Jornal Lampião - edição 15

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Jornal Laboratório I Comunicação Social - Jornalismo I UFOP I Ano 4 - Edição Nº 15 - Julho de 2014

foto: ariadne selene | Arte: iago rezende d

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SUJEITOS QUE OCUPAM TERRENOS PoR MORADIA

especial ADOÇÃO: DO AFETO À ESPERA

do trem de passageiros, o que ficou foi saudade

pág. 5

Pág. 6 e 7

pág. 10


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Julho de 2014 Arte: Ana Dias

Editorial

tirinha

Amar e mudar as coisas Afeto significa afeição, amizade, amor. Um sentimento intenso, que não precisa ser explicado. Mesmo porque, na maioria das vezes, não há explicação. O afeto como combustível. A 15ª edição do LAMPIÃO encontrou, no desafio de um novo olhar, o caminho para suas narrativas. Tal desafio impõe uma nova perspectiva, que direciona o olhar de todos - repórteres, fotógrafos, diagramadores, revisores, editores, professores e, finalmente, os leitores - para elementos que, invariavelmente, poderiam passar despercebidos. Os laços afetivos conduzem nossas vidas, entre memórias e esperanças. E, por isso, talvez o leitor - você possa sentir essa mesma afetividade conduzindo sua leitura nesta edição. “Amar e mudar as coisas me interessa mais”. O verso de Belchior, presente na música Alucinação, consegue elucidar o espírito desta edição do LAMPIÃO. O estímulo das pautas foi, justamente, imaginar uma espécie de “lente”, direcionando as abordagens e histórias para novas direções. O cuidado para afastar-se do clichê, do sentimentalismo barato, passa a ser fundamental. O processo de criação torna-se, portanto, mais complexo, já que uma mesma linha teria de perpassar todos os

temas da edição. Mas funciona, também, como uma motivação. A primeira metade do jornal destaca os problemas urbanos, que estão cada vez maiores e mais preocupantes. O sentimento da insegurança é alarmante. A violência se faz presente, em todos os lugares, em todos os contextos. Todos são afetados. O medo é real, assim como os elevados níveis da criminalidade. Ouvimos a polícia e também os moradores. Buscamos observar quais são os reflexos e consequências diante de um cenário tão conturbado. Uma página inteira dedicase a analisar o panorama da segurança pública. Nas páginas seguintes, a ressocialização por meio da superação aparece em mais de uma reportagem, se mostrando como elemento fundamental ao que se refere à afetividade. Vencer o vício, o preconceito, o descaso público. É necessário compreender como conseguir superar as próprias dificuldades faz parte do nosso cotidiano. Como nos afeta e como afeta os outros. A matéria principal desta edição apresenta o ato da adoção e tudo aquilo que o envolve: as burocracias, as dificuldades e as novas relações familiares. Entre preferências e responsabilidades, adotar

uma criança é a representação do afeto simples e puro. O nascimento, como descrito na reportagem, acontece no coração. A segunda metade do jornal destaca o poder de mudança. Iniciativas voluntárias, coletivas e individuais. A dedicação é determinante. Na proteção aos animais, no cotidiano das repúblicas estudantis, no voluntariado em projetos. Nas tradições da música, nas tradições da fé. A interpretação pode destacar a busca de novos horizontes, novos desafios. A motivação do próximo passo. Acreditar na vocação, no desejo mais pessoal. E há espaço também para as maiores riquezas do povo: as memórias. Elas têm força, influenciam, estão vivas. Deixam mais fortes as saudades. Entre uma viagem de trem e outra, o afeto é atemporal. O ensaio fotográfico traz um grande símbolo do afeto: o amor ao próprio país. A Copa do Mundo no Brasil apresenta-se como um espaço para a expressão de todas as torcidas e cores, as mais diversas possíveis. Aliás, pluralidade afetiva é o que norteia esta 15ª edição. A paixão, a dedicação, a superação... Tudo nos inspirou, tudo está aqui, na produção deste LAMPIÃO. Para você, leitor. Com açúcar, com afeto.

NOTA DE FALECIMENTO: É com muito pesar que informamos o falecimento de Luís Carlos Domingos, no dia 25 de maio. Ele foi um importante entrevistado em uma das reportagens da última edição do LAMPIÃO. Demonstrou como devemos nos atentar respeitosamente às trajetórias de vida das pessoas, que mesmo estando em situação de rua, têm grandes e difíceis histórias vividas.

jornalismo.ufop.br/lampiao Encontrou esse símbolo? Acesse os portais do LAMPIÃO e saiba ainda mais sobre os temas abordados. “A professora sabe a história e o nome de cada um dos 120 bichos que ocupam o lugar.” Raquel do Pilar Machado - Presidente do IDDA

“A segurança na cidade tem deixado muito a desejar não só em certos bairros, mas em geral.” Daniel Azevedo - Morador

“A região da estação era um brejo, havia poucas casas e uma lagoa, onde o pessoal vinha pescar.” Pedro de Oliveira - ex-maquinista

Lampejos

“Quando digo na escola que sou adotada, todos se aproximam querendo saber da minha história.” Pág. 6 e 7

“Meu café era uma dose de cachaça.” Pág. 4 “Eu não consigo olhar para a realidade, para essa injustiça social ao meu lado, ver que posso fazer alguma coisa e ficar com braços cruzados, reclamando .” Pág. 11

Bruno Arita

Entre Olhares

“Buscar a pureza e a inocência que estão perdidas na alma envelhecida. Trazer para fora dela a viva cor ingênua para que tome o lugar da casca cinza, grossa, incolor. Olhar para trás. Encontrar-me, motivar-me. Lembrar do que fui, transformar o que sou.” (Bruno Arita)

Jornal Laboratório produzido pelos alunos do curso de Jornalismo – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/ Universidade Federal de Ouro Preto – Reitor: Prof. Dr. Marcone Jamilson Freitas Souza. Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Artur dos Santos Ferreira. Chefe de departamento: Prof. Dr. JB Donadon Leal. Presidente do Colegiado de Jornalismo: Profa. Dra. Denise Figueiredo Barros do Prado. – Professores responsáveis: Cláudio Coração (Reportagem), Ana Carolina Lima Santos (Fotografia) e Priscila Borges (Planejamento Visual) – Editor Chefe: Danilo Moreira - Secretário de Redação: Charles Santos - Editor de Arte: Iago Rezende - Editora de Fotografia: Ariadne Selene - Editoras Multimídia: Flávia Gobato e Lara Pechir - Reportagem: Adriano Soares, Amanda Sereno, Ana Amélia de Melo Maciel, Aprígio Vilanova, Bruno Arita, Débora Simões, Joyce Mendes, Letícia Afonso, Pamela Moraes, Pedro Ewers, Rafael Melo, Raquel Satto e Sarah Gonçalves - Fotografia: Alessandra Alves, Fran Vilas Boas, Inaê Martins, Isânia Silva, Katiusca Demetino, Marília Ferreira e Pamela Moraes - Diagramação: Ana Clara Oliveira, Ana Cláudia Dias, Anna Antoun, Douglas Gomes e Geovani Barbosa - Revisão: Edmar Borges e Laís Diniz - Monitoria: Pedro Carvalho e Túlio dos Anjos - Colaboradores: Deivison Silvestre, Marcio Eustáquio e Neto Medeiros. Tiragem: 3.000 exemplares. Endereço: Rua do Catete, n° 166, Centro. Mariana - MG. CEP 35420-000

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Julho de 2014 Arte: Ana Dias

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segurança Inaê Martins

Muros, grades e portões fechados

32 câmeras “Olho Vivo” foram instaladas em Mariana, sendo 20 no centro historico

Números e relatos revelam a situação da segurança pública em Mariana; as ocorrências de roubos disparam em abril Raquel Satto Até abril deste ano, 47 crimes violentos contra o patrimônio (roubos com o uso de violência ou arma de fogo) foram cometidos em Mariana. Em outras palavras: até este mês, o índice já correspondia a mais da metade dos 93 roubos registrados em todo o ano passado. Mas o que esses números representam e com quais circunstâncias estão relacionados? O Capitão Erly de Jesus Costa, da Polícia Militar de Mariana, afirma que ainda não é sabida a real causa do aumento, mas que a Polícia supõe que esteja relacionada com duas variáveis: a não apreensão de veículos roubados em outras ocasiões, o que daria uma certa liberdade aos infratores, e a liberação de alguns detentos. Essa liberação estaria ligada principalmente ao fato de que todos os autores de crimes identificados são reincidentes. O aumento indicial se intensifica se analisado o mês de abril, que teve um crescimento progressivo no número de roubos notificados pela Polícia Militar: quatro em 2012, 16 em 2013 e 31 em 2014. Sobre essa intensificação, o Capitão atribui a responsabilidade à “saída temporária de alguns presos e alguns autores de outras regiões, que estão se aliando a autores da nossa região para a prática de crimes”. Além do crescimento na quantidade de roubos efetuados na cidade, sem dúvida o crime mais frequente até agora, os homicídios consumados também aumentaram. Se no período de janeiro a abril de 2012 três homicídios foram cometidos, em 2013 foram quatro e, em 2014, seis. Com relação aos níveis gerais de criminalidade da cidade, os bairros Centro e Barro Preto se destacam. Juntos, eles correspondem a 28,79% das ocorrências de 2014 (até abril), sendo que 19,70% derivam apenas do Centro. Segundo o capitão da PM, tais níveis se devem

à facilidade de evasão que os bairros proporcionam e ao acesso a outros bairros da cidade. Mobilizações A compra de novas viaturas e motos em 2013, o projeto de construção de um novo batalhão da PM e a instalação de câmeras “Olho Vivo” para monitoramento do patrimônio histórico, além de outros investimentos, não impedem que a sensação de insegurança cresça cada vez mais em Mariana. Essa sensação e a onda de assaltos no centro da cidade incitaram manifestações como o movimento “Não mereço ser assaltada/o”, encabeçado pela estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto Gabriella Lima Visciglia. Ela conta que, por morar em Ouro Preto e ficar até tarde da noite em Mariana, sente bastante medo ao esperar o ônibus sozinha e que, à medida em que os assaltos no Centro aumentavam, se sentia na obrigação de fazer algo a respeito. Foi quando, em uma de suas aulas, se sentiu impulsionada a agir: “me senti motivada, me achei tão parte da causa, principalmente por ser uma vítima em potencial”. A manifestação, que tinha o objetivo de trazer o assunto à tona, deu frutos. Gabriella participou de uma reunião da Câmara dos Vereadores que tinha como ponto principal a segurança pública, expondo as demandas e os problemas. Depois disso e de uma conversa que teve com a Guarda Municipal, percebeu um número maior de policiais perto do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Mas como ela destaca: “eu não quero segurança só pra mim, eu quero pra todos. Não é uma coisa que abrange só o ICSA ou o ICHS (Instituto de Ciências Humanas e Sociais), eu quero uma coisa pra todo mundo. Não somos só nós que precisamos de segurança.”

