Marco Zero 69

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ANO XI- NÚMERO 69 – CURITIBA, OUTUBRO DE 2021

LEIA NESTA EDIÇÃO Mulheres empoderadas valorizam os cabelos cacheados - Página 3 Turismo espera decolar após o fim da pandemia - Página 4 Aumento dos índices de pobreza leva mais pessoas às ruas - Página 5

O TRÁFICO ENTRA EM CASA Drogas produzem impactos devastadores na família dos dependentes químicos, com sofrimento, doenças e danos psicológicos

Jornal Laboratório - Curso de jornalismo do Centro Uninter


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Opinião

MARCO

ZERO

N.º 69 – Outubro de 2021 Sayonara Moreno/Agência Brasil

Ao Leitor

EXPEDIENTE

Por que preservar o patrimônio cultural Gabriel José

DOS SANTOS

O

patrimônio histórico-cultural é essencial para a identidade de uma sociedade. Retrata suas características, costumes e comportamentos, além de ser um fundamental registro da memória para as futuras gerações. Com isso, em alguma medida também molda as pessoas. Por isso, preservar as paisagens, as obras de arte, as festas populares, a culinária ou qualquer outro elemento cultural de um povo é manter a identidade desse povo. Sendo assim, esse tipo de patrimônio pode ser definido como

um bem de natureza material ou imaterial, ambos muito importantes para a sociedade em geral. Os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas, ao modo de ser das pessoas. Dessa forma, são considerados bens imateriais os conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades, as manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, os rituais e festas que marcam a vivência coletiva da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social.

O jornal Marco Zero é uma publicação feita pelos alunos do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter

Coordenador do Curso: Guilherme Carvalho Professor responsável: Mauri König Diagramação: Equipe Marco Zero Projeto Gráfico: Equipe Marco Zero Uninter - Campus Tiradentes Rua Saldanha Marinho 131, CEP 80410-150 |Centro- Curitiba PR E-mail - mauri.k@uninter.com Telefones 2102-3377 e 2102-3380.

Entram na lista os mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais. Preservar e cuidar da manutenção do patrimônio cultural construído é um grande desafio da atualidade. No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é responsável por promover e coordenar o processo de preservação e valorização do patrimônio cultural brasileiro, seja ele material ou imaterial. Ao circular pelas cidades do Brasil, vemos a enorme riqueza do Fiocruz

Duas pandemias se encontraram nos últimos dois anos. A primeira está em curso há décadas e segue em constante expansão à medida que o crime organizado encontra novos meios de distribuir as drogas ilícitas. A mais recente potencializou o uso de alucinógenos entre as pessoas que se viram obrigadas a viver em quarentena por causa do novo coronavírus, segundo estudo realizado pela Unicamp. Do mesmo modo que a pandemia de Covid-19 impacta de forma negativa as famílias, a pandemia das drogas faz o mesmo com os familiares dependentes químicos. Os usuários de substâncias lícitas ou ilícitas não sofrem sozinhos. Mães, irmãos, tios, avós, são arrastados em uma espiral de sofrimento, dores, doenças e danos psicológicos. A reportagem de capa do jornal Marco Zero, de autoria de Ana Oliveira, traz números que dão a real dimensão deste problema que afeta o mundo todo. Mais do que isso, traz histórias de dor de quem se vê ou se viu envolvido com alguém que sucumbiu ao poder destrutivo das drogas. É como ver o filho ir para o matadouro, segundo relato de uma mãe.Ainda nesta edição do Marco Zero, você encontrará a história de quem procura superar outra dor: o preconceito em relação à escoliose, deformidade da coluna vertebral que afeta 5% da população mundial. A matéria é assinada por Juvenal Silva, que conta o drama do alagoano Jacson Canuto Pereira. Boa leitura!

A dengue ainda assusta e mata Márcia

OLIVEIRA

A

dengue ainda é um problema no Brasil, embora neste momento as atenções estejam voltadas ao combate ao coronavírus. Segundo o Ministério da Saúde, só nas primeiras 21 semanas de 2021 o país registrou 348 mil casos prováveis da doença, com 105 mortes. Houve redução de 57% em relação a igual período de 2020, mas ainda assim em índices altos. Transmitida pelo mosquito Aedes aegypt, a dengue não tem tratamento específico e o que se faz é aliviar os sintomas com algum analgésico e antipirético permitido. Causadora de sintomas como febre alta, dores no corpo, erupção cutânea e coceira, essa doença normalmente faz um estrago muito grande por onde passa, deixando sequelas que podem durar meses ou até anos. Passei 12 dias com a enfermidade prostrada entre uma cama de hospital e a minha residência. Nesses dias, fui ao “inferno” e voltei inúmeras vezes. No quinto dia, quando achava que estava melhor, todos os sintomas reapareceram ainda mais fortes. Pude sentir na pele a força de destruição desse vírus que me impedia de realizar tarefas muito simples,

Patrimônio, pode ser definido como um bem de natureza material ou imaterial seu patrimônio, mas nem todos estão têm os devidos cuidados quanto à sua preservação. O desleixo em relação a essa memória histórico-cultural pode comprometer a identidade construída ao longo do tempo.

como comer, andar e dormir. Não se pode subestimar a doença. Portanto, é muito importante que a população esteja atenta e seja informada de que existem quatro tipos de vírus da dengue, e que casos de repetição da infecção podem ser ainda mais graves. Se cada pessoa tirar 10 minutos por semana, checar os locais onde o mosquito possa ter depositado ovos em água parada, além de evitar a proliferação do mosquito, teremos um ambiente muito mais higiênico e livre de doenças. Desta forma não protegeremos somente a nossa casa, mas toda a nossa comunidade. A verdade é que a dengue quando não mata, tortura!

Tirar 10 minutos por semana, checar os locais onde o mosquito possa ter depositado ovos em água parada, além de evitar a proliferação do mosquito, teremos um ambiente muito mais higiênico e livre de doenças


N.º 69 – Outubro de 2021

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Comportamento

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3 Fernanda Gonçalves

A onda cacheada

2a, 3b, 4c pode até parecer se tratar de uma equação matemática, mas são as categorias que definem as curvaturas dos fios Fernanda

Gonçalves

Com o atual movimento de empoderamento dos cabelos naturais, as cacheadas têm voz para identificar umas as outras e debater o processo de transição capilar.

