Marco Zero 61

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Foto: Bruno Covello

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ANO IX- NÚMERO 61 – CURITIBA, NOVEMBRO DE 2018

LEIA NESTA EDIÇÃO O dia em que a nota fiscal de um pente colocou as tropas nas ruas de Curitiba- Página 3 Mulheres lutam para ampliar o espaço de poder na política - Páginas 4 e 5 Quando a história do time e do narrador se cruzam no campeonato - Página 9

Restaurando

VIDAS Conteúdo exclusivo

Como um projeto para reparação de pinturas e de estrutura de um museu se tornou a oportunidade de transformar a vida de mulheres em situação de vulnerabilidade social

Jornal Laboratório - Curso de jornalismo do Centro Uninter


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Opinião

MARCO

ZERO

N.º 61 – Novembro de 2018 Foto: Fifa

Ao Leitor

Boa leitura!

A homofobia no futebol Patrícia

ZENI

A

cada 19 horas um LGBT morre no Brasil. Em 2017, por homicídio ou suicídio, 445 morreram em decorrência da orientação sexual. O número é maior que em países em que há pena de morte para pessoa LGBT. A realidade para quem é diferente é essa, e no futebol replica-se o padrão. Um esporte predominantemente masculino, que resiste a abrir os espaços para a minoria, vê jogadores gays sofrendo para sair do armário e torcedores se sentindo ameaçados dentro dos estádios. Um exemplo de jogador brasileiro que sofreu e ainda sofre homofobia é o volante Richarlyson. Campeão brasileiro em 1985 pelo Coritiba, o jogador sempre sofreu preconceito por parte das torcidas dos clubes que passou, mesmo nunca se declarando homossexual. Quando em 2017 o atleta foi apresentado ao Guarani, de Campinas, dois torcedores com a camisa do

clube atiraram bombas na frente do Estádio como forma de protesto pela contratação. Nas redes sociais não foi diferente. Apesar de a maioria ter demonstrado apoio à contratação, muito provavelmente pelo futebol e não pela orientação sexual, alguns insultos e piadas homofóbicas foram publicadas. Uma delas foi de um vereador da cidade, torcedor do rival Ponte Preta, que fez o seguinte post nas redes sociais: “a pessoa certa no lugar certo”. Outro caso mais recente é do jogador Nikão, do Atlético-PR, que postou nas redes sociais uma imagem com dois casais homossexuais e com a legenda: “Isso nunca será aceito por Deus” O que aconteceu neste caso? Nenhuma punição.

Futebol feminino

A realidade é diferente quando se trata do futebol feminino. As jogadoras não têm esse mesmo medo e a torcida não se importa.

Passo 1 Use o QR-Code ao lado para ser encaminhado à área do aplicativo no Google Play

J

á pensou em assistir a uma entrevista nas páginas de um jornal impresso, em vídeo? Ou quem sabe conferir um mapa em terceira dimensão, ou ainda interagir com elementos gráficos que saem das páginas? O que há poucos anos seria um sonho, agora é possível e está nas suas mãos. Isso mesmo! Venha com o Marco Zero na onda

Passo 2 da Realidade Aumentada, uma tecnologia que permite a interação entre elementos reais e virtuais. Para entrar nesta viagem, é fácil e rápido. Siga as instruções e participe da experiência da notícia interativa. Nesta primeira versão, o recurso pelo aplicativo do Marco Zero está disponível apenas para aparelhos com sistema operacional Android.

Confira se o seu celular e a versão do seu Android são compatíveis. Depois, clique em instalar.

Passo 3 Com o APP aberto, aponte a câmera do seu celular para a página do MZ quando tiver a imagem ao lado

No campo, a única coisa que importa é o futebol, como deve ser. Importantes jogadoras e treinadoras que participaram da Copa do Mundo de 2015 são assumidas. É o que aponta o site Outsports. 18 participantes do mundial daquele ano eram declaradas abertamente lésbicas ou bissexuais. Curiosamente 18 a mais do que a Copa masculina disputada um ano antes. Qual exemplo podemos usar aqui? Simplesmente a melhor jogadora do mundo, brasileira, aquela que conhecemos muito bem: Marta. Comentários como “imagina um filho dela e (insira aqui algum jogador que jogue bem e seja eleito melhor do mundo)” são feitos constantemente por quem quer exaltar o feito dela. O que está errado nesse comentário preconceituoso? No acesso do CSA, de Alagoas, time do coração de Marta, ela estava no estádio com a namorada, que é companheira de time no Orlando

Pride, dos Estados Unidos. Mas a principal e maior jogadora do país não pode ser lésbica, pode? Para quem é do futebol feminino, claro que pode! Para quem é acostumado com a cultura machista e homofóbica do futebol masculino? Deus nos livre!

E a mudança?

A fórmula para mudança no futebol masculino não é simples. Precisa de uma reeducação das pessoas. É um problema social que não atinge somente o mundo futebolístico. Não dá para precisar quando o futebol feminino evoluiu para ser tolerante. Acredito que tenha sido na fundação, quando não importava a orientação sexual, se você fosse mulher, não poderia jogar futebol. O futebol feminino é um espaço de luta, por que o masculino não pode ser também?

EXPEDIENTE

A vida se faz de construção e reconstrução. Os dias que se somam, um a um, enfileirados, como um grande muro que se ergue para nos proteger, para nos erguer, para solidificar. As vezes, as pedras no caminho tornam difíceis essa construção. Em alguns momentos, até derrubam alguns tijolos. Ter uma mão para nos levantar na derrota e nos indicar o caminho é fundamental para que possamos nos reconstruir. Mas de nada vale se não estivermos dispostos a agarrar essa mão e aproveitar as oportunidades. Este é um dos pontos do projeto RenovAÇÃO, que busca capacitar profissionalmente mulheres que sofreram abusos e vivem em situação de vulnerabilidade. Nesta edição do Jornal Marco Zero falamos um pouco sobre o projeto, e a oportunidade que oito mulheres têm de reconstruir a vida a partir de lições de restauração de obras de arte e de construção. Empoderamento feminino na política também é outro tema que trouxemos no Marco Zero de novembro, com uma matéria debatendo os resultados das urnas e a participação das mulheres na política paranaense. De 88 cargos em disputa, apenas 10% foram preenchidos por mulheres. No legislativo, apesar do aumento de deputadas eleitas em comparação a 2014, o quadro atual ainda é baixo. Entre as vagas da Câmara Federal e da Assembleia Legislativa Paranaense, apenas nove ficarão nas mãos de mulheres nos próximos quatro anos. No senado, a representatividade feminina perdeu a única vaga que detinha. Ressalta-se ainda que a chapa que assumirá a gestão do executivo do Paraná é exclusivamente masculina. Olhando para a história, há cerca de seis décadas Curitiba foi palco de uma guerra que durou três dias. O motivo: a nota fiscal de um pente. Isso mesmo. Ficou curioso? Então, percorra as páginas do seu Marco Zero.