Evolução das taxas de roubo e assassinato em Mariana de janeiro/2013 a abril/2014 55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

Roubos

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Bairros com mais de três ocorrências de crimes violentos em 2014

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BARRO PRETO 5

CABANAS

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CENTRO JD DOS INCONFIDENTES

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SÃO SEBASTIÃO

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VILA MAQUINÉ

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Entre janeiro e abril de 2014 foram registradas 66 ocorrências criminais, sendo elas: seis homicídios, duas tentativas de assassinato, um estupro e 57 roubos

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Polícia para quem precisa Diante desse cenário da criminalidade em Mariana, a Polícia Militar começa a desenvolver outras formas de prevenção e ação na comunidade. Além de reforçar a presença de policiais nos horários entre 18h e 22h, há o reforço de oficiais de outras cidades e operações em pontos com muitos usuários de drogas. Ainda no âmbito da ação, um serviço de inteligência está sendo montado para identificar autores de crimes e mapear quadrilhas, a fim de executar os mandados de prisão expe-

didos. O trabalho entre a Polícia Civil, a Militar e o sistema prisional ainda foi citado como importante para a captura dos infratores. Para a prevenção, o Capitão Erly pontua que serão realizadas campanhas e projetos com a população em geral “para preparar as pessoas e evitar o acontecimento do crime ou, mesmo que ele venha a acontecer, que ele seja minimizado.” O primeiro projeto de prevenção tem previsão para começar na segunda quinzena de junho. Inaê Martins

Rosário Daniel Azevedo, morador “A segurança na cidade tem deixado muito a desejar não só em certos bairros, em geral. Os crimes estão cada vez mais constantes e, se até pouco tempo eram fatos isolados e desconhecidos, tornaram-se frequentes e passaram a assustar toda a população. O que mais revolta é que os problemas são graves e a segurança tem que ser trabalhada o mais rápido possível. Acredito que a Polícia tem dificuldades para manter o controle da cidade, além de municípios que também dependem dessa assistência. Um ponto importante é

Centro o uso de drogas em praças, ruas… Tanto de dia quanto à noite. Além da falta de iluminação em alguns lugares. Moro próximo aos principais pontos de Mariana - comerciais, acadêmicos e históricos - e os fatos ocorridos não se diferenciam em bairros populares ou nobres. A população, apesar de já se preocupar, tem que buscar soluções. Discutir e exigir dos órgãos públicos ações que evitem que os jovens se envolvam com a criminalidade. A segurança tem que ser prioritária. Não podemos deixar que a insegurança se torne rotina.”

O dono de uma loja que foi assaltada este ano não quis falar sobre o acontecido, nem se identificar, muito menos dar depoimento. Segundo ele, o caso seria noticiado, sua loja seria visada, mas nada iria mudar na segurança pública. Ainda disse que em cidade pequena é pior ainda, pois todos iriam saber quem fez a denúncia, inclusive as pessoas que o assaltaram. Uma mulher que mora no Centro foi atacada há dois anos por um garoto na frente da Prefeitura. Ela ainda tem medo quando sai, principalmente quando passa perto do lugar, “pois na parte do Cen-

Barro Preto tro, onde fica a Prefeitura, não tem segurança nenhuma, raramente passa alguma viatura e muito menos algum guarda patrulhando a região”. Na noite do ataque, acharam o garoto e o levaram dentro da viatura até a casa dela, para reconhecimento. Ou seja, ele sabe onde ela mora, e isso a deixa ainda mais temerária. A violência é tamanha que mulheres que trabalham ou estudam no Centro sentem-se inseguras de andar sozinhas, temendo serem seguidas, assaltadas ou mesmo violentadas. As janelas ficam fechadas o dia todo e as praças ficam vazias na parte da noite.

Nozinho Cesário, morador “A [sensação de] segurança melhorou muito no bairro, com policiamento passando direto lá [no bairro Barro Preto]. Então agora tá tranquilo. Sempre de vez em quando tem – em todo bairro tem isso - esse negócio de fumar um ‘baseado’ e tal, mas em matéria de violência tá tranquilo. Não tem mais aquele medo na vizinhança de sair na rua e acontecer alguma coisa. Agora não tá tendo isso mais não. Depois que surgiu a Guarda Municipal a segurança de Mariana melhorou muito. No Centro era uma violência danada, os idosos não podiam ir

ao banco receber que tinham vários problemas, roubava-se o dinheiro deles. Do ano passado pra cá acho que a segurança deu uma melhorada. No ano passado tava ‘bravo’ mesmo. Até a própria Guarda Municipal estava com medo de entrar em alguns bairros por aí, mas agora não. Acho que chegou mais policiamento na cidade e isso ajudou. Até eu que ‘mexo’ com segurança quando chegava em casa ficava com medo de sair do carro sozinho. Em qualquer lugar do bairro ficava com medo, mas agora saio de boa, de peito aberto.”


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Julho de 2014 Arte: Ana Clara Oliveira

sociedade inaê Martins

Após cumprir pena, E. M. garante sua reinclusão na sociedade produzindo e comercializando mel. Ele faz a extração e o processamento com materiais rústicos em oficina montada na própria casa

O doce valor da liberdade

Em busca da reinserção social, obstáculos são enfrentados no incentivo à realização de projetos educativos e culturais Rafael Melo Agressões, homicídios, assaltos, sequestros e tráfico de drogas. Em geral, são essas as recorrentes histórias que acompanham parte da vida de muitos presidiários. A prisão é a pena para indivíduos que praticaram condutas criminosas, violaram princípios éticos e, sobretudo, colocaram em risco a segurança e o bem estar da sociedade. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em junho deste ano o número de presos no país chegou a 715.655. Assim, o Brasil passa a ter a terceira maior população carcerária do mundo. O estado que possui o maior número de presos é São Paulo, com 204.946, seguido por Minas Gerais, com 57.498 presidiários. Esses dados mostram uma quantidade relevante de pessoas penalizadas e privadas da liberdade por um tempo determinado pela lei. A pena máxima prevista é de 50 anos,

mesmo que a pessoa tenha sido condenada a ficar presa por mais tempo. Dessa forma, a ressocialização dos presos deve priorizar a assistência de políticas públicas para evitar a reincidência dos delitos e reinseri-los no convívio social. Uma responsabilidade que compete ao poder público, ao julgamento da condição humana em sociedade e, principalmente, ao desempenho de qualquer indivíduo que deseje resgatar os seus valores, sua educação e sua dignidade. “Algumas pessoas passaram a me olhar de outra forma, quase que a maioria. Mas tem um detalhe, eu conto nos dedos essas pessoas que me fortalecem”, conta o ex-presidiário, preso em 2003 por posse ilegal de armas e tráfico de drogas. E. M., de tom sereno e lúcido, relata com detalhes os traumas e as dificuldades que enfrentou no período de detenção, expondo lembranças da precariedade de

assistência aos direitos básicos para sobreviver. “Quando tinha lua cheia, dava para ver as baratas brilhando pelo pátio, sem contar a quantidade de ratos que apareciam. Às vezes, pegávamos alguns e fingíamos que eles estavam passando por um julgamento antes de matá-los, isso era uma forma que encontravamos para passar o tempo”, relembra. Natural da cidade de Mariana, E. M. cumpriu pena de sete anos. Na cadeia, interessou-se pela leitura e chegou a fazer desenhos e artesanatos em sabonete. Conta que, antes de sair, ensinou algumas pessoas a fazer artesanatos e conseguiu negociar até objetos de higiene pessoal em troca de cartas. “A maioria dos presos não sabe ler nem escrever. Ali tem assassino, bandido, tem de tudo. Outro fator complicado é esse, tem cara que ‘caiu’ com três baseados, nem foi julgado e nem nada, mas colocam ele no meio de

outros condenados há mais de dez anos, que sempre saem e voltam por ter cometido o mesmo crime”, declara. Após cumprir a pena, E. M. conseguiu emprego em um escritório de advocacia. Devido à dedicação aos estudos jurídicos, recebeu uma oportunidade para trabalhar com advogados e, durante um ano e meio, realizou serviços de campo buscando clientes de processos da área criminal. Aos 54 anos, prefere dar continuidade aos estudos e práticas artísticas, e também trabalha com produção de mel caseiro, que ele mesmo comercializa. Reafirma, ainda, o valor da liberdade e diz que a vida é muito boa para se desperdiçar. Acrescenta que na cadeia existe um senso de respeito e disciplina que, aplicado no cotidiano, faz diferença. “Hoje em dia, já meço minhas atitudes para tudo, principalmente em relação ao próximo”, arremata.

Presídio Desde abril de 2011, a Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi) assumiu a manutenção da Cadeia Pública de Mariana, administrada anteriormente pela Polícia Civil, e dispõe de agentes penitenciários capacitados e treinados pela Escola de Formação da Secretaria de Estado de Defesa Social. No local, são oferecidos atendimentos jurídico, social, odontológico, médico, psicológico e quatro refeições diárias. Segundo o diretor geral do presídio, Paulo Cézar do Santos, no momento o espaço abriga 140 presos. Na chegada, cada detento separa seus pertences particulares em um saco, que serão devolvidos aos seus familiares. Em seguida, eles têm a cabeça raspada e recebem um kit contendo uniforme na cor vermelha, roupa de cama, escova dental, sabonete e toalha. Depois disso, são orientados a assinar o

regulamento sobre seus direitos e deveres. “Antes de serem assinados, os direitos e deveres são lidos em voz alta. Lemos porque grande parte dos presos são analfabetos, então preferimos ler para todos”, esclarece Paulo Cézar. Diante da situação, o diretor geral enfatiza a necessidade dos projetos de reinserção social. Ele destaca a reunião de abril deste ano que debateu o desenvolvimento de um programa de atendimento ao presídio de Mariana por meio da Prefeitura. “A proposta é criar oportunidades e postos de trabalho. Até o próximo semestre, vamos viabilizar uma sala de aula vinculada ao Educação de Jovens e Adultos (EJA), juntamente com um laboratório de informática. Além disso, já classificamos alguns presos que vão estudar e trabalhar em uma sela fazendo artesanato, esse local funcionará a partir de semana que vem”.

