Especial Mobilidade

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Em Portugal existem aproximadamente 636 059* portadores de algum tipo de deficiência, correspondendo as percentagens mais altas a portadores de deficiência visual, com 25,7% configurando cerca de 163 569 pessoas, e deficiência motora com 24,6%, 156 246 pessoas. Este é um suplemento de sensibilização para a mobilidade especial em Vagos e tem por objetivo expor esta realidade à qual, por vezes, não é dada a devida importância.

TEMOS

LIVRE ACESSO

PARA OS DEFICIENTES? Este suplemento faz parte da edição nº 349 do jornal O PONTO

Com base nos censos realizados em 2001, foram contabilizadas no nosso concelho 1779 pessoas portadoras de deficiência. Entre todas as dificuldades que um portador de deficiência enfrenta todos os dias, sem dúvida a mobilidade é a maior de todas, principalmente no caso de deficientes motores e visuais. Estas pessoas deparam-se diariamente com obstáculos que para nós podem parecer insignificantes mas para eles, enfrentar essas barreiras, pode tornar-se impossível, roubando-lhes a liberdade de realizar a sua própria rotina de forma fácil e independente. Foram aprovadas, no nº2 do Artigo 1º do Decreto-Lei nº163/2006 de 8 de agosto, regras a que «devem obedecer os edifícios, equipamentos e infraestruturas», mais precisamente as «instalações e respetivos espaços circundantes da administração pública», assim como qualquer espaço público com serviços personalizados ou de fundos públicos. Não obstante a implementação desta lei, existem ainda muitos espaços abertos ao público sem as adaptações adequadas, ou parte delas, e apesar de estas lacunas estarem bem visíveis, muitos de nós não lhes damos a devida importância, pelo simples facto de não interferirem com a nossa rotina. Com este projeto de divulgação e sensibilização, tenho como objetivo chamar à razão aqueles que têm poder de decisão, os donos de estabelecimentos, comunidade envolvente e aqueles que podem alterar ou fazer por alterar estas condições, oferecendo a estas pessoas especiais uma rotina mais facilitada. *com base nos Censos 2001 nas fontes do Instituto Nacional de Estatística (INE) e PORDATA. Segundo o INE não existe informação atualizada nos Censos 2011, uma vez que não foi recolhida informação sobre a população deficiente. PUB


Salas de Multide�iciência do Agrupamento de Escolas de Vagos

Afetos que movem

Ir à escola, brincar e conviver com outras crianças é algo que fez parte da infância de todos nós e parece ser algo natural e óbvio mas, por vezes, é impossível para crianças portadoras de deficiência. «Quando se vê a deficiência antes da criança, não é apenas errado para a criança, priva-se a sociedade de tudo o que a criança tem para oferecer», disse o diretor executivo da UNICEF, Anthony Lake.

Na luta pela inclusão de crianças portadoras de deficiência na comunidade escolar e local, Vagos tem vindo a marcar pontos. Dado que não havia resposta para as inúmeras crianças com necessidades educativas especiais, de âmbito profundo e permanente, foi criado, há 7 anos, o projeto de uma unidade de multideficiência para o concelho - Sala dos Afetos -. Implementado na EB 2,3 de Vagos, após obter o consenso e autorização do Ministério da Educação, a Sala dos Afetos pôde contar com o

apoio da Câmara Municipal de Vagos para realizar as adaptações inicialmente necessárias, visto que «uma unidade como esta requer condições próprias e bastante material». Tendo começado este desafio com apenas 3 alunos, a unidade está neste momento desmembrada em duas salas - Sala Afetos 1 e Sala Afetos 2 - e recebe crianças com diversas deficiências mentais, visuais, auditivas e motoras. As salas estão organizadas tendo em conta a faixa etária e dando especial importância à integração em relação ao ano de escolaridade da criança. A entrada é às 8h30 e a saída pelas 16h, à exceção dos que integram o ATL. Durante este espaço de tempo são desenvolvidas atividades do seu currículo específico individual, terapias como a da fala, ocupacional e psicomotricidade. Para além das atividades habituais dentro das duas salas da unidade, integram também outras salas de aula por um tempo específico e têm hidroterapia na piscina de Vagos, bem como saídas ao exterior a fim de estimularem a sua motricidade

