MAIO 2012 / online
CINCO(DE) MAIO 2012
Surgem novas experimentações dentro do Jornal Pedal, a nível de formato, design, media e comunicação. Nunca foi nossa ideia restringirmo-nos a apenas um modelo, mas sim agitarmos o máximo que conseguirmos, de maneira a promover a presença da bicicleta nas nossas vidas. Posto isto, o número cinco surge num formato experimental, de mãos dadas com o próprio conteúdo deste número, onde falamos sobre novos colectivos e artistas portugueses. O Jornal Pedal está também, agora, desdobrado num programa de rádio mensal. "Pedal de Prata" pode ser ouvido na Rádio Tijolo de Prata (radiotijolodeprata. wordpress.com) ou através do iTunes. As datas de emissão serão anunciadas via Facebook e Twitter, uns dias depois do próprio lançamento mensal do jornal. Brevemente também, o nosso site estará finalmente online — jornalpedal.com. Queremos criar uma plataforma que dê seguimento ao próprio jornal e que nos possibilite partilhar e divulgar outros projectos que não conseguimos introduzir nestas folhas. Mais novidades em breve. O Pedal está mais vivo e activo do que nunca e mais novidades estão para vir. Todas as contribuições continuam a ser mais que bem-vindas. Entrem em contacto connosco! info@jornalpedal.com.
Nº5 – MAIO DE 2012 Ficha Técnica — Director: Bráulio Amado (BA) ba@ jornalpedal.com Directores Adjuntos: João Pinheiro (JP) jp@jornalpedal. com, Luís Gregório (LG) lg@jornalpedal. com Redacção: Ricardo Sobral (RS) rs@jornalpedal.com Fotografia de Capa: Montanha Negra Colaboraram nesta edição: Fotografia: João Guedes de Amorim, João Retorta, Montanha Negra Ilustração: Matilha Cycle Crew Textos: Veera Moll, Tiago Sousa, Duarte Nuno, Ricardo Pinela, Ricardo Martins, João Carlos Afonso Produção de Moda: Fotografia: Montanha Negra Banda Desenhada: Rick Smith Revisão: Babelia Traduções babelia.pt Design e Direcção de Arte: Estúdio HHH Comunicação: Helena César Departamento Comercial e-mail: info@jornalpedal.com tlm: 915044437/935586915/933514506 Distribuição: Algarve: Francisco Rocha, Porto: Roda Livre Lisboa: Camisola Amarela Jornal Pedal é uma marca registada / Morada: Praça Gonçalo Trancoso n.º 2 2.º Esq., 1700-220 Lisboa Tel: 935586915/933514506/915044437 e-mail: info@jornalpedal.com web: facebook.com/JornalPedal / jornalpedal. com / twitter.com/JornalPedal Impressão: Empresa Gráfica Funchalense S.A. funchalense.pt | email: geral@egf.com. pt Tel. 219677450 Fax 219677459 Tiragem: 5.000 exemplares Depósito Legal: 340117/12 O Jornal Pedal faz parte da Cooperativa POST postcoop. org / As opiniões expressas no Jornal Pedal são da exclusiva responsabilidade dos respectivos autores, e não vinculam ou reflectem necessariamente a posição da direcção do jornal. Jornal Pedal é uma publicação gratuita que não pode ser vendida.
RODA LIVRE (DR)
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Cursos de Condução de Bicicleta e Mecânica – próximas acções Com o objectivo de aumentar o número de ciclistas e a frequência, conforto e segurança com que circulam, a Cooperativa POST oferece formação específica para quem pretende começar a usar a bicicleta e aprofundar conhecimentos sobre condução em estrada e meio urbano. São ainda ministrados cursos de mecânica simples para o dia-a-dia e assistência em viagem, ideal para quem pretende aumentar a sua autonomia na estrada. Próximas acções 02/06/2012 10:30 – 12:30 Mecânica da Bicicleta – Travões e Mudanças 14:30 – 16:30 Mecânica da Bicicleta – Rodas e Pneus 17:30 – 19:30 Mecânica da Bicicleta – Identificar Problemas e Encontrar Soluções 16/06/2012 10:00 – 13:30 Condução de Bicicleta na Cidade - Nível 2 14:30 – 17:30 Condução de Bicicleta na Cidade - Nível 3 30/06/2012 10:00 – 12:30 Aprender a Andar de Bicicleta 14:30 – 18:00 Condução de Bicicleta na Cidade - Nível 1 07/07/2012 10:00 – 13:30 Condução de Bicicleta na Cidade - Nível 2 14:30 – 17:30 Condução de Bicicleta na Cidade - Nível 3 14/07/2012 10:30 – 12:30 Mecânica da Bicicleta – Travões e Mudanças 14:30 – 16:30 Mecânica da Bicicleta - Rodas e Pneus 17:30 – 19:30 Mecânica da Bicicleta – Identificar Problemas e Encontrar Soluções Mais informações e inscrições em postcoop.org.
Bike Spots, um novo conceito A Camisola Amarela, em colaboração com a Seven Wheel, continua a dinamizar e a promover o uso da bicicleta em Lisboa. 16 de Maio marca o início de um novo conceito: Bike Spots, um espaço localizado na Lx Factory que oferece parqueamento para bicicletas, apoio técnico, formação e workshops. Em parceria com o Cowork Lisboa, este representa um passo para que os muitos trabalhadores ou visitantes da Lx factory possam levar a bicicleta consigo. camisolaamarela.com
Novas lojas de bicicletas em Lisboa Há mais duas lojas de bicicletas prestes a abrir em Lisboa. Após a abertura do primeiro espaço - em Matosinhos, no final de 2011 -, a Velo Culture expande-se, agora, para a capital e abre uma segunda loja, no início de Junho, no n.º 18 da Rua de Santa Bárbara, nos Anjos. Também em Junho, irá abrir ao público a Velo Cité, situada na Avenida Duque d’Ávila, que, para além da venda de bicicletas e acessórios, terá uma oficina e um café.