Só por hoje eu espero conseguir Pedro Ewers Terça-feira, dia de reunião para os membros do AlAnon, associação de parentes e amigos de alcoólicos, em Mariana. Os componentes do grupo compartilham suas experiências e buscam solucionar problemas em comum. No caso, pessoas afetadas por amigos e familiares alcoólatras. A reunião está para começar. Certo desconforto pode ser sentido no ambiente. Fui instruído a manter o anonimato, regra básica do grupo, sobre qualquer identidade relatada neste texto. Aos poucos eles se acostumam com minha presença e ficam mais à vontade. Pelos depoimentos, sinto um incômodo de causas quase palpáveis, produzidos, provavelmente, por suas histórias. A importância do grupo é ressaltada pela coordenadora: ‘’Não estamos aqui para dar conselhos, e sim escutarmos uns aos outros, pois são experiencias comuns’’ Uma senhora conta que sua irmã está internada em uma clínica de reabilitação e que para visita-la é necessá-

rio que ela também frequente as reuniões de auxílio. Isso reflete a seriedade do programa. Mas a alegria da recuperação compete com o medo da recaída. Por isso, para a coordenadora, é importante que, mesmo após receber alta, o participante continue freqüentando as reuniões dos Alcoólicos Anônimos (A.A). O orador e eu conversamos. Quando questionado sobre o que é ser um alcoólatra, ele diz: ‘’As pessoas confundem dependência alcoólica com bêbados de rua. Pessoas dependentes do álcool estão por todos os lugares. O A.A não vai te curar, e sim auxiliar no controle do vício, mas isso vai depender exclusivamente de você’’. F é mulher, mãe e profissional bem-sucedida. Ela frequenta as reuniões e relata a dificuldade de tirar o pai do vício. “Eu e minha mãe não sabíamos como lidar com a situação. O auxílio do grupo foi fundamental para aprendermos a nos comportar diante do alcoólatra”. Além do pai, a tia de F, que também era dependente, passou nove meses

internada em uma clínica de reabilitação. Hoje ela leva uma vida equilibrada. Quarta-feira. Dia de reunião do grupo do A.A, composta exclusivamente por dependentes. O incômodo é ainda maior. São histórias diferentes e um objetivo em comum: deixar o vício. Novamente, me pediram que mantivesse o anonimato. O coordenador explica: ‘’ Somos uma sociedade nivelada, o anonimato significa segurança do A.A como um todo, garantindo, principalmente para aqueles que acabaram de chegar, que sua identidade não será revelada.” Explica também que a instituição, nos últimos anos, tem fortalecido a tradição para se manter autossuficiente, e que o único requisito para participar do A.A é a desejo de parar de beber. De acordo com o grupo, o A.A não esta ligado a nenhuma seita, religião ou movimento político e não apoia nem combate quaisquer causas. Estima-se que hoje existam aproximadamente 117 mil grupos e mais de dois milhões de membros

isânia silva santos

Durante as reuniões do A.A, os testemunhos de vida e leituras dão força para a luta do dia a dia

espalhados por todo mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o alcoolismo é uma doença e tem controle. Começam os depoimentos, enfim, e uma história chama a atenção. A, 45, trabalha em um ambulatório. Começou a beber aos 16. Aos 24, sofreu de tuberculose galopante, doença pulmonar aguda e de rá-

pida evolução. Ele conta que acordava 5h30 da manhã para trabalhar. “Meu café era uma dose de cachaça.’’ Relata ainda que ficou quase dois meses internado, em recuperação. Recebeu alta e ficou sem beber até os 32 anos, quando teve sua primeira recaída. ‘’Pensei, eram só duas cervejas. Mas não parou por

aí, queria beber cada vez mais, eu ficava em um estado deplorável, minha família buscava ajuda, até que conheci o grupo, e consegui largar o vício.’’ Apesar de ter parado de beber, A ainda frequenta as reuniões para compartilhar suas experiências. As reuniões do grupo A.A acontecem nas segundas, quartas e sábados.


Julho de 2014 Arte: Ana Clara Oliveira

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cidade

Pelo direito do cidadão à moradia Habitação digna é um desafio imposto para as pessoas que vivem nas áreas de ocupação irregular em Mariana inaê martins

Letícia Afonso As moradias de ocupação tornaram-se paisagem comuns em Mariana. Em todos os bairros da cidade, há pessoas ocupando espaços públicos ou privados para construir suas casas. Essa é a única maneira que encontram para obter um imóvel. “As pessoas ocupam buscando melhores condições de vida na cidade”, diz Kátia Maria, presidente da Associação de Moradores do Bairro Alto Rosário. Ela explica que a oferta de emprego no campo é escassa e que muitos moradores das ocupações foram expulsos da zona rural. Além disso, algumas pessoas vêm de outras cidades em busca de trabalho nas empresas instaladas na cidade. A atual infraestrutura das cidades não abriga o número crescente de habitantes, ocasionando o processo de expansão urbana por meio de ocupação. Os órgãos públicos, por sua vez, raramente urbanizam os terrenos ocupados. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania de Mariana, a maioria das habitações são erguidas em áreas de risco. Ainda segundo a Secretaria, a maior parte das terras ocupadas na cidade pertencem a apenas um proprietário. Em Mariana não existe o projeto “Minha Casa, Minha Vida”. Mas a Secretaria informou que no primeiro semestre de 2014 se iniciou o processo de avaliação de terrenos onde serão construídas casas, alegando que o projeto virá a ser implantado. Além disso, a

Thaís e Adão enfrentam precariedade da rua a caminho de casa, uma situação comum aos moradores do bairro Morada do Sol

Prefeitura também construirá outros imóveis em bairros que possuem ocupação. O maior temor dos moradores é que suas casas sejam derrubadas, já que eles estão constantemente sujeitos à desapropriação por parte dos donos do terreno em que moram. Na tentativa de solucionar o impasse, foi criado em 2008 o Conselho de Habitação de Mariana, que discutiu a urbanização das áreas. A solução, no entanto, tardou e falhou parcialmente, pois o problema de habitação na cidade existe há mais de 45 anos. Só em 2011, foi iniciado o procedimento urbanístico, que não atende a todos os que

necessitam de moradia. Apresentado esse cenário, torna-se mais clara a necessidade de refletir o acesso à moradia em Mariana, e até no Brasil. Esse tema, além de pouco debatido no país, não costuma atingir a empatia de grande parte da população, que, apesar de não reconhecê-lo, é afetado por suas consequências diariamente. Existem muitos relatos do desafio vivenciado pelas pessoas que tiveram negada a urbanização do lugar onde vivem. Relatos “A gente vai ficando e torcendo para ficar tudo bem”, conta Thaís Aparecida en-

quanto amamenta seu filho mais novo, Ulisses Augusto, e observa seu outro filho, Luís Otávio, brincar. Thaís vive com seu companheiro, Adão Alves, e seus dois filhos em um bairro de Mariana. O espaço, que há 15 anos é reconhecido como Morada do Sol, começou a ser ocupado há cerca de 20 anos com a invasão de um dos terrenos pertencentes aos proprietários da empresa Mina da Passagem, que também são donos de 75% das terras ocupadas em Mariana. Adão comprou seu terreno das mãos de um outro ocupante. Ele diz que no início fez um “puxado” pra ter como teto, mas que consti-

tuiu família e, aos poucos, vai erguendo sua casa enquanto vê o bairro crescer através de ocupações irregulares. Impulsionados pela necessidade de ter uma casa própria, as pessoas subiram os morros e construíram suas moradias, que atualmente ameaçam despencar. Por terem sido erguidas sem a permissão do proprietário das terras, não há asfalto no bairro e os residentes também não têm acesso a um sistema de saneamento básico e rede elétrica. A família de Thaís não possui condições de alugar uma casa nem de adquirir um imóvel por meios legais. Eles contam que foi iniciada

a urbanizção do bairro, mas o projeto urbanístico foi impedido de continuar. Tramita na Justiça um processo levantado pelos proprietários das terras pedindo que as casas sejam desocupadas, ou que a Prefeitura compre o terreno por um preço que não condiz com seu valor real. A especulação imobiliária, que cresceu consideravelmente nos últimos anos, também é um dificultante na cidade de Mariana. Nem a Mina da Passagem e nem a Prefeitura têm a escritura que dá a posse das terras. Mas o processo judicial existe. Na gestão do prefeito Josafá Macedo, as terras foram doadas para a empresa Mina da Passagem, pois o prefeito havia se tornado cunhado do dono da Mina. Os habitantes do Morada do Sol contam com as promessas feitas pelos órgãos públicos para solucionar o problema. Mas, enquanto andávamos fotografando as ruas sem pavimentação, nos pararam perguntando o que estávamos fazendo. Contamos nosso propósito e eles se abriram conosco. Dizem não ter muitas esperanças de que o problema seja solucionado, pois muitas promessas já foram feitas a todos eles. Se as promessas não forem cumpridas, será cada vez mais difícil resolver essa situação. Ela se ramificará desenvolvendo outros problemas sociais, como a violência. Se as condições básicas de vida são negadas a um cidadão, ele buscará maneiras de ter o que necessita. E ninguém poderá reclamar do incômodo.

crônica

Evolução predatória e institucionalizada Raquel Satto Letícia Afonso Quem nasce está sujeito a crescer (ou não), se reproduzir, caçar e ser caçado. Ah, é verdade, está em curso o processo evolutivo. É descartado o que se considera sujo, fraco e despreparado. E o que nada acrescenta no desenvolvimento deve ser excluído para que a evolução de fato ocorra. Dito isso, e sabendo que animais evoluem, nos encaramos como sendo animais parcialmente racionais. Afirmam que demos o primeiro passo quando saímos das cavernas que nos tornavam cegos. Agora, uns poucos que conseguiram crescer possuem quintais grandes em casas grandes e fazendas maiores ainda. Grandes extensões de terra são (de)marcadas por poucas pessoas. Claramente porque passaram à frente na corrida evolutiva. Como ser de consciência coletiva e interdependente que é, o humano busca o mérito individual. Dá até pra lembrar daquela prisão (in)visível que é a perda de direitos. É tipo aquilo que o pássaro

sente quando o colocam em uma gaiola. Ele está encarcerado numa pequena gaiolinha porque cantou muito alto – talvez de fome -, incomodou quem não queria ouvi-lo reclamar. Cutucou a autoridade divina, chefes que foram nomeados para cuidar de nós. Mas a gente não consegue ver quem é que toma conta. Estão além do alcance das nossas asas cortadas. E o que precisamos está além do alcance deles, sozinhos. Como o pássaro responde quando lhe tiram a liberdade? Confinado, sem opções para viver, tende a tornar-se melancólico e violento. Tenta buscar uma maneira de obter a liberdade e as necessidades básicas. Para que continue vivendo ele precisa de comida, acesso à educação e saúde edificantes, e que nas instituições possa se expressar com sua singularidade. Mas voltando aos pássaros: são carnívoros, herbívoros, onívoros, e por vezes canibais. Mas não hipócritas. Se o joão-de-barro constrói sua casa é porque preci-

sa morar. Se o corvo invade uma plantação é porque precisa comer. A águia não pretende extinguir o pombo, ela come o que cabe em si, não caça unicamente para limitar o viver. Já a espécie humana, de duas uma: ou vai além da sua necessidade real ou realmente necessita de mais do que cabe em suas mãos. Talvez o ser humano não saiba conviver com as diferenças, se coloca um na frente do outro, mas jamais ao lado. Os pássaros encaram as maneiras de ser e se aceitam, não precisam estar iguais para coexistir no mesmo grupo, suas diferenças complementam a coexistência no habitat. E funciona. Mas cada humano precisa necessariamente se considerar o melhor da própria espécie. A maneira de evoluir é enquadrada de tal maneira que estaciona a própria evolução.