e socialização. O aparecimento da Sala Afetos «foi a resposta às necessidades que os pais, de crianças portadoras de deficiência, já sentiam há muito tempo» referiu Cristina Rosso, professora de educação especial responsável pela Sala Afetos 2. Fazer com que a comunidade encarasse esta problemática como algo normal e não como um bicho de 7 cabeças não foi uma missão imediata mas, ao fim de 7 anos, as diferenças já se notam a olhos vistos. Não se tratou apenas de sensibilizar para a “aceitação”, mas sim para que estas crianças passassem a ser vistas como especiais, não diferentes, e com direitos muito específicos. «Inicialmente havia certos olhares por ser uma novidade e atualmente já existem momentos de interação, de toque ou beijo», e é graças à quebra desta barreira que tem sido possível oferecer a estas crianças competências sociais através de saídas à comunidade. São saídas com objetivos muito específicos e que contribuem para o desenvolvimento da independência pessoal, treino da

Bombeiros de Vagos

No transporte seguro

locomoção e socialização. A comunidade tem vindo a colaborar, tentando igualmente intervir para minimizar alguns constrangimentos que vão existindo, mas, apesar dos esforços pela inclusão, a sociedade continua a não estar preparada, não só para estas crianças, mas também para adultos que, sejam invisuais ou que se desloquem em cadeira de rodas, ainda existem imensos espaços que não possuem nem rampas nem portas alargadas, especialmente em estabelecimentos comerciais. Em pastelarias, por exemplo, é constante a presença de um desnível que torna impossível a entrada autónoma de um cidadão em cadeira de rodas. Ainda há muito a fazer, no entanto, são iniciativas como esta, Sala dos Afetos, que tornam possível que cada criança, mesmo portadora de deficiência, possa ter uma infância feliz, com um percurso natural e que a torna ainda mais igual a todas as outras crianças.

De�iciência visual – Amândio Ferreira de Ponte de Vagos

Já imaginou se de repente �icasse cego?

Já imaginou se de repente ficasse completamente cego? O que faria e como o faria, tudo iria mudar de um momento para o outro. Amândio Ferreira, um jovem de 26 anos natural de Ponte de Vagos, ficou cego aos 8, devido a problemas de saúde. Apesar do sucedido, continuou a frequentar as aulas, no Colégio de Calvão, até concluir o 9º ano.

O distanciamento na escola era visível, havia uma grande preferência por parte dos colegas em estar noutras atividades coletivas que não incluíam o jovem. Estudou braille em Coimbra e chegou a receber algumas aulas de mobilidade em Ponte de Vagos, mas os caminhos com buracos e obstáculos, carros estacionados incorretamente

e os postes no meio dos passeios não facilitaram a aprendizagem. Com a cegueira surgiu o isolamento: no dia-a-dia são poucas as opções para passar o tempo e ficar em casa acabou por se tornar uma rotina constante. Com o pai ocupado a trabalhar e a mãe sem carta de condução, não havia muitas alternativas e a dependência foi crescendo. «As novas tecnologias ajudam muito» e um dos desejos deste jovem era ter acesso ao mundo através da tecnologia, que lhe fosse permitindo comunicar mais facilmente com ou outros e viver novas experiências. Saiu sozinho apenas duas vezes, em pequenos percursos como até ao café próximo da sua casa. Apesar do receio que sentiu por não conhecer os caminhos, não saber que obstáculos iria