O jornal Marco Zero é uma publicação feita pelos alunos do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter

Coordenador do Curso: Guilherme Carvalho Professor responsável: Alexsandro Ribeiro Diagramação: Equipe Marco Zero Projeto Gráfico: Equipe Marco Zero Uninter - Campus Tiradentes Rua Saldanha Marinho 131, CEP 80410-150 |Centro- Curitiba PR E-mail - alexsandro.r@uninter.com Telefones 2102-3377 e 2102-3380.


N.º 61 – Novembro de 2018

MARCO

Memória

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3 Foto:Biblioteca Nacioanl

Curitiba em guerra por um PENTE

A história do imbroglio da nota fiscal que gerou quebra-quebra e colocou os tanques do exército nas ruas da Capital

Bruno

CURUCA

As tropas do exército foram às ruas para conter os manifetantes

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ados da Secretaria da Fazenda do Paraná (Sefa) reforçam o resultado positivo do Nota Paraná, programa do governo estadual para combater a ilegalidade fiscal. Em poucos anos de existência, já são mais de dois milhões de pessoas cadastradas, um bilhão de notas fiscais emitidas e R$ 1,2 bilhão devolvidos aos cadastrados. À exceção de um ou outro que acha que o governo vai fiscalizar o consumo das pessoas, é natural pedir para que coloquem o CPF na nota tanto para a compra de um chiclé de poucos centavos quanto para a aquisição de produtos mais caros. Se hoje isso é normal, há quase seis décadas pedir o “cpf na nota”chegou a gerar um baita de um conflito. Em 1959, Curitiba se tornou campo de uma batalha popular que gerou muita confusão no centro da cidade. Por três dias, entre 8 e 10

Dias de caos Primeiro dia - as polícias militar e civil não conseguiram conter o tumulto que se instalou após o caso da nota fiscal. Instalou-se uma espécie de estado de sítio na cidade com toque de recolher.

Terceiro dia - a morte do senador Abilon de Sousa Naves (PTB), colocou fim ao movimento. Cotado para ser sucessor do então governador Moisés Lupion, Naves sofreu um enfarte fulminante em um jantar. A revolta perdeu forças com a atenção da imprensa à morte do político.

A Revista O Cruzeiro em sua edição de dezembro relatou os fatos com o título “Curitiba quase perdeu a cabeça por um pente”. Na matéria, a revista registra relatos de moradores e autoridades sobre o ocorrido. De acordo com a publicação aos gritos de “Brasil! Brasil!”,

O saldo da Guerra do Pente foi 120 comércios depredados, 7 edifícios do governo atacados, incluindo a sede da Polícia Militar do Paraná, e mais de 100 pessoas hospitalizadas testemunhas começaram o quebra-quebra horas após o incidente entre o policial e o comerciante. A primeira loja depredada foi a de Ahmed Najar, o Bazar Centenário. Os produtos foram jogados na rua. A violência seguiu para outras lojas e durante a noite teve seu incidente

mais notório, o ataque aos edifícios públicos como a sede recém-inaugurada da Biblioteca Pública do Paraná. A notícia correu a cidade e na manhã do dia, em 9 de dezembro, mais de vinte mil pessoas continuariam as depredações durante todo o dia. Durante a noite o caso mais reportado pela imprensa ocorreu durante uma festa em comemoração a ordenação do Padre Emir Caluff, na mansão de seu pai Miguel Caluff. A população promoveu destruição de carros dos convidados do evento. Um deles era do General Nelson Rebelo de Queiroz, que após inúmeras janelas quebradas e carros destruídos acionou a Policia Militar, mas não obteve nenhuma resposta. Diante da falta de competência da Polícia Militar em conter os atos e com o medo do aumento do tamanho das manifestações o governador do estado do Paraná e criador do programa de incentivo fiscal que causou o problema, Moisés Lupion, pediu o envio de tropas do exército para conter o caos e estabelecer um toque de recolher na cidade. O terceiro dia foi marcado por uma pesada presença militar no centro de Curitiba. Tanques de guerra, fuzis e cães tomaram as áreas de conflito dos dias anteriores. Outras re-

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giões da cidade sofreram com o medo das manifestações tomarem conta de Curitiba. Após alguns ataques as loja no período da manhã a região central registrou poucos problemas. Apesar de o conflito ter tido uma enorme repercussão e danos imensuráveis a algumas famílias de comerciantes a guerra do pente teve seu fim no quarto dia, com a saída das tropas das ruas. O saldo da Guerra do Pente foi 120 comércios depredados, 7 edifícios do governo atacados, incluindo a sede da Polícia Militar do Paraná, e mais de 100 pessoas hospitalizadas. Vários protestos e manifestações aconteceram desde a guerra do pente em Curitiba, como as Diretas Já na Boca Maldita e os protestos contra a tarifa de ônibus em 2012. Mas Curitiba nunca mais viu atos de vandalismo e caos similares aos de dezembro de 1959. Foto:Biblioteca Nacional

Segundo dia - entra em cena o exército, que ocupa as ruas da cidade com tropa e com tanques.

de dezembro, a cidade foi cenário de um conflito com direito a quebra-quebra e tanque de guerra nas ruas. Começou com um simples pedido de nota fiscal. Existia uma resistência de grupos árabes em acatar o tabelamento de valores de produtos pelo governo. A comunidade árabe era muito forte no centro de Curitiba, e para muitos moradores da região a Praça Tiradentes era conhecida como Turquia. Mas ao que tudo indica, os três dias de violência começou com um simples problema de comunicação. O produto vendido pelo comerciante libanês Ahmed Najar que dá o nome ao conflito, um pente, era de um valor abaixo do permitido para a emissão da nota fiscal. No entanto, o subtenente da policia militar, Antônio Tavares, ao comprar o pente, queria a nota. Depois de muita discussão a nota foi feita. Mesmo assim, o bate-boca continuou e se transformou em agressão física ao oficial, que acabou tendo a perna direita quebrada. A partir daí, foi tomando corpo o caso conhecido como Guerra do Pente. Por qual motivo a insistência na nota fiscal? Tavares, como muitos na época, estava atrás do prêmio de um milhão de cruzeiros que era concedido ao contribuinte que fosse sorteado pelo governo. Para fazer parte do sorteio era necessário juntar notas fiscais que somadas ultrapassassem três mil cruzeiros. A cada três mil cruzeiros comprovados o contribuinte garantia um cupom no sorteio, que tinha o slogan: “Seu Talão Vale um Milhão”. O programa foi desenvolvido pelo governo para estimular a arrecadação fiscal.