Polo&Bike Portugal Apesar de o bike polo estar em ascensão, Polo&Bike é, neste caso, o nome da nova marca de fixed gears a ser comercializada em Portugal desde o início de Maio. Estas bicicletas são, de acordo com os novos distribuidores da marca para Portugal, personalizáveis. As bicicletas estão disponíveis em seis modelos de referência, existindo a possibilidade de múltiplas combinações. As bicicletas são comercializadas directamente através da página de Facebook da marca e em alguns pontos de venda seleccionados. facebook.com/ PoloandBikePortugal
Jornal Pedal distribuído por Roda Livre Para além de ser distribuído em Lisboa pela empresa de estafetas em bicicleta, Camisola Amarela, o Jornal Pedal passa a ser distribuído no Porto e em Matosinhos pela mais recente empresa de estafetas do Porto, a Roda Livre. Lançada a 10 de Maio, a Roda Livre disponibiliza entregas nas cidades do Porto e de Matosinhos (ou até 5km fora destas zonas, com valores acrescidos) em bicicleta, com preços desde os 4,50€. A cultura da bicicleta continua a crescer em Portugal, e o aparecimento da Roda Livre é sinónimo disso. rodalivre.pt
Cadeados à solta Pela primeira vez em Lisboa foi "roubada" a ideia de indestrutibilidade de um cadeado da marca Kryptonite. Este mês foi reportado o roubo de uma bicicleta que usava um cadeado desta marca e que foi destruído. O Jornal Pedal não conseguiu ter acesso a fotos do modelo Serie 2 após consumado o delito, permanecendo assim o mistério sobre de que forma tal feito... foi feito. Até à data tinham sido ouvidos dois relatos de roubos de bicicletas com cadeados Kryptonite, mas em ambos os casos, o cadeado não estava presente no local do crime. As alegações deram como provado que a falha se deu nas estruturas que serviam de apoio ao estacionamento, tendo as bicicletas sido levadas com o cadeado.
A EUROPA SALTOU PARA O SELi M “Estamos trinta anos
Os travões chiam, as pedras da calçada fazem a bicicleta tremer. Ricardo Sobral está a apertar os travões, enquanto desce uma inclinada rua de Alfama, um dos bairros mais antigos de Lisboa. Nas estreitas ruas da cidade, carros, eléctricos, autocarros e peões competem pelo espaço urbano. Ganhar o hábito de andar de bicicleta nas ruas calcetadas com carris de eléctricos requer tempo. Na cidade das sete colinas, ou se sobrevive com músculos das coxas ou tentando encontrar caminhos COLUNAS para evitar subidas. Mas o maior desafio são os motoristas – nunca se sabe o que lhes passa pela cabeça. “Estamos trinta anos atrasados em relação a outros países mais desenvolvidos na Europa”, diz Ricardo, enquanto dobra a esquina e sai de Alfama. Sobral sabe do que fala. Tem andado de bicicleta em Lisboa quase toda a vida. Fez o programa Erasmus em Copenhaga, voltou a casa de bicicleta pela Europa fora, abriu uma loja de bicicletas e é o primeiro bloguista desta tendência. Actualmente, está esperançoso. A ciclo-cultura está a crescer em Lisboa. Por exemplo, a Massa Crítica lisboeta está a aumentar, e a MUBI, uma associação pela Mobilidade Urbana, surgiu como forma de promover a cultura de bicicleta. Existe também um festival de filmes sobre bici-cultura e uma cicloficina onde voluntários trabalham para reparar bicicletas. “A cultura das bicicletas está melhor do que nunca. Cada ano existem mais bicicletas nas ruas europeias”, diz Martti Tulenheimo da European Cyclists’ Federation. Mas ainda existem grandes diferenças entre os países e as cidades da Europa. PRESTO, o projecto feito para promover a cultura de bicicleta na União Europeia, classifica os países europeus em três grupos: "iniciados", "avançados" e "mestres". Países como a Holanda, a Flandres, parte da Bélgica, a Dinamarca, a Suíça e a Alemanha estão mais avançados. Nos últimos anos, também a Hungria tem progredido bastante. A Finlândia fica no meio dos dois grupos: iniciados e avançados. A maior parte dos países do Sul e Leste da Europa estão no grupo dos iniciados. Como Portugal. Ricardo sobe a Avenida da Liberdade de seis faixas e pára em frente da rotunda mais movimentada da cidade: o Marquês de Pombal. Há carros do lado esquerdo, direito, à frente e atrás. Sobral ganha a dianteira na partida e mantém a posição. O grito
Veera Moll veera.moll@gmail.com
atrasados em relação a outros países mais desenvolvidos na Europa”
agressivo de um taxista desvanece-se no vento. O sucesso da cultura de bicicleta não é evidente nos países mestres. Tulenheimo diz que também os países onde o ciclismo representa mais de 15% do tráfego, tal como a Holanda, Dinamarca e Suíça, têm labutado para manter o ciclismo como uma alternativa séria em relação a outros meios de transporte. Ainda antes da Segunda Guerra Mundial, o ciclismo era comum entre todas as classes sociais. O estado da cultura de bicicleta enfraqueceu a partir dos anos 50. Nos países mestres, como na Dinamarca e na Holanda, houve um despertar de consciências devido à crise de petróleo e houve uma mudança no discurso. “Nesses países começámos a ver resultados desde os anos 90, os outros países seguiram-se a partir da primeira década de 2000.” Às vezes, uma subcultura muda todo o carácter da modalidade. Quando as mountain bikes fizeram sucesso no mercado europeu, a cultura da bicicleta mudou. As “pasteleiras” desapareceram das ruas. Deu-se uma segregação dos sexos: a ciclocultura começou a ser um desporto de homens temerários. Ao mesmo tempo, os países enriqueceram e a quantidade dos carros aumentou. Hoje em dia, as “pasteleiras” estão, novamente, a ganhar terreno em toda a Europa. A mudança mais importante deu-se a nível ideológico: o