E as diferenças? Para ser, tem que moldar Para estar, tem que caber na caixa Para se expressar, não deve incomodar

Quando incomoda, as instituições não-passarianas reagem com violência. Daquela que silencia àquela que machuca a carne. No fim das contas, tudo se torna gaiola. No sentido real e figurado. Uma ave destituída de poder segue a lei da sobrevivência e se resguarda – ou ataca. A gente também faz isso. Mas o pensar faz com que encontremos conforto, ou meras distrações que desviam o olhar do que nos aflige. Contudo, em algum ponto o sofrimento pode estar latente, mas ignorado até o momento em que não se consegue mais permanecer sem condições básicas de vida. Da distração ao acalanto é necessária uma resposta, que alguns buscam no algo superior além do entendimento. Entretanto, há quem busque essa resposta sem respeitar outros caminhos possíveis para tal jornada. Tem mais de uma pergunta, mais de um tentando responder. Logo, existe mais de uma resposta. A fé humana é tornar seu deus ou a si mesmo mais verdadeiro do que o do outro.

Deivison silvestre - Reflexos para um sonho

Tabus, dogmas e nosso velho conhecido senso comum... Crescemos imersas, apreendemos. E onde mais podemos pousar? Esqueci, quando se é pássaro fêmea por vezes lhe são negados o vôo e o pouso. A falta do falo nos deixa mudas. Surgiu um questionamento e a gente pergunta: o que é a evolução? A relação predatória ou a coexistência entre os seres? Talvez seja necessá-

rio se empoderar nesse processo. Não engaiolando nem deixando ser engaiolado. Da mesma forma que os pássaros e sua sapienização, construindo moradia nos espaços criados pela humanidade, deve-se considerar a adaptação. Tornar o ser humano mais pássaro e possibilitar sua transformação num ser com capacidade de voar. Respeitando o espaço de vôo do outro, sem hierarquia.


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ADOÇÃO

Passos para A AdoCAo Manifestar vontade Deve-se comparecer à Vara de Infância e Juventude de seu município com os seguintes documentos: identidade; CPF; certidão de casamento ou nascimento; comprovante de residência; comprovante de rendimentos ou declaração equivalente; atestado ou declaração médica de sanidade física e mental; certidões cível e criminal.

Todos podem adotar Pessoas casadas, solteiras, viúvas ou que vivem em união estável. A adoção por casais homoafetivos ainda não está estabelecida por lei, mas alguns juízes já deram decisões favoráveis.

PetiCAo Para dar início ao processo de inscrição de adoção, é preciso fazer uma petição no cartório da Vara de Infância. Caso seja aprovada, o nome do interessado será cadastrado regional e nacionalmente como pretendentes à adoção.

Curso preparatOrio O candidato deve fazer um curso de preparação psicossocial e jurídico para adoção. Apenas após isso que o candidato receberá visitas da equipe técnica para entrevista e avaliação.

Perfil É possível escolher o perfil da criança: sexo, faixa etária, estado de saúde, irmãos, cor etc. No caso da criança possuir um irmão ou mais, é previsto por lei que eles não sejam separados, assim, se adotar um os outros devem ser adotados juntamente.

Certificado de HabilitaCAo A setença emitida pelo juiz, que dá o certificado para o adotante, é amparado pelo laudo da equipe técnica da Vara e do resultado emitido pelo Ministério Público acerca dos processos anteriores. Esse certificado inclui o candidato na fila de adoção nacional nos cadastros oficiais com validade de dois anos.

INTERESSE

Assim que aparecer uma criança dentro do perfil indicado pelo candidato, ele será imediatamente avisado. Se houver interesse, ambos são aproximados.

ConvivEncia Visitas a instituição na qual vive a criança e pequenos passeios são permitidos para que se crie um laço. A criança possui liberdade para dizer se está gostando ou não e se quer continuar com o processo.

Um encontro, O RENASCIMEN

O caminho da adoção é longo e exige muita paciência, mas pod Bruno Arita e Joyce Mendes Adotar uma criança é muito mais do que um gesto de bondade ou compaixão. É, para muitas famílias, uma visão de plenitude - a capacidade de amar incondicionalmente filhos não-gerados e a mudança de rotina demonstram seu comprometimento com o gesto. Embora a adoção no Brasil envolva uma série de desafios, para a maioria dos casais os obstáculos não impedem que continuem na expectativa da construção de uma nova família. Espera No país, quase 30 mil casais estão na fila de espera para adotar uma criança. A lentidão do processo é ocasionada também por um outro problema: a preferência dos futuros pais. É o caso da arquiteta Maria Aparecida Silvestre de Faria, 52 anos, a Tida. Casada com o professor Frederico Garcia Sobreira, 55, Tida e seu marido estão há mais de três anos à espera para adotar uma criança. Essa demora se deve, por exemplo, à burocracia “Entregamos todos os documentos necessários em fevereiro de 2011, a sentença do cadastro foi dada 8 meses depois”, conta Tida. Mãe de Ugo, de 16 anos, e Ernani, de 13, ela alega que, por ter dois filhos homens, gostaria de adotar uma menina de quatro anos. Essa restrição seria para que os irmãos não tivessem idades muito distintas. Pesa também o desejo de poder ajudar uma criança que foi privada de ter uma família logo no início de sua vida. Apesar de possuírem boas condições financeiras e quarto individual para a menina, o casal optou por não adotar uma criança com algum problema de saúde incurável. A justificativa é que os filhos ainda são dependentes financeiramente e o casal teme não conseguir administrar de forma razoável a necessidade de todos. O que pode dificultar também o processo para os casais é a questão do vínculo familiar biológico da criança a ser adotada. Para entrar no processo de adoção, ela precisa estar totalmente desamparada pela família. Se ainda tiver algum vínculo com algum parente, mesmo que o candidato à adoção consiga a guarda provisória, a criança voltará para a guarda de algum familiar que tiver condições de criá-la. Tida recorda um caso próximo de uma amiga que cuidou de uma criança por três meses e que, com o surgimento de um familiar, teve a guarda provisória cancelada pelo juiz. Superação Os empresários Aparecida Tete, 41 anos, e José Carlos da Silva, 49, são testemunhas da satisfação de adotar. Os filhos Leonardo, de nove anos, e Claudinei, de 22, ambos portadores de necessidades especiais, moram com o casal há um ano. A alegria dentro da casa da família é contagiante. Léo corre eufórico de um cômodo a outro, puxando cada um pelas mãos para irem até seu quarto ver cenas de seu desenho preferido. Claudinei, com um jeitinho tímido, é puro carinho. Quando se refere sobre ter ganho uma casa e uma família nova, ele sorri “sou muito feliz aqui com a mamãe e o papai!”. O pai Carlinhos, como é conhecido, acompanha cada movimento dos filhos com olhos de orgulho. Ele diz que vi-

Claudinei, Aparecida, Leonardo e Carlos provam que s

rou “um bobo, um pai coruja”. Muitas vezes, em rodas de amigos, ficava sem entender quando alguém falava que iria para a casa para ficar com os filhos. “Agora sei bem o que é isso, o que eles sentiam na época. Sempre que estou fora, sinto vontade de vir embora. Agora são eles que me chamam de papai babão”, conta. De acordo com Aparecida, a oportunidade surgiu há seis anos, quando trabalhava na Casa Lar Estrela, uma instituição que ampara crianças e adolescentes afastados temporariamente de suas famílias. Por serem padrinhos de Léo e Claudinei perante a justiça, Aparecida e Carlinhos tinham autorização de levá-los para a casa nos finais de semana, e então surgiu a proposta da tutela permanente. “Quando a assistente social nos perguntou se tínhamos interesse em adotar o Claudinei, não tivemos dúvida. Ao conversar com o Carlinhos, ele logo sugeriu que adotássemos também o irmão, Leonardo. Os dois sempre estiveram juntos na instituição, e não quisemos separá-los”, relata Aparecida. Com a resposta positiva do casal, em dois meses o juiz liberou a guarda provisória dos meninos e os encaminhou a um advogado para que dessem início ao processo de adoção.

Guarda provisOria É concedida caso a relação entre a criança e o adotante seja boa (necessário entrar com um processo pedindo a guarda). Ela tem validade até o fim do processo e a criança passa a morar com a nova família. As visitas da equipe técnica continuarão até que haja um laudo conclusivo.


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NTO DE UMA FAmiLIA

de reinventar a vida das famílias e das crianças adotadas Alessandra Alves

olhando para trAs Joyce Mendes Por meio do contato com crianças adotadas e pais adotivos, nos deparamos com a imensa alegria e o sentimento de gratidão que cercam essas famílias. E nos perguntamos, ainda, qual seria a visão de uma pessoa adulta, que foi acolhida por seus pais adotivos, ainda recém-nascida. Como no caso de Ana Cecília Maciel, de 36 anos: Infância “Fui entregue aos meus pais com dois meses de vida. Obviamente, não me lembro de quando cheguei até eles. Para mim é como se tivesse mesmo nascido nessa família. Aos meus 5 anos, a minha mãe Tereza e o meu pai Rogério mostraram-me uma foto de minha mãe biológica e disseram que eu havia nascido daquela barriga, mas que era filha deles. Não me lembro o que eu respondi, mas me recordo como se fosse hoje do meu sentimento de medo. A minha única preocupação era que os meus pais biológicos quisessem me pegar de volta. Temia que eles me tirassem daqueles pais maravilhosos que tanto admirava. Acalentada por eles, logo perdi aquela insegurança. Sempre fui cercada de muito amor e carinho. Nunca tive crise de identidade. Acho que foi graças aos meus pais, que souberam lidar com a situação de uma forma muito tranquila.”

ser família não significa ter laços sanguíneos. A força do afeto une e reconstrói suas histórias