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encontrar nos passeios e ter medo de os contornar pela estrada, o sentimento de realização foi enorme por conseguir ultrapassar esse desafio. «Se os passeios fossem mais lineares e não houvesse carros nem postes nos passeios seria muito mais fácil» sair à rua de forma independente, «não só para mim mas também para as pessoas que andam de cadeira de rodas». Há cerca de 6 anos, foi feita uma adaptação no centro da sua terra, a região de Ponte de Vagos, a instalação de um semáforo sonoro, mas apenas um não é o suficiente para facilitar um trajeto autónomo a um deficiente visual. Para além da falta de sinalização específica, são muitos os desníveis entre os passeios e a estrada, assim como os já referidos postes e viaturas mal

estacionadas, que impedem a passagem segura dos peões que terão de andar na estrada. Poder sair de casa e andar pelas ruas de forma mais segura e independente é o maior desejo de qualquer pessoa com necessidades especiais, seja ela portadora de deficiência visual, motora ou de com qualquer outra dificuldade, e nós podemos e devemos ajudar. A mudança depende de quem quer fazer pela diferença e exigir a mudança. Assim como se encontram estas deficiências urbanísticas no concelho de Vagos, podemos encontrar em muitos outros, mas não é nisso que nos devemos concentrar… Vagos pode claramente melhorar neste aspeto.

Flávio Pinto tem 54 anos e é um dos bombeiros profissionais da corporação vaguense que realiza o transporte das crianças da Sala dos Afetos, bem como o transporte de doentes para as unidades de saúde. De que forma é que os bombeiros ajudam a Sala dos Afetos? Fazemos o transporte das crianças da Sala dos Afetos há alguns anos, ajudamos a colocar as crianças apiadas nos bancos e as que estão em cadeira de rodas colocamo-las na viatura com o apoio da plataforma. Há sempre uma pequena dificuldade em lidar com estas crianças especiais mas, também nos traz um sentimento de realização enorme. Sem a ajuda dos bombeiros esse transporte não seria possível? Pelo que nos é transmitido não têm outra forma de os transportar e, portanto, recorrem aos bombeiros. Têm crianças com um certo grau de dificuldade de locomoção e orientação, de outra forma não seria possível dirigirem-se para as piscinas, por exemplo. Mas é mesmo esse o propósito do bombeiro, é estar no ativo e ajudar o próximo. É o nosso lema, vida por vida. Vagos está pronto a ajudar? Vagos bombeiros, sim. Na população, algumas pessoas já entendem o grau de dificuldade destas crianças e, de

alguma forma, tentam também ajudar no que podem, mas, por exemplo, nesta questão do transporte acho que ninguém tem condições para ajudar a esse ponto. Realiza também transporte de doentes com dificuldades de mobilidade, que dificuldades encontra? Sim, transportamos doentes para a fisioterapia, hemodiálise e consultas. Vamos buscar as pessoas a casa, levamo-las à unidade hospitalar ou de saúde e aguardamos o seu regresso. Algumas pessoas encontram-se no 1.º andar ou têm degraus na saída da residência, mesmo em algumas infraestruturas modernas temos alguma dificuldade em ir buscá-las, porque não conseguem andar e as habitações não têm elevadores nem as adaptações necessárias, por exemplo, as rampas. Por vezes temos de ir no mínimo dois bombeiros para conseguirmos tirar os pacientes do local. E as estradas? Nas estradas por vezes há dificuldades e têm de se transpor passeios, digamos que Vagos não está ainda preparado. Não direi em todos os sítios porque a realidade já vai acontecendo, já se vão vendo mudanças em outros municípios e vai-se seguindo o exemplo. Já há alguns acessos melhorados, mas ainda não tão bons como se pretende.

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13 Vereadora Trânsito, Dulcínia Sereno participa em experiência

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Somos todos cidadãos de primeira

Alguns dos grandes obstáculos presentes no nosso concelho são o estado de conservação e a forma como foi feita a construção dos passeios, as limitações no acesso a algumas infraestruturas e falta de sinalização específica. Para podermos explorar este tema de uma forma diferente e ao mesmo tempo saber o que tem sido feito em prol das pessoas com dificuldades de mobilidade, decidimos convidar a vereadora Dulcínia Sereno a fazer, após entrevista, uma experiência de olhos vendados.