ciclismo já não é só modalidade, mas cada vez mais um meio de transporte, uma alternativa real para outros meios de transporte. Blogues de moda, tal como o Copenhagen Cycle Chic influenciam a cultura. O blogue mostra fotografias de pessoas elegantes que andam de bicicleta e provam que não é necessário estar coberto com Lycra para andar de bicicleta. Roupas do quotidiano e, até, roupas estilosas podem ser usadas a andar de bicicleta. O ciclismo também está a começar a tornar-se no meio de transporte da classe média. Qual é então a prova mais concreta do desenvolvimento da cultura de bicicleta? “A ponta do iceberg são os sistemas públicos de mobilidade em bicicleta” diz Tulenheimo. Eles incentivam as pessoas que costumam andar de bicicleta apenas ocasionalmente a andar mais. Hoje em dia mais de 400 cidades têm o mesmo tipo de sistema público de bicicletas que Paris. O sistema das bicicletas em Paris tem sido um grande sucesso. No ano de 2007 o sistema tinha 7000 bicicletas e em Fevereiro deste ano, já tinha 20 000. Vélib’ é barato para os utentes, fácil de usar e está bem combinado com a utilização nos transportes públicos. Os investimentos na cultura da bicicleta são mais visíveis nas infra-estruturas. Por exemplo, a Holanda e a Dinamarca têm-nas desenvolvido muito nos últimos anos. “Só o facto de existirem infraestruturas tão desenvolvidas explica porque nestes países as pessoas andam tanto de bicicleta”, explica Tulenheimo. Por outro lado, a Suíça tem a tradição de copiar as melhores ideias e adaptá-las às suas necessidades. A Holanda, a Dinamarca e a Suíça têm trabalhado muito para combinar os transportes públicos com as bicicletas. Os estacionamentos de bicicletas e as tão chamadas “flex-carruages” nos combóios são bons exemplos dos investimentos feitos para promover a cultura de bicicleta. Ricardo encosta-se à bicicleta azul-celeste e deixa a respiração estabilizar. Para trás ficou a calçada portuguesa de Alfama, alguns quilómetros na estrada movimentada e uma longa e dura avenida. Agora, em frente, abre-se uma pista vermelha para ciclistas numa descida tentadora com uma vista sobre a cidade. “Com a bicicleta conseguimos experienciar a cidade de uma forma diferente”, diz Ricardo. A promoção do ciclismo também está relacionada com a saúde pública. “Nos países desenvolvidos, os investimentos acabam por ser rentáveis, ao contrário dos países que não investem em bici-cultura. Estes países perdem mais dinheiro em saúde pública do que se investissem na promoção da utilização da bicicleta”, diz Tulenheimo. Lisboa ainda tem muito pela frente. “Primeiro temos que trabalhar nos direitos dos ciclistas no trânsito. Precisamos de aumentar a educação, melhorar a condição das estradas e, se calhar um dia, poderíamos ter um sistema público de mobilidade em bicicleta” diz Ricardo. Texto adaptado pela autora a partir do original publicado no jornal finlandês Ylioppilaslehti, no dia 13 de Abril de 2012.
em
Urbanização Portugal, O COLUNAS
uma breve história da novidade
planeamento urbano em Portugal só se torna efectivamente numa preocupação pública durante o Estado Novo, em 1934, quando o então criado Ministério das Obras Públicas, dirigido por Duarte Pacheco, estabelece a obrigatoriedade de execução de planos para todas as populações com mais de 2500 habitantes, sedes de concelho e centros de interesse turístico. Tal facto, só por si, diz muito da dimensão das nossas cidades há um século, mas se a esse acrescermos que muitos desses planos então feitos são, acima de tudo, desenhos de “embelezamento” mais preocupados com a composição do que com o planeamento, realizamos que o fenómeno urbano – cidade – tal como agora o percepcionamos tem pouco mais de meio século. Em Portugal, o processo de deslocação da população em direcção aos centros urbanos, com o abandono das aldeias e dos campos, só ocorre após a II Guerra Mundial, quando finalmente o regime aposta numa política de desenvolvimento económico e abandona toda uma estrutura produtiva-social que tinha como modelo a subsistência rural. Se, numa fase inicial, as carências habitacionais dessa nova população “urbana” têm resposta na densificação da cidade consolidada, seja por construção de novos edifícios ou mesmo urbanizações, em paralelo com fenómenos de sobreocupação dos fogos já existentes ou bairros de barracas, a partir de 1950/60 as respostas do mercado imobiliário, mas não só, começam a surgir na periferia associadas às infra-estruturas de suporte pesado, como o combóio. As grandes cidades portuguesas, em especial Lisboa e Porto, vêem as suas periferias crescer até muito recentemente, substituindo-se a partir dos anos 70 o transporte público pelo carro particular, a linha férrea pelas vias rápidas, mas, apesar de tudo, num contínuo urbano cada vez mais extenso só que agora plurinuclear. Nos anos 80, estabelecido o regime democrático com a promoção de políticas de apoio ao investimento, a população emigrante – fugida da guerra colonial e da pobreza a partir dos anos 60 – regressa para construir as suas casas “ideais”, dando início a um processo de urbanização dispersa, que os anos 90 verão reforçado por uma população urbana que, pretendendo “fugir da cidade”, graças ao automóvel e ao financiamento fácil, vai também ela procurar a sua “casa na natureza”. No início do século XXI, se por um lado esta expansão urbana, que já não podemos chamar “cidade”, quer pela sua dimensão quer pela sua difusão, começa a ser questionada, por outro começam a sentir-se alguns sinais de reocupação dos centros das cidades matriz, densas e estruturadas.
