GR Morro da Queimada, estĂŁo o Morro SĂŁo JoĂŁo e o Morro Santana. Ali hoje abriga um sĂ­tio arqueolĂłgico e me faz ser testemunha material das primeiras construçþes da cidade. No inĂ­cio, eu nĂŁo era nem uma rua, mas apenas um caminho usado para acessar Antonio Pereira. Assim, me deram o nome de “Quinze de Agostoâ€?, pois ĂŠ a data em que se comemora a festa de Nossa Senhora da Lapa, padroeira do atual distrito. Ao longo dos sĂŠculos, fui crescendo e ganhando forma, adquirindo muitas curvas em meu corpo estreito de mĂŁo dupla. Começo na rua Conselheiro Quintiliano e termino na Avenida das Andorinhas. Com isso, guio atĂŠ pontos turĂ­sticos importantes, como o Parque Municipal Cachoeira das Andorinhas, a Capela de Sant’Ana e a Capela de SĂŁo JoĂŁo Batista, que ĂŠ o templo mais antigo de cidade, construĂ­do por volta de TXDQGR HX HUD DSHQDV XPD criança. Com o tempo, ganhei asfalto, mas a maior parte de mim FRQWLQXD VHP FDOoDGDV ,VVR GLĂ€ FXOWD o trajeto das vĂĄrias pessoas que me atravessam todos os dias, principalmente daquelas que moram aqui. Atualmente, sou a localização de PDLV RX PHQRV HQGHUHoRV FHUFD

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Amanhece em Ouro Preto. O sol brilha forte e, daqui, vejo toda a cidade acordar. Carros, motos e bicicletas passam por mim. Muitas pessoas se apressam para o trabalho e, enquanto crianças vĂŁo para a escola, jovens caminham para a universidade. Perto de mim, mas sem me conhecer, turistas exploram o EHUoR GD ,QFRQĂ€ GrQFLD 0LQHLUD (X atravesso boa parte da cidade (ou deveria dizer que toda a cidade me atravessa?), conectando diversos WHPSRV H HVSDoRV ( DSHVDU GH VHU WmR DQWLJD TXDQWR 9LOD 5LFD Ă€ FR HV quecida e abafada pelo centro “histĂłricoâ€?, mas tambĂŠm sou histĂłrica! NĂŁo ĂŠ fĂĄcil encontrar registros sobre minha vida ou toda tradição que carrego. Na biblioteca municipal, por exemplo, nĂŁo hĂĄ nada que conte minha trajetĂłria ou que espeFLĂ€ TXH PLQKD GDWD GH QDVFLPHQWR A hemeroteca revela que, atĂŠ hoje, meus vĂĄrios acontecimentos nĂŁo se encaixaram em critĂŠrios de noticiaELOLGDGH ( PHVPR D SUHIHLWXUD QmR sabe ao certo minha extensĂŁo, ainda que eu seja muito grande (recursos modernos, como GPS, asseguram que tenho 2,5 Km). A mestra em Antropologia Ivi Felix, 37 anos, ĂŠ uma das poucas pessoas (talvez a Ăşnica!) que jĂĄ me pesquisou. Como ela aponta, minhas casas foram construĂ­das de maneira desordenada, dando a impressĂŁo de HVWDUHP XPDV VREUH RXWUDV (VVH impacto visual entre a minha arquitetura e a dos casarios tombados representa um contraste revelador de aspectos econĂ´micos, culturais e sociais da cidade. Ainda assim, continuo ignorada... Sim, sou uma rua, mas nĂŁo ĂŠ por isso que deixo de ter sentimenWRV OHPEUDQoDV H PiJRDV ( Mi TXH ninguĂŠm conta minha histĂłria, eu PHVPD GHFLGL ID]r OR $Ă€ QDO DV UXDV

