Jornal Lampião - edição 26

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Jornal-laboratório I Jornalismo UFOP I Ano 7- Edição Nº 26 - Abril de 2017

O antigo não preservado e o novo não planejado PÁG. 6 e 7


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Abril de 2017

Arte: Janaina Maria de Almeida

editorial

Ombudsman

Engajar-se no agora

Patrimônio nosso Em maio de 2011 o Lampião apresentava-se à cidade de Mariana, lançando sua centelha para “abrir novos caminhos, novas trilhas, no sentido de proporcionar espaços revigorados de debate que possam conduzir à reflexão, ao repensar, ao reconstruir”. Em outubro do mesmo ano, o nosso jornallaboratório expande seu olhar e inicia a abordagem de assuntos de interesse também de Ouro Preto, reconhecendo suas semelhanças, para além da proximidade geográfica. Alunos de jornalismo naturais de Mariana e Ouro Preto, juntamente com aqueles oriundos de diversas partes do país, fazem o Lampião também como forma de demonstrar que essas cidades fazem parte de suas vidas, constituem seus próprios conjuntos de bens, direitos e obrigações, uma das definições de patrimônio encontradas nos dicionários. É com esse espírito que esta edição do Lampião percorre passado e presente, visando lançar sua luz para o futuro, ao discutir questões relacionadas ao patrimônio cultural material de Mariana e Ouro Preto, representada por seus monumentos – muitas vezes mal cuidados –, passando pelo patrimônio – enquanto posse de bens de pessoas e famílias –, tantas vezes negligenciado pelo poder público, quase sempre vislumbrado com desleixo e sem nenhum tipo de planejamento. Também apresentamos, no

ensaio, um olhar sobre o patrimônio do homem do campo, revelando a beleza e a gratificação de uma família com seu trabalho e origens rurais. Nossas matérias discutem ainda o patrimônio no sentido de direitos e obrigações, percorrendo questões políticas como o direito à eficiência e probidade administrativa pública; à transparência (ou falta dela) na utilização de verbas pelos vereadores; ao tratamento humanizado durante a gravidez e na hora do parto; ao respeito às mulheres, bem como ao inalienável direito à segurança e à vida. Voltamos ao passado para refletir sobre as pessoas que sequer tiveram direito a um local digno como sepultura e também revelamos tradições seculares que dividiam (ainda dividem?) os moradores de Ouro Preto. Revisitando temas já abordados no Lampião, abordamos assuntos relevantes do presente/futuro, como os benefícios do progresso e os problemas do transporte público na região. Não descuidamos do patrimônio cultural imaterial. Nesta edição, as efervescentes cenas do rap e do skate são apresentadas e discutidas em termos de importância e problemas enfrentados. Buscamos fazer o nosso trabalho/ofício experimental da melhor forma possível. Cabe a vocês, leitoras e leitores, o julgamento do resultado final.

Thales Vilela Lelo

De saída seria importante frisar que a leitura da edição nº25 do LAMPIÃO transpira o frescor das alternativas sustentáveis de produção jornalística neste período em que tantas incertezas povoam os discursos sobre o futuro da profissão. Ao adotar uma linha editorial que prima pelo desenvolvimento narrativo dos textos (em detrimento da apresentação mecânica daquilo que seriam os dados mais “urgentes” de um acontecimento social), os alunos envolvidos na confecção deste LAMPIÃO se empenharam, com graus de sucesso distintos, na experimentação de vias não hegemônicas de conexão entre o mais singular de um fato (os concernidos por seus desenlaces) e seu impacto nas esferas coletivas. Destaco aqui a sensível tendência à camuflagem do lead na maior parte das matérias como um convite ao leitor para seguir adiante e descobrir, pouco a pouco, os laços entre a vida de pessoas comuns, os eventos mais notáveis que afetam os moradores de Mariana e Ouro Preto, e os temas que gravitam na agenda nacional. Alinhada a esta inclinação editorial, também merece destaque o engajamento crítico do jornal com o presente. O discurso da plura-

ERRAMOS Na reportagem “Mães à espera de liberdade”, publicada na página 9 da edição 25, informamos que o motim na penitenciária de Mariana ocorreu no dia 30 de janeiro de 2016. A data correta da revolta é janeiro de 2017. Na página 8 da mesma edição, na matéria “Ouro Preto lidera ranking”, a abertura da microempresa individual de Michela Oliveira ocorreu em 2015 e não em 2016. No mesmo texto informamos que a microempresária é aluna do curso de Artes Cênicas. Na verdade, Michela é graduada em Produção Cultural e está matriculada no curso de Turismo. Também fizemos referência à variação do preço do barril de minério, quando o correto seria mencionar o preço da tonelada de minério de ferro.

Entre Olhares

Transitoriedades Mariani Barbosa

Mariana e Ouro Preto, símbolos do colonialismo: ruas, casas e igrejas que materializam outras épocas e revelam uma essência a cada esquina. Período de legados e riquezas, angústia e sofrimento. Ciclo de resquícios em constante renovação. Sobreposição de fragmentos não apenas físicos e palpáveis, mas também sensíveis. Traços de um patrimônio que não se vê, mas que se reconhece. Costumes, religiões e crenças. Heranças daqueles que aqui viveram e que ainda transitam pela história dessas cidades. Por aqui, o olhar que anseia o futuro não pode se esquivar do passado, das raízes bastante vívidas no dia a dia de sua gente. A imponência histórica de um período próspero e injusto reside hoje junto a uma modernização crescente. Antigo e contemporâneo coabitam um só tempo. A harmonia encontra limites quando um ocupa espaços em que o outro não pode existir. Nascem insatisfações e conflitos.

Engano é pensar que a história se faz apenas nas construções e costumes mais antigos. Ela é escrita em todas as cidades que existem em Ouro Preto e Mariana, nos distritos, nos bairros periféricos, na zona rural. As cidades revelam, assim, as peculiaridades que mostram as várias facetas que coexistem em seus entornos, cada uma feita por vivências, costumes e personagens que lhes são próprios e dignos de memória. Esses lugares de muitos e de outros também me pertencem. Ao chegar aqui, solos desconhecidos, o impacto causado por essas cidades – em muitos aspectos, diferentes daquela na qual vivi a infância – mostrou-se tão sólido quanto as dicotomias existentes nesses lugares. Aqui, a busca por uma forma de pertencimento funciona como recurso de autoafirmação das origens, um modo de ser representado e incluído num meio de valores partilhados e personalidades singulares. Ao passar pela primeira vez por terras Inconfidentes,

JOYCE FONSECA

CRÔNICA

lidade de vozes tão caro às deontologias do jornalismo por vezes serve como recurso à dissimulação das desigualdades que compõem a esfera pública – como se ao “ouvir todos os lados” o repórter estivesse automaticamente atribuindo as suas fontes direitos iguais de expressão. Isto posto, percebo na edição nº 25 do LAMPIÃO, três rotas valiosas de comprometimento com o social: em matérias como “Entre vigilância e descaso”, “Aposentadorias distintas”, “OP tem déficit milionário”, “UBS impedida de abrir”, transparecem os efeitos da apropriação discutível das malhas institucionais em prol de interesses escusos ao bem comum; já no especial “Ocupações: a luta dos secundaristas” e na reportagem “Mães à espera de liberdade”, a tônica é em criar ambiente propício à manifestação de vozes dissonantes aos argumentos repressivos que emergiram quando da eclosão das crises nos sistemas prisional e educacional. Por fim, em textos como “Os remendos de Olympia”, “Sob a proteção da benção”, “Tradição lacaia renovada” e “Abra as portas para a folia”, aflora, por meio da religiosidade e das festas populares em Ouro Preto e Mariana, uma aura de mineiridade tecida pelos relatos daqueles que mantêm vivas

há quase três anos, questionei se algum dia me veria como habitante da região. Perguntava-me de que forma me encaixaria nesse meio, considerando o clima de transitoriedades que permeava o lugar. Do meu ponto de fala e vista – uma forasteira, de fato –, percebia o que existia em Mariana e Ouro Preto como algo além da minha realidade. Hoje, embora tenha consciência que o lugar ocupado por aqueles aqui nascidos seja único, percebo como a acolhida de marianenses e ouro-pretanos integra os estrangeiros ao seu cotidiano e às suas histórias. Forasteiros representam o novo que dá outros sentidos ao velho, os olhos que encaram, pela primeira vez, aquilo que há séculos compõe esses espaços. Residir nessas cidades é ressignificar a todo instante o cotidiano e o irrisório, para que o encanto não se perca no tempo. É estar em contato com a diversidade e ser parte dela. É ser turista e ao mesmo tempo acolher quem vem de fora. É oferecer, mas acima de tudo receber.

Jornal-laboratório produzido pelos alunos do curso de Jornalismo - Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA)/Universidade Federal de Ouro Preto - Reitora: Profa. Dra. Cláudia Aparecida Marliére de Lima - Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Benedito Donadon Leal - Chefe de Departamento: Prof. Dr. André Quiroga Sandi - Presidente do Colegiado de Jornalismo: Profa. Dra. Jan Alyne Barbosa Prado - Editor-chefe: Luiz Loureiro - Editora de Texto: Mariani Barbosa - Editor de Arte: Carlos Paranhos - Editora de Fotografia: Joyce Fonseca - Editora Multimídia: Mariana Morais - Equipe de Reportagem: Daniel Tulher, Gabriel Conbê, Francielle de Souza, Igor Mattos, Jasmine Jacyara, Jéssica Avelar, João Vitor Nunes, Letícia Conde, Mariana Lopes, Mayara Portugual, Nathalya Saiki, Pedro Nigro, Sandro Aurélio, Thiago Henrique - Equipe de Arte: Amanda Santos Francisco, Íris Jesus, Janaina Maria de Almeida, Lorena Lima, Melissa Reis, Wigde Arcangelo - Equipe de Fotografia: Bruno Andrade, Evelin Ramos, Fernanda Covalski, Ingrid Mitsue, Letícia Caldeira, Lillian Indrusiak, Lui Pereira, Thiago Dias - Equipe de Revisão: Glenda Louise, Valéria Gomes - Equipe Multimídia: Carmem Guimarães, Guilherme Oliveira, Mariana Reis, Rafaela Rissoli - Professores Responsáveis: Karina Gomes Barbosa (Reportagem e Multimídia), Rafael Drumond (Reportagem), Flávio Valle (Fotografia) e Talita Aquino (Diagramação) - Monitoria: Caroline Hardt Agradecimentos: Rachel Falcão (Maquete da capa) - Tiragem: 3000 exemplares - Endereço: Rua do Catete, no 166, Centro, Mariana-MG. CEP: 35420-000

as tradições mencionadas nas matérias. Mas se a coesão e a complexidade narrativa são as marcas mais louváveis desta edição (como o editorial muito bem antecipa), há alguns elementos pontuais que destoam desta rede: a matéria sobre “O curioso caso dos caracóis”, disposta em meio a tantos textos de forte teor crítico, soa um tanto anódina ao leitor. Igualmente, o texto “Para não esquecer Fundão” (que se propõem a apresentar o estado do debate público mais de um ano após a tragédia que se sucedeu ao rompimento da barragem do Fundão), é escasso em fontes e menciona somente de passagem a maior parte dos coletivos que se organizaram a posteriori do acontecimento. Por fim, no infográfico que acompanha a reportagem “OP tem déficit milionário”, seria fundamental evidenciar os cálculos de referência utilizados para obtenção dos dados apresentados. *Thales Vilela Lelo é formado em jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e participou das três primeiras edições do Lampião. É doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).