João Carlos Afonso · jcsafonso@gmail.com
MASSA ´ CRiTICA 2
011 será um ano recordado pela importância que os movimentos de ocupações de espaços públicos demonstraram ter, afirmando-se como brechas que se abrem neste sistema, em que os limites entre público e privado se tornam cada vez mais sensíveis. A necessidade de trazer este tema para a ordem do dia foi em grande parte o que sobrou das diversas ocupações que tiveram lugar nas praças, ruas ou edifícios. Quer nos Estados Unidos, uma sociedade euforicamente capitalista, ou nos regimes ditatoriais derrubados, como os do Egipto ou da Tunísia, o que motivou uma espécie de quase catarse colectiva foi a constatação, cada vez mais clara, de uma apropriação ilegítima por parte de alguns sectores da sociedade, através de um exercício que não se compadece com a ideia de uma sociedade livre, igualitária e comunitária. Esta ideia fundamentou-se na noção do mérito — afinal de contas, quem era rico só o era porque trabalhava melhor e isso dava-lhe direito a consumir bens mais dispendiosos ou o acesso a melhores condições de vida, mas quando este exercício se auto-legitima pela exclusão e se perpetua pelas oportunidades que são dadas a uns e outros, a questão de que proveitos cada um tira da sociedade e que contributo devolve torna-se mais promíscua. A própria ideia da coesão social fica colocada em causa quando os limites desse exercício proprietário se sobrepõem a valores mais importantes como o usufruto responsável e justo que cada um retira, por exemplo, das matérias-primas que a natureza colocou ao dispor de todos. Tornando bastante patente que este exercício de propriedade, que foi conquistado pela força e se perpetua pela força, seja essa força um exercício de poder económico ou de força bélica, prejudica em grande parte a própria existência da sociedade, tornando o mundo um local de competitividade e barbárie ao invés de ser um local de mutualismo e emancipação. Podemos estabelecer um paralelo entre estas movimentações cívicas mais mediáticas com
um momento-chave da nossa ciclocultura: a Massa Crítica. Em cada Massa Crítica que se realiza pelo mundo o que se encontra nas entrelinhas é precisamente essa ideia de Ocupação enquanto exercício de usufruto de um espaço comum mas que em grande parte é vedado, neste caso, aos veículos suaves. A primazia que é dada ao automóvel nas sociedades modernas — e lembremos que este factor não é estranho à própria edificação de uma economia de regime capitalista, em que consequências como a atomização das pessoas trazem grandes malefícios ao nosso modo de vida — levou a que se plantassem terrenos de asfalto de alta velocidade e se desconsiderassem todas as outras formas de locomoção terrestre. Esta legitimidade suprema está bastante forte no nosso subconsciente. Qualquer um de nós, ciclistas, peões ou outros corpos estranhos, poderá relatar as diferentes experiências que já teve com automobilistas que nos mandam andar no passeio ou nos buzinam por serem forçados a movimentarem-se mais devagar. Mas sempre que os ciclistas das nossas
cidades se juntam às dezenas e às centenas e cruzam as avenidas em conjunto subvertem completamente a hierarquia da estrada e garantem o reconhecimento da bicicleta como um par entre outros veículos. O que a Massa Crítica faz é reclamar um direito de usufruto à cidade reconhecendo as diferentes formas de locomoção como elementos do tráfego. A própria orgânica da Massa Crítica aponta para possibilidades diferentes de organização colectiva, mantendo-se como uma estrutura não hierárquica que se constrói colectivamente e que encontra em cada um de nós um agente desse exercício em plena posse da sua consciência. Uns fazem-no para alertar para o uso da bicicleta, outros pelo prazer do passeio, outros pela convivência e festas que se vão organizando paralelamente. Na realidade, as motivações de cada um a cada um dizem respeito. Por tudo isto este poderá bem ser um modelo para uma sociedade em que cada um possa plantar e colher os frutos em cooperação, respeito mútuo e emancipação. Tiago Sousa · tiago@outra.pt
Desafio Lucky Luke dia 31 de Outubro (continuação do texto Publicado na edição de Abril)
Duarte Nuno · etraud_@hotmail.com “Vê se te calas. Carrega no play.” “Esta bicicleta era da tua mãe? Toda em plástico e as rodas bem loucas. Isso não deve pesar nada. Belas pernas!” - elogia em forma de troça. “Não era, é dela. Claro, achas que ia fazer esta prova com a minha de aço? São boas mas não são tuas. Tira os olhos de lá.” - despacha as perguntas e afirmações de uma rajada, sem tirar os olhos do ecrã, na esperança de ver a sombra a descolar. “Esta filmagem é mesmo na recta do Infante?” A resposta é tão óbvia que não a tem. “Bem, não conseguiste.” - conclui depois de verem duas horas de filmagens - “Mas creio que consigas.” Um abraço e uma beijoca repenicada agradeceram-lhe a confiança. Filó treinava mesmo quando não lhe apetecia, mas como não queria deixar mal o seu melhor amigo tinha que fazer o esforço. Estêvão encontrou-a a ir para a recta. Acompanhou-a sempre na roda e, mesmo assim, chegou com os bofes de fora. “Então como é que te estão a correr os treinos? Como é o plano de treinos?” Uma gargalhada fez com que Estêvão abrisse os olhos até à nuca. “Plano de treinos?! Isso parece a conversa do chato.” “Sim, sim, está bem.” “É simples, nada de especial. Saio de casa às onze, ando estes 350 metros para a frente e para trás. Vou almoçar, só hidratos, volto aqui, faço mais duas horas e está feito o dia.” - explica enquanto calça as luvas. “Que belas férias de Verão que eu estou a ter. E tu? O que andas a fazer?” “Eu...” - para não ficar atrás “ando a fazer umas cenas... lá para a loja...” - ou seja nada. “Tenho que ir agora ali a um sítio.” - pega na bicicleta e no meio disto não ouve a boa nova. “Acho que já consegui descolar a sombra!” - grita mas sabendo que ele já não a ouve. “Aparece cá amanhã à mesma hora.” Isso Estêvão já ouve e faz um gesto de que amanhã lá estará. Até chegou mais cedo que a Filó. “Ouviste o que eu te disse ontem?” “Sim, por isso é que eu estou cá, para ver com os meus olhos. Não te esqueças que é amanhã a prova.”