SE ESSA


LAMPIĂƒO 5

FEVEREIRO DE 2018

ARTE: JOĂƒO R. NEGROMONTE

RUA FOSSE EU... CLARA LEMOS

GH GRPLFtOLRV SDUWLFXODUHV H PDLV GH HVWDEHOHFLPHQWRV FRPHUFLDLV Cada um deles guarda histĂłrias preciosas, a espera de serem relatadas. (P WRGRV HVVH DQRV YL YiULDV JH raçþes me habitarem. Lembro com carinho de todos eles, jĂĄ que cada indivĂ­duo (para o bem e para o mal) contribuiu para o que sou hoje. ( WHP JHQWH TXH QmR PH DEDQGR na, como ĂŠ o caso de Maria da ConFHLomR =DFDULD FRQKHFLGD FRPR 'RQD %HEr /HPEUR PH EHP GH quando ela se mudou para cĂĄ, ainda jovem, com 32 anos. Época em que, como ela mesmo diz, “podia atĂŠ andar pelada que nĂŁo tinha QLQJXpPÂľ 4XHP Yr D VHQKRUD JUL salha e sorridente, sentada Ă porta de sua casa, contando “causosâ€?, talvez QmR LPDJLQH DV GLĂ€ FXOGDGHV TXH HOD jĂĄ enfrentou‌ Quando veio pra cĂĄ, havia muitos problemas de esgoto, o que nos faz lembrar de um episĂłdio HP TXH ´Ă€ FRX XPD VHPDQD SDVVDQ do esgoto na porta da cozinha, nĂŁo SRGLD QHP DEULUÂľ (OD YHLR SDUD Fi MXQWR FRP R -RVp /XL] GH 3DXOD e estĂŁo juntos desde entĂŁo. Todos RV Ă€ OKRV GR FDVDO FUHVFHUDP DTXL 9L 'RQD %HEr PXLWDV YH]HV VDLU FRP DV Ă€ OKDV H LU ORQJH SDUD FRQVH guir lenha para o fogĂŁo. SĂł voltava horas depois, cansada, mas isso nĂŁo a abatia, ela fala atĂŠ hoje de como aquela ĂŠpoca era boa... Apesar das GLĂ€ FXOGDGHV HOD JRVWDYD GDTXL GH poder morar num lugar calmo e que nĂŁo era perigoso. Outro morador muito especial ĂŠ $WDtGH &DUORV 4XDQGR FRPHoRX a me habitar, tanto ele como eu, ĂŠramos jovens muito inquietos e diQkPLFRV (OH WUDEDOKRX HP YiULRV lugares, como na Universidade Federal de Ouro Preto e na Samarco. +i DQRV TXDQGR HOH FKHJRX eu ainda possuĂ­a poucas casas. O AtaĂ­de mesmo teve que planejar sua morada do zero. “SĂł tinha trilha por aqui, de fora a fora, nĂŁo era asfaltada, nĂŁo tinha nada. Comprei o lote e construĂ­â€?, conta todo orgulhoso. Na parte de baixo do seu imĂłvel

montou um bar e mercearia, que IXQFLRQD Mi Ki DQRV &ULRX VXD Ă€ OKD QR PRUUR H YLYH FRP D IDPtOLD aqui atĂŠ hoje. $JRUD VH YRFr HVWLYHU SDVVDQ do por mim, quiser tomar um cafĂŠ e bater um bom papo, pode ir atĂŠ a FDVD GR -RVp -DQXiULR GD 6LOYD H VXD HVSRVD $GDLU 0DULD GD 6LOYD +i DQRV MXQWRV HOHV VmR XP FDVDO alegre, sempre de portas abertas para quem precisa de uma boa benzedeira, atividade que Dona Adair exerce atĂŠ hoje e que foi ensinada SRU VXD PmH (OHV YLYHUDP FRPLJR grandes transformaçþes. Quando se mudaram, viviam em um barraco e, aos poucos, foram aumentando a casa. Vejo o JanuĂĄrio subir na ODMH ROKDU D FRQVWUXomR H SHQVDU ´VHUi TXH HX PHVPR TXH Ă€ ] WXGR isso?â€?. No começo, a ĂĄgua brotava e corria livre, sem canos. Como resquĂ­cios daquela ĂŠpoca, o casal continua usando ĂĄgua de uma mina que Ă€ FD QR EHUoR GR PRUUR DTXL DR ODGR (VVD PLQD p VtPEROR GH SDU tilha, jĂĄ que ĂŠ dividida com outros moradores da regiĂŁo. A maioria dos Ă€ OKRV GR FDVDO PRUD DTXL QR PRUUR Outros jĂĄ migraram para outra parte da cidade. Quando junta todos, a FDVD Ă€ FD FKHLD H p Vy IHOLFLGDGH A verdade ĂŠ que eu vi muita gente nascer e crescer... Vi muitas formaturas, casamentos, bodas de ouro, separaçþes... Sorri com a felicidade dos meus, chorei com a tristeza inevitĂĄvel. Vi crianças brincarem QDV UXDV VHP DVIDOWR (UD FDUULQKR de rolimĂŁ, bolinha de gude, pipa e peĂŁo. Iam para casa com a noite, jĂĄ pensando nas brincadeiras do dia seJXLQWH SHJD SHJD SLTXH HVFRQGH Vi tambĂŠm os tempos mudarem. Hoje em dia, infelizmente, a diversĂŁo LQIDQWLO Ă€ FRX XP SRXFR PDLV GLItFLO Devido ao movimento de carros, as FULDQoDV QmR SRGHP Ă€ FDU QDV UXDV porque ĂŠ muito perigoso. Ă€s vezes, YHMR RV Ă€ OKRV GD 0DULD *HUDOGD 5HLV da Silva, 35, domĂŠstica, querendo brincar em mim. Infelizmente, cresci sem planejamento e, hoje, nĂŁo tenho