N

Curvaturas Confira no quadro ao lado a numeração das curvaturas dos cabelos e descubra qual em qual o seu se encaixa.

alisamentos com receio dos comentários maldosos. Atualmente os produtos para cabelo cacheado e crespo vem dominando o mercado de produtos para cabelo, Graziela Ribeiro da

Hoje me olho no espelho e me sinto bem comigo mesma. Sinto que sou uma pessoa que está vencendo. Agora quero ser alguém que vai ajudar todos a se enxergarem o quanto são únicos Silva criadora do Estabelecimento Cabelo Ateliê direcionado a cabelos cacheados e crespos completa, “mesmo oportunista, o mercado ajudou a espalhar a idéia para além das pequenas bolhas da internet e com isso, quem vende produto ou serviço no segmento acaba se beneficiando disso também.”. Existe uma riqueza infinita de

produtos próprios para cada tipo de cabelo, porém infelizmente poucos especialistas em salões para auxiliarem em transições de progressiva para o cabelo natural, Graziela decidiu criar seu estabelecimento depois de passar por 15 anos de progressiva e chapinha. Nessa época ela decidiu parar e vivenciou sua própria transição, decidindo assim se tornar cabeleireira percebendo a carência no mercado e naturalmente, “Comecei a ensinar minhas clientes e foi assim que a pira mais natural aconteceu. Não havia sido planejado mas foi inevitável, visto que eu atuava conforme a minha própria vivência, crenças e valores.” Segundo a cabeleireira nos últimos 5 anos aumentou gradativamente a procura por transições de química para o natural, as mais radicais optam em raspar seus cabelos e dizerem “xô química”, enquanto outras preferem o corte Big Chop (grande corte, em português) que consiste em esperar o cabelo crescer, cerca de 3 a 6 meses e cortar aos poucos a parte que está alisada, a técnica serve para não sentir tanta falta de cabelos naturalmente longos. Zoraia conta que sentia dificuldade em entender a utilização de cada produto e sua devida função, aprendeu bastante com vários influenciadores que ensinam o tipo de produto ideal. Essa necessidade de procurar um padrão a se seguir se dá muitas vezes pela falta de uma representatividade maior na mídia, todos estão acostumados a ver princesas de cabelo liso, atrizes de cabelo liso, com isso o espelho de seu cabelo representa algo que você vê e passa a seguir. Em 2008, Brenda Chapman desenvolveu a história de Brave (Valente) narrando a história da princesa Mérida, que tem cabelos enormes como o da Rapunzel, mas ao contrário de cabelos lisos ela possui todas suas madeixas cacheadas. Seguindo a mesma narrativa de cabelos cacheados, em 2016 a

Disney lançou outro filme onde a protagonista possuía cabelos, Moana é o nome de outra princesa que representa para muitas crianças a aceitação de seu próprio cabelo. A influenciadora Tondreanna

Se outras crianças vêem quem se parece com elas, ou ainda melhor, como outras pessoas - a sensação de alívio de ser diferente ou dos outros serem diferentes. Esquilín conta que sempre assistia a propagandas de pessoas com cabelo liso, e em sua própria escola não tinha ninguém com cabelo pa-

recido com o seu, ocasionalmente alisou durante algum tempo para se encaixar na sociedade. Vinculada diretamente as redes sociais ela conta que sente as mídias se tornando inclusivas e diversificadas em questões de mais conteúdos sobre o cabelo cacheado, que são características normais e não devem serem tratadas como diferentes “Penso que o crescimento do cabelo natural é o resultado da exposição de outros que parecem e se sentem do mesmo jeito que você”. Tondreanna possui cerca de 70 mil seguidores em seu Instagram, onde compartilha milhares de dicas, desde os produtos que usa até suas finalizações “Não se deve ser conhecimento exclusivo. É uma honra ajudar a inspirar os outros.”, completa a americana que no começo achava estranho ter o poder de inspirar os outros mas hoje vê o quão importante é a representatividade para outras pessoas se espelharem. Reprodução/Instagram

as décadas de 1960 a 1970 não existiam os alisamentos químicos, sendo assim, as crespas e cacheadas, para se enquadrarem na sociedade que viviam, passavam ferro quente no cabelo para alisar. No início dos anos 2000 surgiram as químicas para alisar o cabelo por um determinado período de tempo, após isso, era preciso refazer todo o processo. A técnica que se utiliza do formol, o qual em alta concentração pode ser tóxica, vive até hoje nos fios de vários cabelos das mais variadas curvaturas. Zoraia Fiuza conta que passou pela progressiva antes de completar seus 15 anos pois se sentia insegura, infelizmente a química nunca funcionou em seu cabelo e ela passou a andar com seu cabelo apenas preso, “eu conseguia ouvir os risos de algumas pessoas e isso me deixava muito mal”, conta a vestibulanda. Infelizmente ela não é a única, diversas cacheadas e crespas já passaram ou passam por algum constrangimento relacionados a seus cabelos. O tão conhecido bullying acaba afetando a autoestima e principalmente, a imagem da pessoa cacheada/crespa, a fazendo recorrer aos

Tondreanna sempre dá dicas em seu instagram para cuidar do cabelo


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Turismo

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N.º 69 – Outubro de 2021

Jan Vašek - Pixabay

O que sobra do turismo após a pandemia Camila

LHEIS

Cancelamento de viagens fez o setor retrair em 37% em 2020 O setor de turismo começa a dar sinais de retomada das atividades, operando com cerca de 45% da capacidade

O

ano de 2020 foi marcado pelo alto índice de desistências de viagens por causa do isolamento social decorrente do alto risco de contaminação do coronavírus. Devido à crise sanitária, o setor encolheu 36,6% no ano passado,

segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Passado mais de um ano e meio desde o início da pandemia, o turismo encontra-se fragilizado. O setor fazia parte das atividades econômicas que mais cresciam Arquivo Pessoal

A retomada total será apenas em 2022, afirma Márcia Rath

no mundo antes da pandemia, segundo a World Travel & Tourism Council (WTTC). Já no cenário nacional, em 2019 foi apresentado um crescimento recorde, com um rendimento de R$ 136,7 bilhões. Os primeiros meses de 2021 (janeiro e fevereiro) iniciaram com ótimas perspectivas para o setor no Brasil. Porém, quando a Covid-19 chega ao país, a situação se reverte e buscas na internet com termos tais como “cancelamento de viagens”, por exemplo, aumentam em 324,7%, se comparado aos anos anteriores. O setor responde por 3,7% do Produto Interno Bruto do Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Isso torna o problema ainda mais grave, já que afeta uma parte significativa da economia nacional e até meados de 2021 acumulava um prejuízo de R$ 312,6 bilhões, segundo a CNC. Além disso, a pandemia foi responsável pelo fechamento de 1 milhão de empregos relacionados ao turismo no país, de acordo com a Braztoa (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo). Países como os Estados Unidos e Inglaterra, que chegaram a liderar as estatísticas de casos e óbitos de Covid-19, começaram a mudar a realidade com os planos de vacinação. Ainda em meados de 2021, os dois países se encontravam em fase de reabertura das atividades comerciais, com boas perspectivas até o fim do ano. Já no Brasil, a situação é outra, devido ao atraso na vacinação