No caso de Leonardo, o procedimento ainda está correndo. A família recebe visitas de assistentes sociais e membros do Conselho Tutelar. Para adotarem Claudinei, que é maior de idade, precisaram apenas do termo de curatela, um documento expedido pelo Juiz que dá a eles o direito de serem tutores. Aparecida e Carlinhos dizem que querem adotar também uma menina. Final feliz Com o casal Eurica Maria, 45 anos, e Alexandre Martins, 50, não foi diferente. Após 6 anos de ansiosa espera, finalmente conseguiram a adoção definitiva dos filhos Gabriel, de nove anos, e Gabriela, de dez. Em 2007, com a autorização do Conselho Tutelar, Eurica levou Gabriel para a casa a fim de ajudá-lo a se livrar de uma desnutrição. Na época, o menino tinha um ano de idade e estava muito doente. “Depois que ele veio para a casa nunca mais nos separamos”, conta a nova mãe emocionada. Logo após conseguirem a guarda de Gabriel, Eurica e Alexandre conversaram e decidiram adotar também sua irmã biológica, Gabriela, de três anos. “Quando a irmã entrou em nossa casa, o reencontro dos dois foi emocionante. Tivemos a certeza de que tínha-

mos feito o certo. A Gabi gritou eufórica pelo nome do irmão e eles se abraçaram calorosamente”, Eurica lembra. Gabi diz que se sente muito feliz por ter sido acolhida. “Quando digo na escola que sou adotada, todos os colegas se aproximam, querendo saber da minha história”, conta orgulhosa. Os filhos recém-chegados e o filho biológico se aproximaram imediatamente, segundo o casal. “O Alexandre Lucas, na época com 11 anos, recebeu os irmãos com um enorme carinho”, lembra o pai. Eurica faz questão de reforçar o quanto a chegada das crianças mudou a vida da familia: “Sempre digo que foram eles que nos adotaram. Vim de uma familia conservadora, que achava que filhos tinham que ser do mesmo sangue. Hoje em dia, todos os nossos familiares mudaram seus conceitos. Somos muito mais feliz agora”, comemora. O acolher traz satisfação pessoal, apesar de toda a burocracia. Amar e cuidar de alguém, de origem biológica ou não, exige preparo e comprometimento. O gesto de adotar pede dedicação incansável. O que mantém os casais na espera, e na esperança, é o desejo de poder oferecer a uma criança renovação e uma segunda oportunidade.

Resgate “Quando fui me aproximando da adolescência senti uma enorme necessidade de ir mais a fundo na minha história e na vida de minha família biológica. Meus pais tiveram um pouco de resistência em me dar detalhes na época. Falavam que não havia necessidade e queriam me poupar de sofrimento. Depois de muito perguntar e investigar, fiquei sabendo que a minha mãe biológica, muito pobre, abandonada pelo marido e moradora da zona rural, não tinha as mínimas condições de ter mais um filho, entre os outros cinco. Então, me deu para adoção. Consegui chegar até alguns irmãos biológicos, já bem mais velhos que eu, que me noticiaram que a mãe e o pai haviam falecido há algum tempo. Me deram detalhes do dia em que nasci. Segundo eles, a mãe ‘já estava velha demais para ter mais filhos’ e o marido não hesitou em deixar a casa, mesmo com ela estando no final da gestação. Enfim, apesar de não ter conhecido os meus genitores, resgatei a minha história. Era um direito meu e confesso que, embora tenha ficado muito triste pela notícia do falecimento, esse resgate ao passado me deixou mais leve. Ao visitar a casa na qual, segundo meus irmãos, eu havia nascido, consegui refletir tão intensamente que tive a impressão de que havia voltado no tempo e podia sentir a minha mãe a falar comigo. Parece loucura, mas foi uma espécie de acerto de contas. Saí daquela casa com uma conclusão: ela nunca me abandonou, ela apenas renunciou a mim. Por amor. Por saber que mais uma criança no meio de todas aquelas outras talvez não tivesse uma vida digna, talvez não tivesse o que comer, o que vestir, e até mesmo não tivesse um seio para sugar.” Gratidão “Sou muito grata por ter sido entregue aos melhores pais do mundo. Por terem me dado uma vida digna, me ensinado a amar e respeitar ao próximo, uma educação de verdade e me ensinando sempre o verdadeiro significado da palavra honestidade. Sou casada há seis anos, formada em Pedagogia, tenho um filho, Matheus, de três anos, e sou muito feliz. Meus pais são os avós mais radiantes desse mundo. Tenho muita vontade de adotar uma menina. Estamos amadurecendo a idéia, estruturando a casa, fazendo visitas em instituições. Creio que quando chegar hora certa, iremos saber. Espero até que meu filho Matheus cresça mais um pouco para lhe contar a minha história. Terei o maior orgulho de dizer a ele que a mamãe não nasceu da barriga da vovó Tereza, mas sim do coração dela!”

SentenCa de adoCAo

ReprovaCAo

Se todas as etapas anteriores forem cumpridas, o juiz dará a sentença de adoção, na qual todos os direitos de um filho biológico são concedidos à nova família. Desde uma nova certidão de nascimento até a troca de nome e sobrenome da criança.

A inviabilização de uma adoção passa por inúmeras avaliações: incompatibilidade com a criação da criança, razões pessoais, como aliviar a solidão, superar a perda de um ente querido, atenuar uma crise conjugal etc.


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CIDADania

Proteção capaz de transformar 120 animais, que sobreviviam na precariedade, agora vivem bem e saudáveis graças ao trabalho de um grupo voluntário Fran Vilas Boas

Amanda Sereno O Instituto de Defesa dos Direitos dos Animais (IDDA) de Ouro Preto é resultado de um projeto idealizado pelo jornalista Ady Carnevalli. A professora de Fisiologia da UFOP, Raquel do Pilar Machado, e a estudante de Serviço Social, Luciana Salles, foram as precursoras do Instituto, que vem ganhando visibilidade graças às suas ações. Em junho de 2013 houve uma manifestação que reuniu diversas pessoas em frente à prefeitura de Ouro Preto. Indignadas com a descoberta de que os animais que ocupavam o Centro de Controle Zoonoses (CCZ) do município eram eutanasiados, essas pessoas decidiram ir à luta. Segundo Luciana, os bichos eram capturados pela carrocinha, sobreviviam precariamente no CCZ e permaneciam lá pelo período máximo de sete dias. Depois disso eram mortos. Revoltadas com a situação, Raquel e Luciana se uniram e fundaram o IDDA. Amparo No dia 10 de junho de 2013, aconteceu, na Câmara dos Vereadores, uma audiência pública em que foi votada a alteração do Código de Posturas do município. Na sessão foi definida a extinção da prática da eutanásia. Esse foi o primeiro grande passo do Instituto, que vem traçando um histórico de conquistas. Os animais que ocupam o CCZ agora são medicados, divididos entre sadios e doentes e devidamente tratados. Depois quando estão prontos para serem doados, ficam em um canil na chácara de Raquel.

mais, a professora consegue equilibrar a rotina da Universidade com a do Instituto. “Nós focamos em cães e gatos, porque é muito difícil resgatar animais de grande porte, mas o Instituto luta pelo direito de todos os animais”, afirma Raquel e acrescenta, “Se não há infra-estrutura nem para os animais de pequeno porte, imagina para os maiores”. A falta de espaço é frequentemente discutida nas reuniões do IDDA e a solução que eles encontraram para o problema foi a criação de um abrigo. O grupo já tem um terreno de 30.000 m² doado por um membro do Instituto para a construção do local. Por ser uma organização sem fins lucrativos, o IDDA aceita doações de todo tipo. Quem se interessar em ser um voluntário, participar das reuniões ou contribuir com o Instituto deve acessar o grupo chamado IDDA - Instituto de Defesa dos Direitos dos Animais, no Facebook.

Raquel Pilar, fundadora do IDDA, zela pelos cães que estão no instituto à espera de um lar definitivo

O canil existe desde 1993. Porém, antes a estrutura suportava um número bem menor de cães e Raquel, a proprietária, não morava lá. Em 2010, com a morte de seu marido, ela se mudou de um apartamento em Ouro Preto

para a chácara e pôde dar abrigo a mais animais. A professora sabe a história e o nome de cada um dos 120 bichos que ocupam o lugar. “Essa é a Lucélia, ela tem esse nome porque é vesga, igual a atriz, Lucélia Santos. Quando eu a

peguei, achei que ela não resistiria ao atropelamento que sofreu, mas a minha menina está aí firme e forte”, conta Raquel realizada. Com a ajuda de Hélio Martins, adestrador que trabalha na chácara e passa o dia inteiro cuidando dos ani-

Avanços e lacunas Em Minas Gerais, há uma delegacia especializada em crimes contra a fauna, mas isso é insuficiente. Há muitos outros animais que são esquecidos quando o assunto é maus tratos. Vacas, porcos e frangos são mortos de maneira brutal, sendo que a Constituição do Brasil garante proteção à fauna e à flora, vedando práticas que submetam os animais à crueldade. Porém, grande parte da população tende a acreditar que apenas animais de estimação estão sob a proteção da lei. Araras, porcos, leões, frangos, macacos, vacas e outros tantos seres animados

são transformados em objetos e mortos, traficados ou mau tratados da maneira que compensa, ou seja, a mais barata, a mais lucrativa. É necessário ampliar a visão em relação ao que é considerado mau trato e em quais circunstâncias. Adotar um animal e deixá-lo em um lugar inadequado e com más condições de sobrevivência, sem água e sem comida é crime. A forma como os bois são mantidos e tratados em rodeios é crime. A briga de galo é crime. A festa do boi é crime. E essas “tradições” ainda são praticadas no Brasil em pleno século 21. Há muito o que amadurecer na legislação brasileira em relação à proteção e aos direitos dos animais.

Você sabia? Ainda que existam muitas lacunas na luta pelo direito dos animais, uma importante conquista foi a lei aprovada pela Câmara Federal que proíbe o uso dos animais em testes de cosméticos. Após manifestação feita por ativistas, com o intuito de resgatar os cães que eram usados em testes pelo Instituto Royal, o projeto de lei foi apresentado. A partir de agora, as instituições que aplicarem testes serão multadas no valor de R$50 mil a R$500 mil e as pessoas físicas no valor de R$1 mil a R$50 mil.

VEJA O ENSAIO FOTOGRÁFICO NO SITE: http://jornalismo.ufop. br/lampiao

Educação

Autonomia por meio do saber Sarah Gonçalves Alan de Oliveira e Geraldo Confesso, além de estudar na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, têm algo em comum: o orgulho de trabalhar. O que para muitos é apenas uma fonte de renda, para eles é uma oportunidade de inclusão social. Durante o trabalho, Alan Christian de Oliveira, 24 anos, embala compras, repõem o estoque do supermercado, faz todo o trabalho igual aos outros funcionários. Há dois anos e meio, ele foi contratado por um supermercado como repositor de compras após fazer um curso de autogestão na APAE de Ouro Preto. Nas horas vagas Geraldo Confesso, aluno da APAE há mais de 10 anos, trabalha em um lava jato e em festas como DJ. Além dos dois, a Associação têm 17 alunos que estão no mercado de trabalho. “Muita gente costuma tratar pessoas com deficiência intelectual como eternas crianças incapazes de assumir uma função. Mas o fato é que muitas delas são capazes de estudar ou ter um emprego”, afirma a professora que trabalha há 19 anos na APAE, Renata Nunes Pinheiro.