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Arte: Janaina maria de almeida

Política

Os gabinetes custam caro

Gastos dos vereadores de Ouro Preto superam a receita do IPTU; em Mariana, falta transparência às contas do Legislativo

Em tempos de recessão econômica, a classe política não precisa se preocupar com emprego e salário. E ainda custa caro. Um dos motivos do alto custo para os municípios são os gastos dos vereadores com seus gabinetes. Cada vereador tem o direito de escolher os nomes que irão ocupar os cargos durante os mandatos. Em Mariana, são sete assessores divididos em três categorias: um chefe de gabinete, três assessores nível 1 e três assessores nível 2. Em Ouro Preto, esse número sobe para oito, porém são divididos também em três categorias: um assessor político, um assessor de relações institucionais e seis assessores parlamentares de base. Os vereadores ainda têm direito à chamada verba indenizatória, que é de um ressarcimento mensal dos gastos para manter o gabinete funcionando. O valor máximo de ressarcimento dessa verba é de R$ 8 mil para o Legislativo de Ouro Preto e de R$ 9 mil em Mariana. Em Ouro Preto, todos esses valores estão discriminados no portal da Transparência da Câmara e o gasto que mais onera o orçamento municipal proveniente dos gabinetes são as assessorias. Se não bastassem os oito assessores a que têm direito, os vereadores gastaram R$ 119 mil com assessorias pagas pela verba indenizatória. As nomenclaturas usadas são diversas: assessoria jurídica, assessoria parlamentar, prestação de serviços autônomos de assessoria parlamentar e até assessoria parlamentar comunitária e de base para atividades exclusivas do mandato. Somando os oito funcionários às assessorias externas, a Câmara Municipal de Ouro Preto já gastou R$ 418 mil entre janeiro e fevereiro. Nesse ritmo, até o final do ano, serão mais de R$ 2,5 milhões de gastos públicos apenas com assessorias ao trabalho dos parlamentares. O valor é superior ao recolhido pelo município por meio do IPTU, que em 2015 foi de R$ 2,29 milhões, último dado recolhido pela reportagem no portal MeuMunicipio.org. Nos primeiros dois meses de mandato, foram gastos R$ 11,6 mil em anúncios de texto em veículos de comunicação. A justificativa mais comum é a de “veiculação do trabalho parlamentar” e os principais meios utilizados pelos vereadores são o Jornal O Liberal e a Rádio Província. Aluguel de veículos, motoristas particulares e combustível são outros itens comuns nas prestações de contas dos vereadores. O último já custou aos cofres mais de R$ 15 mil. Questionado sobre o alto custo dos gabinetes parlamentares, o presidente da Câmara, Wander Albuquerque (PTB), defendeu a necessidade de estrutura para se trabalhar. “Quanto mais estrutura tivermos, mais independente do Executivo a Câmara vai ficar. Um grande problema, hoje, das câmaras municipais, é essa

dependência do Legislativo com o Executivo justamente por isso, por falta de estrutura.” Após admitir o desconhecimento dos valores superiores à arrecadação do IPTU, Wander defende um aumento na arrecadação do município: “se tivéssemos uma Câmara mais atuante, mais fiscalizadora, esse IPTU, no mínimo, dobra”. Ele completa o raciocínio dizendo que um dos problemas vividos, hoje, na cidade, é do crescimento desordenado, o que dificulta a arrecadação. Por outro lado, Hellen Guimarães, representante da ONG Minha Ouro Preto, mostra outra opinião: “o trabalho do vereador é muito importante pra cidade, não desmereço, mas acho que a máquina pública é muito inchada. A gente acredita que não é necessário ter oito pessoas te assessorando”. E ain-

comportar os gabinetes. O imóvel escolhido pelo legislador passa por inspeção da Comissão de Avaliação dos Imóveis e deve atender o requisito de estrutura, não especificado, e de valor não superior a R$ 1,5 mil por mês. Os valores com assessores, verba indenizatória e aluguel dos imóveis chegam a R$ 4,68 milhões por ano para 15 vereadores. Procurando entender o funcionamento no dia a dia de um gabinete de vereador, o LAMPIÃO conversou com o ex-vereador Pedro do Eldorado (PR). Perguntado sobre o processo de seleção para sua equipe, foi categórico: “Não existe processo de seleção. É uma indicação pessoal de cada vereador”. Pedro contou que fazia parte da Câmara na época em que o número de assessores mudou de cinco para sete. “Achava que era muito funcionário para um gabi-

tos distritos e muitas comunidades, então lá na Câmara a gente percebe que tem muitas demandas que não chegavam e que, hoje, chegam por conta dessa estrutura maior”. Porém Cristiano propôs uma reavaliação do custo devido ao momento atual. “Pode-se discutir também uma economia, pelo momento que o município passa. Talvez seria uma forma de iniciar essa discussão. Antigamente não tinha muito problema porque a cidade tinha muitos recursos.” Segundo o ranking criado pelo Ministério Público Federal (MPF), a situação é inversa à encontrada nas Câmaras Municipais. Avaliados em 2015, os municípios tiveram notas bastante distintas: Mariana teve nota sete, enquanto Ouro Preto teve nota 1,9 em transparência. A máxima nota é dez. Ambos municípios não aderiram ao Progra-

Fiscalização O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG) é o órgão responsável pela fiscalização dos gastos feitos pelas Casas legislativas de Ouro Preto e Mariana. A partir do exercício do ano de 2012, as prestações de contas não são mais autuadas como processo e são diretamente inseridas no Sistema Informatizado de Contas dos Municípios (Sicom), que abrange a remessa ao Tribunal de Contas das informações necessárias à fiscalização financeira, orçamentária, contábil, operacional e patrimonial, da gestão fiscal, da folha de pagamento e da prestação de contas anual dos municípios mineiros. O Sicom é um sistema fechado e de controle interno do TCE/MG, logo as informações das contas públicas ficam reservadas ao tribunal. Em 2013, o TCE/MG lançou a plataforma Sicom Consulta com o intuito de que as contas tivessem amplo acesso do público, porém o serviço não está funcionando. Os últimos pareceres disponíveis dos municípios de Ouro Preto e Mariana são do exercício de 2015 e englobam os poderes Executivo, Legislativo, as autarquias (no caso de Mariana, o Saae, e em Ouro Preto o Semae) e, em Mariana, o fundo previdenciário dos servidores municipais. As contas foram aprovadas. O tribunal tem o prazo de 360 dias, contados do recebimento, para emitir o parecer, de acordo com o art. 180 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Desde 2012, somente caso haja reprovação das contas é aberto um processo no TCE/MG e as prestações se tornam públicas.

THIAGO DIAS

Pedro Nigro

Apertado. Pequenos escritórios cedidos a parlamentares não são adequados à quantidade de assessores contratados

da questiona: “A função do vereador é fiscalizar o Executivo, mas quem fiscaliza o vereador?”. Segundo a Constituição, o controle externo dos legislativos municipais é exercido pelos tribunais de contas estaduais ou das cidades, se houver. Durante campanha de conscientização realizada em março nas redes sociais, a Minha Ouro Preto apresentou todos os assessores dos vereadores com posts no facebook para que a população fique atenta ao trabalho deles. Em Mariana, o problema parece ser um pouco maior. Apesar do número inferior de assessores, o custo por vereador é 50% superior. O que explica esse número, além de maior verba indenizatória disponível e melhores salários para os assessores, são outros benefícios que os vereadores da cidade vizinha não têm, como um carro à disposição e o aluguel de um imóvel como gabinete, todos bancados pela Câmara. Como a casa legislativa situa-se num prédio histórico, não existe estrutura para

nete só, ainda mais um vereador na cidade de Mariana.” Pedro teve sete assessores durante o mandato. Ele explicou que usava o gabinete para receber a população, principalmente dos distritos que, pela extensão do município, muitas vezes enfrentava viagens cansativas. Outra escolha foi nomear o motorista Antônio Silva como chefe de gabinete. A função dele era “levar cidadãos para fazer exames em Belo Horizonte”. Outro vereador procurado foi Cristiano Vilas Boas (PT). Perguntado como escolheu as pessoas do seu gabinete, disse que, por ser o mais jovem da Câmara, escolheu Reinaldo Morais (PT) como chefe de gabinete, por ter um “histórico de políticas públicas que veio somar com essa experiência”. Ele diz que procurou perfis “mais técnicos” para compor sua equipe. Indagado se o alto custo do Legislativo era o investimento que retornava à população, Cristiano afirmou: “Mariana é uma cidade muito grande, com mui-

ma de Apoio a Transparência dos Municípios Mineiros – Programa Minas Aberta – instituído pelo Governo do Estado de Minas Gerais, por meio do decreto nº 46.243, de 15 de maio de 2013, sob a responsabilidade da Controladoria-Geral do Estado (CGE). Sobre o Portal da Transparência da Câmara de Mariana, Cristiano disse que cabe à Mesa Diretora e à Presidência da Câmara a inserção da descrição da verba indenizatória dos vereadores. O presidente da Câmara de Mariana, Fernando Sampaio (PRB), foi procurado pela reportagem para uma entrevista e para nos dar acesso aos dados da verba indenizatória. O pedido não foi atendido até o fechamento da edição. O LAMPIÃO lembra ao cidadão que a lei federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, sobre a cultura da transparência, requer dos seus órgãos, no art. 6, item 1, a “gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação”.

Quanto mais estrutura tivermos, mais independente do Executivo a Câmara vai ficar. Um grande problema, hoje, das câmaras municipais, é essa dependência do Legislativo com o Executivo justamente por isso, por falta de estrutura.” Wander Albuquerque


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Arte: Lorena lima

cidade

Prainha: crimes e descaso

Recentes mortes de adolescentes ocorridas no bairro Santo Antônio evidenciam abandono da comunidade por parte do poder público Daniel Tulher

A população do Bairro Santo Antônio, mais conhecido como Prainha, anda preocupada. O bairro vem sofrendo com recentes atos de violência. Só nos três primeiros meses deste ano foram registrados dois homicídios na região. A primeira morte ocorreu no dia 20 de fevereiro, quando um adolescente de 16 anos foi assassinado. A Polícia Militar apreendeu um menor de 17 e outros dois rapazes de 21, suspeitos de cometerem o crime. A vítima tinha antecedente criminal por

roubo. No dia 27 de fevereiro, outro adolescente foi assassinado. A vítima, de 14 anos, foi baleada e não resistiu. A morte teria ocorrido devido a um acerto de contas. No local do crime foram encontradas cápsulas de armas calibre .38 e .22. Segundo fontes do LAMPIÃO, as duas mortes teriam relação com o tráfico de drogas. Pouco a pouco os moradores do bairro, localizado a menos de dez minutos a pé do centro de Mariana, vão voltando às suas rotinas. Clima um pouco diferente dos dias que sucederam os crimes

cometidos no local, quando a população temia a iminência de novas manifestações de violência. Ao cair da noite, as ruas planas ficavam quase desertas e os comerciantes fechavam as portas mais cedo. Agora, um mês após o último crime, as mães e pais do Santo Antônio já deixam suas crianças brincarem nas ruas e o comércio fecha as portas às 19h, como de costume. Entretanto, o clima de calmaria não inspira confiança. Moradores reclamam da falta de policiamento na região. O tenente Daniel Pinto, do 52º Batalhão de Polícia Militar joyce fonseca

Omissão. Região sofre com situação de desleixo do Estado e enfrenta problemas sociais

(BPM), defende a importância de novas medidas para a segurança do Santo Antônio: “Nós temos a necessidade de criar um policiamento específico ali, para devolver o controle ao Estado, pois vemos que a criminalidade influencia muito no dia a dia da comunidade”, defende. Esse policiamento específico, como define o tenente, seria uma divisão fixa no bairro, operando 24 horas por dia. Isso já acontece no Cabanas e bairros adjacentes que contam com a presença da Patrulha de Operações da PM. “Na Prainha identificamos novamente uma rixa entre gangues rivais, então temos direcionado essa patrulha para atuar ali”, esclarece. Sobre a impossibilidade de ter o patrulhamento na Prainha, o tenente explica: “Se tivéssemos o efetivo, uma prioridade seria colocar uma viatura lá, mas com o que nós temos, se fizermos isso perderemos uma [viatura] em outro ponto da cidade”. O Bairro Santo Antônio está situado no setor Norte, de acordo com a divisão das áreas de patrulhamento do 52º BPM, responsável pelo policiamento em Mariana. O efetivo policial que faz a segurança dessa área ainda é responsável pelos bairros São Gonçalo e Rosário, que também apresentam índices consideráveis de criminalidade. Esse grupamento fica no Cabanas e foi deslocado em virtude dos crimes recentes.