e pela falta de liderança nacional no combate à doença. Entretanto, o setor começou a dar mostras de uma retomada no início do segundo semestre, operando com algo próximo a 45% da sua capacidade. Os viajantes deixaram de cancelar os voos, frente à flexibilização das restrições de circulação. Favoreceu o fato de os hotéis serem autorizados a funcionar. Porém, 2020 vai terminar com muitas capitais brasileiras ainda em situação crítica ou que inspira cuidados, o que se reflete no fechamento de muitos lugares, incluindo pontos turísticos. A boa notícia é que a pandemia gerou um certo benefício para o turismo nacional. Estudo divulgado em março de 2021 pela Travel Consul, principal aliança internacional de marketing de viagens, mostra um aumento de 43% em viagens dentro do Brasil. Outro fator que pode aumentar esse interesse é a desvalorização do real em relação a outras moedas, tornando muito mais caro passar as férias no Exterior.

Olhar especializado

A empresária Márcia Rath trabalha no setor de viagens e intercâmbios e avalia que, para os brasileiros, o turismo doméstico deverá retomar 100% das atividades bem antes do que o mercado internacional. Mas, para ela, o empecilho não será a questão cambial e sim as fronteiras, já que muitos países continuam fechados para o Brasil.

Os primeiros meses de 2021 iniciaram com ótimas perspectivas para o setor no Brasil. Porém, quando a Covid-19 chega ao país, a situação se reverte e buscas na internet com termos tais como “cancelamento de viagens”, por exemplo, aumentam em 324,7% Ela salienta que o turismo nacional iniciou a retomada, mas com uma série de precauções por causa da pandemia. Márcia ressalta, também, que a volta 100% do setor certamente não será em 2021. Segundo ela, já uma série de variáveis que influenciam o mercado do turismo e só a vacina não resolverá por completo o problema. A empresária acredita que, em tempos como esses, o importante é ser honesto com o cliente sobre o que de fato está acontecendo no mercado. Dessa forma, fica mais fácil lidar com imprevistos e poder fazer alterações nos planos de viagens dos clientes.


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Cidades

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Pobreza cresce e leva mais pessoas à situação de rua Juliana

BERNARDINO

População mais vulnerável enfrenta desafios maiores na pandemia da Covid-19

Dados do Cadastro Único indicavam que havia 13,5 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza no início da pandemia no Brasil

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ada vez mais pessoas têm enfrentado a dura realidade de uma vida sem moradia. O número de pessoas nessa situação duplicou no Brasil nos últimos 7 anos, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 2014 havia 108 mil pessoas sem teto no país. Já em março de 2020 a pesquisa constatou 222 mil pessoas nessa situação. Muitas compartilham de realidades similares, como pobreza, vínculos familiares quebrados ou interrompidos, desemprego e ausência de documentos. Assim, recursos repassados por governos dificilmente chegam a estas pessoas. Um exemplo é o auxílio emergencial pago a pessoas de baixa

renda e ocupadas em atividades informais. Cerca de 68 milhões de pessoas foram beneficiadas com o auxílio no ano passado. Mas o grupo em maior situação de risco dificilmente tem acesso a estes recursos. Vanilson Torres, conselheiro do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPSR), traz, em artigo do Conselho Nacional da Saúde, alguns questionamentos a respeito da proteção dos mais vulneráveis em meio à pandemia. “Como manter a higiene se não temos acesso à água? Como manter uma imunidade alta se nossa alimentação é precária? Como evitar aglomeração se nossa morada são as marquises e nos-

sa proteção somos nós mesmos?”.

Cresce a pobreza

Dados do Cadastro Único indicavam que havia 13,5 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza no início da pandemia no Brasil. A Síntese de Indicadores Sociais efetuada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), classifica como extrema pobreza quem dispõe de menos de R$1,90 por dia, o que equivale a R$151,00 por mês. Uma segunda pesquisa feita pelo Ipea em agosto do ano passado, indica que meio milhão de brasileiros entraram para esse grupo entre fevereiro e agosto de 2020. Hoje o país possui 14 milhões de brasileiros vivendo abai-

xo da linha da pobreza. Em São Vicente, cidade da região litorânea de São Paulo, mais pessoas têm ocupado as ruas. Lucas e Talita (sobrenomes excluídos para preservar a identidade) têm 20 anos e moram nas ruas há 7 meses. Talita perdeu a mãe e Lucas o pai. Os conflitos familiares dentro de casa empurraram os dois para as drogas Talita está grávida de 6 meses, o terceiro dos outros dois filhos que moram com a avó paterna. Lucas disse que a pandemia trouxe mais dificuldades para quem está em situação de rua e diz sofrer com a “invisibilidade” de alguém que está nessa situação, “As pessoas nem se quer olham pra nós”. Para não passar fome, ele tem feito alguns trabalhos, o que

Perfil da população em situação de rua: dados do Ministério do Desenvolvimento Social (2007)

não garante condições suficientes para pagar por uma moradia.

Situação pode piorar

O ano de 2021 pode terminar com a situação ainda mais grave em todo o Brasil. Pesquisa realizada por estudantes de economia da Universidade de São Paulo (USP) mostra que o auxílio emergencial deste ano não trará a mesma proteção contra a perda da renda como aconteceu em 2020 Com a redução do valor do benefício de R$ 600,00 para o valor mínimo de R$ 150,00, a situação pode se agravar diante da condição quase insolúvel de milhares de pessoas. A previsão é de que 9,1 milhões de brasileiros passem a integrar o grupo de pessoas em situação de miséria.