muito espaço disponĂ­vel para Thatiane, Thyerry e Kleyllersson brincarem em paz como antigamente. NĂŁo hĂĄ quadras ou praças para que as crianças se divirtam livres e soltas. $ 7KDWL Ă€ OKD PDLV YHOKD VHPSUH UHFODPD ´TXHULD TXH WLYHVVH XP SDU quinho aqui no morroâ€?. Tomara que TXDQGR HOD FUHVFHU FRQVLJD PRGLĂ€ car essa estrutura precĂĄria de hoje‌ $Ă€ QDO PHVPR FRP DV GLĂ€ FXOGDGHV as crianças continuam se divertindo comigo, brincando de panelinhas ou pulando em mim, na amarelinha. ( R LQWHQVR WUiIHJR GH YHtFX los nĂŁo ĂŠ sĂł um problema dos pequenos. Outro dia mesmo vi o seu -RmR &RUUHLD IDODU GH FRPR R movimento de carros, principalmente de motos, representa um perigo para quem mora na rua. (OH DWp EULQFRX ´QmR WHP MHLWR GH por asa nessa moto nĂŁo? Fica mais fĂĄcil, pra voar... TĂĄ quase voandoâ€?. (VVHV SHTXHQRV ELFKLQKRV ID]HP muito barulho, e como correm por entre minhas veias. Mas, claro, foi apenas um comentĂĄrio que ele IH] SDUD XP YL]LQKR (OH WDPEpP Mi HVWi FRPLJR Ki XQV DQRV &DVDGR FRP 'RQD 0DULD HOHV sĂŁo um exemplo de amor. Quando se mudaram de Lavras Novas, a casa em que moram era sĂł um barraco e hoje ĂŠ um lar aconchegante. Apesar da falta crĂ´nica de infraestrutura, os meus moradores nĂŁo se rendem. Por isso, faço aqui um apelo para que as autoridades olhem por mim! Preciso de cuidados bĂĄsicos (ĂĄgua todos os dias e de boa qualidade, lugares para lazer, calçadas...) como vĂĄrias das ruas dessa encantadora cidade. Isso ressaltaria as minhas muitas belezas (materiais e imateriais), ainda a serem exploradas. HistĂłrias carentes de serem vividas e contadas‌ NĂŁo quero estar sempre localizada a mil metros do centro “histĂłricoâ€? e me sentir a quilĂ´metros de diferença. Quero narrar minha histĂłria, ser vista e notada como parte importante de Ouro Preto.

CLARA LEMOS


6 LAMPIĂƒO

FEVEREIRO DE 2018

ARTE: TATI MARQUES

COMPORTAMENTO JĂšLIA ROCHA

ÉRICA RANGEL

Na dĂŠcada de 1950 ele, que jĂĄ era sucesso na Alemanha e Inglaterra, atravessou os mares para se tornar uma paixĂŁo nacional. Com um desenho Ăşnico, semelhante a um escaravelho, conquistou ruas, transcendeu tempos e, ainda hoje, causa emoçþes variadas em seus admiradores. Seu nome original ĂŠ germânico, mas em terras brasileiras ganhou um apelido sĂł nosso: fusca. A versĂŁo mais aceita para a muGDQoD GH QRPHQFODWXUD p D GLĂ€FXOdade que os trabalhadores tinham em repetir a palavra Volkswagen. Isso porque a pronĂşncia da letra “vâ€? em alemĂŁo, assume o som de “f â€? e a letra “oâ€? tem o som de “uâ€?. Logo, o nome passou para Fukswagen e ganhou o apelido de Fuk. Depois, teve o acrĂŠscimo de um “sâ€? e a letra “kâ€? virou “caâ€?, originando, entĂŁo, o nome fusca. Idealizado por Ferdinand Porsche a pedido do ditador Adolph Hitler, o primeiro exemplar do nosso simpĂĄtico fusquinha foi produzido em PDV DSUHVHQWRX SRXFD HĂ€ciĂŞncia devido ao nĂşmero reduzido de cilindros. Algumas alteraçþes foram feitas no projeto e, em 1935, ele foi lançado a preços populares. Desde entĂŁo, se tornou um dos automĂłveis mais vendidos na histĂłria, fazendo jus ao nome oriJLQDO ´9RONVZDJHQÂľ TXH VLJQLĂ€FD R carro do povo. O fusca enfrentou guerras na Alemanha, virou veĂ­culo de primeira necessidade na Inglaterra, onde foi utilizado como carro de correio e atendimento mĂŠdico, atĂŠ que, em 1953, começou a ser produzido no Brasil. Mas somente em 1959, com o presidente Juscelino Kubitschek, a produção passaria a ser em grande escala. A partir daĂ­, o mais novo “queridinho automotivoâ€? começava a conquistar uma verdadeira legiĂŁo de fĂŁs. Anos mais tarde, outro presidente, tambĂŠm mineiro, resgataria a memĂłria do “velho beetleâ€?, nome dado ao fusca na Inglaterra e que