A Guarda Municipal (GM) de Mariana atualmente não oferece o serviço de patrulhamento do bairro, com exceção do grupamento de ronda escolar, que atende quando há alguma ocorrência na Escola Municipal Wilson Pimenta Ferreira. Em entrevista ao LAMPIÃO, o subcomandante Braz, da GM, explica a situação: “Em relação ao Bairro Santo Antônio, são crimes que a GM não tem condição de atender. São homicídios, lesões corporais muito graves, problemas de acerto de contas entre o tráfico de drogas”, esclarece. O subcomandante atribui a ausência do patrulhamento à falta do porte de arma da GM, o que segundo ele, dificultaria o atendimento aos crimes dessa magnitude. Braz também esclarece que quando há chamados para atender crimes mais sérios, eles são encaminhados à Polícia Militar. O secretário de Defesa Social de Mariana, Braz Azevedo, reconhece ao LAMPIÃO a insuficiência do Estado no Santo Antônio: “O que vejo é que a presença do Estado deve ser mais adequada”. O secretário atribui o problema ao número de policiais que, segundo ele, não atende as demandas da região: “O que falta é o efetivo. Precisamos aumentá-lo, o que é uma dificuldade muito grande”. Segundo ele, o

problema não é exclusivo da cidade de Mariana. Além da segurança O Santo Antônio, primeiro bairro de Mariana, parece um lugar abandonado pelas autoridades. E é assim que se sente uma moradora, que prefere não se identificar, sobre o amparo que a Prefeitura dá, ou pelo menos deveria: “Está faltando um olhar por parte do poder público para a Prainha”, diz. Em janeiro de 2016, a Prefeitura de Mariana lançou o projeto “Mãos Solidárias” que realizou pequenas reformas de casas, emissão de documentos, assistência médica e jurídica. Inicialmente, a proposta do projeto era atender outros bairros periféricos e distritos, mas até o fechamento da edição a iniciativa encontrava-se parada. Mesmo com as poucas ações realizadas pelo poder público, ao andar pelas ruas do bairro é possível observar claros problemas de saneamento básico e moradia. Os habitantes também se queixam do fraco atendimento da unidade de saúde do bairro e também da falta de recursos no esporte e lazer. Segundo Braz Azevedo, “um dos planejamentos é implantar um projeto de esporte, para os meninos que estudam de manhã praticarem atividades físicas à tarde”, diz. Entretanto, o projeto ainda não tem data de início marcada.

Política de desgovernos João Vitor Nunes

Em seus 320 anos de existência, Mariana coleciona uma série de lendas. Uma delas é a história da maldição do Padre Simim. Contam que o Padre Francisco Dias Simim, de Acaiaca, então distrito da cidade, foi preso injustamente. Enquanto estava detido, teve visões do futuro nas quais seus perseguidores amargariam derrotas políticas sucessivas. Não se sabe se o episódio é verídico, mas o certo é que Mariana convive com trocas consecutivas de poder. A primaz de Minas tem um histórico de instabilidade no executivo municipal: cinco prefeitos nos últimos sete anos, com sete trocas de mandato. E o índice pode aumentar: no fim de fevereiro, os mandatos do prefeito Duarte Júnior, o Du (PPS), e do vice Newton Godoy (SD), foram cassados pelo Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG). Du assumiu a Prefeitura em junho de 2015, após a queda de Celso Cota. Um ano e meio depois, foi reeleito. Correm dois processos contra Duarte Júnior, um por improbidade administrativa, que tramita no

MP-MG, e outro por fraude eleitoral, que corre no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). No primeiro, é réu juntamente com a esposa e ex-secretária de Desenvolvimento Social e Cidadania, Regiane Maria de Oliveira Gonçalves, e o ex-secretário adjunto, João Paulo Batista Paranhos. De acordo com a denúncia, verbas públicas teriam sido desviadas para a compra de materiais de construção, como telhas, cimento, caixas d’água e tijolos. Suspeita-se que as doações tenham favorecido pessoas que não estavam habilitadas a receber o benefício pela Prefeitura. Além disso, consta na acusação que Regiane e João Paulo falsificaram documentos públicos ao determinarem o cadastramento dos beneficiários em datas anteriores aos mandados de busca e apreensão dos materiais doados, emitidos pelo MP em agosto de 2016. As acusações implicaram na abertura de um processo por fraude eleitoral no TRE, no qual o prefeito responde por captação ilícita de sufrágio, isso é, compra de votos. De acordo com o promotor do

município, Guilherme Meneghin, a doação de materiais de construção foi utilizada como forma de atrair eleitores para a campanha de Duarte Júnior e Newton Godoy. Para o advogado e membro da Associação Marianense de Letras Frederico Ozanan, 76 anos, a instabilidade política da cidade gera inúmeros prejuízos, principalmente por obras inacabadas e a incerteza de saber se vão ficar prontas, como a UPA e o Centro Administrativo. “Direta ou indiretamente, essa instabilidade atrapalhou Mariana”, afirma. Mariana teve 22 prefeitos. Desses, sete foram cassados. De acordo com livros de atas da Câmara de Mariana, em 1972, Hélio Petrus Viana (MDB) perdeu o mandato acusado de se apropriar indevidamente de bens públicos ao, supostamente, inverter ou antecipar ordens de pagamentos a credores do município. Cinco anos depois, a Justiça reconheceu a inocência do ex-prefeito. Em novembro de 1999, Cássio Brigolini Neme (PSDB) teve o mandato cassado por pagamento de dívidas particulares com dinheiro público e fraudes no processo licita-

tório para reformas de escolas municipais. O prefeito foi acusado, ainda, pelo porte de arma durante uma manifestação pública. Roque Camêllo (PSDB) foi acusado de compra de votos e cassado em 2009, mesmo ano em que assumiu a Prefeitura. Porém, só perdeu o mandato em 2010, após irregularidades na entrada do recurso contra a decisão do TRE. Na campanha de 2008, Roque e Celso Cota, prefeito à época, teriam se reunido com professores contratados pela Prefeitura e prometido a renovação dos contratos em caso de vitória. Com a cassação, Terezinha Ramos (PTB), segunda colocada nas eleições, assumiu a Prefeitura. Terezinha foi empossada em março de 2010 e ficou no cargo por dois meses. Em maio, foi afastada por irregularidades na prestação de contas da campanha eleitoral. O vice, Roberto Rodrigues (PTB), assumiu. Em setembro, Terezinha voltou a ser prefeita após a Justiça derrubar a liminar que a afastava. Cinco meses depois, foi acusada de ter gasto R$ 98 mil em recursos do município com

os advogados que a defenderam no processo eleitoral. Em fevereiro de 2012, Terezinha Ramos foi cassada e Roberto Rodrigues retornou ao cargo. Apesar de ter concluído o mandato, foi condenado por abuso de poder político e por crime eleitoral, ficando inelegível por oito anos. Eleito como chefe do executivo municipal em 2000, 2004 e em 2012, Celso Cota tem um histórico que não começa no cargo de prefeito. O político foi acusado, em 1998, de compra de votos em Monsenhor Horta. Celso teria procurado o produtor rural Antônio Braga e oferecido um Fusca em troca de votos para Irani Barbosa (PMDB), que buscava reeleição como deputado estadual. Celso foi condenado em 2008 por improbidade administrativa no primeiro mandato. Foi declarado inelegível por sete anos. Porém, em 2010 conseguiu uma ação rescisória suspendendo a condenação, o que possibilitou a candidatura e a vitória nas eleições de 2012. Em junho de 2015, o TJ decidiu manter a cassação de Celso Cota, que deixou o cargo para Duarte Júnior assumir. lUI PEREIRA


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Arte: LORENA LIMA

distrito

Promessas não cumpridas A Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Fumaça foi construída no fim da década de 1990 e entrou em operação no início dos anos 2000. A usina explora o potencial hidráulico do Rio Gualaxo, entre os municípios de Mariana e Diogo de Vasconcelos. Porém, a promessa feita pela empresa antes do início de operação da usina, de gerar de empregos e de melhorias para a população, não se confirmou até hoje. A hidrelétrica, na prática, só trouxe danos à comunidade de Miguel Rodrigues. Os moradores foram prejudicados de diversas formas: propriedades foram inundadas para a construção da barragem da usina, deixando aproximadamente 300 trabalhadores rurais sem fonte de renda; a escola municipal da região foi demolida e hoje as crianças andam 6km até a escola mais próxima; o esgoto ainda não tem tratamento; dirigir pelas estradas da comunidade é arriscado, já que os caminhos não contam com nenhum tipo de sinalização ou equipamento de segurança. A autorização para exploração da PCH foi concedida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) à empresa Alcan Alumínio do Brasil Ltda, que foi sucedida pela Novellis do Brasil, subsidiária da multinacional Novellis Corporation, maior produtora de alumínio do mundo. Marta Caetana, 41 anos, uma das fundadoras do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Miguel Rodrigues, conta que, à época, a única medida tomada pela empresa foi oferecer uma indenização de R$ 6 mil aos meeiros (trabalhadores rurais que exploram terras de

terceiros) ou uma moradia em um reassentamento. Batizado de “Baiano”, o reassentamento fica a 4km da usina. No início, 16 famílias moravam lá; hoje, são apenas quatro. Claudiano da Silva, membro do Movimento, afirma que “muitos trabalhadores rurais acreditaram na promessa da empresa de geração de empregos e progresso na região, mas a usina, na prática, só dividiu o povo de Miguel Rodrigues”. Claudiano declara também que os empregos gerados ficaram com pessoas que vieram de outros estados, o que gerou um crescimento desorganizado. “Muitos trabalhadores rurais acreditaram na promessa da empresa de geração de empregos e progresso na região, mas a usina, na prática, só dividiu o povo de Miguel Rodrigues.” Claudiano da Silva

Em 2015 a Alcan vendeu a PCH Fumaça para a Companhia de Energias Integrada (CEI), que também possui outras 15 hidrelétricas no estado de Minas Gerais. De todas, a Fumaça é a que gera mais energia, cerca de 10 megawatts (MWe) por dia. Em comparação, a PCH Furquim, em Mariana, a segunda maior geradora de energia, tem uma potência diária de 6 MWe. Para a usina entrar em funcionamento, há 17 anos, foram impostas várias condicionantes socioambientais, muitas das quais não foram cumpridas. Morte A ausência de defensas metáli-

Mariana reis

Sandro Aurélio

BRUNO ANDRADE

Construção da Hidrelétrica Fumaça, no rio Gualaxo, desaloja comunidade e deixa rastro de descumprimentos socioambientais

Barragem. Claudiano José da Silva, um dos fundadores do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

cas na estrada que leva ao reassentamento poderia ter evitado o acidente que vitimou o irmão de Marta, Joaquim Constantino. Ele perdeu o controle do carro, caiu no rio e afogou-se por estar preso ao cinto de segurança. A empresa, porém, responsabiliza a prefeitura de Diogo de Vasconcelos pela falta de infraestrutura nas estradas. O antigo distrito foi praticamente todo alagado. O cemitério de Miguel Rodrigues também sofreu com as consequências e uma parte dele está inundada. Havia duas sepulturas na parte do cemitério que ficou submersa. Os dois túmulos estão embaixo d’água até hoje. Claudiano conta que membros do MAB, incluindo ele, já sofreram ameaças de morte. “O movimento incomoda gente poderosa e as retaliações são comuns.” Em 2011, o Ministério Público Federal do estado (MPF/MG) ten-

tou anular a Licença de Operação da PHC Fumaça. À época, o MPF pediu para que a licença fosse suspensa até que que fosse verificado o cumprimento das condicionantes impostas no documento original. O Ministério Público alegou que as comunidades atingidas pela construção da hidrelétrica estavam em situação de total desamparo, já que, até então, a empresa não teria feito qualquer reparação dos direitos violados pelo empreendimento. O MPF também encaminhou a recomendação de suspensão da Licença de Operação, até que as obrigações decorrentes da concessão da exploração do potencial hidráulico pela empresa fossem cumpridas. Entretanto, a produção da hidrelétrica não parou por um dia sequer. Como a concessão da Fumaça foi vendida para a CEI, a administradora atual também herdou esse processo. Em contato telefônico, a asses-

soria de comunicação da CEI informou que a competência para os reparos nas estradas e a construção de uma nova escola no distrito são de total responsabilidade da prefeitura. Em relação aos processos do Ministério Público de 2011, a Companhia preferiu não comentar nada. A Prefeitura de Diogo de Vasconcelos não retornou as tentativas de contato telefônico do LAMPIÃO e nem respondeu aos e-mails que questionavam sua responsabilidade. O que é uma PCH? De acordo com a Aneel, Pequena Central Hidrelétrica é toda usina de pequeno porte cuja capacidade instalada seja superior a 3 MWe e inferior a 30 MWe. As PCHs são instalações que não geram tantos impactos ambientais quanto as outras opções de geração de energia, que são usinas hidrelétricas, nucleares e termelétricas.