RUA: aprendendo a contar Use o Qr-code abaixo para acessar a íntegra da pesquisa nacional realizada pelo Governo Federal em 2007 com dados sobre população em situação de rua

Fonte: MDH, 2007


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Especial

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N.º 69 – Outubro de 2021 Ana Oliveira

VIDAS ROUBADAS:

famílias reféns da dependência química Ana Oliveira

Tráfico de drogas avança em ritmo acelerado em todo o mundo e, junto com os usuários, arrasta os familiares para o fosso da depressão e ansiedade

Segundo Unodc, 5,5% das pessoas em todo o mundo usaram substâncias psicoativas em 2020. erca de menos 5% da proporções. São efeitos como alte- dência e a resistência a lidar com população mundial rações no sono, de humor, depres- o familiar que usa drogas. Depois, usou drogas ilícitas são, pensamentos suicidas, ansie- vem a percepção sobre o problema em 2020. Dos 275 milhões de dade, distúrbios alimentares, entre e as tentativas de controlar o sujeito de modo a tentar que evite o uso usuários, 36 milhões sofreram outros sentimentos negativos. de transtornos associados aos Os impactos são devastadores de entorpecentes. A luta para compreender a entorpecentes, segundo o Relató- nos aspectos físicos, psicológicos rio Mundial sobre Drogas 2021, e financeiros, aponta o estudo, doença e sobre como enfrentádo Escritório das Nações Unidas intitulado Levantamento Nacio- -la faz com que as mães sofram mais. A família que enfrenta esse Sobre as Drogas (Unodc). Os problema encontra-se desgastada, efeitos, no entanto, se estendem a impotente e muitas vezes não sabe todo o núcleo familiar. o que fazer, podendo acarretar um Estudo desenvolvido pela sentimento de culpa. Mayara afirUniversidade Federal de São Pauma que, em situações como essa, a lo (Unifesp) demonstra o quanto família também precisa ser acolhias drogas impactam a família. da, cuidada e informada. Metade das famílias de usuários A falta de informação pode letem vários aspectos da sua vida var a escolhas erradas na abordaafetados. Vivenciar prolongadagem da doença, mesmo que haja mente esse tipo de situação prejudica a qualidade de vida ao pro- nal de Famílias dos Dependentes a intenção de acertar e ajudar o vocar nos familiares sofrimento, Químicos (LENAD). Os familia- usuário. As consequências do uso doenças e danos psicológicos. res de usuários de entorpecentes de drogas afetam não só o usuário, Embora seja de 2013, o estudo apresentam mais sintomas físicos mas também toda a família. Hisda Unifesp é o maior já realizado e psicológicos do que a média da tórias que se repetem na casa de sob essa perspectiva. Intitulado população que não enfrenta esse milhares de brasileiros que sofrem por ter um parente usuário. É o que Levantamento Nacional de Famí- tipo de problema. lias dos Dependentes Químicos No núcleo familiar, as mães mostra o estudo da Unifesp. (LENAD), revelou que, à época, são as que mais sofrem, segundo o ao menos 28 milhões de pessoas estudo. Muitas abandonam as ativi- “A sensação foi de vê-lo no Brasil tinham algum familiar dades ou são demitidas por terem a indo para o matadouro”com dependência química, com produtividade reduzida em função uso contumaz ou regular de dro- de atrasos constantes ou problemas Joana (nome fictício), de 59 anos, gas lícitas ou ilícitas. de saúde. Percebe-se que os fami- levou algum tempo para entender O estudo conclui que a de- liares apresentam alguns compor- que o filho estava acometido de pendência química desencadeia tamentos padrões, como esclarece uma doença. “A gente não vê sentimentos irracionais em todos a psicóloga Mayara Victoria, que quando a droga entra na nossa vida, a gente vê quando já está à volta. É um tipo de comporta- atende dependentes químicos. mento que não muda conforme as Primeiro vem a negação, que no estrago”, relata. A mãe diz que estatísticas, apenas aumenta suas implica a não aceitação da depen- ele era um bom rapaz, muito tra-

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“A gente não vê quando a droga entra na nossa vida, a gente vê quando já está no estrago”

balhador, mas mudou muito com a dependência química. Quando ela se deu conta, o filho tinha 39 anos. “Um dia me disseram que ele estava usando crack o dia todo”, recorda. Foi nos períodos em que o filho estava sumido que ela mais sofreu. “Perdi mais de seis quilos. Não dormia. Fui em vários lugares onde os viciados ficam, para tentar resgatar meu filho. Não sinto vontade de fazer nada, e quando faço não tenho prazer nenhum, me falta algo”, desabafa Joana. A situação ia se agravando a cada dia. O filho começou a subtrair objetos da casa para vender e sustentar o vício. “A sensação foi de vê-lo indo para o matadouro,

porque, se não parasse, só teria dois fins: preso ou morto”. Depois de ler sobre o assunto e frequentar encontros de familiares de dependentes químicos, a dona de casa diz ter mudado sua visão sobre o assunto. “Eu tinha preconceitos com usuários antes disso bater na minha porta”, diz. Para compensar o vazio e achar a melhor maneira de ajudar o filho, Joana encontrou uma das unidades dos Grupos Familiares AI-Anon do Brasil, voltado a familiares e amigos de alcoólicos. O apoio do grupo garantiu para ela e o filho a ajuda psicológica que precisavam para seguir em frente. “Recebi alguns encaminhamentos e agora frequento um grupo de apoio. Ainda não tenho

Índice de sintomas físicos e psicológicos

Fonte: LENAD, 2013.


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Ainda não tenho forças para ir lá na frente e contar minha história, mas aprendo muito com as histórias das outras mães. Um dia sei que também vou poder ajudar outras mães forças para ir lá na frente e contar minha história, mas aprendo muito com as histórias das outras mães. Um dia sei que também vou poder ajudar outras mães que estão preocupadas com seus filhos como eu”, finaliza Joana.

“Me encantei com ele”

Ninguém pode dizer que está completamente livre de se envolver com alguém que seja dependente químico. Quando se descobre que o problema envolve a pessoa amada, o chão desaba. Essa é a história de Lascinia, oficial judiciária de 41 anos (o sobrenome foi omitido). Lascinia conta que sempre foi muito protegida pela mãe, não tinha liberdade para conhecer o mundo. “Minha mãe nunca me preparou para o mundo. A forma dela me preparar era me blindando”, lembra. Foi aos 17 anos que conheceu a realidade da forma mais dolorida. Nas saídas noturnas com as colegas, conheceu um rapaz e se apaixonou. “Me encantei com ele”, recorda. Lascinia achava que ele só fumava maconha e bebia. “Foi só no decorrer do relacionamento que

MARCO fui vendo que a coisa era muito mais séria, mais grave”, diz. Ela não enxergava o nível de comprometimento que ele tinha com o vício. Após um ano morando juntos, ela engravidou. As coisas começaram a ficar mais difíceis. Ela conta que tinha esperança de que, quando o filho nascesse, ele iria mudar, “ia largar tudo aquilo”. Mas não foi o que a aconteceu. Ao longo da gravidez, a situação do companheiro foi se deteriorando. Quando se está envolvido nesse tipo de situação, há sempre a esperança de que o outro vai mudar. “Quando a gente é nova e inexperiente, essa esperança é ainda maior”, comenta. No decorrer da convivência, ele se tornou violento. “Chegava alcoolizado, começou a ficar agressivo comigo, completamente fora de si, quebrava tudo dentro de casa. Chegou me agredir na gravidez”, lembra. A situação foi se agravando, ele começou a roubar para sustentar o vício. Acabou sendo preso. Nesse período, Lascinia dizia aos familiares que ele estava trabalhando fora. Libertado após três anos na prisão, voltou pior. Lascinia conta que tinha medo de ir para casa. Não contava nada para sua mãe, tinha vergonha. Só procurou ajuda quando as coisas foram ficando mais grave. Hoje, aos 41 anos, tem consciência de que uma escolha errada pode impactar a vida toda da pessoa e daqueles que estão ao redor.