Manchete do jornal paranaense de 1959 sobre a tomada de Curitiba pelo exército


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Política

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N.º 61 – Novembro de 2018 Foto:Câmara Federal

A política do PATRIARCADO

Maioria da população paranaense, mulheres foram eleitas para apenas 10% das vagas nas eleições deste ano

Gabriel

MAFRA

Médica, pedagoga e primeira mulher a ser eleita deputada no país, Carlota de Queirós participou da Assembleia Nacional Constituinte, entre 1934 e 1935

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em relação à última legislatura, com a eleição de 2014. Já na câmara federal, as deputadas Cristiane Yared (PR) e Leandre (PV) foram reeleitas. As novas representantes do estado em Brasília são Gleisi Hoffman (PT), Aline Sleutjes (PSL) e Luiza Canziani (PTB). Dos vinte integrantes das chapas ao governo do estado (Governador e Vice), apenas seis eram mulheres, o que representa 30% do total. A chapa vencedora, do candidato Ratinho Júnior (PSD), era formada somente por homens. No senado, apenas 25% dos candidatos eram mulheres, mas nenhuma delas foi eleita. Ou seja, de um total de 88 vagas em disputa no estado, apenas 10,2% foram ocupadas por mulheres. Aos 22 anos, a londrinense e estudante de direito Luísa Canziani, foi eleita a deputada federal mais jovem desta eleição, com 90 mil votos. Ela também é a parlamentar mais nova do Paraná e a segunda

da história da câmara federal. Para Luísa, mesmo com a baixa presença, há de ressaltar um aumento em comparação à eleição anterior. “A representatividade na Câmara é pequena, infelizmente. Seremos apenas 77 a partir do ano que vem entre 513 parlamentares. Isso mesmo sendo a maioria da população. De qualquer forma, vamos melhorar 15% a representação na Casa se comparada com agora.

Creio que esta mudança é paulatina, vai melhorando ao longo das eleições’’, afirma. Para o doutorando em ciências política e professor da PUC e do Uninter, Luiz Domingos Costa, a participação feminina é importante na política atual. “Em um momento de abertura política para a população geral, é importante termos bastantes mulheres representadas”. Segundo o artigo décimo da

Conteúdo exclusivo

Foto:Câmara Federal

representatividade feminina segue em baixa na política. Desde que a médica e pedagoga Carlota de Queirós foi eleita para a Câmara Federal em 1934 pelo estado de São Paulo, tornando-se a primeira mulher a assumir um cargo no legislativo nacional, o quadro não mudou muito em termos quantitativo Mesmo com a lei cobrando dos partidos políticos um maior empenho em trazer para suas bases lideranças femininas, o que se percebe é que o mínimo exigido legalmente acaba por se tornar o teto da participação também. Exemplo disso é a eleição deste ano, em que foram eleitas apenas nove mulheres para cargos políticos no estado. Na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), as deputadas Maria Victoria (PP) e Cristiane Silvestre (PPS) coram as únicas reeleitas. As outras deputadas eleitas foram Mabel Canto (PSC) e Luciana Rafagnin (PT). As mulheres conquistaram uma cadeira a mais

Eleita para a próxima legislatura, Luiza Canziani (PTB) em meio ao congresso de maioria masculina


N.º 61 – Novembro de 2018

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Política

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Acredito que Número de mulheres e homens eleitos para o Congresso e para a Assembleia Legislativa do Paraná - 2018 nas próximas eleições teremos mais mulheres nos diferentes parlamentos. Quando eu estiver lá, vou querer me deter e discriminar os projetos que abordam o tema tem potencial eleitoral e motivação um universo de mulheres já enga- eleita, Luísa Canziani, teremos um nacional”, conclui. política mais deliberada. As cotas de jadas, mulheres que já estão politi- crescimento da representatividade, Uma mudança significativa, e ver o que alguma forma são incentivo para au- camente organizadas em grupos de sobretudo nas próximas eleições. contudo, só acontece com uma poderemos melhorar mentar a motivação e o espaço das feministas, estudantes, ou núcleos “Vai crescer sim. Acredito que nas grande mudança, conforme aponta mulheres nas campanhas eleitorais. de alguns partidos. Portanto o efei- próximas eleições teremos mais Costa. “Para uma alteração mais com propostas É uma medida que tem sido utiliza- to não vai ser um efeito estrutural mulheres nos diferentes parlamen- substantiva tinha que haver uma efetivamente da em muitos países”. na sociedade, que produza uma tos. Quando eu estiver lá vou que- reforma política focada nisso. Na As razões para a predominân- mobilização muito significativa. rer me deter e discriminar os pro- verdade, tem a ver com o sistema realizáveis. cia são várias, mas para Costa, isto Dessa forma, não deve alterar pro- jetos que abordam o tema e ver o eleitoral brasileiro que favorece o

Dados:TSE

Lei das eleições de 1997, cada partido ou coligação deve preencher no mínimo 30% e no máximo 70% de candidaturas de cada sexo para os cargos ao legislativo. Mas no Paraná, em 2018, o piso foi o máximo. Apenas 30,6% das candidaturas eram de mulheres. Apesar da eficácia da lei ser posta em xeque, Costa entende que sem ela, a participação seria ainda menor. “Se não houvesse a lei das cotas das candidaturas femininas, provavelmente a quantidade de mulheres candidatas seria inferior. Algo entre 10% ou 15%. Visto que normalmente as que se elegem são as que Foto:Arquivo Pessoal

acontece por questões culturais que se inicia desde a socialização das mulheres na infância. As tarefas domésticas geralmente são designadas para as mulheres, que tendem a ficar mais “engessadas”, enquanto os meninos realizam tarefas mais voltadas para o mundo público, atividades de criação e liderança, por exemplo. Por ainda vivermos em uma sociedade machista, em que a divisão do trabalho é muito marcada pelo gênero, quando adultas, as mulheres também são submetidas a até três jornadas de trabalho diariamente para cuidar da casa, dos filhos, além da vida profissional. O que retira delas um item precioso: o tempo. “O tempo é uma variável fundamental para entender a inserção política. Porque normalmente para participar, para se engajar politicamente, é preciso dedicar tempo. Uma vez que os homens não têm a mesmas atividades que as mulheres, para eles sobra mais tempo para poderem se dedicar a política, e isso vai sendo uma filtragem que vai tirando as mulheres do universo político dos partidos e movimentos sociais e coloca mais os homens”, salienta o cientista político.

fundamente o quadro nas próximas eleições”, aponta Costa. Além disso, os partidos, em sua maioria, ainda são controlados por homens, critica o professor do Centro Uninter. “Os partidos têm uma dinâmica muito masculina de combate, de enfrentamento, que normalmente é um espaço que gera exclusão das mulheres do espaço político, e consequentemente, das candidaturas”. Entretanto, para a deputada

que poderemos melhorar com propostas efetivamente realizáveis”. Luísa ainda afirma que vai incluir as mulheres na sua principal bandeira política: a educação. “Quero trabalhar o tema de forma a melhorarmos a qualidade nas salas de aula por meios das novas tecnologias de comunicação. Quero destacar a mulher dentro deste processo de forma a conscientizar e melhorar a participação dela nos processos decisórios da política

voto personalizado, ou seja, o voto na figura do candidato. E como os homens tem sempre vantagem, mais recursos, mais exposição na mídia, as mulheres ficam sempre atrás na comparação”. Para o cientista político, para que tenhamos um aumento da participação efetiva num futuro temos que mudar o sistema eleitoral de lista aberta para lista fechada, com candidaturas intercaladas entre os dois sexos.