“Sim, eu sei e estou mais que pronta. Vou arrasar a concorrência.” - Filó é a pessoa com mais confiança no mundo. Dia da Prova Apresentaram-se cinco ciclistas cheios de licras e bicicletas que pesavam menos que uma família de moscas numerosa e para aí uns 40 amigos e 30 curiosos. Um dos participantes até rapou o cabelo com o pretexto de “Fico mais leve e assim é mais fácil.” “Este gajo é atrasado.” - diz com desprezo a Filó ao seu grande amigo entre dentes. Filó é a terceira a correr. “Passo a explicar uma regra para que fique bem presente.” - grita o megafone do organizador, também de cabelo rapado mas não é atrasado, é careca. É vizinho da avó de Estêvão, mas eles não se conhecem, é mau para caras, segundo a mãe da Filó. “O desempate, caso pelo menos consigam descolar a sombra, é ver quem consegue o maior tempo de descolamento.” “O primeiro corredor na linha. Liga a câmara.” “O segundo corredor na linha. Liga a câmara.” “O terceiro corredor na linha. Liga a câmara.” - a Filó estava tão concentrada que teve de ser acordada da meditação pelo Estêvão. “O quinto corredor na linha. Liga a câmara.” “O sexto corredor na linha. Liga a câmara.” “Esperem um minuto para avaliarmos as imagens.” A ansiedade era grande e Filó só rezava para que não houvesse desempates e para que tivesse ganho. Passados os minutos de avaliação das imagens o resultado veio. “O vencedor é o corredor número...” o megafone calou-se por um mau contacto. Resolvido o problema o nome da Filó foi aclamado. “Filomena Pêra ganhou! Tendo conseguido descolar a sombra por 5,39 segundos e o segundo classificado (o atrasado) conseguiu menos 41 milésimos de segundo.” Os dois amigos saíram dali a pedalar, esquecendo-se do prémio, que a mãe dela depois trouxe. Eles pedalaram tanto, tanto, tanto, que só voltaram ao pôr-do-sol como dois cavaleiros. A Filó até teve direito a uma entrevista num jornal da especialidade, não disse nada de especial.
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R i c a r d o
S o b r a l
E d i ç ã o :
J o ã o
P i n h e i r o
Ao longo dos últimos doze meses vimos surgir novos grupos de ciclistas urbanos que se distinguem de tudo o que existia até agora. Têm nomes e logótipos, como os outros, mas actuam de maneira diferente. Na verdade, continuamos sem saber muito bem o que representam mas a criatividade das suas acções e a forte imagem identitária que os sustenta aguçaram a nossa curiosidade. Este é um exercício de reflexão focado essencialmente em três grupos lisboetas – a Matilha Cycle Crew, o Rolha Cycling Club e o Dropout Collective – a partir dos quais podemos extrapolar para identificar uma nova forma de socializar e viver com as bicicletas que está a entrar na ordem do dia. Era uma quarta-feira, ao final da tarde. O Largo do Carmo encheu-se de bicicletas e seus ciclistas. Os transeuntes olhavam, curiosos. A aglomeração tinha um propósito – tirar fotos para esta reportagem. Talvez ninguém esperasse aquela enchente, nem mesmo nós, os primeiros a conspirar. Pareceu-nos, à partida, uma missão difícil juntar três grupos de ciclistas no mesmo local à mesma hora mas a surpreendente adesão levou-nos a constatar uma outra evidência: estávamos perante uma multidão de pessoas que gosta de juntar-se com bastante frequência para fazer cenas de bicicleta. Fazer da bicicleta meio de transporte é uma coisa. Fazer dela estilo de vida é outra. Para quem a primeira já não é novidade, a segunda parece surgir como um passo natural. O momento em que decidimos enquadrá-la nas nossas rotinas semanais, sobretudo as de lazer, é também o momento em que somos confrontados com um mundo em que ainda são poucos os que pensam como nós. Sozinhos no mundo, os ciclistas encontram facilmente uma afinidade com estranhos, colegas de trabalho e conhecidos destas andanças em torno dos usos que se pode dar à bicicleta e aos vários espaços da cidade. Estão habituados a deslocar-se quotidianamente por entre automóveis e vias congestionadas, perderam o medo e ganharam confiança física e moral – ninguém os demove desta opção. Participam em eventos como a Massa Crítica e as cicloficinas mas encontraram outras formas, talvez mais relaxadas, de continuar a promover um mundo mais parecido com o seu.
MATILHA CYCLE CREW (MCC) A MCC foi fundada por quatro pessoas há quase um ano (haverá festejos brevemente, fiquem atentos) e foi por força de trabalharem juntos que surgiu o grupo. “Na nossa visão, da MCC fazem hoje parte cerca de 1500 pessoas que estão ligadas connosco através do Facebook. A MCC surgiu dentro de um grupo de amigos que começou a usar a bicicleta como principal veículo na cidade de Lisboa. Depressa sentimos que podíamos usar o nosso grupo como veículo de uma mensagem bastante positiva para a cidade e para os tempos que correm: a bicicleta é o próximo grande veículo das cidades”. São o grupo mais antigo destes três e campeões em número de eventos realizados, dos quais destacamos: o lançamento de uma série limitada de sweatshirts "Winter won't slow me down" em tributo aos ciclistas que pedalam 365 dias por ano, realizado num ambiente de festa com torneio de bike sprints à mistura; e "O Passageiro de Meio Mundo", que “foi realizado em parceira com o Idílio Freire e a Casa da América Latina para contar à comunidade ciclista a experiência de um ciclista que visitou 15 países em 14 meses, em regime solitário.