Pandemia potencializa riscos de dependência

Apesar dos perigos, o uso de entorpecentes segue em franca expansão em todo o mundo, agora potencializado pelo isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19. A conclusão é do Relatório Mundial sobre Drogas 2021, realizado pelo Escritório das Nações

Especial

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Substâncias psicoativas têm ajudado a lidar com o isolamento social

Fonte: LENAD, 2013.

Necessidade de uso de substância durante o isolamento

Fonte: LENAD, 2013.

Unidas Sobre as Drogas (Unodc). O mercado de drogas ilícitas movimenta US$ 900 bilhões por ano e soube se adaptar à pandemia. Por isso, o Unodc estima que o número de pessoas que usam drogas pode crescer 11% em todo o mundo até 2030. De acordo com o relatório, os traficantes diversificaram os negócios para se adaptar à nova Pixabay

Apesar dos perigos, o uso de entorpecentes segue em franca expansão em todo o mundo

realidade, baixando os preços e ampliando a cadeia de distribuição. No Brasil, o isolamento social provocou um aumento nas internações decorrentes do uso de alucinógenos. O Ministério da Saúde identificou uma alta de 54% no atendimento ambulatorial nas redes credenciadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de março a junho de 2020, se comparado ao mesmo período de 2019. Levantamento realizado entre abril e maio pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta que 38,4% dos 4 mil entrevistados em quarentena relataram aumento no consumo de drogas, lícitas ou ilícitas. A maioria disse que o uso dessas substâncias ajudou a lidar com o isolamento social (veja os dados no gráfico). Outra pesquisa acende o alerta. Realizada pela Fiocruz entre abril e maio de 2020, revela que 40,8% dos participantes relataram maior consumo de drogas lícitas durante a pandemia. As restrições de mobilidade e o isolamento social têm imposto maior estresse e uso de substâncias e, às vezes, agravamento de transtornos. Segundo Tiago Guimarães, enfermeiro e gestor de relacionamento da Clínica Cleuza Canan, o aumento no quadro de ansiedade, depressão e ouras crises provoca o

uso dessas substâncias. Na percepção do especialista, os atendimentos clínicos e ambulatoriais, além das internações, tiveram um aumento significativo nesse período. Ex-dependente químico e voluntário da Remar Brasil, ONG que atende pessoas em situação de rua, Rafael dos Santos menciona o que, para ele, seria um efeito colateral do auxílio emergencial pago ao governo para minimizar os efeitos da pandemia entre as pessoas mais pobres. Na sua visão, isso ajudou no aumento no consumo de drogas, pois desde a aprovação do auxílio os pedidos de ajuda diminuíram na ONG.

Pesquisa Lenad Família Use o Qr-code para acessar o levantamento feito pela Unifesp


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Saúde

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N.º 69 – Outubro de 2021 Pixabay

A síndrome que nos torna impostores

Padrão comportamental falseia autopercepção e faz com que Ynara MATTOS pessoas bem-sucedidas se sintam uma fraude

Termo Síndrome do Impostor define experiência individual baseada em uma autopercepção de falsidade intelectual

S

e em algum momento da sua carreira ou da sua vida profissional você se autossabotou, tende a procrastinar, se sentiu inferior em seu ambiente de trabalho, preste muita atenção. De acordo com pesquisa realizada pela Universidade Dominicana da Califórnia (EUA), em média 70% da população mundial já enfrentou ou foi diagnosticada com o padrão comportamental que faz com que se sintam

uma fraude no ambiente de trabalho. Entre os sintomas estão autossabotagem, procrastinação, medo de se expor, necessidade de aprovação, não acreditar em seu potencial, sentimento de inferioridade ilusória, acreditar não ser merecedor de algo, insegurança, acreditar que é um impostor. Mas nem tudo está perdido, pontua a doutora em psicanálise Andréa Ladislau. “É um padrão comportamental.

Asperger: o autismo invisível Jucelene

LOPES

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Pessoas adultas podem viver anos sem saber que são autistas

Síndrome de Asperger se popularizou após várias produções audiovisuais do entretenimento que apostaram em protagonistas com essa condição. Séries como Atypical (Netflix) e Malhação, Viva a Diferença (Globo) são exemplos de sucesso que abarcaram a temática. O que muitas pessoas não sabem é que a Síndrome de Asperger faz parte do Transtorno do Espectro Autista (TEA), desde a última publicação do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5), de 2013. Por ser classificado como um autismo leve, para a psicóloga do Instituto Inclusão Brasil, Marina Almeida, pessoas nessa condição podem viver muitos anos sem diagnóstico e sem tratamento adequado, o que leva a uma série de comorbidades como o Transtorno de Ansiedade Generalizada, Depressão, entre outras. “O TEA é caracterizado pelo comprometimento das habilidades

sociais, da comunicação e por comportamentos estereotipados e o fato de haver autismo leve não quer dizer que não precise de atendimento”, afirma Marina. Apesar de não haver estudos concludentes sobre sua causa, há um grande consenso entre especialistas quanto ao fator genético Juce Lopes ter um peso forte para o desenvolvimento dessa condição. Uma pesquisa publicada nos Estados Unidos pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças, que acompanha crianças do espectro autista há mais de duas décadas, revelou um dado importante sobre a população autista: para cada 54 neurotípicos, há um neuroatípico. O termo “neuroatípico” revela muito sobre o TEA e desmitifica mitos e preconceitos. Por ser um distúrbio do neurodesenvolvimento, o transtorno é uma condição e não uma doença, essa condição faz com que autistas enxerguem o mundo de uma forma diferente, mesmo quando se

Não é uma doença mental e por ser padrão de sensações e comportamento, pode ser modificado e trabalhado. Mas, se não tratado pode até se associar a outros distúrbios mentais, tais como: depressão, fobias, irritabilidade, alterações de humor, elevação do complexo de inferioridade, entre outros”, explica Andréa Ladislau. O termo Síndrome do Impostor foi utilizado pela primeira vez em 1978, pelas psicólogas americanas