MULHERES eleitas pelo Paraná

Maria Victória (PP)

Leandre (PV)

Mabel Canto (PSC)

Cristiane Silvestri (PPS)

Luciane Rafagnin (PT)

Luiza Canziani (PTB)

Cristiane Yared (PR)

Aline Sleutjes (PSL)

Gleisi Hofmann (PT)

Formas para alterar essa realidade

Visto que a desigualdade acontece muitas vezes por motivos estruturais, ainda existem obstáculos para diminuir a diferença. O pleito desse ano foi marcado por vitória de candidatos com ideais mais conservadores, o que pode deixar pautas de direitos femininos em segundo plano. “Quando as mulheres se veem com seus direitos ameaçados é possível que elas se mobilizem. E isso pode ter efeito de aumentar as candidaturas em um curto ou médio prazo. Mas isso só perante a


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Especial

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N.º 61 – Novembro de 2018

Foto:Bruno Covelo

As mãos que restauram a arte e a vida Gabriel

MAFRA

Projeto promove oficina de capacitação na área de conservação e restauro para mulheres em situação de vulnerabilidade

O projeto foi vinculado à reforma do espaço do museu Alfredo Andersen, em Curitiba

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urante 10 anos, Nirielle Boarte foi casada com o ex-marido e agressor, até que se deu conta que não merecia viver cercada pela violência e pelo medo. Moradora de Fazenda Rio Grande, na Região Metropolitana de Curitiba, ela foi até a capital buscar ajuda na Casa da Mulher Brasileira. Sem emprego fixo e morando em uma nova casa com os dois filhos, ela encontrou ajuda para recomeçar a vida no projeto cha-

mado RestaurAÇÃO. O projeto atende mulheres que estão em situação de vulnerabilidade social e que tenham sofrido algum tipo de violência ou abuso. Foram selecionadas oito mulheres através de contatos com a Casa da Mulher Brasileira de Curitiba. O objetivo primário da ação foi capacitar essas mulheres para atuarem profissionalmente na restauração artística. Ao final do curso serão certificadas como auxiliares de restauro, além de permitir que elas

trabalhem com pinturas simples, como as empregadas na construção civil. A idealizadora da ação é a arquiteta e especialista em restaurações, Tatiana Zanelatto. A ideia surgiu a partir de uma dificuldade para encontrar mão de obra qualificada para auxiliar nos seus trabalhos. “Trabalho com restauro há 17 anos e toda vez que preciso montar uma equipe tenho uma dificuldade muito grande. Não existe mão de obra especializada”. Foto:Bruno Covelo

Foi aí que surgiu a iniciativa de unir a sua necessidade com uma ação em prol do próximo. “E se eu capacitasse mulheres para me ajudar?”, foi a questão que deu o ponta-pé no projeto. A sala de aula das alunas é o Museu Alfredo Andersen, no bairro São Francisco, região central de Curitiba. O espaço é dedicado ao artista norueguês, nascido em 1869, que se instalou em Curitiba por volta dos 30 anos de idade. Coincidentemente, o museu também passa por uma reforma, que será concluída em dezembro, juntamente com o projeto. O Museu está sendo adaptado ao conceito de “Museu-Casa”, aproveitando o fato de que o imóvel também foi a casa de Andersen. A parede restaurada pelas alunas do RestaurAÇÃO é no espaço onde era o quarto do artista. “As paredes estavam cobertas com mais de oito camadas de pintura lisa, na cor clara, e sua pintura decorativa original estava bastante fragilizada, apresentando desgastes, perda de camada de policromia, sujidades e fissura”,

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diz Tatiana. Agora, a parede foi totalmente restaurada. A pintura original que ocupava apenas um pedaço foi estendida para o restante da parede. A realização só foi possível pela parceria com a ONG Unicultura, e viabilizada graças a Lei de Mecenato promovido pela Fundação Cultural de Curitiba, além de ter o apoio financeiro de outras instituições, como Instituto Joanir Zonta, Randon Rodoparaná e Imax Diagnóstico por imagem. Somente através desses incentivos é que foi possível viabilizar auxílio-transporte, uma bolsa de estudos de R$800 por mês e acompanhamento psicológico.

A realização foi possível pela parceria com a ONG Unicultura, e viabilizada graças a Lei de Mecenato promovido pela Fundação Cultural de Curitiba

Restauração das pinturas nas paredes do museu foram o foco do curso


N.º 61 – Novembro de 2018

Paula Ramires estava separada do ex-marido já fazia alguns anos, quando descobriu que estava com câncer. Nesse mesmo tempo, um Juiz determinou que seus dois filhos fossem morar com o pai enquanto ela fazia o tratamento. Foi quando o ex-marido proibiu ela de ver seus filhos. Ela foi buscar apoio jurídico na Casa da Mulher Brasileira para tentar reverter a situação. Com o suporte, conseguiu voltar a morar com o filho mais novo após um desentendimento com a madrasta. Mas conta que até hoje

não tem contato com o mais velho. “Já tem quase dois anos que não me deixam ver meu filho mais velho, é muito difícil pra mim”. A briga jurídica pela guarda das crianças continua, e ela conta que o que lhe machuca são as mentiras contadas para seu filho. “Tudo que foi contado para ele não e verdade. Existe uma história de alienação parental nisso tudo. E essa é outra briga que eu vou ter”, desabafa. Paula ainda conta que o projeto é uma oportunidade para um novo inicio. “É como se eu tivesse recomeçando a minha vida. Fazendo coisas que gosto, como pintar, desenhar e usar minha imaginação para fazer algo bonito”. Batalhadora, ela deixa uma mensagem para mulheres que estão em situações difíceis. “Coragem! Cara limpa. O mundo lá fora é feito de muitas mentiras, infelizmente hoje as pessoas são muito mentirosas. Que elas nunca deixem de ter verdade dentro de si mesma. Por isso que tem que ter coragem de mostrar a cara, e dizer ‘eu faço, eu sei fazer’. Não deixem que nenhuum homem ou mulher, independentemente da relação, te menospreze. É preciso ter autoestima e acreditar que é capaz de tudo”. Para além da procura por auxiliares, Tatiana Zanelatto teve uma Foto:Gabriel Mafra

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“Eu dei uma ponta de esperança para essas oito mulheres. E agora eu vou fazer o quê? Vou soltar elas no mundo? Eu preciso de uma obra, preciso que elas continuem acreditando que isso não foi só um lampejo”, afirma Tatiane Zanelatto motivação pessoal para querer ajudar mulheres, principalmente as que foram vítimas de abusos. Ela foi vítima de um assalto, e foi violentada fisicamente pelos assaltantes. Após o caso, Tatiana ficou desolada. Entretanto, ela teve apoio da família, tratamento terapêutico e pode afastar-se de seu trabalho para se recuperar. “Tive todo um privilégio, que foi o apoio. Então pensei, o que eu posso fazer por quem realmente passa por isso e não tem condições? Que não podem ter um acompanhamento psicológico ou jurídico?”. Agora, já no final do curso, Tatiana está em busca de novos projetos para continuar ajudando as alunas “Eu dei uma ponta de esperança para essas oito mulheres. E agora eu vou fazer o quê? Vou soltar elas no mundo? Preciso de uma obra, preciso que elas continuem acreditando que isso não foi só um lampejo”, diz. “Lembro-me delas na Casa da Mulher. Elas não falavam. Tinham medo de tudo, estavam muito assustadas. Tinham medo de sair de casa, de estar junto com outras pessoas, medo de encontrar