Em novembro de 1982, foi fundada em Ouro Preto a APAE, para atender pessoas com deficiência intelectual, motora e auditiva. Para cuidar do bem-estar dos 220 alunos, atualmente a escola mantém uma equipe com 52 pessoas, formada por professores, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogo, psicólogos, assistentes sociais e outros funcionários. Na escola são oferecidas oficinas de artesanato, informática, horticultura, pintura e gastronomia. A pedagoga Roselene Alentino afirma que o objetivo das oficinas é aplicar o conteúdo aprendido em sala de forma mais prática. “Os alunos aprendem de forma dinâmica como trabalhar com medidas nas oficinas de gastronomia, tudo se torna mais fácil se eles podem desenvolver na prática o conteúdo passado em sala”, explica. Segundo a presidenta da associação, Imaculada Gonçalves, as despesas mensais chegam a R$ 70 mil. “O município arca com 90% da despeças que são gastas com o transporte dos alunos, alimentação, material didático, higiene, manutenção da instituição e de alguns funcionário, já o estado

ajuda só em 10% das despeças que cobrem o salário de alguns professores. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação(FNDE), envia anualmente a Associação uma verba de R$ 11 mil para investimento em projetos com os alunos. Suporte familiar “Meus filhos conseguiram conquistar mais autonomia e isso é muito importante, já que eu não vou estar aqui a vida toda”,afirma a dona de casa Maria José Dias, mãe de dois alunos. Seus filhos, que estudam na APAE há dez anos, Thiago Dias, 17 anos, e, Lucas Dias, 14 anos, tiveram um desenvolvimento significativo, o mais velho já anda e o caçula estuda .“Meu filho mais velho tinha muita dificuldade de andar, só andou com 5 anos, usava fralda e tinha medo de sair de casa, já o mais novo devido uma estenose não conseguia acompanhar o ensino da escola regular.”. A escola oferece uma assistência psicológica e pedagógica através da Escola de Pais. Lá, são compartilhadas as dificuldades e superações, os pais podem acompanhar de perto o desenvolvimento dos filhos.

Voluntários O trabalho voluntário mobiliza e impulsiona os projetos da APAE de Ouro Preto. Os 14 voluntários da instituição, mobilizam e dão assistência aos alunos dentro e fora da sala de aula, ajudam na cozinha e dão suporte nas oficinas de profissionalização. “Eu poderia escolher qualquer lugar,

mas optei por uma instituição onde as crianças precisassem aprender por meio da superação”, diz a voluntária, Elenice Aparecida Ferreira. Há cinco anos ela dá oficinas de pintura na escola para alunos de todas as idades. Durante as aulas os alunos trabalham com a parte motora e cognitiva. Ela explica que duas alunas so-

friam de depressão e depois do curso de pintura começaram a superar a doença e ver a vida de outra forma. “Quando eu cheguei na escola eu sofria muito por causa da artrite, mas depois do meu trabalho consegui lidar com a doença e superá-la, é uma via de mão dupla, eu ajudo a APAE e eles me ajudam”, afirma. Fran Vilas Boas

Com apoio do programa de inclusão da APAE, o aluno Alan trabalha em supermercado da região


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RELIGIÃO

A fé como essência de vida

A caminho do sacerdócio, jovens depositam seu amor em Deus e dedicam oito anos para a descoberta vocacional Pamela Moraes

Há dois anos no seminário, Luis Fernando entrega-se às doutrinas da Igreja

Débora Simões Há 263 anos, o Seminário de Mariana, o primeiro de Minas Gerais, foi fundado pelo Bispo Dom Frei Manuel da Cruz. Com o tempo foi desmembrado e ficou conhecido como seminário São José. Atualmente é dividido entre o Propedêutico, localizado em Barbacena, o Instituto de Teologia e a Faculdade Arquidiocesana de Mariana (FAM), responsável pela escola de Filosofia. O seminário recebe seminaristas das arquidioceses de Divinópolis, Governador Valadares e Mariana. Como Luis Fernando Cruz, 19 anos, que veio da diocese de Divinópolis, localizada no centro oeste mineiro, natural de Itaúna, mudou-se para estudar Filosofia na FAM. Para Luis Fernando, a razão de estar no seminário é a vontade de querer levar Deus para o coração das pessoas. “A fé é o que dá sentido na nossa vida, sem ela tudo fica mecânico” acredita o seminarista. Diretor da FAM, padre Edmar José da Silva, 38, além de lecionar ajuda os seminaristas na descoberta da vocação, ele afirma ser um grande desafios, “todos estão aqui porque entenderam que Deus os chamou discernir seus caminhos”. Luis Fernando conta que seu processo de descoberta vocacional foi longo e se deu pelo contato com a igreja. Foi coroinha, acólito e participou do grupo de jovens. Está no segundo ano de Filosofia e diz ter um longo caminho a seguir. Escolher o caminho do sacerdócio e sair de casa não é fácil. “Eram 3h da madrugada e ainda não tinha arrumado minhas malas. Meu pai foi quem me ajudou a dar o primeiro passo”. Luis Fernando diz que a família sempre o apoiou, mas alguns amigos não entenderam sua escolha.

As etapas para o processo formativo são muitas. Ao sentir que poderia ter vocação, Luis procurou o padre de sua igreja e pediu conselhos sobre o sacerdócio. Depois foi para encontros vocacionais, onde teve o contato inicial com o seminário. Luis Fernando fez o primeiro ano em Divinópolis, denominado propedêutico, onde os seminaristas têm uma intensa experiência de vida comunitária, aprofundam os estudos e refletem sobre o discernimento vocacional. Em Divinópolis, não há faculdade de Filosofia, por isso veio para Mariana. Ele está no segundo ano, no total são três de Filosofia. A última etapa é a Teologia, com duração de quatro anos, Luis cursará em Belo Horizonte. Por ser bastante comunicativo, após se ordenar padre, Luis deseja, se a igreja permitir, especializar-se em comunicação para trabalhar com os meios que a igreja oferece, como rádio e televisão. Dimensões da vida No processo de formação o seminarista é avaliado em cinco dimensões da vida humana: espiritual, acadêmica, pastoral, comunitária e humana afetiva. A espiritual se dá por momentos de oração e reflexão.“O padre é o homem da fé, ele ajuda as pessoas irem ao encontro de Deus”, afirma Padre Edmar. A dimensão acadêmica é o estudo da filosofia e da teologia, O primeiro é para dialogar com o mundo externo: “O padre não pode se fechar para a realidade do mundo” diz Padre Edmar. O segundo para entender as “verdades da fé”. Na pastoral os seminaristas visitam as comunidades da cidade nos fins de semana, para terem contato com as pessoas e às ajudarem.

A dimensão comunitária é para os seminaristas afastarem o egoísmo. “É um grande desafio, porque hoje vivemos numa cultura de individualismo”, afirma o padre Edmar. Eles cuidam da limpeza, horta e jardim do seminário. A humana afetiva é para o seminarista se conhecer.: “Ele deve ter auto domínio e aprender a lidar com sentimentos e emoções humanas”, conta padre Edmar. Para isso há um acompanhamento psicológico.

Curso de Filosofia A Faculdade Arquidiocesana de Mariana (FAM) foi fundada em 2003 pelo bispo Dom Luciano, com o intuito de reconhecer o curso de Filosofia do seminário perante o governo. O curso já existia, os seminaristas estudavam em Mariana. Mas para receber o diploma tinham de apresentar a monografia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Reconhecida como faculdade, a FAM também oferece o curso de Filosofia para os não seminaristas. Os interessados devem se inscrever para o vestibular, que acontece anualmente. Contudo não há muita procura do público externo, pois além da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) disponibilizar o curso de filosofia, as aulas acontecem no período da manhã, o que segundo padre Edmar, não gera interesse. O corpo docente é formado por 12 professores, entre eles padres e não sacerdotes. A instituição também oferece um curso de extensão em Filosofia e Teologia para a comunidade. São abertas 30 vagas por ano, atualmente a FAM tem cerca de 50 alunos. As aulas são se segunda a sexta das 07h30 ao 12h05.

trabalho

O coração das repúblicas ouropretanas Pamela Moraes

Pamela Moraes O que você entende por “cumadre”? Em Ouro Preto, especificamente nas repúblicas estudantis, cumadre é a pessoa responsável pelos afazeres domésticos da casa. Muito além do trabalho de uma empregada doméstica, de limpar, organizar, cozinhar e passar, ela é vista como a mãe adotiva dos estudantes que passam pelas repúblicas. São centenas de histórias únicas de afeto entre eles, como na República Dos Deuses, localizada no Bairro Rosário. A cumadre Tina Vicente Marques, mais conhecida por Tininha, é como uma protetora para os mais de 50 estudantes que já passaram pela casa desde sua chegada. “Cada dia que passo nesta casa é diferente. Eu adoro esses meninos, eles fazem todos os dias serem especiais”, Tininha conta emocionada. Dos seus 58 anos de idade, 25 são dedicados à república. A dedicação é retribuída em forma de uma homenagem simbólica: Tina tem um quadrinho na sala principal. Pela tradição das repúblicas, recebem o quadrinho pessoas queridas que contribuem com a história da casa. Ela também recebe plano de saúde, pago pelos ex-alunos e moradores, e é sempre lembrada com visitas, almoços e presentes em datas comemorativas como no seu aniversário, dia das mães e Natal. Tina, hoje, tem onze “filhos adotivos”, e seu maior orgulho é vê-los formados. “Eu já formei 37, e ainda faltam esses e

A cumadre da República Dos Deuses, Tina Marques, se orgulha do quadrinho que recebeu como homenagem da casa

os que virão. Se Deus quiser estarei aqui para a inauguração do quadrinho deles”, complementa. Além dos cuidados com eles, a cumadre ainda toma conta de dois cachorros que, segundo ela, também são como filhos, o Handu e o Odin. Tininha conquista gerações dentro da República, de ex-alunos a atuais moradores. Como Bruno Gonçalves, que a conhece há dois anos e tem um carinho especial pela cumadre. “A Tininha é nossa mãezona, ela faz a alegria dos nossos dias. Não tenho

palavras para explicar a importância dessa mulher”, declara. A relação de companheirismo entre estudantes e empregadas também é vista em repúblicas femininas. Maria Madalena de Miranda, carinhosamente chamada de Madá, trabalha desde o ano da fundação na República Tanto Faz, que se encontra no Bairro Pilar. Convive com 14 mulheres e o contato com elas é a sua maior motivação. Para Madá, o apoio de cada uma é fundamental para manter-se nesses 27 anos

de emprego. Ela trabalhou em casa de família antes de conhecer a Tanto Faz, e relata que o tratamento que recebe na república é completamente diferente. “Trabalhar em república é tranquilo. Não sou tratada como empregada, eu que controlo meu trabalho. Essa casa também é minha, eu sou a segunda mãe dessas meninas e elas são a minha família”. A reciprocidade desse sentimento também é exposta: Madá se eterniza na república com a sua fotografia no quadrinho de homenageada.