Distinção. Hå mais de 17 anos na família, o fusca branco de Lilian de Jesus Anacleto ainda chama atenção

Besouro de quatro rodas Quase centenĂĄrio, fusquinha ultrapassa geraçþes e seduz admiradores VLJQLĂ€FD EHVRXUR ,WDPDU )UDQFR HP 1992, retomou a produção do carro que havia sido interrompida pela fĂĄbrica alemĂŁ em 1986, por achar o modelo ultrapassado. Numa onda de nostalgia em torno do veĂ­culo, vĂĄrios de seus admiradores correram atĂŠ as concessionĂĄrias para adquirir um exemplar. O frisson pelo automĂłvel ĂŠ tamanho que se alastra pelo paĂ­s, ganhando dia e mĂŞs. Em 20 de janeiro ĂŠ comemorado o Dia Nacional do Fusca, mas cada lugar, alĂŠm da GDWD RĂ€FLDO HVWDEHOHFH XP GLD HP que homenageia o seu querido “besourinhoâ€?. Em Mariana, o grupo Autos Antigos promove reuniĂľes desde 2014, proporcionando o en-

contro dos apreciadores dessas relĂ­quias, como muitos deles as consideram. O presidente do grupo, Junio Henrique da Silva, 28 anos, conta que ele e o amigo Felipe PatĂłilo, 44, participavam de encontros em outras cidades e resolveram promover um em Mariana para aproximar os amantes do fusca e de outros veĂ­culos antigos. AssĂ­duo frequentador das reuniĂľes, o empresĂĄrio JosĂŠ Geraldo Gomes, 59, considera o seu exemplar 1969 mais que uma paixĂŁo. “Tenho esse fusca hĂĄ aproximadamente trinta anos e, quando comprei, dei uma reforma e o passei para minha esposa. Quando me separei, eu tinha tanto amor por ele, que quis para

mim. AĂ­, deixei outro carro com ela e o peguei de volta.â€? JosĂŠ declara ainda que o automĂłvel ĂŠ uma peça de grande valor e que, para nĂŁo desgastĂĄ-lo, sĂł o leva aos encontros sobre a carretinha. JĂĄ para a empresĂĄria Lilian de Jesus Anacleto, 30, o fusca ĂŠ herança de famĂ­lia. Ela assegura que seu PRGHOR YDL Ă€FDU SDUD DV JHraçþes futuras. “Esse fusca estĂĄ na minha famĂ­lia hĂĄ mais de 17 anos. NĂŁo abro mĂŁo dele porque meu pai o comprou para o meu irmĂŁo que jĂĄ faleceu, aĂ­ depois disso foi que peguei mais amor pelo carro.â€? AlĂŠm de Lilian, o esposo, Luiz Eduardo Martinho, 27, tambĂŠm ĂŠ dono de um exemplar adqui-