De�iciência visual - Rosa Pinto, natural de Calvão

«Fui ensinada a ser cega»

Apesar das alterações que têm vindo a ser feitas ao longo dos últimos anos, as ruas, passeios e algumas infraestruturas do concelho não estão ainda corretamente adaptadas. Parte dos passeios encontramse com buracos, postes e outros obstáculos que obstruem de formal parcial ou completamente a passagem, sobretudo a pessoas com dificuldades de mobilidade. Foi-nos garantido, em entrevista, que nas últimas obras públicas realizadas pela Câmara Municipal de Vagos tem sido feito um esforço para minimizar estes «pecados» urbanísticos. Segundo Dulcínia, no que toca principalmente a infraestruturas construídas recentemente, todas elas têm cumprido os parâmetros da legislação de forma a facilitar o acesso a toda a população com limitações. E m b o ra n ã o ex i sta m a p o i o s o u financiamentos para serem feitas alterações nos edifícios mais antigos, nos mais frequentados e por isso mesmo com mais necessidade, têm sido feitas adaptações nos acessos de maneira a que a câmara aos poucos, consiga chegar a todos eles. As pequenas medidas já implementadas por exemplo nos edifícios, apesar de serem um começo ainda não são suficientemente direcionadas para os portadores de deficiência visual e acabam por abranger quase unicamente os deficientes motores. Em alguns concelhos já foram implementados nos passeios os pisos táteis de sinalização e alerta para invisuais. Em Vagos, uma vez que nem os passeios nem as pavimentações formam feitas recentemente, não foi possível ainda realizar estes melhoramentos. Mas os olhos não estão fechados e «estão em cima da mesa as hipóteses de se fazerem novos passeios, melhorar a pavimentação e ainda

aplicar sinalização especial direcionada» uma vez que esta é uma antiga lacuna, e que neste momento já não se encontra em grande parte dos concelhos. Está prevista uma «requalificação urbana que irá contar com todas estas valências» e irá permitir contemplar as necessidades de todos os cidadãos. «Somos todos cidadãos de primeira, ninguém é de segunda». Experienciar a cegueira A experiência proposta à vereadora Dulcínia consistiu na realização de um trajeto, de olhos vendados, pelo centro da vila de Vagos. Vivência esta pela qual todos devíamos passar um dia, para podermos perceber as dificuldades que um deficiente visual enfrenta todos os dias e o quão guerreiros são por enfrentar o mundo às escuras. E como se essa difícil condição não fosse o suficiente, nós, os ditos normais, insistimos em continuar a colocar mais e mais obstáculos nos seus caminhos. Emocionada e praticamente sem palavras para se expressar, descreveu esta experiência com algo comparado a uma sensação de terror e dum tempo que lhe pareceu interminável. Considera ser uma experiência complicada que a levou a sentir e a pensar de uma forma violentamente rápida, o que, afirmou, vir a ter em conta futuramente. «Tremo toda e não consigo articular palavras, é de ter um respeito enorme pelas pessoas que não veem e cada vez mais temos de ter consciência que eles não têm as nossas facilidades. Se ficássemos assim eramos mal tratados por nós próprios, porque não criámos as devidas condições. Tinha medo de um dia ficar cega, mas agora fiquei pior.»

Rosa Pinto, é natural de Calvão, tem 51 anos e possui uma licenciatura em Sociologia, tirada na Faculdade de Letras do Porto. É técnica superior no Instituto de Emprego e Formação Profissional de Aveiro (IEFP), onde presta formação nos cuidados básicos de TIC e tem a seu cargo a dinamização de uma newsletter assim como a organização de alguns eventos com temáticas variadas, entre as quais a deficiência, a internet segura, as DSTs, estupefacientes e empreendedorismo. Uma vida como tantas outras, não fosse o facto de Rosa ter nascido com apenas 10% de visão, percentagem que tem vindo a diminuir progressivamente e que hoje se resume apenas a uma pequena perceção de luz no olho direito.