Na República Sinagoga, situada no Centro, a evidência dessa relação de cumplicidade é ainda mais comovente. No ano de 2010, a então cumadre Dercília de Oliveira Santos, a eterna Coró, recebeu dos denominados sinagoganos a casa própria que tanto sonhou. Os rapazes tiveram a ideia de homenageá-la com a compra da casa. A princípio, foram em busca de um financiamento, mas optaram por unirem-se e juntarem o dinheiro. Em seis meses os ex-alunos da República arrecadaram a quantia e presentearam-na. O morador da casa Thiago Huszar conta que a mudança de Dercília para a casa nova foi realizada pelos moradores da época e ex-alunos. Foram 18 anos empenhados na república e, segundo Thiago, a cumadre adoeceu em decorrência de um aneurisma. Além do apoio de todos, recebeu toda a ajuda de custo para o tratamento. Mas, para a tristeza dos membros da Sinagoga, morreu no ano passado. “Ela era uma verdadeira mãe para nós”, lamenta Thiago. Com a perda de Dercília, sua filha de criação Lucinéia assumiu o trabalho, prevalecendo o contato entre a família e a república. O elo entre cumadres e estudantes vai além do contato entre empregada e patrão. Elas são símbolos de laços maternos. Cuidam, protegem, dão conselhos, carinho e são uma expressão presente de amor para os estudantes que deixam suas casas e encontram nelas um colo.


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Julho de 2014 Arte: Ana Luísa Reis

memória Alessandra Alves

Distrito de Bandeirantes, conhecido como Ribeirão do Carmo, fazia parte da rota do trem que levava viajantes ao Rio de Janeiro. A estação, hoje abandonada, é ocupada apenas por lembranças

Todos os dias era um vai e vem

Há três décadas, com o fim do transporte de passageiros, as cidades estão órfãs; na memória, os registros de saudade Aprigio Vilanova Passados 100 anos da construção da Estação Ferroviária de Mariana, o que resta é saudade, histórias e o prazer de alguns personagens ao falar da época em que as viagens eram feitas de trem. O abandono do sonho do transporte ferroviário de passageiros, mais seguro, econômico e eficiente, significou uma perda com conseqüências materiais e imateriais para o país. Das 23 estações do ramal, só quatro foram restauradas pela Vale para a implantação do trem turístico: Mariana, Passagem de Mariana, Vitorino Dias e Ouro Preto. As outras estações estão abandonadas, algumas em ruínas. O projeto de interligar o país por trilhos, iniciado com o Barão de Mauá, em 1856, no Império de Dom Pedro II, foi deixado de lado definitivamente no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a privatização da rede ferroviá-

ria. O trem de passageiros da cidade de Mariana foi extinto na década de 1980. A cidade A Mariana da época do trem de passageiros em nada se parece com a cidade dos dias de hoje. A região onde funcionava a estação ferroviária era um descampado e, em frente, foi construída a Fabrica de Tecelagem, em 1933. A ferrovia trouxe transformações econômicas para a cidade. Intensificando assim, o movimento de pessoas, inclusive operários. Segundo o ex-maquinista Pedro de Oliveira, que começou a trabalhar na rede ferroviária em 1954, a cidade de Mariana se transformou a partir da ferrovia. “A região da estação era um brejo, havia poucas casas e uma lagoa, onde o pessoal vinha pescar. No lugar onde construíram a atual sede da Prefeitura existia um lindo jardim e uma praça

com uma fonte. Atrás da estação existiam muitas pitangueiras. O pessoal vinha aos domingos passear na região e colher pitangas”, lembra. A cidade funcionava em torno da estrada de ferro. Cerca de 12 mil habitantes era a população de Mariana até a década de 1980. As notícias, as mercadorias para abastecer o comércio e as que saiam de Mariana, o transporte dos funcionários da fábrica, dos professores, de pessoas que deixavam seu lugar e de outros que chegavam para um novo lar. O trem entrava de vez no cotidiano da cidade. A professora Glória Celestino viveu sua infância e adolescência na estação, seu pai era funcionário da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). “Quando o trem ia chegar as pessoas corriam para ver. A chegada e a partida eram sempre um acontecimento na vida da cidade. As pessoas se produziam para

vir, o passeio na estação era o programa mais badalado da cidade”,declara a professora. Meu castelo Na década de 1950, Glória Celestino era uma criança de seis anos e seu pai, Vicente Celestino, funcionário da administração da ferrovia. Ela dividia seu tempo entre a escola e a estação. “Eu vinha sempre a estação trazer o café para meu pai, roupas e cobertas para os dias em que ele pernoitava” diz. O movimento na estação não parava. As crianças iam para brincar e Glória estava sempre no prédio e nutria uma relação especial com o espaço: “Aqui (a estação) era meu castelo. O prédio grande com torres me fazia crer que era meu palácio. Ideal para a diversão das crianças. Eu conhecia a estação de ponta a ponta” esclarece . A menina Glória também tinha outros motivos que a

atraiam. O aparelho de comunicação entre as estações fascinava a menina. “Eu vinha também por que adorava falar no teleponto. Nem sempre eu falava, mas as vezes meu pai permitia. Eu achava o máximo”, relembra. Fogo e chuva O ex-maquinista Pedro de Oliveira trabalhou na EFCB durante 35 anos. Foram 20 anos como auxiliar e 15 como maquinista. Pedro lembra da locomotiva que comandou nesses 15 anos. “Era a 1511, uma locomotiva de fabricação americana.Eu vivia viajando, o tempo todo. Fazia a linha Ponte Nova – Belo Horizonte, e de tanto viver viajando não consegui acompanhar o crescimento dos meus filhos” lamenta. O trabalho na Maria Fumaça exigia esforço. “O cabra tinha que ser macho. Dentro da máquina era pesado, quando liberava a água na forna-

lha subia aquele vaporzão e eu ficava doidão. Jogava o vapor para fora, colocava carvão para dentro e ficava nisso até a máquina atingir a calibragem ideal. Saia carvão até do meu nariz e eu vivia com a mão cheia de calos, parecia até um trabalhador rural. Naquela época era fogo no peito e chuva nas costas” desabafa. A casa onde o ex-maquinista reside hoje foi comprada graças ao trabalho na Estação Ferroviária. “Comprei minha casa a vista com o salário que recebi em apenas um mês de trabalho. Era tanto dinheiro que não cabia nos bolsos, tive que levar tudo numa sacola. Nesse mês fiz 200 horas extras. Era mais dinheiro de horas extras do que do próprio salário” recorda orgulhoso o ex-maquinista. CONHEÇA UM POUCO MAIS SOBRE A HISTÓRIA DO TREM EM: www. jornalismo.ufop.br/ lampiao

Terra de lembranças, vozes históricas Alessandra Alves

márcio eustáquio

Bruno Arita Memórias são como pessoas. Se lembradas, vivem para sempre, são atemporais. Se esquecidas, morrem, desaparecem. Arrisco-me a dizer que Mariana é uma cidade imortal. Não pela obviedade histórica que ela passa, mas pelo orgulho e carinho de pessoas que não permitem que o passado desapareça. Como as lembranças de um fotógrafo e retratista de 68 anos morador da cidade. Que vão desde registros fotográficos antigos até a história dos degraus da entrada do Museu da Sé, desgastados e afundados pelo lamber do sal dos bois na época da mineração. Lembra como se tivesse fotografado esse momento. Também parece que foi contemporâneo à época da construção das duas igrejas da Praça Minas Gerais, pela maneira que conta. Eram feitas enormes rampas, que hoje são ocupadas pelas escadarias das Igrejas. Estas foram erguidas e preenchidas com terra por dentro. E o retratista ainda indaga “Já viu o tamanho do sino? Imagina subir aquilo por corda. Não passava pelas aberturas laterais, tinha que ser por dentro mesmo”.

Rua Frei Durão, em Mariana, na década de 1940 e nos dias atuais: passagem do tempo não apaga recordações da cidade

A dona de um comércio no centro da cidade e companheira de vida do retratista, recorda com muito carinho os causos de Mariana. Um deles é o do Senhor Ivo. O anão jardineiro da Praça Gomes Freire, o tão querido Jardim. Quando o assunto era cuidar das plantas, ele se fazia gigante. Personagem de infância, ela o compara carinhosamente ao gato de botas. Ambos usavam tais

botas e tinham um porte físico que não combinava com elas. O antigo Coreto, que está lá até hoje, possui uma entrada pequena na lateral. Era praticamente um portão para o anão, que passava por ele tranquilamente. A vegetação cipreste que cercava a Gomes Freire, e que um dia já foi cuidada pelo bravo Ivo, assistiu e eternizou grandes momen-

tos. Alguns contados por um viajador e vivido senhor de 80 anos, que está em Mariana desde 1939 e diz que muitos amores nasceram na praça. Os rapazes iam ao Jardim para olhar as moças e achar uma namorada. Muitos namoros de lá deram até em casamento. Durante o prosear todo, houve uma coincidência agradável: ele e o fotógrafo são amigos de juventu-

de. “Moramos juntos ali, na atual Rua Dom Silvério. Ele é fotógrafo, você sabia disso? Apesar dele ser mais novo que eu, deve saber de muita coisa daqui”. Com ar nostálgico ainda falou sobre a Fonte da Saudade, que ficava no fim da atual Rua Wenceslau Braz. A literalidade do nome dessa fonte traz recordações de um povo que buscava água

ou a usava la mesmo, para as necessidades comuns do dia a dia. O carinho aumentou em sua fala quando lembrou dos tempos de frio na infância. “No inverno, mamãe esquentava a água em tacho de cobre e todos tomavam banho de caneca”. É impossível não imaginar tudo isso. O tacho apareceu ali, bem a minha frente. A imagem da mãe esquentando a água, o senhor que era menino tremendo de frio esperando o banho. Por palavras e momentos tão cotidianos e comuns, um passado distante se fez muito presente. Criam-se realidades, trocamse experiências que unem gerações em alguns minutos. Mariana então existe por aqueles que trazem à vida tudo que é resumido pelo que entendemos da palavra saudade. Terra moldada em um presente que se altera. Será lembrada por quem a constrói hoje, em um futuro certamente diferente. Os degraus do Museu, a construção das Igrejas, o Jardim das flores e dos amores, personagens marcantes. Além de outras inúmeras histórias que estarão vivas, não só em arquivos históricos, mas também nas vozes de novas gerações da cidade.