rido antes do casamento. Ele conta que desde seus 18 anos sonhava em ter um fusca, mas do modelo Itamar e, como na ĂŠpoca era muito caro, nĂŁo teve condiçþes de comSUi OR ´(X DFDEHL Ă€FDQGR FRP XP modelo 79 e pretendo continuar com ele.â€? O casal conta que, quando viaja, sempre reveza os fuscas e que nĂŁo briga quando um quer dirigir o veĂ­culo do outro. Mesmo quem possui algum carro mais moderno, nĂŁo se desfaz do velho fusca. O empresĂĄrio Milton -RVp GH &DUYDOKR DĂ€UPD TXH R seu exemplar permanecerĂĄ com ele. “Tenho outro carro, mas gosto do IXVFD 0HXV Ă€OKRV H DV QDPRUDGDV aprenderam a dirigir nele e jĂĄ falei que, quando morrer, ĂŠ para cuidarem do meu fusca.â€? JĂĄ para o sĂłcio e irmĂŁo, AntĂ´nio Carlos de Carvalho, 66, o fusca acompanha sua histĂłria. “Assim que casei, comprei meu fusTXLQKD H PHXV Ă€OKRV WLUDUDP FDUWHLUD FRP HOH (VVH YDL Ă€FDU GH SDSHO passado para os netos.â€? Mas nĂŁo sĂŁo somente carros convencionais que trafegam pelas ruas de Mariana. PenĂŠlope, um charmoso fusca cor-de-rosa arranca suspiros de admiradores por onde passa. Segundo a fotĂłgrafa e proprietĂĄria, Bruna Costta, 20, a aquisição do veĂ­culo ĂŠ a realização de um sonho antigo. Quando questionada sobre o seu amor pelo fusca e quanWR j HVFROKD GD FRU D MRYHP DĂ€Uma seu apreço pelo automĂłvel. “Eu poderia comprar outro carro com o valor que paguei no meu fusca, mas eu queria desse modelo e nessa cor.â€? Ela tambĂŠm lembra a reação das pessoas quando passa dirigindo pelas ruas: “Sempre querem me parar, por onde passo, para tirar uma foto. JĂĄ tenho alguns ensaios marcados com noivas que sonham em serem fotografadas ao lado dele.â€? As histĂłrias e emoçþes provocadas por esse “pequeno notĂĄvelâ€? fazem com que o fusca se transforme em objeto de desejo para muitos, bem de valor sentimental incalculĂĄvel para outros tantos e Ăşnico para todos aqueles que deixam que ele faça parte de suas memĂłrias.

ESPORTE

Football atrai adeptos em OP FRED ALVES

Ă guia do sertĂŁo que “arranha, rasga com as unhasâ€? e predador que “pega, mata e comeâ€? sĂŁo caracterĂ­sticas dos carcarĂĄs descritas pelo poeta maranhense JoĂŁo do Vale. Algumas dessas “aves ferozesâ€? habitam tambĂŠm o Bairro Morro do Cruzeiro, em Ouro Preto, onde praticam uma modalidade esportiva ainda incomum por essas terras. Filiado Ă Federação Mineira de Futebol Americano (FEMFA), o CarcarĂĄs p XPD DVVRFLDomR VHP Ă€QV OXFUDWLvos, que conta com mais de 50 atletas cadastrados. A equipe ĂŠ formada por estudantes de vĂĄrias cidades, alĂŠm de moradores locais. O presidente do CarcarĂĄs, Yuri Cubas, 29 anos, conta que antes da fundação do time, vĂĄrios amigos reuniam-se para assistir aos jogos da National Football League (NFL), Liga de Futebol Nacional Americano, pela televisĂŁo. Com o interesse crescente por essa prĂĄtica esportiva, eles formaram uma equipe e começaram a treinar de forma regular a partir de 2015 nas dependĂŞncias da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). AlĂŠm disso, criaram diretorias administrativas, redigiram um estatuto e decidiram jogar competitivamente.

Os CarcarĂĄs, no entanto, praticam uma modalidade adaptada, chaPDGD GH Ă DJ [ $ QHFHVVLGDGH de adequação surgiu para diminuir o custo dos equipamentos da moGDOLGDGH RĂ€FLDO IXOO SDG TXH JHUD em mĂŠdia, um investimento de R$ 3 mil para cada jogador. Nas duas modalidades, o principal objetivo do jogo ĂŠ avançar a bola por todo o campo adversĂĄrio atĂŠ a chamaGD HQG ]RQH 1R Ă DJEDOO SRUpP nĂŁo hĂĄ tanto contato fĂ­sico, jĂĄ que nĂŁo estĂĄ permitido derrubar o adversĂĄrio. Assim, para interromper o avanço da outra equipe, os jogaGRUHV GHYHP UHWLUDU D Ă DJ Ă€WD TXH dĂĄ nome a essa variação do esporte) presa no uniforme do oponente ou interceptar a bola. A idealizadora e primeira treinadora do CarcarĂĄs, Nicole Leon Bordest, 23, revela que sente-se muito feliz e contente com o amadureciPHQWR GD HTXLSH $Ă€QDO HP SRXFRV anos, o time alcançou o vice-campeonato mineiro de futebol americano QD FDWHJRULD Ă DJEDOO 2 WRUQHLR IRL GLVSXWDGR HP 2XUR 3UHWR QR Ă€QDO de 2017. A longo prazo, a meta do CarcarĂĄs ĂŠ participar da primeira divisĂŁo da modalidade full pad a nĂ­vel nacional, chamada de Brasil Futebol Americano (BFA). Em todo o paĂ­s, o futebol americano estĂĄ, aos poucos, quebrando