“É como se eu tivesse recomeçando a minha vida. Fazendo coisas que gosto, como pintar, desenhar e usar minha imaginação para fazer algo bonito”, desabafa Paula Ramires, que conheceu o projeto após buscar apoio jurídico na Casa da Mulher para uma disputa pela guarda dos filhos

Projeto começou com busca por mão de obra especializada o agressor a qualquer momento. Hoje, são mulheres que tomam decisões, que conseguiram ter um pouco mais de dignidade, um pouco mais de força, de esperança e de calma”, afirma a arquiteta. Tatiana espera deixar um legado para as alunas e passa uma mensagem para todas as mulheres

em situações parecidas. “Ainda dá pra ser feliz, aquilo lá já passou. Independente do que aconteceu, existem dificuldades, e não interessa o estado que está tua obra, em quantos fragmentos aquilo te deixou, é passível de reconstituição. Você consegue juntar todos os pedaços e seguir em frente’’, finaliza. Foto:Bruno Covelo

Diagnosticada com câncer, Paula enfrenta disputa pela guarda dos filhos

Especial

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Foto:Bruno Covelo

“Trabalho com restauro há 17 anos e toda vez que preciso montar uma equipe eu tenho uma dificuldade muito grande .Porque não existe mão de obra especializada”, afirma a idealizadora do projeto, Tatiana Zanelatto

MARCO

Além de uma nova profissão, o curso é uma oportunidade de reconstruir a vida


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Cidade

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Direitos N.º 61 –Humanos Novembro de 2018

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Foto:Ivone Souza

Decifrando o olho do Museu Jucelene

LOPES

Quando falta ACESSO à cidade

Ruas esburacadas e calçadas irregulares estão entre os percalços que deficientes físicos enfrentam na cidade

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Ivone

SOUZA

Cláudia

FREIRE

Falta de acessibilidade prejudica locomoçào do casal Aristides e Maria Catarina. Ambos são cegos.

F

evereiro de 2007 foi um mês de ruptura para o designer gráfico Leonardo Ferreira, 20 anos. Era véspera de carnaval, e o jovem tinha ido a um pesque-pague com amigos. Lá, decidiu se banhar no rio. Sem conhecer o local, ele tomou distância, correu e mergulhou. A partir dali, viu sua vida mudar completamente. O jovem fraturou as vértebras C4, C5 e C6 após bater com a cabeça no fundo do rio, que era raso. Nas três semanas que ficou internado no Hospital do Trabalhador, Ferreira passou por duas cirurgias para estabilizar a cervical. Mas os esforços médicos não o livraram de perder parte dos movimentos das pernas. No início, conseguia mexer apenas os olhos. Após intensa fisioterapia, recuperou parte dos movimentos dos membros superiores. “Minha noiva estava grávida na época e eu só pensava neles, em lutar pela minha vida e melhorar. Ao longo dos primeiros anos fui aos poucos recuperando parcialmente os movimentos superiores com muita força de vontade e fisioterapia”. Ao receber alta do hospital, Ferreira recebeu a notícia de que seu filho havia nascido prematuro, com seis meses, e com paralisia cerebral. Teve que se manter forte para se recuperar e dar suporte à esposa. Hoje, pai e filho enfrentam juntos as dificuldades de serem cadeirantes. Há onze anos em uma cadeira de rodas, o designer gráfico enfrenta diariamente uma série de obstáculos para se locomover na cidade. Se Curitiba é pioneira em termos de projetos de mobilidade urbana e de planejamento sustentável, a cidade precisa avançar muito ainda em política contínua de acessibilidade. Ruas esburacadas, rampas muito íngremes ou com ressaltos e calçadas irregulares estão entre os percalços que o designer gráfico precisa enfrentar para se locomover diariamente na “cidade modelo”. “Muitas vezes não

consigo seguir em frente nas calçadas. Então tenho que seguir pela rua, na maioria das vezes movimentada e correndo o risco de ser atropelado”, diz. Ele reclama também da falta de acessibilidade em parques dos quais não consegue passear. Acessibilidade não é apenas tirar as barreiras dos locais, mas sim dar condições para que pessoas com deficiências possam percorrer e acessar com autonomia, espaços públicos, serviços e equipamentos urbanos. Para o casal Aristides Olímpio Manuel e Maria Catarina, ir e vir na cidade é difícil. Ambos perderam a visão já na adolescência por conta de glaucoma e catarata congênita. Os dois frequentam o centro de Curitiba

Acessibilidade não é apenas tirar as barreiras dos locais, mas sim dar condições para que pessoas com deficiências possam percorrer e acessar com autonomia, espaços públicos, serviços e equipamentos urbanos diariamente e reclamam das calçadas e dos obstáculos no meio do caminho deixados por comerciantes. “Várias vezes viramos os pés nas ruas e calçadas e irregulares, e já nos machucamos muito por aí”, reclamam. Até mesmo o piso tátil, que devia servir de suporte para cegos, na opinião do casal pode mais oferecer

um risco aos cegos que auxiliar. “Fizeram errado aqui, é uma só no meio da rua, se tiver vindo dois cegos em lados opostos eles se trombam, se fosse dos dois lados não teria esse risco”. Os avisos sonoros dos semáforos também foram alvo de críticas. O casal afirma que são poucos os sinaleiros com avisos, e os que existem, são abafados pelos sons da cidade. “É muito baixo quase não dá para ouvir”, afirmam.

torre do Museu Oscar Niemeyer (MON) desperta a curiosidade entre os visitantes. Com arquitetura inusitada, o edifício é uma obra de arte ao ar livre. Há vários palpites sobre o que teria inspirado o arquiteto quando desenhou o projeto. Entre os que se destacam, além da obviedade do olho, são a bailarina e a araucária. O edifício tem 30 metros e possui dois andares. O primeiro é ocupado por uma galeria chamada Espaço Araucária, o que sugere uma possível relação entre a árvore e a inspiração de Niemeyer. No segundo, está o principal salão de exposições. Já na parte externa da torre, a bailarina desenhada parece assinar a obra. Ela estica uma fita com os

O MON vem se tornando um dos principais cartões postais de Curitiba. O formato da obra divide opiniões entre visitantes braços e seu movimento forma um “olho”, sendo a principal sugestão dos visitantes sobre o que teria inspirado o arquiteto. Niemeyer sempre ressaltou que a principal influência em suas obras era o movimento das curvas. Não há registros que afirmem qual seria a inspiração para “olho”, mas como toda arte é livre de interpretação, cabe à imaginação do visitante responder à pergunta. Para Mateus Lima, de 7 anos, frequentador do museu, não há dúvidas: “Com certeza é um chapéu”.