Pauline Clance e Suzanne Imes. Foi definida pelas pesquisadoras como uma experiência individual baseada em uma autopercepção de falsidade intelectual, ou seja, de ser uma fraude. Na maioria das vezes, suas vítimas são mulheres bem-sucedidas em sua carreira, inteligentes e extremamente competentes. Entretanto, elas acreditam que os seus sucessos são frutos do aca-

trata de um nível leve, como a Síndrome de Asperger. Após persistir em um diagnóstico para o filho, Nicolas, a dona de casa de 38 anos, Sulamita Norberto, descobriu que seu caçula era autista. “Fiquei muito desnorteada, não conhecia o espectro e tive medo da sua dependência na fase adulta”, comenta. Sulamita tem outros dois filhos mais velhos e conta que seu caçula sempre teve comportamentos que chamavam a atenção, apesar dos pediatras garantirem que eram normais. Nicolas nunca usava seus brinquedos para finalidade que foram desenvolvidos, serviam apenas para serem empilhados ou enfileirados, sua fala foi desenvolvida aos 3 anos e na creche, preferia brincar sozinho. Identificar pessoas como neuroatípicas de autismo leve é um desafio para muitos médicos, que podem confundir o comportamento com timidez ou até mesmo com outros transtornos como o Déficit de Atenção, por exemplo. O que levou Sulamita a persistir em um diagnóstico foram os relatos das professoras quando ele passou a frequentar a escola regular. Ao ouvir que Nicolas estava agressivo e sem se socializar com colegas, Sulamita resolveu levá-lo a uma neurologista que confirmou o diagnóstico. Apesar do medo, a busca por respostas sobre o TEA se tornou o seu principal objetivo. Ela queria entender melhor a condição do Nicolas e fazer

É preciso identificar as defasagens junto com o paciente e trabalhar nisso, construindo comportamentos e repertórios, o ideal é trazer qualidade de vida para ele os acompanhamentos necessários para que seu filho tivesse uma melhor qualidade de vida. Nessa busca, não apenas conheceu um novo mundo, mas também se identificou muito com ele. “Quando eu era criança, era igual ao meu filho, andava nas pontas dos pés e girava, minha mãe brincava dizendo que eu seria bailarina. Na adolescência, eu era muito sozinha, era boa aluna, mas não conseguia me socializar”, relembra. A similaridade com o filho quando tinha a mesma idade, as conversas que teve com a mãe sobre seu comportamento, todas as suas “manias” que duram até hoje, fizeram com que ela marcasse outra consulta com a neurologista que atendeu seu filho,

70% das pessoas acreditam não ser merecedoras do cargo que ocupam, segundo pesquisa da Universidade Dominicana da Califórnia so, como a ‘sorte’, nunca reconhecendo que a conquista se deu por mérito e por fruto de seu esforço. “Dificilmente a própria pessoa consegue identificar que ela sofre dessa síndrome. Normalmente outras pessoas do entorno dela conseguem se identificar. E, ainda sim, é difícil de a pessoa entender e aceitar porque realmente não consegue enxergar que de fato é capaz”, diz a psicóloga Marcela Bernardi. “Quem sofre efetivamente dessa síndrome é alguém esforçado, dedicado, bem-sucedido em uma ou em mais áreas da vida e não consegue acreditar que foi pelo próprio esforço que chegou lá, que foi com a própria capacidade. A pessoa acredita que foi por sorte, o destino, ou que outras pessoas que elogiam e valorizam o sucesso real estão, na verdade, superestimando aquela conquista”, completa Bernardi. mas dessa vez a paciente era ela e o diagnóstico não foi diferente. Por ter passado por uma série de situações, o autista leve na fase adulta já decorou comportamentos que, mesmo não fazendo sentido para ele, é reproduzido, pois a sua mente entende que é isso que a sociedade espera dele. Já a criança não possui “vícios comportamentais”, o que acaba revelando para os pais atitudes incomuns. O hiperfoco é um desses comportamentos que chega à fase adulta do autista leve, se trata de “gosto” ou “mania” extrema por um determinado assunto ou tema. O autista pode falar horas sobre um assunto de seu interesse, ou assistir repetidamente uma série ou um filme, por exemplo. Colecionar objetos também é comum no autista leve. Para o psicólogo, Diego Raizi, o tratamento na fase adulta pode variar de acordo com os prejuízos apresentados. “É preciso identificar as defasagens junto com o paciente e trabalhar nisso, construindo comportamentos e repertórios, o ideal é trazer qualidade de vida para ele”, relata. Hoje, Sulamita e Nicolas fazem acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Ela administra a fanpage Inocência Autista, com mais de 68 mil seguidores, o objetivo de suas postagens é trazer informação e gerar debates em torno do espectro autista. “É o meu hiperfoco. Ser autista não é fácil, mas não é impossível.”, finaliza.


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EaD: um Marco Zero em cada canto

ZERO Nicole Vieira

Procura-se ouro líquido Saiba mais sobre os bancos de leite humano, iniciativa que vem VIEIRA salvando vidas de muitos bebês recém-nascidos

Nicole

No Brasil existem mais de 200 bancos de leite humano

O consumo exclusivo de leite materno protege o bebê contra infecções, diarreias e gripes, ainda mais no caso dos prematuros.” Quem diz isso é a pediatra Fátima Maltoni,

da UTI Neonatal de São Lourenço-MG. Ela também coordena o posto de coleta de leite humano da cidade, onde mães que amamentam doam o leite em excesso para os prematuros do hospital. Fundado em 2012, o

posto recebe doações semanais de cerca de 50 mulheres e consegue oferecer leite materno para muitos bebês prematuros. A Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH-BR), criada

em 1998, pelo Ministério da Saúde e pela FioCruz, é premiada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). É considerada uma das ações que mais contribuíram para a redução da mortalidade infantil no Brasil, que em 10 anos, caiu cerca de 70%. No Brasil, atualmente, existem mais de 200 bancos de leite distribuídos pelo país, e cerca de 150 postos de coleta de leite humano. A diferença entre os dois é que, enquanto o banco de leite examina, avalia e pasteuriza o leite, tornando-o consumível para os bebês, o posto de coleta apenas recebe as doações de leite. Por isso, toda semana o leite doado em São Lourenço é enviado para o banco de leite mais próximo, em Varginha, para ser pasteurizado e, então, reenviado ao hospital. Calcula-se que cada litro de leite doado alimenta cerca de 10 bebês por dia. Lorena Machado (27) é mãe de Dante, de um ano e 2 meses, e é doadora em São Lourenço. Ela conta que começou a doar leite por incentivo da família: “O meu pai trabalhou numa emergência obstétrica em Niterói, quando a minha mãe estava grávida de mim. Então ele via muitos bebês nascendo pequenos, bebês prematuros que precisavam muito do leite do peito. Viu o quan-

to que é difícil conseguir. Então ele sempre salientou o quanto isso era importante. E aí, por conta desse incentivo durante a minha gravidez, assim que o Dante nasceu, eu me informei no hospital.” Para ela, doar leite foi algo muito recompensador: “O processo de estar doando vida, de ver a minha maternidade acontecendo na vida de outras crianças foi uma grande conquista pra mim.” Para doar, mãe e bebê passam por uma consulta que avalia o ganho de peso e desenvolvimento do bebê e diz se a mãe está apta para doar. Infelizmente, o leite doado na cidade ainda não é suficiente para alimentar todos os bebês internados, sendo usadas, então, as fórmulas infantis.