barreiras e se popularizando. Fernanda Pessanha, 33, ĂĄrbitra e direWRUD GH Ă DJEDOO GD &RQIHGHUDomR Brasileira de Futebol Americano (CBFA), detalha que “hĂĄ em torno GH HTXLSHV GH Ă DJ GLVSXWDQGR o circuito nacional, um nĂşmero que cresce cada vez mais e atinge mais estadosâ€?. Com o interesse e adesĂŁo expandindo, Minas Gerais jĂĄ possui 25 equipes registradas junto Ă &%)$ &RQVWDP QR VLWH RĂ€FLDO GD entidade mais de 300 equipes em todas as regiĂľes do paĂ­s e quase 7 mil atletas registrados em vĂĄrias modaliGDGHV Ă DJ [ Ă DJ [ SUDLD IXOO pad, masculino e feminino). Jogador do CarcarĂĄs, Gabriel MĂłl, 24, acredita que os “times começam a surgir onde hĂĄ mais interesse de pessoas que vĂŁo treinar e com mais informaçþes sobre o esporte, o que faz crescerâ€?. Desse modo, um dos objetivos da equipe ouro-pretana ĂŠ tambĂŠm o de promover essa modalidade na regiĂŁo. 3RU LVVR VmR RIHUWDGDV RĂ€FLQDV GH futebol americano no projeto “CarcarĂĄs do Futuroâ€?, para que crianças de escolas pĂşblicas da cidade conheçam as regras e tenham um primeiro contato com esse esporte. “Estamos no processo de construir um laço com a comunidade, porque o WUDEDOKR SUHFLVD VHU YLVWRÂľ DĂ€UPD Yuri Cubas.


LAMPIĂƒO 7

FEVEREIRO DE 2018

ARTE: TATI MARQUES

CULTURA CLARA LEMOS

Noites de seresta na varanda 422 Distintas geraçþes de cantores do sereno fascinam pĂşblico e transformam casa marianense em palco para revitalização de movimento musical ÉRICA RANGEL

Precursor. João Relojoeiro mantÊm viva a tradição seresteira

Seresta Ê minha vida desde os sete anos de idade. Eu aprendi muito com meu pai que me passou essa essência, sempre me ensinando música de qualidade e isso possibilitou o resgate cultural de vårios compositores, alÊm de nos trazer bem-estar.� Renato CÊsar de Paula

CLARA LEMOS

Primeira cidade de Minas Gerais, Mariana tem sua histĂłria embalada pelos acordes e vozes românticas dos seresteiros que mantĂŞm, atĂŠ os dias atuais, o tradicional costume das cantorias pelas ruas. E ĂŠ especialmente uma casa antiga, na Avenida Manoel Leandro CorrĂŞa, que abre uma janela no tempo e faz o pĂşblico reviver momentos de saudosismo atravĂŠs das cançþes dos grandes compositores de ĂŠpoca. Hoje, a varanda nĂşmero 422 virou sĂ­mbolo de grandes apresentaçþes e se tornou ponto de encontro para os amantes da boa mĂşsica. O lugar ĂŠ referĂŞncia para a vizinhança e traz, ao pĂşblico, mĂşsicas que tornam viva a tradição das serestas. Experiente mĂşsico e precursor do movimento na cidade, JoĂŁo Leonardo de Paula, 82 anos, mais conhecido como JoĂŁo Relojoeiro, lembra que veio para Mariana ainda criança e que, prĂłximo Ă sua casa, existia uma pequena venda onde tocava violĂŁo sentado no balcĂŁo. “Quando eu cheguei aqui, fui o primeiro seresteiro da cidade.â€? Ele conta que com o passar do tempo começaram a aparecer pessoas que gostavam de sua mĂşsica e, dentre elas, alguns companheiros que se juntaram a ele. Surgia na ĂŠpoca o primeiro grupo de seresta marianense, conhecido como “os seresteiros do Barro Pretoâ€?. A mĂşsica sempre esteve presente nos momentos mais importantes da vida do violeiro, que recorda as palavras ditas Ă sua esposa pouco antes do matrimĂ´nio: “Quando fui fazer o pedido de casamento, eu disse que ela iria casar comigo, com meu violĂŁo e com as pessoas que me rodeiam, porque eu nĂŁo ia parar de tocar. Bom, ela aceitouâ€?. Dentre as experiĂŞncias acumuladas nos conjuntos que integrou, JoĂŁo lembra de um fato inusitado: “Tivemos a oportunidade de fazer uma seresta dentro do aviĂŁo porque a aeromoça nos pediu para fazerâ€?. O violeiro recorda com entusiasmo da ĂŠpoca em que, junto aos amigos AntĂ´nio Fofoca e Milton Toureiro, formou outro grupo de sucesso, os Seresteiros de Mariana. “Na hora que resolvia, cada um abria a boca e cantava, estilo seresta. SĂł serestaâ€?,