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Julho de 2014 Arte: Ana Luísa Reis

CULTURA

Banda que encanta gerações

A Sociedade Musical São Sebastião de Passagem de Mariana forma musicistas gratuitamente há 104 anos katiusca Demetino

Ana Amélia de Melo Maciel Ao se chegar à sede da Sociedade Musical São Sebastião (SMSS) em Passagem de Mariana no horário da aula de música depara-se com um enorme salão e um palco de tábua corrida ao fundo. Alguns jovens estão em torno de um adulto, muito empolgados com seus instrumentos que nem percebem a presença de outras pessoas. José Mauro, conhecido como Zé Mauro, não gosta da denominação de professor nem de contramestre. Argumenta que só está repassando o conhecimento que adquiriu ali e, de certa forma, retribuindo o que a Sociedade fez por ele quando era mais novo. Foi convidado a aprender música há 42 anos por Firmino Francisco de Assunção, atual presidente de honra da SMSS, que o ensinou não só a tocar instrumentos, mas também o ofício de torneiro mecânico, que é sua profissão até hoje. A relação de ensinar música e colocar o sujeito para caminhar pelas próprias pernas em algum ofício permanece na Sociedade. Os aprendizes, que muitas vezes vêm de famílias humildes, são instruídos nas notas musicais e também nos valores morais. E, quando possível, são encaminhados como Menor Aprendiz para empresas da região. Ao ingressarem, os alunos têm aulas sobre leitura das

Regido por amor à música , Zé Mauro transmite seus ensinamentos a jovens aprendizes na mesma instituição em que ele estudou

partituras e escolhem qual instrumento desejam aprender, podendo levá-lo para praticar em casa (sendo exigido apenas sua preservação). A banda São Sebastião tem um estatuto de conduta que prevê o respeito ao espaço e ao próximo e as normas de comportamento na sede e nas apresentações realizadas. Alguns jovens são atraídos pelas viagens que a banda faz para tocar, outros pelo interesse de aprender algo diferente. Há aqueles que, pelo contato com os aprendizes, descobrem as experiências positivas

e se interessam. Para manter estes alunos, são oferecidos alguns incentivos no final dos ensaios, como brindes, algumas vezes, até lanches. Para quem se interessar em aprender algum instrumento de sopro, as aulas ocorrem gratuitamente, de segunda a sexta-feira, a partir das 18h30, para todas as idades. Recursos A Sociedade Musical São Sebastião é uma organização sem fins lucrativos. Aqueles que prestam algum serviço são voluntários e o fazem por

carinho à banda e sua história. Como para Firmino, que diz frequentar o local por amor. A Prefeitura de Mariana concedia a cada banda uma verba anual de R$9 mil. A Sociedade da Bandas de Músicas de Mariana e Distritos é composta por 11 bandas. E no ano passado conseguiu, em reunião com o prefeito Celso Cota, que a verba anual aumentasse para R$20 mil e que fosse oferecida uma verba complementar para a confecção de novos uniformes. O maestro Daltro de Paula Novaes alega que, além dos

gastos com a manutenção da sede, há ainda a conservação e a aquisição de instrumentos. Esta última é a mais cara. Sendo estas despesas muito altas, a SMSS realiza festas durante o ano para arrecadar fundos e aluga parte da sede para uma escola infantil municipal. Mas, o que sempre manteve a Sociedade foram as apresentações que são realizadas em outros distritos. História A Sociedade Musical São Sebastião possui 104 anos. Começou como Sociedade

Beneficente Operária. Nesta junta foi formada uma banda, que ficou de posse da sede na Praça Capitão Ignácio 44, no Centro de Passagem, quando a Sociedade se desfez. Em janeiro de 1910 esta banda se nomeou como Sociedade Musical São Sebastião. Atualmente a banda conta com 42 músicos e 18 aprendizes. Muitas pessoas que começaram na SMSS, hoje ganharam o mundo e fazem sucesso. João Cavalcante é um dos que tiveram maior destaque. Ele foi maestro da banda por muito tempo e, anos depois, fundou a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. O aniversário da banda é comemorado no dia 10 de janeiro, dia do padroeiro secundário de Passagem de Mariana, São Sebastião. Sempre no primeiro domingo após esta data, é realizada uma alvorada. Enquanto a banda passa pelas ruas do distrito de manhã, algumas pessoas se juntam a ela, outras ficam observando nas janelas de suas casas. E juntos formam um grande cortejo a São Sebastião. Algumas residências fazem um farto café da manhã e convidam a banda para entrar e se servir. Após o toque, é um oferecido um almoço na sede da Sociedade. VEJA MAIS FOTOS DA BANDA SÃO SEBASTIÃO EM: www. jornalismo.ufop.br/ lampiao

Projeto revela talentos em Mariana katiusca Demetino

Adriano Soares A tentativa de modificar o ser humano pela arte: foi com este intuito que a professora Andréa Maria Ferreira, 48 anos, começou a realizar o projeto Luz em Sol Maior, que ocorre duas vezes por ano no teatro SESI, em Mariana. Desde 2005, o evento tem como principais objetivos, apresentar o talento de crianças e adolescentes das comunidades e arrecadar fundos para entidades como o asilo Lar Santa Maria e a comunidade da Figueira. O projeto começou 20 anos atrás. O então pároco da cidade, o Padre Paulo Barbosa, percebeu que as crianças paravam de frequentar a Igreja depois da Primeira Eucaristia. Para atraí-las, ele resolveu criar um coral, chamado An-

gelus, que se apresentava nas missas de domingo. No início participavam cerca de 120 crianças. Entretanto, com o passar dos anos, o grupo começou a diminuir até chegar a 30 frequentes. Andrea que já coordenava o projeto, percebeu que as crianças que saíram do coral estavam se envolvendo com drogas, entre outros problemas. A primeira saída encontrada para atrair as crianças foi diversificar as atividades. “Era um número muito alto para deixar na rua. Então, começamos a sair mais com eles pela cidade, fazer piquenique, ir para sítios. Nós percebemos que quando tinha algum passeio as crianças apareciam; quando voltava à rotina, o número caía de novo”, conta a coordenadora do projeto.

Outra solução encontrada foi o recital de Natal, que servia para reunir o coral Angelus com grupos dos bairros Cabanas e São Gonçalo, além de encerrar a novena natalina. Nessa apresentação os coordenadores perceberam que algumas crianças que tinham deixado o projeto estavam formando pequenos grupos artísticos em seus bairros. Então, desenhou-se um novo projeto que deixou de ser apenas o coral Angelus e passou a se chamar, por sugestão do violonista Antônio Carvalho, Luz em Sol Maior. “Todo mundo gostou. O pessoal perguntou se continuaria cantando só na igreja. Eu disse não, nós vamos montar um grupo de dança, então vai cantar quem quer cantar e vai dançar quem quer dançar”, revela. katiusca Demetino

Grupo comemora com entusiasmo o final de semana de apresentações no SESI Mariana

No ano de 2005, Dom Luciano Almeida conversou com os coordenadores do projeto e revelou sua preocupação com o consumo de drogas na cidade. “Nós estamos nos preocupando muito com a coisa de cantar, com a Igreja, mas o ser humano, estamos esquecendo de trabalhar. Temos que arrumar um jeito de atrair essas crianças para nós de vez”, relembra Andrea. No mesmo ano aconteceu a primeira edição do Luz em Sol Maior no SESI, que contou com cerca de 40 crianças participantes. Desse evento firmou-se a parceria com o teatro, que cobra uma taxa de R$350 para a utilização do espaço. O que é arrecado pela bilheteria é revertido para entidades que precisam de produtos de limpeza, hidratante corporal e mantimentos. Do trabalho do Luz em Sol Maior, Andrea chegou a conclusão de que a transformação social é o combustível para continuar à frente do projeto. “Eu não consigo olhar para a realidade, para essa injustiça social ao meu lado, ver que posso fazer alguma coisa e ficar com braços cruzados, reclamando. Não vou acabar com o uso de drogas em Mariana. Mas que eu posso resgatar uma criança, eu posso, já fiz, e vou continuar fazendo”, relata a professora, que também é coordenadora das crianças do grupo artístico “Arte, Cor e Raça”, uma das atrações do evento Luz em Sol Maior que ocorreu este ano.

Luz em Sol Maior destaca jovens em evento de música e dança

O espetáculo Diferente dos eventos dos anos anteriores, a primeira edição do projeto Luz em Sol Maior, ocupou o SESI por dois dias, 30 e 31 de junho. O primeiro dia de apresentação foi dedicado ao canto: com o título “Vem cantar Brasil”, crianças e adolescentes apresentaram os seus talentos. Não seguiram um único estilo: os jovens cantaram MPB, Rock e Sertanejo. Ao todo, foram 14 grupos. No segundo dia seguiramse as apresentações de dança, que contaram com grupos dos bairros e de distritos como Passagem e Monsenhor Horta. Houve também a participação de representantes

de outras cidades como Ouro Preto e Divinópolis.“Chega no dia da apresentação todo mundo quer participar. Só que nós temos duas horas de contrato com o SESI, nossa ideia é de levar o movimento pra rua, porque está se ampliando”, conta a coordenadora. A renda obtida através da bilheteria foi revertida para o asilo Lar Santa Maria, que estava precisando de hidrantantes. A próxima edição do Luz em Sol Maior já está agendada para o dia nove de novembro. FOTOS DO EVENTO LUZ EM SOL MAIOR EM: www. jornalismo.ufop.br/ lampiao


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Julho de 2014 Arte: Anna Antoun

COM ORGULHO E MUITO AMOR

Marília Ferreira (texto e fotos)

Mãos dadas, sorrisos abertos, bandeiras nas costas. O céu azul dá margem ao verde e amarelo que enlaçam os torcedores pelas ruas históricas da cidade de Ouro Preto. É alegria que transborda! Das sacadas, torcedores avisam aos que passam pela rua: “é Brasil, vamos lá!”. No embalo dos passes dos jogadores, vão os olhares do público que não perde nenhum lance no telão. É gol! Olhares se cruzam e os sorrisos conversam, é brasilidade.

Vestindo a camisa canarinha, todos se tornam uma única massa. Nesse instante, os abraços valem até mesmo em desconhecidos. É assim que se vê a paixão por um esporte e um país: refletida em gestos e gritos de incentivo. E a heroína daquela tarde de Copa do Mundo no Brasil foi a emoção da torcida brasileira, que entre chutes na trave e pênaltis, mãos na cabeça e gritos de alívio embalou sua paixão com a frase: “Eu acredito!”.


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