Como foi a sua infância? Vivia com a minha mãe e irmãos, eramos 8, dois portadores de cegueira e apesar do meu problema eu conseguia aprender e ter sucesso, mas cada vez que era submetida a uma prova não via o suficiente para escrever nas linhas. Aos 9 anos, os docentes escolares juntamente com o CRSS mobilizaram a minha mãe a levaremme para uma escola de ensino especializado, o Instituto de Cegos de São Manuel. Que aulas tinha no instituto? Tínhamos atividades do quotidiano, aulas de orientação e mobilidade e de outros conhecimentos. Foi-me introduzida a escrita braille, que eu recusava porque eu sabia ler e escrever. Os docentes viram-se obrigados a vendar-me para que conhece-se as coisas sem a visão. Tinha de ser educada como sendo completamente cega, porque com o tempo eu ia perder tudo o que tinha naquele

momento. E realmente foi o que aconteceu. Quando é que se mudou para Aveiro e que ajudas precisou? Vim já após a licenciatura, é cidade ex tremamente tranquila e ter-me mudado ajudou-me a encarar a minha vida profissional. Tive uma pequena orientação de como chegar aos sítios, já só tinha 5% da visão mas acompanhada pela bengala, o tatear e reconhecer as coisas não me era assim tão difícil. Dava para me desenrascar sozinha mas, passados 5/6 anos, optei por utilizar um cão-guia. Porque optou pelo cão-guia? Pela segurança que me dá na rua ao desviarme dos obstáculos enquanto com a bengala teria de os detetar primeiro e depois desviarme, assim nem sequer me apercebo que eles existem e também por para além de me conduzir, me fazer companhia. Em 2 bengalas por ano gastava 120 euros e na Cuiara gasto muito mais mas é um gasto compensado. Estou sempre protegida, até em relação a pessoas menos inibidas e mais atrevidas. Qual o processo necessário para ter um cão-guia? Um cão-guia tem de vir sempre treinado antes de o conhecermos, vem para as nossas mãos a 100% e quando chega perde 50% porque já não é a mesma pessoa nem a mesma voz, portanto tem de haver uma adaptação. Há quanto tempo tem a Cuiara e como foi a adaptação? Há 6 anos mas já utilizadei outra, a Farrusca. Foi um processo de adaptação difícil porque estava habituada a outro temperamento. A anterior tinha uma capacidade intuitiva sem descrição e era extremamente assertiva, eu já nem verbalizava, bastava mentalizar-

me de onde queria ir e ela guiava-me. A Cuiara, devido ao seu temperamento colocoume em situações delicadas, mas o convívio tem-nos ajudado a fazer uma boa dupla. Mora sozinha, como faz as suas tarefas em casa? Tem sido uma adaptação ao logo da vida, enquanto tive um bocado de visão explorei até ao último bocado tudo o que podia e depois da perda total fui-me agarrado a certas técnicas e tecnologias. Organizo as roupas por cores, com um aparelho chamado Colorino que se coloca em cima da peça e ele diz a cor, não é muito fiável mas é melhor que nada.Com os alimentos, seleciono que produto vou comprar de cada vez e catalógo ao chegar a casa. Existem etiquetas de leitura gravada por voz e lida com uma caneta leitora, mas é necessário estar sempre a comprar novas. No trabalho que adaptações foram necessárias? Entrei no IEFP em 97 como telefonista e em 2000 ascendi a técnica superior, nessa altura utilizava apenas a pauta de escrever braille e um marcador grosso, mas deixei de ver o que escrevia. O meu posto foi equipado com equipamento adequado, por exemplo um terminal braille que lê em braille x células por linha escritas no computador. Os equipamentos chegavam mais rápido a quem não tinha problemas do que a nós, mas atualmente é tudo colocado quase par-a-par, com pequenos atrasos, claro, porque há coisas a serem adaptadas. Continua a ir a Vagos? Sim e quando ando na rua há coisas que não me agradam, por exemplo não concordo com a forma como construíram os passeios, não são largos e têm um grande desnível. São demasiado altos e sem sinalização própria da passadeira, portanto nestas situações quem me guia para atravessar é a cadela, senão eu ia na rua. Na falta de descidas para as passadeiras, existem rebaixamentos nos passeios para dar acesso às casas, que nos induzem em erro e fazem tropeçar. Depois os mecos ou bolas para limitar certas áreas, que para nós é das piores coisas que podem colocar no nosso caminho, assim como os postes e as cadeiras das árvores. PUB