Nathalya Saiki

Em pleno período de volta às aulas, cinco linhas de ônibus que ligam o distrito de Passagem ao centro de Mariana foram retiradas do itinerário da Transcotta, empresa responsável pelo transporte público na cidade. A suspensão repercutiu entre moradores do distrito, que se queixam da má prestação de serviços pela empresa. A Transcotta nega que a quantidade de reclamações seja alta. Os representantes da Transcotta, Renato Cotta, Carlos Mendes e Welton Pena, alegaram que a suspensão ocorreu em função da baixa demanda de passageiros nos horários retirados, classificados pela empresa como “reforço”. A informação, contudo, não procede: de acordo com o decreto nº 7.968, de 22 de setembro de 2015, os horários cancelados eram regulares. Após reunião organizada pela Associação Passagense, a empresa foi notificada pela Secretaria Municipal de Administração e Desenvolvimento, e os serviços foram restabelecidos logo após o carnaval. Para a presidente da associação, Patrícia Baeta, a atuação da Transcotta na cidade é orientada apenas por fins lucrativos. Ela questiona o argumento do pouco uso do ser-

viço nos horários retirados, como no caso dos ônibus de 6h20 e 17h20: “É ridículo, baixa demanda em horário de estudante ir para a escola e de trabalhador voltar para casa?”. Em declaração ao LAMPIÃO, a Transcotta justificou que, quando a prefeitura fez o decreto, os horários de “reforço” foram incluídos como regulares. Segundo o coordenador de transporte da empresa, Welton Pena, a Transcotta errou ao não questionar o decreto à época da publicação. A suspensão das linhas não é a única reclamação dos moradores do distrito. O professor Rozembergue Teixeira, também membro da Associação Passagense e usuário do transporte público, relata que os serviços prestados pela Transcotta são precários: “já chegou a chover dentro do ônibus”. Só neste ano, o professor relatou ter estado em três veículos que quebraram no meio do percurso. Geralda Pereira, 59 anos, conhecida como Dona Naná, ressalta a negligência dos condutores com os passageiros: “Falta humanidade neles”. Em 2003, teve a coluna lesionada e implantou uma prótese após sofrer uma queda enquanto descia de um veículo da Transcotta. Segundo Naná, o motorista fechou a porta do coletivo sem que ela ti-

vesse desembarcado de modo adequado. Um ano após a primeira cirurgia, Naná caiu novamente, desta vez em razão de uma freada brusca em outro ônibus da empresa. O acidente partiu sua prótese e ela foi submetida a nova cirurgia. Por duas vezes, ela acionou a Justiça, mas não conseguiu nenhuma indenização por parte da Transcotta. A enfermeira da Santa Casa da Misericórdia em Ouro Preto e moradora de Passagem, Jaqueline Sena, usa o transporte público e aponta como problema a superlotação decorrente da escassez de linhas no trajeto. “A gente tem que ir em pé e espremido.”, afirma. Fiscalização Sobre as queixas da população referentes à fiscalização, o inspetor chefe do Departamento Municipal de Trânsito (Demutran), Eliabe de Freitas, explica que a falta de atualização da lei nº 1.685, que regulamenta o transporte público na cidade, prejudica o trabalho do órgão. De acordo com a lei, a regularização do transporte público em Mariana cabe ao Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (Comtrat), que não possui função fiscalizadora. A lei também não confere competências ao Demutran, criado depois da le-

gislação. Legalmente, a fiscalização cabe à Prefeitura com o apoio do Comtrat. Eliabe afirma que o departamento, como órgão fiscalizador de trânsito, inspeciona o transporte público, porém sem respaldo legislativo. Segundo ele, o departamento já solicitou uma reformulação da lei à Câmara municipal de Mariana. A princípio, o Comtrat tinha função consultiva, mas, segundo o secretário de Defesa Social, Braz Azevedo, hoje ele também possui atuação deliberativa. Nos últimos cinco meses, o conselho esteve inativo, sem agenda de reuniões. Braz argumenta que o conselho passava por mudanças de gestão. Segundo o secretário, a atualização da lei do transporte público e as mudanças no Comtrat favorecem o serviço de fiscalização. Para o secretário, a fiscalização deveria ser mais efetiva , inclusive por parte da comunidade, que deve levar as reivindicações de forma mais concreta, ajudando a ação dos órgãos fiscalizadores. Em licitação efetuada em agosto de 2016, a Transcotta foi declarada vencedora. Contudo, o processo foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado após recurso da Transportadora Abreu e Souza, alegando favorecimento da Transcotta no edital.

Ingrid Mitsue

Ineficiências no transporte

Insatisfação. Passageiros enfrentam ônibus superlotados

Segundo Braz, a prefeitura aguarda a decisão do recurso para homologar a licitação. Apesar da atuação irregular, os serviços da Transcotta não podem ser suspensos antes da decisão: “você não pode tirar uma empresa que está prestando serviço e deixar a população sem transporte”, justifica o secretário. Alternativa No início do ano, os vereadores Cristiano Vilas Boas (PT) e Juliano Duarte (PPS) fizeram o pedido da implementação do táxi lotação em

Mariana. Cristiano propõe a regularização do transporte como alternativa à população. Segundo o vereador, o serviço justifica-se pelo descomprometimento da Transcotta. Ele defende ainda que o táxi lotação funcione como reforço às linhas de ônibus com maior demanda. A implementação do táxi lotação ainda está em fase de estudo. Segundo Vilas Boas, está pré-agendada uma audiência pública com a população no próximo dia 18 de abril, no Centro de Convenções de Mariana.


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Arte: Wigde Arcangelo

mariana

a geografia do caos no passado e presente

Texto: Igor Mattos e Mayara Portugal Foto: Fernanda Covalski


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Arte: Wigde Arcangelo

A A

ndar pelo Centro Histórico de Mariana é uma viagem entre tempos. As janelas coloniais, marcas de um passado ainda vivo, espelham a dualidade entre ontem e hoje no reflexo de vidraças, muitas vezes, quebradas. A atmosfera criada a partir da arquitetura barroca ganha nova versão com carros driblando as ruas estreitas e turistas tirando selfies com smartphones nos principais pontos turísticos. Mas as casas das ruas ladrilhadas, herança de um passado histórico marcado por disputas e exploração, pouco nos fazem lembrar às construções improvisadas que encontramos em regiões afastadas da cidade. Basta visitar as ocupações Novo Horizonte, no Bairro Morada do Sol, e Santa Clara, no Cabanas. Sem rede de esgoto, luz elétrica, abastecimento de água e asfaltamento adequados, as casas construídas com poucos recursos evidenciam a luta das mais de 1,3 mil famílias que moram nessas regiões. A nova Mariana é coadjuvante da histórica Mariana. Nas ocupações, as linhas de ônibus não passam, as compras do mercado não são entregues e as cartas não chegam. A partir desses diferentes lugares, buscamos discutir a relação de pertencimento que os moradores de Mariana têm com a cidade, diante de um passado pouco preservado e de um futuro mal planejado. OCUPAÇÕES Há 14 anos, a ocupação Santa Clara, localizada no Bairro Cabanas, foi iniciada. Sandro William Flores, 41, líder da Associação de Moradores do Santa Clara, foi o segundo morador a ocupar o terreno. Na época, desempregado e sem condições de pagar aluguel, soube da ocupação por um amigo que havia construído um barraco na região, e viu a oportunidade de conquistar a casa própria. Segundo Sandro, no início, algumas casas foram derrubadas em ações de desocupação promovidas pela Prefeitura. Após essas ações, os moradores se mobilizaram e começaram a se unir em frente à casa escolhida pela polícia para ser demolida, impedindo a passagem das máquinas. Além disso, os vizinhos buscaram outra alternativa para impedir a ação: construíam as casas o mais rápido possível para diminuir a chance de perdê-las. A união entre os moradores é o pilar que sustenta a história da construção do bairro. “Como nós éramos os primeiros, todo mundo que vinha pedia pra deixar material de construção na nossa casa, e assim nós fomos conhecendo as pessoas e construindo aqui”, relembra. Atualmente, a região conta com cerca de 3 mil moradores, instalados em casas no terreno que conquistou o título de bairro, mas que ainda não é regularizado pela Prefeitura. Serviços básicos como rede de esgoto, instalação de luz elétrica, água encanada, asfaltamento e coleta de lixo estão chegando aos poucos na região. Segundo Sandro, as ações de asfaltamento do bairro começaram no final do mandato do ex-prefeito Celso Cota, e a previsão é que as obras sejam finalizadas no mês de abril. As redes de esgoto e água encanada começaram a ser implantadas no final de 2016 e início de 2017, respectivamente. Já a coleta de lixo começou no final de fevereiro. Do outro lado da cidade, no Bairro Morada do Sol, a ocupação Novo Horizonte, iniciada há cinco anos, tem história semelhante. Embora seja mais recente, a ocupação abriga número significativo de famílias, a maioria de baixa renda, sem condições de pagar aluguel e com o sonho de conquistar a casa própria. Diferente do Santa Clara, a região que abriga o Novo Horizonte é de difícil acesso, ruas irregulares de pedras e terra batida dão passagem para casas humildes construídas com poucos recursos. A moradora Ingrid Dias, 19, relata as dificuldades de transitar pelo bairro. “Como a rua é toda de barro, em dias de chuva a gente tem que apoiar

Imprevisto. Chuva atrapalha a construção de rede de esgoto pelos moradores

reconhecidos e ter cada um o seu canto, a sua casa”, relata Sandro. Os apartamentos têm dois quartos, sala, cozinha, banheiro e uma área de serviço. No entanto, as obras ainda não foram entregues e estão abandonadas. A Prefeitura justifica que os prédios estão abandonados porque ainda não foram entregues, já que não houve a desapropriação da área. Questionada sobre o processo de construção ter permanecido mesmo sem a desapropriação concluída, a secretaria informou que as obras continuaram pois os processos de construção e de desapropriação andavam simultaneamente na Justiça. “O processo da construção continuou, mas o de desapropriação foi interrompido, e logo em seguida as obras também foram abandonadas pelas empreiteiras contratadas por falta de pagamento da Prefeitura”, admite D’Angelo. Enquanto não são realizadas ações efetivas para regularizar essas regiões, a população vive com a constante sensação de medo, insegurança e exclusão. “A gente sabe que faz parte da cidade, mas mesmo assim se sente excluído. Muita gente fala mal daqui sem conhecer e, depois que conhece, muda de ideia. Falta união”, desabafa Sandro.