Acessibilidade no transporte público

De acordo com a Urbanização de Curitiba (Urbs), 95% da frota do transporte público da capital está equipada com elevador para auxiliar na subida de cadeirantes. Os ônibus, de acordo com o órgão, possuem equipamentos e espaço com segurança, para garantir acessibilidade. A mesma preocupação, no entanto, é encontrada quando o assunto são os pontos dos Ligeirinhos e dos Biarticulados na cidade. Segundo a Urbs, 41 das 329 Estações Tubo espalhadas or Curitiba não possuem elevador ou rampa de acesso.

Acessibilidade na hora do lazer

Nem tudo é crítica. Algo a ser destacado são os brinquedos inclusivos em espaços públicos e nas atividades de esporte e lazer desenvolvidas pela Prefeitura . Os parques inclusivos começaram a ser instalados a partir de agosto deste ano. O primeiro kit de brinquedos adaptados para pessoas com pouca mobilidade ou com deficiência visual, foi instalado no Parque do Semeador, no bairro Sítio Cercado. O kit contém brinquedos desenvolvidos para crianças e jovens com deficiência. São eles: gangorra, uma tirolesa, um balanço e um skate adaptado.

Foto:AEN

Nem sempre o Mon foi museu Jéssica

BILIBIU

A

construção do Mon começou em 1967. Na época, ganhou o nome de Edifício Presidente Castelo Branco. O objetivo inicial era de receber o Instituto de Educaçã, mas a instituição nunca funcionou no local, que passou a ser ocupado por secretarias do estado. Em 2002, o prédio foi refor-

mado e novamente contou com o trabalho do arquiteto. Foi quando surgiu o seu anexo mais famoso, conhecido como “Olho” e passou a ser chamado de Novo Museu. Só no ano seguinte recebeu o nome em homenagem ao arquiteto. Além das salas de exposições, a estrutura possui um auditório, o Mon Café, um lugar aconchegante que virou ponto de encontro dos visitantes, e ainda possui o Mon Loja, com produtos personalizados com a marca do museu.

A arte de Niemeyer em Niterói Ananda

O

OLIVEIRA

MON não é o único museu projetado por Niemeyer com característica inusitada. Em frente ao mar de Niterói (RJ), o Museu de Arte Contemporânea

também aparenta estar suspenso no ar, sua forma lembra um cálice ou mesmo um disco voador. Inaugurado há 22 anos, possui 1217 obras cedidas em contrato pelo colecionador João Sattamini. É o segundo maior acervo de arte contemporânea do país e uma das maravilhas arquitetônicas do mundo.


N.º 61 –Especial Novembro de 2018

MARCO

Um fantasma no meio do caminho Evandro

TOSIN

I

campeonato, o clube disputou 24 partidas, com 2.160 minutos de bola rolando. O torcedor ouviu os 51 gols do Fantasma na voz de Edgar.

A voz do gol

Edgar narrou o único e decisivo gol da partida diante do Cuiabá, aos 9 minutos do segundo tempo. “Vai descendo o Operário pelo meio, domina, Erick ajusta mais atrás ainda, vira o jogo, Cleiton. Quirino desceu perigosamente, bateu, houve o desvio, o toque. Olha o gol! Bruno Batata! Gol! Do nosso Fantasma. Gol do Operário no campeonato brasileiro”. “Foi pra cima o Fantasma. Bola solta para o setor intermediário, Cleiton vira o jogo, Quirino vai pra área, ele bateu cruzado, Vitor espalma, Batata fecha e empurra para o fundo das redes do Cuiabá. Bruno Batata, nove, nove é o calibre do assassino do fantasma. Assombra eles, fantasma. Sai na frente o Operário, na Arena Pantanal, Tá um para Operário, zero para o Cuiabá”, narrou Edgar. Durante o duelo, outro protagonista entrou em cena. Simão, goleiro do Operário, realizou cinco defesas difíceis. “São Simão” operou milagres durante a finalíssima. O arqueiro se transforma. “50% do título foi do Simão”, comenta o narrador. “Estava tudo desenhado para a equipe do Cuiabá vencer”, comenta o jornalista esportivo. O adversário tinha a vantagem da decisão em casa. No primeiro jogo, o time mato-grossense arrancou um empate fora de casa, no Germano Krüger, por 3 a 3.

Estava confiante para os últimos 90 minutos em Cuiabá. Até se dar o apagão, e o Fantasma entrar em campo.

Quando virou Fantasma

Com 106 anos de história, o Operário dos Ferroviários da Vila Oficinas de Ponta Grossa realizou algo inédito ao conquistar o título da Série C. O clube foi batizado inicialmente de Foot-ball Club Operário Ponta-grossense, mas só em 1933 ganhou o nome atual: Operário Ferroviário Esporte Clube. O clube ganhou o apelido de “Fantasma da Vila” pela invencibilidade em 1914. Conquistou o seu primeiro título como campeão ponta-grossense.

Na cola do fantasma

Faltava poucos minutos para acabar a final da Série C de 2018 e toda a mente de Edgar se encheu com as memórias da trajetória percorrida junto com o Operário. As lembranças traziam detalhes das viagens de ônibus ou de algum aeroporto do Brasil. “Passa na cabeça tudo aquilo que aconteceu”, lembra. Suas referências no jornalismo esportivo são Osmar Santos, Oscar Ulisses, Marcelo Ortiz e Edgard Felipe. Mas é preciso criar uma identidade própria, para não ficar na aba dos outros. “O narrador esportivo

tem de achar o seu estilo”, afirma. Edgar diz que para se destacar na profissão é necessário ter agilidade, técnica de respiração e descrever em que local ou setor bola. “O rádio, em sua essência, é emoção, é conquistar o torcedor”, diz. O narrador conquistou os torcedores com sua voz ao microfone. “Eu fui muito bem acolhido. Me considero mais um torcedor Operário”, comenta. Todo narrador tem um bordão. Edgar criou um neste ano: “Assombra eles Fantasma!” O trem fantasma estremeceu o chão pelo Brasil, amedrontou os adversários, encheu de orgulho a torcida. Alegria para os ferroviários. Missão cumprida para Edgar Araújo. A sua jornada atrás do Operário estava completa. Vem agora a Série B em 2019.