serviços que lá existem. Dessa forma, as pessoas que passam por ela podem receber informações e experiencias sobre o comércio e outras atividades da cidade. Porém o sistema vai além de um site, blog ou aplicativo. Segundo Paulo Hansted, CEO da MCities, a Cidade interativa envolve sete mecanismos de interatividade e

inteligência: plataforma móvel, web, redes sociais, QRCodes, beacons, rotas virtuais e eventos de intervenção urbana. “Ela não só se apropria das atividades da cidade, organiza essas atividades em formas de experiência para que as pessoas saiam de casa e ganhem as ruas. Ela estimula as pessoas a interagirem mais com a cidade e frequentarem mais o espaço urbano”, explica. O investimento ao sistema de interatividade gera para os grandes centros urbanos não só impactos sociais mas também econômicos. “ Saiu de casa você acaba consumindo isso e natural e essa e uma das grandes condições do projeto que dinamiza a economia, gera mais empregos gera mais renda porque quando as pessoas ficam dentro de casa os comércios fecham as portas e as pessoas perdem o emprego, então agente precisa tirar as pessoas de dentro de casa para viver mais intensamente a cidade”, explica Paulo. Em Curitiba, o projeto foi desenvolvido em parceria com a Prefeitura, mas a empresa estuda o Desenvolvimento dele desde 2012 e passou por pesquisas em mais de 17 países. A previsão é de ser ampliado até o primeiro semestre de 2019 a outros estados entre eles São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Recife e Belém. Mais a diante deve ser ampliado até mesmo internacionalmente.

O processo de estar doando vida, de ver a minha maternidade acontecendo na vida de outras criancas foi uma conquista grande para mim

Gabriel Halama

Curitiba vira cidade interativa

Em parceria com a prefeitura Halama da cidade startup traz projetopiloto inédito no mundo

Gabriel

Projeto tem previsão de expandir a pelo menos 9 estados

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uritiba se tornou a primeira cidade interativa do mundo e passou a fazer parte da chamada internet das coisas. Você já ouviu falar nessa expressão? O conceito é bem simples: uma rede de objetos físicos, veículos, prédios, entre outros, que possui uma tecnologia embarcada. E foi por meio de um

projeto-piloto de uma startap curitibana especializada em comunicação urbana que isso aconteceu. Ainiciativa tem como objetivo mudar a maneira como as pessoas e as cidades se relacionam e transformar os espaços urbanos por meio de experiências de alto valor agregado e não só de concentração humana. Um exemplo

dessa interação é a primeira rua interativa de Curitiba: a Alameda Prudente de Morais que fica no centro da cidade. Ao longo de duas quadras entre as Ruas Augusto Stellfeld e Alameda Carlos de Carvalho foram estalados minúsculos equipamentos chamados de beacons que disparam informações sobre os diversos

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ZERO Juvenal Silva

ESCOLIOSE: do preconceito à esperança

Deformidade da coluna Juvenal vertebral afeta cerca e 5% SILVA da população mundial, segundo OMS

Alagoano Jacson Canuto Pereira vive drama com avanço da doença

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atural de Mata Grande, Sertão de Alagoas, Jacson Canuto Pereira, de 34 anos, ficou quase toda a infância sem entender porque era diferente dos oito irmãos e alvo de preconceito por parte de outras pessoas. Ele não sabia que havia nascido com escoliose, uma doença que consiste na curvatura anormal da coluna vertebral para um dos lados do tronco, provocando uma deformidade nos formatos de “C” ou “S”.

Ele lembra que na escola onde estudou os primeiros anos do ensino fundamental, as aulas para ele aconteciam em uma sala reservada apenas para alunos com deficiência. “Muitos ficavam me olhando com indiferença e rindo de mim, mas havia quem me desse apoio. Meus irmãos e meus pais, por exemplo”, lembrou. O tipo de escoliose que afeta Jacson é congênito, que é quando o desenvolvimento das vértebras é malsucedido durante a gestação ou

em recém-nascidos. A doença também pode ser causada por distúrbios neuromusculares, síndromes e problemas crônicos. No entanto, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% dos diagnósticos são referentes a causa idiopática, isso é, não se sabe o que originou a deformidade. Conforme a OMS, a escoliose afeta de 2% a 4% da população mundial. Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau) informou que não tem dados sobre quantos

Ciclismo: mobilidade urbana e saúde

A cada dia aumenta o número de ciclistas no Brasil, diminuindo quase 400 mil toneladas de gases poluentes por ano. Quézia RAMOS Mega Trilha com aproximadamente 2 mil pessoas

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eunir amigos em uma atividade saudável e que garante uma melhor qualidade de vida. Esta é a proposta de Márcio Souza, morador de Simões Filho, líder da Simões Filho Bike Club. O grupo de ciclismo surgiu em 2014 entre amigos e familiares durante algumas ações sociais. É um meio de transporte utilizado por muitas pessoas, tanto

para chegar ao trabalho, universidade, escola, como em passeios entre amigos. Mas, além disso, o ciclismo pode ser usado para manter a forma física. No Bike Club costumam reunir cerca de 2 mil pessoas, entre ciclistas e visitantes, para percorrer os 29km de trilhas sinalizadas dentro do município, chamada Mega Trilha do Bike Club. O grupo atualmente tem 80 pessoas cadastradas e