PATRIMÔNIO com as mãos no barranco pra conseguir subir pra Enquanto relega ao abandono os précasa”, conta. Segundo Lúcia*, moradora da ocu- dios que nem foram concluídos, a Prefeipação, a polícia já passou na região para alertar os tura tenta restaurar o patrimônio que tammoradores que o lugar é irregular. “Os policiais bém se deteriora. Em janeiro de 2016, o chegaram dizendo que aqui ninguém é dono não, atual Prefeito de Mariana, Duarte Júnior, que a gente tá correndo risco”, conta. Além da assinou uma ordem de serviço que autorisensação de medo constante, os moradores do zava a restauração da Igreja Nossa Senhora Novo Horizonte sofrem com a falta de serviços do Rosário dos Pretos. A medida simbolibásicos e o preconceito de pessoas que não co- zou o pontapé inicial das obras do Progranhecem a região. Vizinhos de Lúcia já ouviram ma de Aceleração do Crescimento (PAC), comentários desagradáveis de pessoas da cidade iniciativa do Governo Federal desenvolvida tachando os moradores da ocupação como vaga- pelo Ministério da Cultura em parceria com bundos. “Aqui nós não somos vagabundos, não. o Instituto do Patrimônio Histórico e ArTodo mundo trabalha”, acrescenta. tístico Nacional (Iphan). Mariana foi a ciAs ruas das ocupações, batizadas com no- dade que obteve o maior repasse em Minas mes de pedras preciosas como Rubi, Diamante Gerais, cerca de R$ 67, 2 milhões. O dinheie Esmeralda no Novo Horizonte, e União, Es- ro foi destinado a 15 ações de restauração perança, e Conquista no Santa Clara, são as mar- integral de monumentos, casarões, museus cas de pessoas que estão em luta pela moradia e igrejas aprovadas pelo Programa. e pelo reconhecimento na cidade, que validam Atualmente, existem duas obras em ansua identidade pela ação coletiva em busca de damento, a restauração da Igreja do Rosário assegurar melhores condições de vida. e da Catedral da Sé, ambas estruturas importantes na construção da identidade dos moPERTENCIMENTO radores e da história de Mariana. O atraso na Segundo informações da Secretaria de conclusão das obras chamou atenção na coObras e Planejamento Urbano de Mariana, as munidade, pois alterou o dia a dia dos fiéis e terras onde estão situadas as ocupações perten- impactou as paisagens da cidade. Segundo a cem à empresa Companhia Mina da Passagem coordenadora da Comunidade Nossa Senho(CMP). Em entrevista ao LAMPIÃO, o subse- ra do Rosário, Maria Raquel Cardoso, algucretário da pasta, Raphael D’Angelo, revelou mas atividades pastorais que aconteciam na que o processo de desapropriação das terras igreja, hoje, são realizadas na casa de amigos. está em andamento na Justiça. “Já foram de- De acordo com ela, o espaço só é aberto aos finidos perímetros para regularização dessas domingos para celebração de missas. terras, mas ainda não foi feito o decreto de deEm entrevista ao LAMPIÃO, o Iphan sapropriação. A Prefeitura ainda não fez o pa- informou detalhes que justificam o atragamento para o proprietário dos terrenos por so das reformas. De acordo com o instituto, motivos financeiros”, argumenta. Embora as áreas ainda não estejam desapropriadas, no Santa Clara e no Alto do Rosário – área também ocupada, próxima ao bairro Novo Horizonte –, há prédios de habitação social construídos pela gestão municipal anterior. A área onde foram erguidas as habitações foi desocupada para construção dos prédios. As famílias que moravam na região passaram a receber o benefício do aluguel social até que as moradias fossem entregues. Segundo informações do site do Ministério Público, o aluguel social é um recurso assistencial mensal destinado a atender, em caráter emergencial, famílias que não têm casa própria. As famílias desalojadas recebem a quantia equivalente ao aluguel de uma casa popular por prazo determinado. As vagas nos apartamentos são destinadas apenas às famílias cadastradas pela Prefeitura, cerca de 1.117, que serão escolhidas por sorteio. Mas a demanda ultrapassa o número de apartamentos construídos, apenas 74. Os moradores que não foram contemplados continuam inseguros em relação ao futuro de suas casas. “Nós não queremos morar de graça, só queremos ser

como são obras realizadas em etapas, os atrasos já eram esperados. A demora da Prefeitura para responder às licitações é o principal fator dos atrasos. Na Igreja do Rosário, a reforma estrutural já foi concluída, o próximo passo é concluir a concepção artística. A expectativa é que a obra seja entregue até o final do primeiro semestre deste ano. O VELHO E O NOVO A escritora e pesquisadora Hebe Rôla, 85, mora em Mariana desde criança. Ela conta que, ao longo de sua vida, viu a cidade se transformar. “Nem todos compreendem a importância das ruas por onde caminham. Essa é uma grande falha na relação de indivíduo e sociedade”, reflete. De acordo com a pesquisadora, uma maneira interessante para preservar a identidade da cidade é investir na educação patrimonial, recurso essencial não apenas como política pública atuante, mas para tornar a população marianense ciente de sua própria história e tradição. A união entre governo e população proporciona um caminho viável à preservação do patrimônio material e imaterial. O Projeto Casas do Patrimônio, idealizado pelo Iphan, busca formas de implementar ações de educação patrimonial com atividades institucionais, mas, segundo Flora Passos, arquiteta do Escritório do órgão em Mariana, a iniciativa não contempla a cidade pois o Iphan não possui o número necessário de funcionários da área técnica para trabalhar no município. De acordo com o subsecretário de Obras e Planejamento Urbano, Raphael D’Angelo, não é possível discutir Patrimônio Histórico como uma coisa só, pois o crescimento da cidade demanda processos de adaptação às novas realidades. A estratégia, segundo ele, é fazer com que o município cresça diante dessa pluralidade. No Centro Histórico da cidade, o Museu Casa Alphonsus de Guimaraens recebe escolas para visitas educativas. Numa dessas excursões, ao se deparar com uma pintura antiga de Mariana, a professora da turma perguntou aos alunos quais mudanças eles viam na representação da cidade. Sem pensar duas vezes, uma aluna respondeu: as ocupações não estão no quadro. O detalhe, que passaria despercebido por turistas, é certeiro aos olhos da estudante, que não se enxerga na Mariana protegida como patrimônio. Essa é a busca de quem vive à margem: reconhecimento. *Nome fictício a pedido da fonte.

Atraso. Reforma da Catedral da Sé dura mais do que deveria e não tem data para conclusão


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Arte: melissa reis

patrimônio

Mortos contam histórias Gabriel Conbê

Alguns piratas dizem que homens mortos não contam histórias. Falácia. Mortos carregam memórias; mortos revelam tradições; mortos falam. Foi ao redor da Catedral Sé de Mariana que ossadas foram recentemente descobertas. No que seria uma restauração programada, houve a necessidade de uma pausa por conta do acervo de ossos e objetos que foram expostos na obra. Entre as descobertas há diversos objetos, como uma medalha de cobre da Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade, encontrada junto a um indivíduo que possuía próxima à cabeça uma bala de chumbo; a fivela de um cinto, um anel no dedo anelar da mão direita e um cachimbo, todos encontrados junto a uma ossada; botões de ossos e uma moeda da época do império. Esses materiais e os dez sepultamentos já encontrados por escavadores e arqueólogos ajudam a expor estórias sobre o município, possibilitando entender e conhecer a cultura da época. Como o processo de arqueologia ainda se faz presente, novas descobertas podem ocorrer a qualquer momento. Questionada sobre uma possível presença de ossadas pela extensão da calçada e da rua, a arqueóloga responsável pelas escavações, Patrícia Letro de Brito, responde: “A possibilidade é grande, pois deve-se levar em consideração a largura da Rua Frei Durão, que é mais larga ao entorno da igreja e, quando chega próximo à praça, a dimensão é menor; e como funcionava um cemitério nessas áreas, a presença de sepultamentos não deve ser improvável”. Durante a visita ao interior da catedral, a arquiteta encarregada pela obra, Rosimeire, mostrou à reportagem do LAMPIÃO algumas novidades. Um dos achados é o antigo passeio de pedras que contornava a igreja pelo lado direito; foi descoberta também uma cisterna que ainda conserva água; além disso, foram encontrados objetos aleatórios nos interiores dos pilares de sustentação da igreja, como utensílios de louça, o badalo de um sino e até mesmo uma carta; e, por fim, o provável cenário funerário ao lado esquerdo do monumento.

Após passarem pelo processo arqueológico, foi levantada a hipótese de que os ossos exumados na catedral são decorrentes de uma epidemia ocorrida no século XIX. A suposição foi confirmada após a conclusão do estudo das ossadas encontradas em 2007, durante a restauração da Praça da Sé. Os achados daquele ano correspondem às vítimas provenientes da incidência de varíola, que data de 1852, mesma época em que o largo funcionou como cemitério. Os estudos indicam que os ossos enterrados, entre eles crânios, fêmures e úmeros, eram de escravos e indigentes. Após a finalização da obra na praça, os materiais ósseos foram dispostos em 22 sacos e guardados, temporariamente, em caixas de papelão para registro, para que depois fossem sepultados no cemitério do São Gonçalo. Durante todo o processo de revitalização da praça, objetos e escombros foram encontrados a centímetros do nível do pavimento. Estima-se que dos 140 sepultamentos realizados naquele ano, 46 foram realizados lá. A igreja e seu adro, área externa ao redor do templo, não era propriamente um cemitério nos moldes tradicionais conhecidos atualmente. Os sepultamentos eram realizados nesses lugares por conta da localização do santuário, com uma hierarquização dos corpos a serem enterrados no interior da igreja: pessoas brancas e com alto poder aquisitivo, pessoas ligadas à igreja e seus costumes; no exterior, eram enterrados os negros e escravos. Os corpos eram dispostos de maneira amontoada, como se não houvesse qualquer apreço por quem ali era sepultado. Existem algumas hipóteses que tentam explicar a falta de logística no processo funerário: a transformação de cemitério em praça, quando o aterramento acabou movimentando as ossadas; o peso da carga de aterro e o trânsito de veículos podem ter deslocado os corpos para os espaços ocos; após a demolição da capela lateral à matriz, as ossadas que estavam ali foram transferidas para o então cemitério. O Padre Nedson Pereira de Assis, pároco da Catedral da Sé, atestou que a Arquidiocese de Mariana não tinha conhecimento dos sepultamentos. Mas declarou que no decorrer da consolidação do alicerce da paróquia, com galerias sen-

thiago dias

Achados de ossadas em restauração da Catedral da Sé expõem passado da cidade e herança de opressões da escravidão

Cuidado. Equipe de arqueólogos trabalha para retirada e identificação das ossadas

do abertas, a igreja ficou sabendo dos ossos. A identificação histórica e física das ossadas encontradas agora será realizada por um especialista, porém ainda não foi decidido se os ossos irão para o laboratório ou destinados a um ritual funerário. Esse último é um desejo do padre Nedson, que diz achar importante dar voz àqueles que não tiveram a chance de ter suas histórias registradas. Reformas A recente descoberta se deu durante a nova intervenção na Catedral, pelo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) Cidades Históricas. Mariana, que em 1945 teve seu tombamento feito pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), já foi alvo de diversas ações no decorrer dos anos, todas com o intuito de preservar a história e a estética da cidade. A Catedral Basílica Nossa Senhora da Assunção, conhecida como Catedral da Sé de Mariana, reforçou-se como uma importante narradora da memória marianense. Originalmente, a capela, fundada pelo minerador português Antônio Pereira Machado, era tão pequena que comportava apenas

o altar e os ministros; os fiéis assistiam à cerimônia no pátio. Ao longo do tempo, os arredores da igreja e o próprio monumento sofreram várias intervenções. Externamente, foram instaladas as estruturas para eventos; a rua foi alargada para melhorar o acesso dos automóveis, o que contribuiu para a deterioração dos esqueletos. Internamente, também houve interferência: durante a instalação do fio-terra, as ossadas foram retiradas do lugar para que a fiação pudesse ser colocada. Em meio a tantas histórias que oscilam entre o passado e presente, há expectativas para que as coisas sejam concluídas. No caso da igreja, em 27 de março foi feita uma votação popular para a escolha das novas cores que irão tonalizar a Catedral da Sé, baseadas em imagens e pinturas antigas: com 51 votos, os fiéis optaram por bege e vinho, cores encontradas durante a restauração. Tais narrativas revelam identidades, culturas e características físicas. Mariana, uma cidade que evidencia o tempo em seus imóveis, igrejas e monumentos, consegue com as recentes descobertas expressar sua riqueza, religiosidade e longa escravização.