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Fernando Nery “corre o mundo” em cadeira de rodas

Outrora um dos únicos e mais conhecidos trapezistas da Península juntamente com o seu irmão,Fernando Nery tem agora 50 anos, é acionista do circo Nery e continua a “correr o mundo” com a sua equipa, mas agora em cadeira de rodas. «Estou em cadeira de rodas, sou um antigo trapezista e, por mais perigoso que fosse nunca me aleijei no trapézio. Ironicamente, ao carregar um camião, uma carga começou a tombar e acabou por me cair nas costas partindo-me a medula. Viajo por vários países e já vi cidades mais adaptadas que outras. Em França e na Alemanha, por exemplo, já praticamente não existem passeios altos, o declive entre a estrada e o passeio ou não existe ou é praticamente nulo. Em Portugal tudo o que é do Estado, sejam Correios, Finanças ou qualquer edifício público, são os piores e com mais lacunas no que diz respeito a adaptações. Há muita coisa a ser melhorada e deviam ser tomadas medidas, a nível europeu até. Todos nós pagamos e não vemos nada feito. Nem que fosse uma “chapinha” de alumínio para podermos subir as entradas, mas ninguém quer saber. Em Vagos não tive oportunidade de andar por muito sítio, mas, do que vi, os passeios são demasiado altos e com grande declive para a estrada».

Nova prótese nova vida

De�iciência Motora – António da Silva Maltez de 81 anos

Com a perna amamputada cheguei a desejar a morte Ao acordar de um coma deparou-se com a sua perna esquerda amputada. Foi há cerca de 4 anos, após sofrer uma trombose e ser levado de imediato para Coimbra, que lhe fora dito que teria de amputar a perna esquerda, mas António não permitiu, justificando que a perna só lhe doía e inchava de vez em quando. Algum tempo depois de ter voltado a casa, debate-se com uma nova trombose e acaba por ser internado em coma, onde lhe é então amputada a perna.

Durante o coma, as filhas viram-se obrigadas a decidir se autorizariam a amputação da sua perna, uma vez que as veias tinham perdido a circulação e, consequentemente, secado. «Quando acordei não sabia que me tinham cortado a perna, passei mal e andei com a ideia de me matar». Acordar sem saber o que lhe tinha acontecido não foi fácil de aceitar, mas António conseguiu ultrapassar essa fase de maior desânimo. Com as filhas no estrangeiro e a esposa já bastante idosa, ao voltar a casa viu-se impedido de lá ficar, pois, tendo degraus na entrada, tornava-o completamente dependente de outros para poder sair e realizar as suas tarefas ou até mesmo as suas necessidades básicas. Como forma de contornar esta situação, o casal mudou-se para uns anexos da casa onde tinham quarto, cozinha, casa de banho e ainda acesso facilitado ao exterior. Para que se tornasse num espaço mais confortável para António, foram feitas algumas alterações como uma rampa na entrada, que apesar de não possuir degraus, tinha um pequeno desnível. Toda a casa de banho foi reformulada de modo a que António pudesse entrar com a cadeira de rodas, para

além de um chuveiro com corrimãos que o auxiliassem a levantar e a tomar banho de forma independente e segura. As compras para casa são feitas por António, que, com a ajuda da rampa, consegue sair na sua cadeira elétrica e realizar o trajeto até ao minimercado. Durante o percurso que realiza pelos passeios, acaba por ter de fazer uma volta maior porque, nos locais de passadeira, é-lhe impossível descer do passeio devido ao grande desnível entre o mesmo e a estrada. Mas o minimercado, apesar de não ser uma grande infraestrutura, apresenta as condições necessárias para facilitar a vida a clientes com este tipo de limitações físicas, eliminando aquele que seria mais um obstáculo no dia-a-dia de