Todos diferentes mas iguais O que é que distingue estes novos grupos? Não faltam colectivos e clubes de ciclistas que organizem passeios e almoços aos fins-de-semana, vemo-los em romarias pelas estradas e trilhos do país. O foco dos novos grupos, porém, é a cidade. Dentro dela desenvolvem actividades tão diferentes quanto a diversidade dos seus espaços o permite. E não falamos apenas de espaço físico, mas também social e cultural que a cidade, mais do que tudo o resto, pode oferecer.
F o t
JUNTAS
t o g r a f i a :
J o ã o
G u e d e s
d e
A m o r i m
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a c i d p n ts . c o m
Eventos como a Massa Crítica e as cicloficinas tornaram-se referência dentro e fora da comunidade de ciclistas e ganharam uma dimensão confortável que assegura a sua renovação e continuidade. São o lado visível da comunidade e do empenho de muitos na promoção do uso da bicicleta nas cidades ao longo de vários anos, que permitiu estabelecer e até cristalizar práticas, discursos, rotinas e, talvez o factor mais importante, fazer amizades entre pessoas que partilham o gosto por andar de bicicleta. Longe de competir com esses espaços, cuja existência é jamais posta em causa, os novos grupos de ciclistas criam a sua própria esfera e campo de acção. O surgimento destes grupos é o sintoma de que a comunidade está a crescer e a diversificar-se. Andar de bicicleta na cidade deixou de ser o único elemento em comum, passando a haver outros factores que aproximam, tais como o tipo de bicicleta que se usa, a área profissional em que se trabalha ou as actividades de lazer que se praticam, da boémia às mais saudáveis. O elemento base de ligação mantém-se, é certo – a vontade de mudar a cidade e torná-la mais ciclável. Acresce agora um aperfeiçoamento estético, anatómico e utilitário, na diversificação dos usos e formas, que é fruto de quem conhece bem o veículo e o sabe manipular. As actividades destes grupos funcionam como uma celebração do modo de vida que os seus membros adoptaram.
Rolha Cycling Club “Começámos [com o Rolha] deitados no relvado de Belém, ao som de boa música e já com uns copos a mais. O nosso propósito não é fazer eventos, é apenas partilhar programas que as pessoas do Rolha gostem de fazer ou aparecermos em conjunto em programas que já existam, como somos todos viciados em bicicletas, tem sido este o ponto de partida”. Lanches, boa bebida, idas à praia e ao campo. Os Rolha tratam-se bem. E tratam bem dos outros sempre que organizam as suas provas de ciclocross. O curioso nome até pode ter surgido depois de uns copos a mais embora, já sóbrios, tenham feito uma investigação: “descobrimos o significado das Rolhas nos primórdios das six-day races, em que a rolha tem um simbolismo específico – ficas sem “gás”, arrancas a rolha, you're out of cork”. Foram conhecendo-se entre si nos eventos de bicicletas em Lisboa e todos têm uma rolha personalizada pendurada no selim: “é o cartão de sócio!”. Quando lhes perguntámos se têm alguma máxima para o clube disseram-nos "Quem é que traz o Moscatel?" ou “Quem é que traz o Espumante?”. Também têm um cão, como qualquer clube que se preze, para acompanhá-los nas valentes cadelas.
Da subcultura à cultura No Largo do Carmo vemos a multidão de ciclistas aglomerada junto às ruínas do convento. Um olhar mais atento permite-nos perceber que os três grupos presentes estão, naturalmente, agrupados entre si. Quando são tiradas as primeiras fotos até se comenta que estão ordenados alfabeticamente. A maior parte dos presentes conhece-se dos vários eventos organizados por uns e por outros, no entanto é visível uma maior afinidade intragrupal. Em países onde a bicicleta está instituída como meio de transporte, diz-se, não existe tanto espaço para este tipo de socialização à volta da bicicleta – que motivos teriam as pessoas para criar laços em torno de algo que toda a gente faz? Nesses contextos sobressaem os grupos que mais facilmente são associados a subculturas, como a comunidade fixed gear, BMX, os mensageiros, os BTTistas e os estradistas desportivos. Em Portugal, o uso da bicicleta como meio de transporte é ainda uma subcultura, nesse sentido. A banalização do seu uso levará, eventualmente, a que o sentimento de pertença a uma comunidade se dilua no meio de outros tantos ciclistas. É esse o momento em que a bicicleta passa a fazer parte da cultura alargada de um local. Até lá, podemos contar com estes grupos e outros que possam vir a surgir para nos sentirmos em casa. Na rua.
Drop Out Collective Começaram, como o Jornal Pedal, no início de 2012. Organizam desde passeios nocturnos, “onde se encontram todo o tipo de utilizadores de bicicleta”, até corridas alleycat e BMX jams. A maior parte dos elementos do grupo conheceu-se no meio do hardcore e outros pelas fixed gear. Gostam de fazer coisas em modo DIY – do-it-yourself. O nome do colectivo foi difícil de escolher mas acaba por resumir-se a uma parte essencial da bicicleta, evitando rótulos mais específicos para dar ênfase ao que os une: as bicicletas, de todo o tipo. Ainda não há raparigas no grupo mas... “aceitamos candidatas".
ENTREVISTA
Que bicicleta(s)? Uma fixed antiga em Lisboa, uma nova e horrível em Londres (odeio a cor mas foi barata!) e, ainda, uma Scott de estrada dos tempos de ciclismo que, provavelmente, está toda desmontada em peças, em casa dos meus pais. Onde preferes pedalar, Lisboa ou Londres? Lisboa. Skate ou bicicleta? Skate haha. Sorry! Na rua ou na galeria? No ateliê.