Tesouros da religiosidade Letícia Conde

Escrever sobre Ouro Preto é contar a história das inúmeras igrejas e capelas do município. Símbolos de religiosidade, história, arte e cultura, esses monumentos são alguns dos principais marcos da construção da cidade e seus distritos. Em estudo feito por Alex Bohrer, historiador e professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), foram mapeadas 131 igrejas e capelas na sede e em 12 distritos, que estão reunidas no livro Ouro Preto - Igrejas e Capelas, lançado em de-

zembro de 2016. Desses santuários, cerca de 20% são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No entanto, isso não garante a preservação nem das igrejas protegidas. Entre esses templos está um dos mais antigos de Minas Gerais, a Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, localizada no distrito de Cachoeira do Campo. Seus altares, ricos em ouro e detalhes, são característicos do Estilo Nacional Português, também denominado Barroco Português e que marca a distinção entre a arte portuguesa e a ingrid mitsue

Conservação. Matriz de Nossa Senhora de Nazaré mostra estilo

espanhola. A construção teve início no começo do século XVIII, sendo que os documentos mais antigos são do ano de 1708. Em 1949, foi reconhecida como Patrimônio Histórico e Artístico do Brasil e, recentemente, a igreja passou por uma restauração geral, o que lhe devolveu os traços do período áureo. No distrito de São Bartolomeu, destaca-se a Igreja Matriz de São Bartolomeu. Com sua fachada e interior fortemente preservados, também possui particularidades do Barroco Português. Uma curiosidade dessa igreja é a presença de um sino todo feito de madeira na torre esquerda. Além disso, como cita Alex Bohrer, São Bartolomeu é o principal exemplo de comunidade que preserva de forma consciente e engajada. “Atualmente, a igreja do padroeiro é tombada pelo Iphan, o casario da cidade com as outras igrejas é tombado pelo município de Ouro Preto, o doce de São Bartolomeu é registrado como patrimônio municipal. A floresta estadual no entorno do distrito, que protege a nascente do Rio das Velhas, é preservada e a Serra do Chafariz de Dom Rodrigo de Menezes está em processo de tombamento”, elenca. Em Glaura, também chamada de Casa Branca, está localizada a Igreja Matriz de Santo Antônio. O templo é tombado pelo Iphan desde 1962, no entanto, andando pelos

arredores e interior da igreja, é possível ver que a sua situação atual é preocupante. Gléber Domingos dos Santos, morador do distrito e responsável por cuidar da igreja, conta sobre as dificuldades que o monumento enfrenta. Interditada pela Defesa Civil desde junho de 2016, o templo possui uma grande rachadura na fachada perto da entrada principal e infiltrações no telhado. Todas as imagens foram retiradas por questão de segurança, impedindo assim que os moradores possam celebrar as missas e festividades. A comunidade conseguiu autorização do Iphan para que escoras fossem colocadas na porta e alguns reparos fossem realizados nas telhas. O chefe do escritório técnico do Iphan em Ouro Preto, André Henrique Macieira, afirma que as Igrejas de São Bartolomeu e Santo Antônio (Glaura) estão entre as ações selecionadas pelo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) Cidades Históricas em Ouro Preto. Ambas estão em fase de aprovação do Iphan, para só então partirem para licitação. “O orçamento para a restauração da Igreja de São Bartolomeu teve sua última análise em maio de 2016 e, desde então, o Iphan aguarda os ajustes por parte da Prefeitura Municipal. Já a Igreja de Santo Antônio (Glaura) foi analisada pela última vez ainda em 2015 e os últimos projetos necessários à complementação do planejamento orçamentá-

rio estão em processo de finalização.” Além disso, André destacou também que “só em Ouro Preto foram selecionadas 15 ações no escopo do PAC Cidades Históricas. Vale ressaltar ainda que o programa não faz repasse de verbas antecipadamente, mas efetua as transferências na medida do desembolso, ou seja, quando o executor apresenta o que foi efetivamente realizado. Cabe à área central do Iphan fazer a análise dos orçamentos, o monitoramento e a avalição das prestações de contas.” Origens Segundo Alex Bohrer, além de fazerem parte do patrimônio histórico, essas igrejas e capelas são o centro cultural da vida comunitária, até mesmo para os não católicos. Isso se deve ao fato de que, durante o processo de formação das cidades em Minas Gerais, a primeira ação dos bandeirantes e exploradores portugueses no local era construir um pequeno templo, a partir do qual o povoado se desenvolvia. No entanto, por se localizarem na zona rural dos distritos, muitos desses templos são desconhecidos até mesmo por moradores da região. Além disso, grande parte desses santuários são mais antigos do que as matrizes localizadas em Ouro Preto, como a Basílica Menor de Nossa Senhora do Pilar, que foi inaugurada em 1733 e a Igreja de São Francisco de Assis, com obras iniciadas no final do século XVIII.


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Arte: melissa reis

patrimônio

Entre jacubas e mocotós Francielle de Souza

No interior da Basílica de Nossa Senhora do Pilar, padroeira de Ouro Preto, Geralda Gomes ensaia duas meninas para entrarem com a Bíblia na missa de domingo. A senhora de 72 anos, negra e de fala mansa, observa atentamente o trajeto das crianças até o altar. Vez ou outra intervém: ajeita as túnicas, corrige o ritmo dos passos, dá instruções. Ao lado, um guia conta a história da igreja para um grupo de turistas, mas Geralda não se distrai com os visitantes. Tudo parece calmo. Do outro lado da cidade, próximo ao Santuário de Nossa Senhora da Conceição, no Antônio Dias, gritam Irene Sacramento no portão. Sem saber quem chama, ela ordena que entrem. A cena se repete durante todo o dia. Mesmo que a visita interrompa os muitos afazeres da senhora de 75 anos, Irene age com carinho. Abre o caderno, localiza o nome do convidado e diz qual figura bíblica ele representará neste ano. Nos fundos da casa, o reflexo do trabalho: as roupas da Procissão da Ressurreição já estão lavadas, passadas e penduradas em cabides. Ao se aproximar a Semana Santa em Ouro Preto, as vidas das senhoras que cuidam do figurino dos personagens bíblicos tomam rumos diferentes. A calmaria de Dona Geralda e a agitação na casa de Dona Irene neste ano refletem como a festa católica acontece no município. Nos anos pares, a Paróquia Nossa Senhora do Pilar é responsável por organizar as cerimônias oficiais. Já nos ímpares, é a Paróquia Nossa Senhora da Conceição a anfitriã da festa que movimenta os moradores e recebe turistas do mundo inteiro. A Semana Santa alternada entre uma paróquia e outra é resquício de uma divisão que por muito tempo existiu na cidade. A historiadora Ângela Leite Xavier, autora do livro Tesouros, Fantasmas e Lendas de Ouro Preto, conta que os moradores do entorno do arraiá do Antônio Dias eram chamados jacubas. Já quem habitava os arredores do arraiá do Pilar eram denominados mocotós. A Praça Tiradentes era considerada uma zona neutra e marcava a divisa dos territórios.

Antigamente, Dona Irene seria chamada de jacuba e Dona Geralda, de mocotó. Não se sabe ao certo de onde surgiram essas denominações. A versão mais conhecida, porém, está associada aos costumes alimentares. Segundo a historiadora, mocotó deriva do hábito de nutrir-se do caldo cozido com patas de boi. Como no Pilar havia um matadouro, após a venda de carne os moradores comiam as sobras, geralmente as extremidades do animal. Por outro lado, jacuba, explica Ângela, “é o nome dado a uma mistura de rapadura com farinha de milho, muito consumida pelos moradores do Antônio Dias”.

ainda templos oferecidos ao Bom Jesus e à Nossa Senhora das Mercês, porém com títulos diferentes: Bom Jesus das Flores e Nossa Senhora das Mercês e Perdões no lado jacuba, Bom Jesus de Matosinhos e Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia na região dos mocotós. As Ordens Terceiras – associações de leigos devotos de um santo padroeiro – também estão presentes: uma para São Francisco de Assis e outra para Nossa Senhora do Carmo, respectivamente. Herança

Aprendi assim com meu pai e com os que me antecederam nos trabalhos da paróquia e daqui a pouco vou ter que passar para outras pessoas. É uma continuidade, uma tradição.” Geralda Gomes

A historiadora explica ainda que a divisão reflete o embate entre garimpeiros e comerciantes na época de exploração do ouro. “É na região dos jacubas que ficavam as minas. Lá, os garimpeiros se dedicavam à extração e, por isso, não plantavam, não comercializavam. Enquanto isso, os mocotós se dedicavam ao comércio, aos açougues e bancos. Então, os jacubas compravam no outro lado e davam o ouro em troca. Isso fez com que os mocotós ficassem com a riqueza.” Outra versão que ronda a cidade acrescenta que no Antônio Dias moravam os paulistas e, no Pilar, os portugueses. A divisão seria fruto da Guerra dos Emboabas, um conflito do século XVIII entre São Paulo e Portugal pelo direito à exploração do ouro encontrado em terras mineiras. O que reforça essa crença é a existência da Rua dos Paulistas, no Bairro Antônio Dias. Além disso, a religiosidade é um aspecto curioso na geografia dos territórios. Na cidade, existe uma igreja dedicada à Nossa Senhora do Rosário dos Pretos para cada lado. Há letícia caldeira

Pilar. Em anos pares, os fiéis são os responsáveis pelos ritos sagrados

letícia caldeira

Antiga divisão em Ouro Preto perpetua tradições durante celebração da Semana Santa e ecoa nos costumes dos moradores

Elisabeth Camilo, 54, é bacharel em Letras, jornalista e mestre em Linguagem e Memória Cultural. Com os olhos atentos ao cotidiano de Ouro Preto, ela acredita que a divisão permanece sutilmente na cidade até hoje. Nascida no lado jacuba, conta que até o cumprimento é diferente. “Tenho muitos amigos do lado de cá e muitos do lado de lá. Há pouco tempo, saí com meu filho e ele me disse assim: ‘Minha mãe, depois da Praça Tiradentes, a senhora cumprimenta uma pessoa diferente a cada cinco minutos. Parece que você é do lado de lá’. Eu disse a ele que quando vou para lá existe um comportamento típico de dar a mão, beijinho de um lado, beijinho de outro, perguntar como vai. Aqui, no lado jacuba, nós somos tão amigos que acenar já basta”, explica. A vida de Waldiney Batista, 33, também é afetada pela diferenciação entre os grupos, especialmente na Semana Santa. Maestro da Sociedade Musical Bom Jesus das Flores desde 2008, conta que a banda tem prioridade para tocar nas procissões quando a festa sagrada acontece no lado jacuba. “Quando é aqui, fazemos cinco toques. Quando acontece no Pilar, fazemos só dois e, nos outros dias, participamos das cerimônias na paróquia de Cristo Rei.” João Paulo de Moura, 36, maestro da Sociedade Musical Bom Jesus de Matosinhos, confirma a alternância das bandas. Como neste ano o rito não acontece na paróquia de João Paulo, os músicos só participarão da procissão do depósito de Nosso Senhor dos Passos e da Cerimônia do Encontro. Nos outros dias, assim como a banda de Waldiney faz nos anos pares, a sociedade musical contribui com a festa na paróquia de Cristo Rei. O que une as vidas de Geralda, Irene, Waldiney e João Paulo é a gratidão em perpetuar os costumes ouro-pretanos: “Aprendi assim com meu pai e com os que me antecederam nos trabalhos da paróquia e daqui a pouco vou ter que passar para outras pessoas. É uma continuidade, uma tradição”, afirma Geralda, que neste ano dedicará seu tempo somente às cerimônias internas da Paróquia do Pilar. Irene destaca ainda a fé que envolve os preparativos: “Ao invés de dormir, eu fico pensando na organização. A gente faz tudo pensando em servir a Deus”. Ao findar o Domingo de Páscoa, sendo jacuba ou mocotó, já sabemos qual será o ritual: Dona Irene vai guardar as roupas usadas durante as cerimônias e vai descansar com o sentimento de dever cumprido. Enquanto isso, do outro lado da cidade, será a vez de Dona Geralda checar os nomes e definir quem serão os personagens bíblicos na próxima Semana Santa. E, assim, revezando-se ano a ano para celebrar o rito da morte e ressurreição de Jesus Cristo, os moradores seguem preservando a religiosidade, a tradição e a cultura ouro-pretanas.