lembra com saudosismo. O grupo se apresentou em vĂĄrias cidades e em alguns programas de televisĂŁo. Berço para grandes mĂşsicos, a casa de JoĂŁo tornou-se um recanto que tem a seresta como herança familiar. Caçula da famĂ­lia, Renato CĂŠsar de Paula, 43, lembra que, ainda pequeno, era colocado pelo pai no muro que existia na frente de sua casa para tocar o cavaquinho. “Seresta ĂŠ minha vida desde os sete anos de idade. Eu aprendi muito com meu pai, que me passou essa essĂŞncia, sempre me ensinando mĂşsica de qualidade e isso possibilitou o resgate cultural de vĂĄrios compositores, alĂŠm de nos trazer bem-estar.â€? JĂĄ para Magno de Paula, 52, WDPEpP Ă€OKR GH -RmR D P~VLFD HVWi no sangue e traz proximidade. “Eu FRPHFHL D WRFDU SUD Ă€FDU PDLV SHUWR GR SDL TXH Ă€FRX XP DQR H PHLR VHP WRFDU DSyV D SHUGD GH XP Ă€OKR Âľ IrmĂŁ de JoĂŁo, Therezinha de Paula Castro, 80, agora integra um novo grupo de seresta montado por ele. “Quando ele me convidou para o JUXSR HX QmR PH Ă€] GH URJDGD SRUque gosto muito de cantar e ele me corrige quando erro. Eu gosto muito de aprenderâ€?, conta. Para os vizinhos da varanda musical, as noites da Avenida Mano-

el Leandro CorrĂŞa, embaladas pelos acordes seresteiros, tornam-se muito mais emocionantes. Morador do Barro Preto, Marcelo da PaixĂŁo Pena, 66, jĂĄ assistiu a vĂĄrias apresentaçþes realizadas no local. “Eu conheço toda a famĂ­lia. Sempre quanGR WHP VKRZ HX YHQKRÂľ DĂ€UPD R aposentado. A empresĂĄria Rosani ZĂŠlia, 40, conta que as reuniĂľes sĂŁo muito importantes para os moradores da regiĂŁo, principalmente para os mais idosos, que reclamam quando as apresentaçþes nĂŁo acontecem por algum motivo. “Para mim, como adoro ver o Sr. JoĂŁo cantar e tocar, ĂŠ um prazer.â€? As exibiçþes musicais VmR VLJQLĂ€FDGR GH EHP HVWDU SDUD D empresĂĄria Magda da Consolação, 56. â€œĂ‰ muito gostoso. SĂł nĂŁo venho quando nĂŁo dĂĄ mesmoâ€?, declara. Quando o show começa e as vozes ecoam junto aos acordes pela avenida, o pĂşblico vive, no presente, a nostalgia de um perĂ­odo que se foi. Naquele momento, a varanda 422 marca a memĂłria das pessoas que passam por ali e se deixa gravar na histĂłria de Mariana como o lugar que mantĂŠm acesa a tradição seresteira. Mais uma vez, as melodias de ĂŠpoca serĂŁo responsĂĄveis por traduzir um sentimento que perpassa o tempo. CLARA LEMOS

Cantoria. Harmonia entre vozes e instrumentos dĂŁo forma Ă seresta

HistĂłria da mĂşsica ao sereno

Ritmo. Batuques ressoam pela Avenida Manoel Leandro CorrĂŞa

Filha de seresteiro e consultora de cultura mineira, Deolinda Alice dos Santos, 68, explica que a seresta ĂŠ fruto de uma herança portuguesa, da era medieval, perĂ­odo em que existiam os trovadores com suas cantigas de amor e de escĂĄrnio. O termo surgiu atravĂŠs da mistura do sarau e da serenata e ĂŠ genuinamente brasileiro. Os saraus eram reuniĂľes de manifestaçþes artĂ­sticas, realizadas dentro da casa de famĂ­lias ricas, compostos essencialmente de apresentaçþes poĂŠticas e musicais, tendo como principal instrumento o piano. JĂĄ a serenata era um concerto ao ar livre, explica a historiadora. Os “cantores do serenoâ€? e seus violĂľes eram vistos com desprezo e preconceito pelas elites, situação que se esWHQGHX DWp R Ă€QDO GR VpFXOR ;,; $V rĂ­gidas regras sociais da ĂŠpoca dividiam esses cantores em dois grupos:

os cancioneiros, que eram recebidos nos saraus, e os serenateiros, a quem se fechavam as portas. Os tradicionais encontros, em casa ou pelas ruas, criaram um circuito musical pelas ladeiras das cidades histĂłricas mineiras, integrando Mariana, Ouro Preto, Diamantina, SĂŁo JoĂŁo Del Rei, Santa BĂĄrbara, Congonhas, entre outras, explica Deolinda. A professora conta com saudade que, durante a dĂŠcada de 1960, vivenciou os encontros musicais e poĂŠticos em Ouro Preto. “Eu tive a oportunidade de ouvir serestas dos prĂłprios estudantes. O grupo rodava a cidade, cantando e embelezando as ruas.â€? Espectadora tambĂŠm dos saraus, a consultora lembra que estes encontros eram muito animados. “Eu sou de ĂŠpoca em que as pessoas tinham o bom gosto e preocupação em es-

crever poesias, poemas, para quando tivessem os saraus, a pessoa pudesse recitar, manifestar seu apreço Ă famĂ­lia que estava sendo visitada.â€? A pesquisadora ressalta que a mĂşsica tomou as ruas das cidades apĂłs o surgimento do cinema mudo, aliado aos novos estilos tocados por JUXSRV GXUDQWH DV FHQDV GRV Ă€OPHV Esses ritmos trouxeram inspiração, embalados por instrumentos como D Ă DXWD R EDQGROLP H R FDYDTXLQKR contando tambĂŠm com a voz envolYHQWH GRV FDQWRUHV TXH Ă€QDOPHQWH transformam-se em seresteiros. Deolinda espera que a cultura seresteira nĂŁo se perca no tempo e seja resgatada pelos mais jovens. “Temos que motivar e incentivar o surgimento da seresta, porque ameniza, apazigua o sentimento do coração das pessoas e a juventude vai ter a oportunidade de vivenciar novos ritmos musicais, novas harmonias.â€?


8 LAMPIĂƒO

FEVEREIRO DE 2018

ARTE: TATI MARQUES

ENSAIO

O papel do jornal

FOTO E TEXTO: JĂšLIA ROCHA

Eu venho da terra. Do Ăştero-solo, me desenvolvi ĂĄrvore e nasci da polpa de celulose, mas sou diferente dos outros papĂŠis. TambĂŠm sou feito de impurezas que me deixam frĂĄgil, com XPD FRU HVTXLVLWD 0DV p Vy Ă€VLFDPHQWH Sou feito de histĂłrias. Nos anos 1950, fui o principal meio de informação. De lĂĄ para cĂĄ, tive uma, duas e atĂŠ trĂŞs versĂľes em um mesmo dia. Hoje, continuo nas mĂŁos de muitos, mas sĂł alguns ainda lĂŞem meus textos. Viajo nas palmas de quem me usa, sendo da forma tradicional ou nĂŁo. Sou proteção para vidro, embalagem de fruta, artesanato. Ă€s ve]HV VRX DIHWR TXDQGR DEUDoR Ă RUHV TXH GL]HP R que as palavras nĂŁo conseguem. TambĂŠm jĂĄ fui aviĂŁo, balĂŁo, barquinho. Vivi aventuras pela imaginação dos pequenos, que um dia, talvez, saberĂŁo quem sou. Ou quem fui. Ao contrĂĄrio do que se diz por aĂ­, a internet nĂŁo criou a crise do jornal impresso. Competi pela sua atenção com rĂĄdio, televisĂŁo, revistas e a prĂłpria internet, que alĂŠm de acelerar o processo, proporcionou um novo caminho para os jornalistas. Aos poucos nĂłs fomos diminuindo, alguns atĂŠ pararam de ser impressos. Embora a internet ameace minha existĂŞncia, o jornalismo online e eu nos complementamos. Minha credibilidade se une com as possibilidades do digital e podemos oferecer aos leitores novas formas de receber e entender informação. Minha versĂŁo online ĂŠ diferente. Tem mais FRUHV LPDJHQV JUiĂ€FRV YtGHRV iXGLRV OLQNV E eu? Fui diminuindo. Em 2016, perdi 162 mil exemplares na tiragem mĂŠdia diĂĄria. Sei que nĂŁo sou mais tĂŁo prĂĄtico, mas tenho minha importância e a mim estĂĄ reservado um lugar especial para aqueles que ainda me lĂŞem. “Ser jornal ĂŠ bom, desde que sejamos, de fato, bons jornais.â€?* *Lourival Sant’anna no livro O Destino do Jornal


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