Jovem HerAnça PEDRO MATOS Numa das ruas do agitado bairro londrino de Soho, encontramos a galeria de arte Ivory & Black. Esta é a recente galeria de dois jovens portugueses onde Pedro Matos tem desenvolvido o seu trabalho. Foi na inauguração da sua última exposição, a primeira a solo em Londres, que o descobri. E entre faixas etárias e estilos diferentes, dizia-se à porta que todas as obras expostas na galeria já teriam sido vendidas. Pedro Matos não será só uma jovem promessa, tendo já trabalho exposto por países como Alemanha, EUA, Portugal ou Espanha. O seu trabalho é denso, cuidado e complexo, respira a herança cultural deixada por alguns dos pensadores da nossa era ou mesmo a herança de uma cidade deixada por Pedro há alguns meses, Lisboa. Do ciclismo para o skate, ao pincel, há uma constante nas actividades em que Pedro se envolve, a ligação directa e o controlo que tem sobre o que faz, e por isso, aos 23 anos senta-se aos comandos de uma galeria de arte e mais uma vez, faz aquilo que gosta, com quem gosta. Nesta entrevista, pedalamos um pouco pelo seu mundo.
Texto: João Pinheiro Fotos: João Retorta cargocollective.com/joaoretorta
Sinto que existe uma grande aceitação por parte de uma cena ligada à street art, embora eu não a alimente. Fiz algum trabalho na rua até 2009 e foi, talvez, isso que me deu alguma visibilidade internacional, e fico bastante contente por esse público continuar interessado no meu trabalho, mesmo quando ele já não é feito ou apresentado na rua. Acerca desta última exposição, é referido, com frequência, o filósofo Michel Foucault, quase um arqueólogo do conhecimento e essa arqueologia está presente em “Heritage”. Que relação tens com esses elementos? Como é que essas referências existem na tua vida? Ele tinha uma forma de pensar e questionar bastante peculiar, e o seu trabalho e os temas abordados na sua obra foram o ponto de partida para esta exposição. Eram questões em aberto e pintar sobre elas é a minha forma de tentar resolvê-las de alguma maneira. Tens ideia do rumo que pretendes tomar artisticamente? Que questões e temas pretendes abordar? Bem, na realidade, que projectos tens para o futuro? Tenho vários projectos planeados para o futuro em termos de exposições, publicações, etc.. A próxima exposição é uma mostra colectiva com a curadoria do Arrested Motion, na Stephen Webster de Beverly Hills. Em relação ao meu trabalho e questões a abordar, sinto-me interessado na decadência e volatilidade da cultura e valores humanos, e esse é o ponto de partida para a minha prática de ateliê. Como te revês em Portugal? Sentes que existem estruturas suficientes para cresceres como artista a par do teu reconhecimento lá fora? Não. Começo a sentir algum interesse por parte do público, jornais e revistas, mas não por parte de galerias, fundações, instituições, colecções, etc., que, na prática, são as estruturas que tornam sustentável a continuação do meu trabalho. Mas não me sinto vitimizado por isso. Toda a cultura em Portugal é bastante negligenciada se não for popular ou sensacionalista.
Quando e como começas a pintar? Qual foi o teu percurso e o que te trouxe até hoje? Comecei a pintar quando tinha por volta de 16 anos. Sempre desenhei e tive algum interesse por arte, mas apenas em 2006, depois de estar bastante envolvido com a cultura de skate, graffiti, surf, etc., comecei a descobrir artistas e ilustradores ligados a estas mesmas indústrias, e com trabalhos com os quais me identificava mais do que os tradicionais circuitos de arte contemporânea. Foi isso que me levou a achar possível ter algum tipo de carreira ligada à arte. O que te fez mudar para Londres e como tem sido a tua vida aí? Como comparas Londres com Lisboa e de que forma é que as duas cidades te influenciam? Mudei-me para Londres quando a Ivory & Black se tornou numa galeria e adquirimos um espaço físico no Soho. Já há algum tempo que planeava mudar-me para Londres pela minha carreira como artista, mas a galeria foi o que definiu essa mudança. As duas cidades são bastante distintas e não têm muito em comum. Lisboa influencia-me por toda a herança cultural e visual, e Londres influencia-me pela personalidade das pessoas e a sua energia. Acabas de inaugurar a tua primeira exposição a solo na galeria da qual és proprietário e curador. Como tem sido a experiência com a Ivory & Black, com uma pessoa (Rui Louro) com quem colaboras há algum tempo? Tem sido uma experiência bastante enriquecedora. Por um lado, é bastante mais difícil do que trabalhar com uma galeria estabelecida há mais de dez anos em que não tenho de fazer nada além de pintar, por outro, o facto de trabalhar, não só com o Rui mas com todas as outras pessoas à nossa volta, a maioria amigos de Lisboa com quem colaboramos, torna o processo muito mais pessoal e familiar, e permite-me ter total controlo sobre a maneira como a exposição é apresentada, divulgada, etc.. O nosso interesse é o mesmo em todos os sentidos, e isso nem sempre acontece quando trabalho com outras galerias ou instituições. Penso que sejas o novo talento português de um estilo que, embora a sua evolução, continua bastante ligado à street art e a um roteiro mais underground, à semelhança do Vhils. Sentes-te inserido, de alguma maneira, nessa cena? Ou sentes-te inserido em alguma cena?
Começas a pintar aos 16 anos, a andar de skate aos 11. Quando e de que forma aparece a bicicleta na tua vida? Em criança, como 99,9% das pessoas, penso eu. Em 98/99, tornei-me fã do Pantani e do Armstrong e comecei a acompanhar o Tour de France e mais algumas outras provas. Foi o ponto de partida e cheguei a fazer parte de uma equipa de ciclismo e a participar em algumas provas. A certo ponto, isso tornou-se incompatível com o skate e abandonei. Mais tarde, conheci o Kiko da Rcicla, que montou a minha primeira fixed gear e voltei a andar frequentemente. No teu dia-a-dia como artista a bicicleta é uma ferramenta importante? Não sei de que forma as duas coisas se podem relacionar... Há bicicletas nos teus quadros? Isto é, quando ciclas transportas-te para o mundo do óleo e das peças de arte? Ajuda a fazer-te fluir pensamentos? Talvez nesse sentido seja importante. Andar de bicicleta acaba por ser um momento de "meditação", do meu trabalho e da minha vida em geral. Dá alguma saúde física e mental. Tens alguma história interessante que te tenha acontecido por causa da bicicleta? Foi o que me permitiu percorrer São Francisco e conhecer muitos dos meus heróis pessoais no Verão passado, por exemplo...