Antônio Dias. Em 2017, a paróquia do bairro organiza a solenidade

Influência na arte A plaquinha colorida pendurada em uma sacada no Bairro Pilar indica: Atelier do Vandico. Ao olhar pela janela, as paisagens ouro-pretanas pintadas em quadros ora muito pequenos ora muito grandes chamam atenção. Wanderlei Alexandre da Silva ou Vandico, como é mais conhecido, é pintor, compositor e escritor. Em 2001, lançou Jacubas e Mocotós, livro de crônicas sobre personagens e fatos singulares de Ouro Preto. O autor conta que escolheu o nome para que contemplasse toda a cidade: “Eu queria um título que unisse o lado de cá e o lado de lá”. Vandico parece ter atingido o objetivo, já que segundo o escritor muitos moradores dos dois lados adquiriram um exemplar. “É fácil de achar. Muita gente tem esse livro em casa aqui na cidade”, conta. Em 2008, sete anos depois do lançamento do livro de Vandico, o músico e compositor Chiquinho de Assis, 40, convidou um grupo de amigos para dar vida a um projeto também chamado Jacubas e Mocotós. A iniciativa aliava teatro e música para celebrar as culturas afro, indígena, portuguesa, brasileira e, claro, ouro-pretana: “O mais importante não é ser mocotó ou ser jacuba, não é morar no Antônio Dias ou no Pilar. É viver e respeitar essa cultura porque é isso que dá asas à tradição”. Para preservar a memória cultural e garantir que as crianças conheçam as histórias da cidade, o músico acredita na valorização da sabedoria popular, em especial, dos anciãos. “Não vou saber contar essa história como a minha avó me contou. Hoje, a cultura está nos museus. Ela saiu da hora de dormir, da beirada do fogão. É preciso valorizar os mais velhos, aqueles que conhecem o local e detêm o saber.” Aos 79 anos e com humildade, Vandico mostra que até mesmo para os mais velhinhos ainda há muito a ser descoberto e transmitido para outras gerações ouro-pretanas. Na portinha estreita da casa onde expõe seus quadros, diz: “Sei muita coisa sobre a cidade, mas ainda tenho muito a aprender”. É, ao que parece, o ouro das minas pode ter acabado, mas ainda existe muita riqueza para ser explorada na antiga Vila Rica.


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Arte: amanda dos santos francisco

SAÚDE

Humanização do nascer Jéssica Avelar

A terapeuta ocupacional Suzana Gontijo, 33 anos, moradora de Ouro Preto, espera a primeira filha, Aurora. Grávida de 36 semanas, ela pretende ter um parto humanizado e natural – sem intervenção médica ou procedimentos desnecessários no trabalho de parto e pós-parto. “Quero passar por essa experiência, é importante para mim e para meu bebê. Acho que você descobre tanta coisa no trabalho de parto, é muito bonito e poderoso”, conta. Para isso Suzana terá que ir até o Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, pois as maternidades da região não possuem as práticas integrativas e analgesia alternativa para alívio das dores. A Santa Casa, em Ouro Preto, possui estrutura um pouco precária para realizar o processo de forma natural. A sala de pré-parto é pequena, com três camas. Há apenas um chuveiro e uma bola de pilates, barras na parede e banqueta para auxílio nos exercícios. A locomoção é incentivada, e conta com a presença de doulas voluntárias. Em Mariana, no Hospital Monsenhor Horta, a situação também é complicada. Na sala fria e excessivamente iluminada que acolhe até três gestantes, existem um chuveiro e uma bola. No lugar de banqueta, algumas gestantes utilizam a escada que serviria para subir no leito. A locomoção é permitida, mas alimentação e água não. Se comparadas ao Hospital Sofia Feldman, nota-se que estas maternidades estão longe de utilizarem métodos naturais. O Sofia, como é conhecido, atende integralmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em números é a maior maternidade do país, além de ser modelo para a Rede Cegonha. Se a mulher optar pelo parto natural, tem à disposição banheira, chuveiro, bola, es-

cada de Ling, escalda pés. As doulas fazem massagens. Esses são alguns dos métodos não-farmacológicos de alívio de dor. Caso a gestante opte por anestesia ou cesárea, o pedido é atendido. O hospital possui também o núcleo de terapias integrativas e complementares, ambiente relaxante anexo ao hospital. A partir da 38ª semana as mulheres podem fazer acupuntura, reflexologia, ventosa e uso de florais, caso não tenham contraindicação. Para Carla Guanabens, enfermeira obstétrica, “tem que trabalhar com as boas práticas. Permitir que se alimente, a presença do acompanhante, a presença das doulas, oferecer apoio psicológico, utilizar métodos não-farmacológicos, trabalhar a respiração”. A estrutura é importante, mas a capacitação dos profissionais é essencial. “O parto é dela, da família, e não da equipe. Nosso papel é apenas apoiar, vigiar. Temos que garantir que o bebê e a mulher estejam bem para que o processo aconteça de maneira natural, fisiológica, sem causar nenhuma dor sem necessidade e violência. Essas são as boas práticas, a humanização da assistência ao parto e nascimento”, explica Carla. Em muitas maternidades são realizadas cesáreas, episiotomias – corte vaginal para ampliar a passagem –, ocitocina sintética para aceleração do parto, dispositivos que são necessários e reduzem a mortalidade de mulheres e bebês, mas deveriam ser exceção e não regra. Esses e outros procedimentos, quando realizados sem o consentimento prévio da gestante, caracterizam-se como violência obstétrica. Luana Freitas, 34, professora, foi violentada durante o parto de seu filho, há 4 anos, na Santa Casa. “Foi feita a manobra de Kristeller – pressionar a parte superior do útero para acelerar a saída do bebê. Foi

utilizada ocitocina sem eu saber, me amarraram à cama. Me senti um pedaço de carne no açougue. E meu filho já nasceu sendo violentado, agredido”, relata Luana. Essa violência – física, emocional e simbólica – se apresenta de outras formas além das sofridas por Luana: tratamento desumanizador; agressão física ou verbal; negação dos direitos da parturiente, como o direito a acompanhante e à informação antes, durante e após o parto; em procedimentos dolorosos e constrangedores; separação do recém-nascido saudável da mãe. Essas práticas não são incomuns. Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, 25% das mulheres que possuem filhos passaram por alguma violência obstétrica. “Foi muito difícil superar, confesso que ainda dá um nozinho na garganta. Me senti violentada, invadida, minha natureza e a do meu filho não foram respeitadas, a minha decisão não foi respeitada. Mas depois de muita terapia holística e trabalho de auto aceitação, de entendimento, hoje consigo falar sobre isso”, conta Luana. A informação é uma das formas que a mulher tem para evitar passar por essa violência. Laura Muller, 29, doula e educadora perinatal, também sofreu violência obstétrica no parto do primeiro filho. Para que não se repetisse ela procurou cursos. “Depois da violência que sofri disse que não podia ser assim, não deveria ser assim. Fui me informar para a segunda gestação. Decidi buscar a formação de doula, nem tanto para atuar, mas para ter a informação. Só no curso descobri que era isso que queria fazer”, explica Laura. Conhecer previamente a maternidade, os profissionais, os direitos das gestantes, as fases do trabalho de parto, quais as opções de parto disponíveis e que se adequam a cada situação são atitudes que auxiliam o processo.

evelin ramos

Em busca de melhor qualidade de vida desde a gestação, mães recorrem a iniciativas que promovem o parto humanizado

Decisão. Suzana Gontijo optou pelo parto natural para dar à luz

Nos últimos anos, surgiram várias iniciativas para informar sobre a violência obstétrica. Movimentos para a humanização da assistência ao parto têm ganhado força e apoio de órgãos públicos. Em 8 de março, o Ministério da Saúde lançou as Diretrizes de Assistência ao Parto Normal, que contêm 225 recomendações. Segundo esse documento, a manobra de Kristeller, realizada em Luana, não deve ser utilizada. Para a ginecologista e obstetra Jacqueline

Braga, “essas diretrizes servem para nortear as unidades e suas equipes que auxiliam a gestante, uniformizando o atendimento das pacientes e respeitando os princípios do SUS”. Porém, apenas leis e diretrizes são insuficientes. “Muitas maternidades não conseguirão se adequar ou colocar em prática as medidas por vários fatores. Alguns envolvem recurso financeiro, treinamento dos profissionais, conscientização do público e equipe”, diz Jacqueline.

CIDADANIA

evelin ramos

Um conselho conquistado

Luta. Manifestação em Ouro Preto no Dia Internacional da Mulher, 8 de março Jasmine Jacyara

O dia 8 de março, lembrado por ser o dia em que as mulheres recebem flores e mimos, foi marcado este ano para as ativistas ouropretanas por uma aquisição que não foi presenteada, e sim, conquistada após muita luta. A lei que permite a criação do Conselho do Direito da Mulher (COMDIM/OP) foi sancionada no dia da mulher. O prefeito Júlio Pimenta utilizou o espaço da Câmara Municipal da cidade, onde foi realizado o evento Mulher Destaque de Ouro Preto, e assinou o documento que validou a lei nº 1029/2017. Adelaide Novaes Dias, 27 anos, foi uma das mulheres homenageadas no evento. Após

a sanção da lei, ganhou espaço de fala, por fazer parte do coletivo Mulheres Unidas da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Ouro Preto (M.U.N.A.) e ser fundadora do Minha Ouro Preto. Em suas palavras, deixou claro que a criação do conselho não solucionará todos os problemas que o machismo causa na cidade, mas é um ponto de partida para que as mudanças continuem acontecendo. Ainda cobrou das autoridades públicas um retorno da pauta a respeito da criação de uma delegacia da mulher no município. A lei determina que o conselho deve assessorar diretamente o Poder Executivo e cumprir a função de fiscalização exigindo dos órgãos municipais o cumprimento da legis-

lação. O recebimento, examinação e avaliação de denúncias que envolvam qualquer tipo de violência contra a mulher são deveres previstos na lei. Além do desenvolvimento de ações em conjunto com as secretarias e órgãos públicos, buscando a superação de preconceitos e igualdade de gênero, por meio da implantação de políticas públicas. Hellen Guimarães, 23, que também faz parte do coletivo M.U.N.A. e é ativa no projeto Mapa de Acolhimento, do Minha Ouro Preto, diz que, atualmente, a principal luta do coletivo é pela criação de uma delegacia da mulher na cidade. Após a participação em uma das reuniões da Lei Orçamentária Anual (LOA), a ativista percebeu que, apesar do repasse de recursos do Governo Federal para garantia dos direitos da mulher no município, não havia um órgão ativo para captar e aplicar essa verba. Portanto, considera o conselho uma ponte para novas obtenções. Ao explicar a importância da delegacia da mulher na cidade, Hellen apresenta os dados coletados pelo M.U.N.A. no final de abril do ano passado. Durante o ano de 2015 até a data da coleta do coletivo, foram instaurados um total de 332 inquéritos policiais referentes a crimes contra a mulher. A ativista esclarece que os dados são referentes apenas às denúncias que chegam até o fim do processo e se enquadram na Lei Maria da Penha. Para Hellen, a criação da delegacia da mulher é fundamental no apoio às vítimas: “A maioria das mulheres que foram à delegacia convencional e vieram conversar com a gente relataram uma experiência horrível. De ficar na mesma sala que o agressor, de não ter uma escrivã e elas precisam contar o que aconteceu

para um homem, que muitas vezes, te culpabiliza pelo que aconteceu...”. Acrescenta que com uma delegacia especializada, a mulher se sentirá mais segura para denunciar. Para que políticas públicas sejam criadas, Débora da Costa Queiroz, 35, fundadora do grupo Observatório Feminino, aponta a importância da continuidade da cobrança e engajamento das mulheres e coletivos com o conselho, pois em 2003, a lei regulamentada nº 164/2003 criou um Conselho da Mulher no município, que no entanto, não saiu do papel. A fim de diversificar os pontos de vistas e pautas, o conselho será composto por representantes governamentais e da sociedade civil. Luciene Kennedy, 48, secretária municipal de Desenvolvimento Social Habitação e Cidadania, diz que apesar de não ter sido estipulado um prazo para o conselho começar a atuar, acredita que em dois meses tudo estará pronto para que a primeira reunião possa ser realizada. Marias Fortalecendo a ideia de que a luta continua, na mesma ocasião em que a lei foi sancionada houve, na Praça Tiradentes, uma manifestação organizada pelos coletivos. Além do momento de fala, em que as mulheres presentes puderam apontar suas inquietações, houve um ato denominado Marias de Ouro Preto, em memória às vítimas de feminicídio do município. Durante o protesto, 16 cruzes cor-de-rosa foram posicionadas em lugares simbólicos da cidade, cada uma trazendo em si histórias de violência. O número de casos levantados faz referência ao estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que estima que, a cada dia, 16 mulheres morrem por agressão no Brasil.