Um menino atrás da bola

Tudo começou pela brincadeira na infância e se estendeu pela adolescência. Edgar narrava os jogos no futebol de botão e as partidas de videogame. Mas só descobriu a habilidade que tinha aos 24 anos, quando realizou um curso de locução. Edgar começou a carreira no final de 2013 pela Rádio Comunitária Cajuru. Já narrou partidas Copa Libertadores da América, Sul-Ameri-

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Conteúdo exclusivo

cana, Copa do Brasil, série A, B, C e D do Campeonato Brasileiro. E foi repórter em duas partidas da Copa do Mundo de 2014, pela Rádio Educativa. Passou ainda pela Rádio Fênix, Rádio Iguassu e Clube FM (Curitiba). O talento só foi se desenvolvendo. Além das transmissões pela Rádio Clube Pontagrossense FM, atualmente também trabalha na Rádio CBN de Curitiba. Em dezembro de 2017, Edgar recebeu uma ligação do diretor da Rádio Clube Pontagrossense, Ozires Nadal. O radialista com experiência de 11 Copas do Mundo convidou o estudante para participar das transmissões esportivas do clube alvinegro. Ele iniciou o trabalho em fevereiro de 2018, na segunda divisão do Campeonato Paranaense de 2018. Foto:Operário Ferroviário de Ponta Grossa

magine você se deparar com um fantasma à sua frente, e ousar enfrentá-lo, embora ciente de que tantos outros colegas – e adversários, inclusive – fizeram o mesmo e não se deram bem. Você frente a frente com a assombração num momento decisivo, e de repente a luz se apaga. Escuridão total. As pernas bambam. Ninguém é o mesmo depois disso. Esse acontecimento “sobrenatural” se deu às 19 horas de um sábado, 22 de setembro, em Cuiabá. O termômetro marcava 35 graus na capital sul-mato-grossense. O embate iminente tinha o Fantasma de um lado e o Dourado de outro. Mas eles não estavam a sós. Numa Arena Pantanal lotada, 41.311 pessoas se espremiam ansiosas pelo início do duelo. Três minutos e se deu o apagão. Transcorrida hora e meia às escuras, a peleja recomeça. O apagão parece ter surtido efeito apenas em um dos lados. Assombrar é a “arma” do Operário, que não à toa é conhecido como Fantasma. Foi essa a rotina na trajetória do clube no Campeonato Brasileiro da Série C de 2018, em que se sagraria campeão. Um jovem estudante acompanhou os assombros do Fantasma Brasil afora. Revelação da crônica esportiva paranaense, Edgar Araújo é estudante de Jornalismo da Uninter e empreendeu uma jornada de 32 mil km por oito estados ao longo de 161 dias durante a campanha do Fastasma na Série C. Edgar narrou a ascensão do Fantasma pela Rádio Clube Pontagrossense FM, ou PR-J2, a primeira rádio do Paraná, criada em 1940. Ele estuda em Curitiba e venceu os 115 km até Ponta Grossa em todos os jogos disputados pelo Operário em casa, no estádio Germano Krüger. Em todo o

Uma jornada de 32 mil km por oito estados e dez cidades, ao longo de 161 dias

Perfil

ZERO

Campanha do Fantasma na Série C mobilizou sensibilizou amantes do futebol do Paraná


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Crítica

MARCO

ZERO

N.º 61 – Novembro de 2018

Foto:Divulgação

CINE: de volta para o futuro das ruas Poliana

STEFFANY

CORRA: um tapa na cara necessário Larissa

OLIVEIRA

H

á tempos um filme não mexia tanto comigo. Get Out (Corra) fez com que eu ficasse desconfortável, ajeitando-me na cadeira. Fez que eu ficasse indignada, paralisada, com medo, revoltada, interagindo com os personagens como se eles me ouvissem. Mas, porquê esse alvoroço todo por um filme que foi lançado em 2017? Sinceramente, não me interessei por Get Out na estreia, pois me vendiam o filme como sendo de terror. Como tenho uma imaginação “fértil”, evito esse gênero. Quando me permiti assistir filmes de terror, na maioria das vezes fiquei entediada. Poucos me fizeram sentir algo além de pavor. Get Out foi um filme que me fez experimentar diversas sensações. Mas ele não é um filme de terror, é um filme com camadas. A premissa do filme é algo que já vimos em diversos outros. Um rapaz está apaixonado e é convidado pela namorada para conhecer a família dela. Mas há um detalhe que muda todo o enredo. Chris (Daniel Kaluuya, que você vai reconhecer ele como “olha, é o menino do Black Mirror”) é um rapaz negro, e sua namorada, Rose (Allison Williams) é branca. Quando Crhis pergunta a Rose se a família dela o aceitará, a moça afirma que a família dela não é racista. Há aí um porém. Acompanhamos a viagem do casal para casa dos pais dela, e um cervo é atropelado por Rose. Ela chama a polícia para relatar o ocorrido, e Chris assiste a agonia do animal. O policial pede o documento de ambos, Rose fica irritada e evita que Chris mostre sua identidade para o policial. Neste momento acreditamos que é o preconceito que leva o policial a fazer tal pedido. Guarde essa informação. Ao chegar na bela casa da família de Rose, Chris vê o jardineiro da família, um homem negro, e se sente mais aliviado, mas sentimos que há algo estranho naquele lugar. O casal

conta o que houve na estrada e o pai de Rose diz que odeia cervos, que queria que todos eles morressem. Parece uma frase aleatória, no entanto, neste filme nada é em vão o roteiro costura todas as cenas. Há outras cenas protagonizadas pelo pai de Rose que nos intriga. Uma cena que ele mostra avô de Rose para Chis e fala que ele perdeu as olimpíadas em Berlim para Jesse Owens (um atleta negro que ganhou quatro medalhas de ouro em 1936). Em outra cena ele diz que mesmo Obama sendo negro, votaria novamente nele, pois ele foi um ótimo presidente. Por mais que essas frases “pareçam” elogios, elas são carregadas de racismo.

A família de Rose organiza uma festa, as pessoas presentes parecem superficiais e esquisitas. Os convidados abraçam o jardineiro como se fossem íntimos, mas porque pessoas racistas estariam abraçando um homem negro? O clima do filme vai mudando e conhecemos melhor o restante da família, a mãe de Rose trabalha com hipnose e ajuda pessoas a abandonar vícios, o irmão de Rose é um rapaz que transpira agressividade. A história flui e a mãe de Rose quer ajudar Chis a parar de fumar, não sabemos se a hipnose usada para o tratamento aconteceu de fato. Só assistindo o filme para descobrir. Chis é um fotógrafo com uma arte forte e melancólica, isso se dá pois sua vida é marcada pela morte da mãe, ela

morreu atropelada, e Chris se sente culpado pois ao invés de saber o motivo da demora da mãe voltar para casa, ficou assistindo televisão. Ele diz que se tivesse chegado e chamado socorro, a mãe estaria viva. Você lembra que lá no começo eu falei do atropelamento do cervo e que Chis viu o animal agonizando. A família de Rose organiza uma festa, as pessoas presentes parecem superficiais e esquisitas. Os convidados abraçam o jardineiro como se fossem íntimos, mas porque pessoas racistas estariam abraçando um homem negro? Neste momento acompanhamos várias coisas acontecendo, Chris sente um enorme desconforto de estar em meio a tanta gente fútil e ouve absurdos como “ser negro está na moda”, “olha seu corpo, como você é forte”, insinuações e mais insinuações. Nessa mesma festa vemos um leilão acontecer e o prêmio é nosso querido protagonista. Essa cena é referência aos leilões de escravos que aconteciam antigamente nas plantações de algodão nos Estados Unidos. Eu espero que essa crítica tenha te deixado confuso e curioso para ver o filme. Não respondi várias indagações que levantei aqui, pois espero que você assista essa película e veja o quão genial o diretor e roteirista foram. É um filme que me fez ficar até às 1h da manhã refletindo e montando um quebra cabeças. Quem diria que Jordan Peele (diretor) sendo comediante conseguiria fazer um filme tão sombrio. Get Out fala de racismo, preconceito, injustiças, escravidão, solidão, melancolia, amor, traição, medos e perdas. Além de mostrar essas feridas o filme faz questão de cutuca-las para que possamos pensar em todos os momentos que julgamos alguém sem conhecer a luta daquela pessoa. Eu não sou a mesma pessoa depois que assisti a esse filme, e conversando com amigos, vi que eles também mudaram. Get Out é surpreendente.