pessoas como António. António é apenas um exemplo entre muitos de cidadãos que, pela sua mobilidade reduzida, enfrentam dificuldades na concretização das necessidades básicas do dia-a-dia. Se todos nós pensássemos com mais regularidade na existência destas situações, talvez o número de barreiras existentes não fosse tão elevado, pois, com certeza, seríamos despertados para a necessidade de criar condições que contribuíssem para minorar simples barreiras, mas que se tornam obstáculos intransponíveis para aqueles que, pelas mais diversas razões, viram a sua mobilidade, e consequente qualidade de vida, reduzidas.

Câmara Municipal de Vagos prevê obras no decorrer do próximo ano

Regeneração urbana nos quadros de apoio A regeneração urbana da vila de Vagos é neste momento uma das prioridades para o próximo quadro de apoio, o melhoramento dos acessos tem sido uma matéria bastante debatida e estão previstas obras de restauro que visam melhorar a acessibilidade do concelho. Uma das lacunas que mais salta à vista é sem dúvida

a altura e largura dos passeios, que apesar de algumas intervenções que têm vindo a ser feitas pontualmente, não foi ainda corrigida na íntegra. Deste modo o rebaixamento e reposição das medidas mínimas dos passeios é, de um modo geral, uma das prioridades para que as pessoas portadoras de deficiência se possam

movimentar sem dependerem de ajudas e assim, proporcionar-lhes a oportunidade de terem uma rotina autónoma. Apesar do atraso que os quadros de apoio sofrem neste momento, a câmara municipal crê que serão feitas intervenções já no decorrer do próximo ano.

Aos 14 anos de idade, Paulo Euclides sofreu um acidente de mota acompanhado por um colega. Foi transportado para Coimbra, onde ficou hospitalizado e em coma durante um mês, tendo-lhe sido amputada parte da perna esquerda. Teve sessões de fisioterapia para reaprender a caminhar e a adaptarse a sua nova condição. Já com 15 anos recomeçou a andar com canadianas e, meio ano mais tarde, começou a usar uma prótese de gesso. Mora sozinho há 20 anos e trabalha há cerca de 17 na JPRIOR. Inicialmente, para que se pudesse deslocar para o local de trabalho, foi-lhe dada pelo Ministério do Trabalho Solidariedade e Segurança Social uma mota de 3 rodas, onde trabalha sem qualquer privação das suas funções em relação aos restantes trabalhadores. Anos depois, com a ajuda de Sr. Álvaro Fonseca, adquiriu uma nova prótese mais flexível e adequada à sua condição, que mantém há cerca de 14 anos. Atualmente, já adquiriu também um carro adaptado que facilita as suas deslocações em

distâncias mais longas. Aguarda apenas por poder melhorar as condições da velha casa gandaresa onde habita, que se encontra em estado de degradação.

O que nos passa ao lado

Nós, seres humanos, só damos o devido valor a situações como estas que tive a oportunidade de vos expor quando conhecemos pessoas nestas condições, quando infelizmente estamos em situações complicadas ou então, se nos envolvermos em algum projeto que nos permita conhecer e explorar esta realidade. A mobilidade e acessibilidade são duas palavras chave para o dia-a-dia de qualquer pessoa, tenhamos difuldades ou não. Com o presenciar de testesmunhos como estes aqui apresentados, conseguimos ter uma nova noção de quão dificil pode ser para um deficiente, seja motor ou visual, realizar uma rotina sem dependências ou apoios nas ruas da nossa vila e do concelho. Não nos podemos ficar apenas pela possivel mágoa que todas estas histórias nos podem fazer sentir. Faz falta na nossa sociedade a atitude certa, de sermos capazes de dar o passo em frente para marcar a diferença.

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