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Arte: amanda dos santos francisco

O RAP como resistência cultura

Artistas de Ouro Preto e Mariana lutam contra a invisibilidade em busca de integração ao cenário musical brasileiro bruno andrade

Thiago Henrique

Resistente em sua essência, o rap nasceu como um movimento periférico, contrário às mazelas sociais, principalmente àquelas que assombram as grandes cidades, onde os infortúnios se manifestam com mais força. No Brasil, o movimento hip-hop foi durante muito tempo limitado às grandes capitais. O cenário tem se transformado, mas São Paulo e Rio de Janeiro permanecem como os maiores pólos de produção. Porém, os dilemas que acompanham as metrópoles também atingem o interior e, apesar da falta de visibilidade, o rap das pequenas cidades também resiste. Thadeu “Mago da Rima”, ou MDR, como prefere ser chamado, começou sua trajetória no rap aos 14 anos. Nascido em Congonhas, veio para Ouro Preto aos 5 anos e sempre morou no Bairro Caminho da Fábrica, região periférica da cidade. Interessou-se pelo hip-hop quando conheceu dois grupos pioneiros na cidade, o Conexão Hip-Hop e o Consciência Rap. Começou no movimento como bboy, dançarino de breakdance, quando tentava compor era desencorajado pelos membros do grupo que acreditavam que o futuro de Thadeu era um dançarino. Decidiu escrever músicas após sofrer um problema na coluna e ter que abandonar a dança. Sua primeira composição, “Os dois lados da Moeda”, falava da realidade de quem morava no bairro. A temática social acompanha, desde então, suas músicas. Na canção “Resistência” questiona justamente a situação da produção cultural em Ouro Preto. Carol Araújo, 14, começou a cantar na banda “Encantos”, projeto que reúne jovens da comunidade do Alto da Cruz para tocar músicas cover. Após comparecer a uma apresentação da banda, MDR convidou a cantora para uma parceria: “na hora que a vi, tive certeza: tenho que chamar essa menina pra cantar comigo”. O rapper já está na estrada há algum tempo e sente que deve ser uma referência para principiantes como Carol, que ainda dão os primeiros passos. A parceria dura dois meses e pretendem lançar um CD ainda este ano. A primeira apresentação de MDR aconteceu em 2002, e já naquela época quem organizava os eventos eram os próprios rappers,

Vitalidade. Cultura contemporânea ganha vida em meio a ambientes tradicionais

situação próxima à atual. Basicamente não existe incentivo institucional ao rap em Ouro Preto e Mariana. O artista defende que a escassez dos espaços para o rap na cidade se dá porque a música toca em assuntos que prejudicam os que estão no poder, questionando e cobrando melhorias para os desamparados. As batalhas de rap no Brasil começaram em 1980, mas foi com a Rinha dos MC’s de São Paulo, em 2006, que se popularizaram. Em Mariana acontece a Batalha das Gerais. Por causa de reclamações da vizinhança sobre perturbação e som alto o movimento entrou em hiato, voltando apenas em março por iniciativa do grupo TanamenteRap, formado pelos artistas Dogdu, Jão B13, Pedro Mol, Fernando pahJah e Matheuzim. Thiago TSIC, rapper marianense, defende que o evento foi e é muito importante para a identidade cultural de Mariana, “ora por aproximar a população, que conhece realmente o que é o rap, criminalizado e marginalizado constantemente pelas esferas mais altas da sociedade, ora por servir também como espaço para divulgação do trabalho dos MC’s locais”.

Já Ouro Preto é palco da Batalha da Pracinha, evento que reúne artistas locais semanalmente na Praça Vereador Jorge Barbosa, no Bairro Bauxita, para uma prática conhecida como Batalha de Sangue, em que os MC’s trocam rimas tentando atacar verbalmente o adversário. A disputa é uma iniciativa de Guto Barbosa, que com uma caixa de som emprestada e um evento no facebook conseguiu levar a disputa à sexta edição. MDR, que participou de uma batalha pela primeira vez na 5ª edição do evento, defende que para resistir como um movimento das ruas, de denúncia e cobrança, as batalhas deveriam ser de Conhecimento. Ele acredita que esses encontros são importantes para colocar as produções de interior no eixo de produção nacional e ajuda os artistas locais a se estabelecer e divulgar o trabalho. Diferente do convencional, a Batalha de Conhecimento parte de um tema pré-estabelecido pelos organizadores ou pela plateia e as rimas buscam um conteúdo informativo sobre o assunto escolhido. Idealizada pelo carioca MC Marechal, a Batalha de Conhecimento

vem ganhando cada vez mais espaço no cenário do rap brasileiro. Gravadora Representantes da batalha, Davi “DEEW” e Douglas TMN’s (Tumanos), são os idealizadores da gravadora independente “UmQuartoRecords”. A intenção é que o estúdio seja uma referência para a produção recente de Ouro Preto, não só tecnicamente mas também ideologicamente, pregando o valor social do rap. Em um home studio improvisado, a gravadora tenta agrupar artistas locais para dar visibilidade ao movimento e colocar a cidade no eixo de produção nacional. A gravadora dedicada ao rap é pioneira na cidade. Seu nome é uma brincadeira com o espaço do estúdio, que fica dentro do quarto de TMN’s. O plano era que o local permitisse que quem quisesse gravar pudesse contar não só com o equipamento mas também com a ajuda dos dois rappers, que já possuem alguma experiência com produção musical. A UmQuarto lançou em fevereiro de 2017 o EP “TMN’s” , com 13 músicas escritas por Douglas e participações de Davi, DJ Crys, e D.D.G Rap, todos artistas locais. Davi, ou como diz sua tag de pixação, DEEW, começou a fazer rap aos 15 anos, mas já trabalhava com música antes disso, cantando e tocando guitarra em bandas de rock. Agora, aos 17, acredita que já aprendeu bastante, mesmo com sua curta trajetória. DEEW não gosta de batalhar e, embora não esteja diretamente envolvido na organização, ajuda nas apresentações. Assim como MDR, ele já reconhece seu papel como influenciador daqueles que ainda estão começando, mesmo sendo mais novo. Vê Thadeu como uma referência e acredita que tem de “ter uma responsabilidade no que você vai falar, porque tem menino novo te vendo”. Davi, Thadeu, Carol e Thiago questionam a relação da cidade com o rap, cobram um incentivo maior da Prefeitura e acreditam que a essência da música é a rua. É questionar e ocupar a cidade. E como conclui o Mago Thadeu: “pro rap que mantém a essência, o que falta é oportunidade. Mas isso não tá na nossa mão, o que a gente pode fazer é resistir”.

ESPORTE

Sem espaço para skatistas lillian indrusiak

Marina Lopes

Garra. Apesar das dificuldades, os esportistas continuam treinando de forma improvisada

Diversão ou estilo, o skate faz parte da vida de muitos moradores de Mariana e Ouro Preto. Apesar dessa presença, os interessados na atividade enfrentam diversos problemas para a prática do esporte. A falta de incentivo do poder público e a ausência de espaços apropriados estão entre as principais queixas daqueles que se dedicam à modalidade. Em Mariana, a pista de skate foi demolida em 2008 para a construção do Centro de Convenções. Desde então, os praticantes estão sem

um lugar específico no qual possam treinar. De acordo com o skatista Hudson Oliveira Gomes, 29 anos, uma nova pista seria construída no Bairro Vila Aparecida. O início das obras estava previsto para o final de 2014, com previsão da entrega para março de 2015. Contudo, até hoje, a construção não começou. Como forma de amenizar a falta da pista, a Prefeitura disponibilizou, até o final de 2015, um ônibus que uma vez por mês, levava os skatistas a outras cidades. A prestação do benefício durou seis meses. “Costumávamos ir para Itabirito, Nova Lima, Belo Horizonte e Santa Bárbara, mas logo a Prefeitura parou de fornecer o ônibus, dizendo que não havia mais veículos disponíveis”, declarou Fernando Henrique Pena, 30, skatista há mais de dez anos. Em 2015, a Associação Marianense de Esportes Urbanos (Ameu) apresentou um projeto de construção de pista ao então prefeito Celso Cotta. A Associação, fundada em 2014, tem a aquisição do espaço como um de seus principais obje-

tivos. Porém, com a mudança na administração municipal, a iniciativa não foi adiante. Segundo o assessor técnico de Desportos, Wagner Flávio Ramos, nenhum projeto referente à construção da pista de skate foi direcionado à atual gestão. Ele garante que a obra faz parte do plano de governo do Prefeito Duarte Júnior, mas alega que, devido à situação econômica do município, o projeto só poderá ser executado a longo prazo. Hoje, a Ameu organiza eventos nos quais os skatistas da cidade podem praticar o esporte em quadras e pistas de caminhadas. Os obstáculos para as manobras são levados para os locais escolhidos, onde são montadas pistas que são desfeitas após uso. “A gente precisa de um espaço nosso, para deixar de ser visto como vagabundo e ser visto como skatista”, alega Hudson. Em Ouro Preto, os skatistas enfrentam dificuldades semelhantes, ainda que, na cidade, tenham surgido outras soluções ao problema. Os membros da Associação de Skate de Ouro Preto (Askop) criaram uma escolinha fixa na Escola Polivalente, onde são montadas pistas de skates improvisadas. As aulas são administradas semanalmente, fora do horário letivo, para os estudantes e para a comunidade. O diretor da escola, José Eduardo Domingues, afirma que a atividade

contribui para melhorar a interação dos alunos. “É melhor o aluno estar na escola praticando alguma atividade do que na rua fazendo coisa errada”, defende o diretor. Participam das oficinas cerca de 45 pessoas, entre crianças e adolescentes. Thiago Candido e os demais membros entraram em contato com a Prefeitura de Ouro Preto e com a Secretaria de Esportes, quando foram apresentadas propostas de projetos para a construção fixa da pista de skate em um lugar adequado. “A associação participou de reuniões e audiências públicas, todas envolvendo a falta de um espaço adequado para o skate quanto a falta de espaços públicos para o lazer em geral”, acrescenta Thiago. A Askop é apoiada pelos projetos Campus Aberto e Universidade desce o Morro (UDM), ambos realizados por estudantes da Ufop. Thiago afirma que essas parcerias têm permitido a realização de mais ações: “O skate pode ser um ótimo transformador social, principalmente para os adolescentes, pois permite a troca de experiências”. De acordo com o diretor técnico de Esportes de Ouro Preto, Carlos Simões, a nova gestão não recebeu nenhum pedido para a construção de uma pista de skate na cidade. Ele afirma que não há registros de projetos voltados para o esporte, pois não existe esse tipo de procura.


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Foto: Lui Pereira Arte: Íris Jesus

das belezas do campo célia, Júlio, victória, yasmin e isabeli veem na simplicidade toda a riqueza de viver da terra


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