Gabriel

GUIMARÃES

C

uritiba está prestes a recuperar o charme perdido na década de 90, quando os shoppings começaram a conquistar o público dos cinemas de rua da capital. Em 1916, a cidade contava com sete locais destinados à exibição de lmes: Cine Mignon, Cine Éden, Cine Smart, Cine Radium, Cine Bijou, Cine Progresso e Cine América. Por estarem localizados em uma região central, conhecida como a Cinelândia Curitibana, esses locais estavam sempre lotados. Eram um verdadeiro ponto de encontro, principalmente aos domingos. Porém, a partir dos anos 80 o cinema de rua passou a sofrer com a concorrência da TV e das vídeo-locadoras. Sem ter como disputar com as facilidades modernas, os cinemas de rua

Projeto desenvolvido pela prefeitura poderá marcar a volta do cinema de rua em Curitiba tinham cada vez menos público. Em 1996, o Shopping Curitiba estreava seis salas com o conceito multiplex. Foi então que os cinemas do centro da cidade começaram a perder bilheteria gradativamente. Assim, os assíduos frequentadores do cinema de rua começaram a migrar para os shoppings. O público passou a dispor de uma diversidade de opções em um único lugar, como praça de alimentação, caixas eletrônicos, lojas, playgrounds e cinemas. Tudo com a vantagem de ter segurança e conforto. Mas, para os saudosistas, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) desenvolveu junto com a Fundação Cultural (FCC) o projeto do Cine Passeio. Com previsão de inauguração em 2018, a obra marcará o retorno do cinema às ruas.

Foto:Matheus Davilla

Fachada do prédio que abrigará o novo Cine Passeio

Um potencial transformador do espaço público Matheus

DAVILLA

Rhúbia

RIBEIRO

P

ara Eduardo Baggio, cineasta e professor da Faculdade de Artes do Paraná (FAP), o cinema de rua é um marco histórico para Curi-

tiba. Foi espaço de apreciação artística e de entretenimento que atendeu aos desejos de uma sociedade moderna em formação. “A abertura do Cine Passeio tem potencial para uma transformação do uso do espaço público central da cidade”, acredita. Ainda assim, para o cineasta, tudo vai depender da boa programação do cinema, já que existe outras salas públicas que não tem conseguido um grande êxito na relação com as pessoas da cidade. Diferente das salas pasteurizadas dos shoppings, as salas de rua proporcionavam oportunidades de transitar pela cidade, de ver pessoas diferentes e de encontrar com um mundo plural e diversificado.


N.º 61 – Novembro de 2018

MARCO

Tecnologia

ZERO

@TÁ NA WEB

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Poliana

STEFFANY

Especial

Jornalista na web

Assim como outras profissões, tais como a medicina e a engenharia, o jornalismo também teve de entrar no meio digital para conseguir se sentir cada vez mais próximo do seu consumidor. Jornais como a Gazeta do Povo, que antes tinham a versão impressa, hoje só possuem versão digital. Entretanto, não só a plataforma de consumo das notícias está se modificando, mas também a qualificação dos próprios jornalistas.

Cursos e

informações Um desses locais virtuais é o site IJNET (Internacional Journalist’ Network), que promover notícias, oportunidades e dicas sobre o jornalismo. Bolsas financeiras para a construção de uma reportagem, dicas de técnicas jornalísticas voltadas principalmente aos meios digitais e a publicação de reportagens fei-

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tas por jornalistas das mais diversas nacionalidades são alguns dos temas abordados pela plataforma, além de ter uma versão em português.

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Buscando um jornalismo direcionado ao da Era Digital e capacitação dos profissionais, a Universidade do Texas em Austin criou, em 2002, o Centro Kni-

E por fim, nesta edição do Tá na Web, trouemos o newsletter do site Farol Jornalismo. Trata-se de um conceituado boletim que aborda iniciativas sobre o jornalismo dentro e fora do Brasil. É mantido desde 2014 pelos jornalistas Marcela Donini e Moreno Osório. Os temas abordados são diversos, dentre eles o debate político sobre a morte da Vereadora Marielle Franco, a subjetividade na política, a eficácia do fact checking sendo colocada em prova, congressos

Inovações em jornalismo como o XV Congresso Internacional Ibercom que fora realizado na Universidade Católica Portuguesa em Lisboa – Portugal, em 2017, e o Festival 3i de jornalismo em sua edição na cidade de Porto Alegre – Rio Grande do Sul, entre outros. Tendo em vista, a modificação do jornalismo durante a era digital, o Farol é um ótimo exemplo da adaptação a essa mudança.

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Dados e checagem ght para Jornalismo nas Américas. O objetivo é promover cursos a distância e programas de treinamentos para garantir a maximização dos níveis dos produtores de notícias, a plataforma é referência. Os cursos online sobre fact checking e jornalismo de dados são meios que o Centro Knight criou para garantir essa qualifica-

ção profissional aos jornalistas. O site é mantido por reportagens de jornalistas de diferentes línguas. Pensando nisso, o Knight deixa a sua visualização em português, espanhol e inglês para facilitar o acesso a toda essa pluralidade de culturas. Além disso, uma biblioteca multilíngue está disponível de forma on-line com livros voltados, principalmente, a atuação jornalística na web.


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Ensaio fotográfico

MARCO

KIZOMBA

festa das raças Composição de Rodolpho, Jonas e Luís Carlos da Vila Valeu Zumbi! O grito forte dos Palmares Que correu terras, céus e mares Influenciando a abolição Zumbi valeu! Hoje a Vila é Kizomba É batuque, canto e dança Jongo e maracatu Vem menininha pra dançar o caxambu Ôô, ôô, Nega Mina Anastácia não se deixou escravizar Ôô, ôô Clementina O pagode é o partido popular Sacerdote ergue a taça Convocando toda a massa

Ensaio de

Jucelene

LOPES

Neste evento que congraça Gente de todas as raças Numa mesma emoção Esta Kizomba é nossa Constituição Que magia Reza, ajeum e orixás Tem a força da cultura Tem a arte e a bravura E um bom jogo de cintura Faz valer seus ideais E a beleza pura dos seus rituais Vem a Lua de Luanda Para iluminar a rua Nossa cede é nossa sede E que o apartheid se destrua

ZERO

N.º 61 – Novembro de 2018


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