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ativos pedalando aproximadamente 30 pessoas. Os organizadores do movimento desenvolveram um aplicativo com informações sobre a Mega Trilha Bike Club como: mural de ciclismo, mapa da trilha e como chegar ao local da largada, pensando na comodidade e conforto de todos os amigos e parceiros que vêm de outras regiões. O Márcio afirma: “Nosso propósito é o fortalecimen-

alagoanos são portadores de escoliose porque, para o Ministério da Saúde, a doença não é de notificação compulsória. Dessa forma, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), não há informações sobre o quantitativo de portadores no Brasil. Em busca de ajuda e tratamento, em 2011, Jacson Canuto decidiu mudar-se para Rio Grande da Serra, região Metropolitana de São Paulo (SP), onde conseguiu um emprego como auxiliar de produção. A referida empresa mantinha um convênio com uma clínica que garantiu o tratamento da escoliose de Jacson Canuto. “Me enchi de esperança quando fui encaminhado a um cirurgião especialista em coluna. Foram feitos vários exames que levaram o médico à conclusão de que a cirurgia era necessária, mas que a decisão era minha”, contou. Convicto do que queria, Jacson já tinha tomado a decisão, mas foi surpreendido com a mudança de convênio da empresa que trabalhava. Um novo ortopedista que passou a atende-lo informou que o caso dele não tinha mais solução. O alagoano desistiu da cirurgia que tanto sonhou após os médicos que o atenderam continuarem explicando que o procedimento

não iria resolver a curvatura muito acentuada da coluna vertebral dele, que, inclusive, já está no formato de “S”, com 180 graus em uma das curvas e 120 graus na outra. O risco do processo cirúrgico não compensaria os poucos benefícios.

to do ciclismo na nossa região, realizando ações, com o objetivo de proporcionar mais segurança a todos que utilizam a bicicleta como meio de locomoção, esporte e lazer. Bastam doar 1Kg de alimento não perecícel e 1 pacote de leite, que são doados para instituições de caridade da nossa cidade.” Quando o ciclismo é praticado de forma correta, os benefícios são muitos, dentre eles: melhora a qualidade do sono, resistência muscular, dos sistemas cardíaco, respiratório e vascular, ajuda a eliminar as gorduras localizadas, reduz o estresse e excelente atividade aeróbica e anaeróbica. Além disso a oportunidade de conhecer e desfrutar das paisagens, cachoeiras, matas que existem ao redor da cidade. Não é necessário ser um ciclista experiente para fazer cicloturismo. Qualquer um pode fazê-lo. Basta ir com calma, respeitar os próprios limites, beber água e alimentar-se na hora certa e assim vencer pouco a pouco a distância. Maicon Gomes é um exemplo de jovem motivado e que através desse movimento despertou a vontade de fazer parte do grupo:”Orgulho da minha cidade,pois trouxe alegria e saúde para muita gente, tirando as pessoas do sedentarismo, além de ser um transporte rápido,ele não polui o meio ambiente.” disse o morador de Simões Filho. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-

Nosso propósito é o fortalecimento do ciclismo na nossa região, realizando ações, com o objetivo de proporcionar mais segurança a todos o meio de locomoção

Uma outra luta se inicia

A luta de Jacson Canuto agora é por um benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em 2016, ele começou a receber um benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), mas pediu o cancelamento em 2015, quando estava formalmente trabalhando em São Paulo. Diante das circunstâncias, Jacson ingressou novamente com um pedido de benefício no INSS, mas foi negado, sob a alegação de que o quadro da escoliose dele não o impedia de exercer atividades laborais. Ele contesta o indeferimento na Justiça, e aguarda uma decisão. Segundo o INSS, casos de escoliose são passíveis de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, mas, para ter o direito assegurado, o beneficiário precisa comprovar a incapacidade laborativa durante perícia realizada pelo próprio órgão.

ca) usar a bicicleta como meio de transporte está mais comum no Brasil. Já são 70 milhões de bikes contra 50 milhões de veículos.

Márcio Souza, líder da Simões Filho Bike Club


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Tecnologia

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@TÁ NA WEB

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Luan

Companhoni

Especial

Documentos abertos

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Estadão é uma referência no jornalismo brasileiro. Fundado em 1875, o jornal paulista vem informando a população dos acontecimentos mais importantes do país. Contudo, como muitos outros jornais, o Estadão sofreu durante a censura da Ditadura Militar, tendo diversos de seus jornais diários impedidos de chegarem as ban-

Acervo Estadão

Confira o site com o Qr-Code

cas. Ainda assim, o Estadão foi capaz de guardar estes jornais, que hoje podem ser acessadas no Acervo Estadão, um banco de dados das versões do jornal que foram censuradas durante a Ditadura Militar.

Confira o site com o Qr-Code

Memórias reveladas

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esenvolvido pelo Ministério da Justiça, o Banco de Dados Memórias Reveladas é uma capsula do tempo desconhecida pelos brasileiros. O período da Ditadura Militar, muito conhecido pela popula-

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esenvolvida pela organização Repórteres Sem Fronteiras, a “Biblioteca Sem Censura” é um projeto de alcance internacional que busca disponibilizar informações, histórias e notícias censuradas em diversos países. Uma das partes mais interessantes sobre o projeto, é o fato de que a biblioteca realmente existe. Criada em um servidor do famoso jogo Minecraft, pela empresa BlockWorks,

Uncensored Library a biblioteca pode ser visitada, explorada e todo o seu acervo pode ser lido a qualquer momento, bastando apenas entrar no servidor. Se você se interessa pelas notícias do mundo, ou se quer dar uma volta sem sair de casa, visite a Biblioteca Sem Censura.

Confira o site com o Qr-Code

ção, é muitas vezes um período em branco, sem muitas informações. Para mudar esta situação, o projeto Memórias Reveladas foi criado, trazendo diversas informações do período mais ofuscado da história do Brasil. Desde imagens até livros e músicas, uma quantidade gigantesca de cultura e informação, uma vez perdida durante a ditadura, é reencontrada dentro deste projeto.


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Ensaio fotográfico

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O “novo normal” do comércio Ensaio de

Paulo PESSOA

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Áreas de centro comercial exibem aspecto preocupante com flexibilizações de horário de funcionamento

ara quem ficou em isolamento social por mais de um ano e agora volta aos grandes centros comerciais que antes viviam lotados, com certeza notou uma diferença além das máscaras e os pedidos de cuidados com higiene e saúde. A aparência atual das ruas que antes viviam cheias de comércio e lotadas de consumidores, parece de cenários que vivenciávamos durante grandes feriados, onde nem todos os comércios abriam e o número de pedestres diminuía consideravelmente. Campinas, no interior de São Paulo, é uma das várias cidades que exibe esse contraste. De acordo com dados da Associação Comercial e Industrial de Cam-

pinas (ACIC), nas 20 cidades analisadas da Região Metropolitana de Campinas (RMC), 6.392 empresas foram encerradas no período de janeiro a junho de 2021. Um aumento de 33,86% em comparação com o mesmo período em 2020 onde foram registrados pela ACIC, um índice de 4.775 enceramentos. Ainda de acordo com dados da Associação, de janeiro a maio de 2021 foram registrados 67.899 desligamentos de vagas de trabalho com carteira assinada. A pandemia obrigou muitos varejistas a fecharem seus negócios e colocou muitos brasileiros na fila do desemprego, além de mudar o cenário comercial de muitas cidades.

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