MODA
Fotografia: Montanha Negra montanhanegra.tumblr.com
TĂŠnis: Vans Camisa: Fred Perry Quadro: Schwinn Cadeado: Kryptonite
Tรกbua: Fiveboro Quadro: Panasonic
REVIEWS
produtos
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"Boy and Bicycle" – Ridley Scott (1958)
THe Ride Journal #6
“Mas antes de todas as coisas”, umas palavras para o cinema português. O nosso cinema vive, talvez, o seu período de maior aperto. Como se estivéssemos numa etapa de montanha de muitos quilómetros sem fim à vista, temos que exigir um fim de etapa rápido ou, pelo menos, que deixem desfrutar-nos de mais rectas e descidas, de bons e melhores filmes. Um país sem cinema é um país muito mais pobre. Passando ao filme, é o primeiro do realizador britânico, filmado na íntegra nas zonas de West Hartleppol e de Seaton Carew que, 20 anos mais tarde, seriam décors fundamentais para filmes como “Alien”, “Blade Runner” ou “Black Rain”. Uma obra feita com muito poucos recursos. O quarto do rapaz é o de Ridley quando adolescente, a personagem é interpretada pelo seu irmão Tony (que é, hoje em dia, também realizador/produtor), toda a envolvência e os restantes décors são seus familiares e, portanto, de fácil acesso. Filmado em 16mm pelo mesmo, teve apenas ajuda na captação de som e na música. Apresenta um estilo peculiar de filmar, expressionista e com uma clara tentativa, nem sempre bem conseguida, de ser diferente e inovador. A história do filme é bastante simples. O rapaz a pensar no que será o seu dia, quando ainda está na cama, levanta-se e passeia na sua bicicleta por vários locais perto do mar, praticamente desertos, enquanto isso, ouvimos os seus pensamentos em voz-off, sendo uma espécie de fluxo de consciência, Scott afirma ter como inspiração a obra de James Joyce, "Ulisses". A bicicleta, mais uma vez, tem um papel simbólico, não só de liberdade, mas também de prazer, alegria e, fundamentalmente, introspecção.
Para começar esta review, devo dizer que se há publicação que me fez querer fazer algo mais pela bicicleta do que andar de bicicleta, foi esta. E porquê? Em primeiro lugar, pelo seu eclectismo, o The Ride Journal é feito de textos pessoais de todos os tipos de utilizadores da bicicleta, pessoas que as usam com os mais diversos fins e objectivos. Neste número seis, por exemplo, temos textos de pessoas como Anne-Caroline Chausson (nove vezes campeã do mundo de downhill, campeã olímpica de BMX), Ned Overend (um dos pioneiros do BTT) ou Chris Akrigg (um faz-tudo no mundo das bicicletas). Textos contrabalançados com textos de commuters, roadies, bmxers ou "bttistas" completamente anónimos para o grande público. Cada texto faz-se acompanhar por uma ilustração ou por uma fotografia. No entanto, existem alguns artigos maiores, a que podemos chamar pequenas reportagens, neste número, dedicados a Matt Hoffman, o mito da BMX, aos trilhos de North Shore, entre outros. Por fim, falemos sobre aquilo que vemos em primeiro lugar: a capa. Quase que me atrevia a dizer que, só por isso, já vale a pena comprar o The Ride Journal mas, como foi dito anteriormente, existe muita coisa para nos fazer sentar e desfrutar destas belíssimas quase 200 páginas de letras e imagens. theridejournal.com
radiotijolodeprata.wordpress.com
€75.00 bicirodagira.com
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Luís Gregório · lg@jornalpedal.com
Ricardo Pinela · ricardo.pinela@me.com
On air Pedal de Prata
Roda Preta Origin8
Com cubo flipflop e aro de 42mm em alumínio.
Capacete Specialized Align
Leve, confortável, bem arejado e facilmente ajustável. Um bom capacete para a cidade.
€34.00 specialized.com/pt/pt/bc/home.jsp
O Pedal ganhou voz! Começámos em Abril uma nova etapa, agora radiofónica, na antena da Rádio Tijolo de Prata onde mensalmente teremos entrevistas, música, comentários, notícias e tudo o mais que nos formos lembrando ou surja pelo caminho. O programa de rádio chama-se "Pedal de Prata", tem a duração de uma hora e vai para o ar em directo todas as segundas quartas-feiras do mês às 22 horas. O podcast de cada programa ficará também disponível online poucos dias após ser emitido, para que possam ouvi-lo quando quiserem. No passado dia 18 de Abril tivemos a nossa primeira emissão que (modéstia à parte) correu de forma muito satisfatória! Foi para todos nós a primeira experiência de condução de um programa de rádio, para a qual contámos com a inestimável ajuda do nosso anfitrião da Rádio Tijolo de Prata, João Bentes. Achámos, por isso, que devíamos fazer alguma auto-crítica neste espaço do jornal. O primeiro programa serviu para nos experimentarmos perante um novo meio de comunicação. Das vozes aos pormenores mais técnicos, como a introdução de músicas e do tema de abertura do programa, houve erros e sucessos que soubemos identificar para que as próximas emissões sejam cada vez mais focadas no conteúdo, que é no fundo o que nos interessa transmitir. O primeiro programa serviu ainda para olharmos em retrospectiva as edições do jornal publicadas até então e debatermos, em modo reunião aberta, algumas das peripécias e aprendizagens que temos enfrentado ao longo deste desafiante projecto. Ricardo Sobral · rs@jornalpedal.com
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Selim Brooks Team Pro Classic Nova versão do clássico selim em pele Team Professional da prestigiada marca inglesa Brooks.
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YEHUDA Moon
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