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O Pantanal não está em chamas, mas ainda precisa de atenção

Apesar do fim das queimadas que marcaram o bioma, ainda há muito a ser feito para evitar uma devastação ainda maior. por Natália Veloso

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No ano de 2020, um dos biomas mais importantes do planeta passou pelo seu pior momento. O Pantanal brasileiro, localizado entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, enfrentou, no segundo semestre de 2020, um período de queimadas que marcou sua história e alastrou cerca de 2,1 milhões de hectares da sua área, segundo estudo da ONG ICV (Instituto Centro de Vida). Apesar do pior já ter passado, os riscos de incêndios ambientais ainda são preocupantes.

Para entender o impacto já causado até agora, é preciso destacar que os focos de incêndio nunca foram tão vistos no bioma em 22 anos. Até 2018, o Pantanal era o bioma brasileiro mais preservado do país. A área devastada no período analisado pelo IBGE correspondeu a apenas 1,6% de sua vegetação nativa.

Apesar da menor parte do Pantanal ser encontrada em Mato Grosso, o Estado foi o mais atingido pelas queimadas, com 2.215.000 hectares, na comparação com os 1.902.000 hectares no Mato Grosso do Sul.

Recentemente, duas entidades ligadas ao meio ambiente – o Observatório Pantanal e S.O.S Pantanal – mandaram a parlamentares e representantes dos Executivos federal e estadual, um documento alertando que os incêndios que ocorreram em 2020 podem se repetir ou até mesmo se intensificar em 2021. O documento recomenda várias medidas de prevenção que devem ser tomadas com urgência para evitar uma nova crise ambiental. Dentre essas medidas estão a formação e manutenção de brigadas de combate ao fogo, compra de equipamentos adequados, campanhas de orientação às comunidades pantaneiras e identificação e punição dos responsáveis.

A Tenente Coronel Jusciery Rodrigues, comandante do Batalhão de Emergências Ambientais (BEA-MT), aponta que parte dessas ações já estão nos planos do batalhão. Ela explica que as ações de controle do fogo não se limitam somente a quando o incêndio acontece. “Alguns acham que o incêndio deve ser tratado somente na época da resposta, e não. Nós temos que trabalhar em outras fases também. E nós dividimos em quatro fases: prevenção, preparação, resposta e responsabilização”, completa.

Neste ano, as ações de prevenção vêm sendo feitas através de campanhas midiáticas que fazem o trabalho de educação ambiental. Entre as ações do batalhão estão a capacitação de militares e brigadistas. Em 2021, haverá a capacitação de cerca de mil militares do Exército, e a contratação de 100 brigadistas pela Secretaria de Estado e Meio Ambiente (SEMA).

Quanto às ações de resposta, atualmente existem 24 bases espalhadas pelo Estado, porém a tenente explica que, na época de queimadas, há a criação de novas bases, são elas as Bases Descentralizadas Bombeiro Militar (BDBM) e, através do monitoramento dos municípios, essas bases são instaladas temporariamente. Neste ano, estima-se que serão criadas novas 40 BDBM, apresentando um aumento de 10 bases a mais comparado a 2020, totalizando 64 bases espalhadas nos 141 municípios.

As ações de responsabilização, que também são aplicadas pelo Batalhão de Emergências Ambientais, são realizadas durante o ano. A tenente Jusciery conta que desde fevereiro as equipes estão em campo realizando a fiscalização e aplicação de multa. Além disso, há perícias para verificar a origem do incêndio, para que o processo criminal seja feito.

Outra ação buscada pelo batalhão é a aproximação com as comunidades tradicionais. Junto à Sema, fará a capacitação de novos brigadistas que venham dessas comunidades. Outra parceria em destaque é feita com a Secretaria de Segurança Pública (Sesp) e a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja). Através dessa parceria, os socioeducandos poderão fazer novos abafadores rurais de incêndio que poderão ser usados neste ano. Para a tenente essa ação poderá beneficiar ambos os lados.

“São três ações bem bacanas: utilizar a mão de obra dos educandos, dar a oportunidade para eles poderem aprender e também distribuir esses abafadores para as comunidades que nós vamos capacitar, porque nós vamos capacitar essas comunidades e distribuir instrumentos para ajudar a conter os incêndios florestais”, afirma a tenente coronel Jusciery.

Essa ação é uma novidade deste ano no plano de combate aos incêndios do batalhão. Além disso, o aporte de recursos do governo estadual destinados ao combate ao fogo será maior. No mês de março, o governo anunciou que dos R$ 73 milhões destinados ao pacote de ações ambientais de combate e prevenção ao desmatamento ilegal e queimadas, R$ 43,3 milhões serão exclusivos para atender aos incêndios florestais de 2021, sendo R$ 21 milhões destinados para a compra de um helicóptero que, segundo a tenente, vai facilitar o acesso aos locais de incêndio. Em comparação

Localização do Pantanal. Foto: CNN Brasil

Orçamento destinado ao Meio Ambiente desde o ano 2000 Fonte: Relatório “Passando a Boiada” do Observatório do Clima

ao ano de 2020, a verba do pacote de ações passou por um aumento de 95%.

Em contradição ao documento apresentado no início desta reportagem, a tenente-coronel afirma que os dados meteorológicos e os focos de calor que já estavam presentes no primeiro trimestre do último ano, em comparação com o mesmo período em 2021, sofreram redução. Mas ela alerta que ainda não é possível afirmar com certeza. “Houve uma redução significativa dos focos de calor, então pode ser um indicativo de que esse ano seja um pouco melhor que o ano passado. Mas a gente não pode afirmar com certeza, entretanto os dados apontam que pode ser melhor que o ano passado”.

Os incêndios do ano passado foram marcantes não só para a flora, a fauna também foi, senão a mais, muito prejudicada com as queimadas. Durante os incêndios, a fauna ajudou a mobilizar muitas pessoas que ajudaram a conseguir alimentos e recursos para resgatar os animais que viviam na região.

Esse é o caso da Organização Não-Governamental (ONG) “É O Bicho”, que à época atuava somente ajudando animais domésticos. Porém, com os acontecimentos, se mobilizou para ajudar os animais no Pantanal.

Uma das fundadoras da ONG, a ativista Jenifer Larrea, explica que a iniciativa de ajudar no Pantanal foi necessária diante da situação. “Nós fomos sem saber se íamos ajudar. Quando se trata de animais silvestres, é uma área completamente diferente, ainda mais para a gente que estava acostumado com resgate de animais domésticos. Mas, quando chegamos lá, vimos que estava todo mundo perdido, era fumaça para todo lado. Aí vimos a necessidade e decidimos ajudar”, explica a ativista.

Através de uma intensa campanha de arrecadação de recursos, a ONG conseguiu 300 toneladas de alimentos – frutas e verduras –, que foram usados para alimentar os animais que vivem na região. A campanha encerrou no fim de dezembro, e, em seu auge, conseguiu arrecadar cerca de 15 toneladas por semana.

Jenifer explica que as idas ao Pantanal não serviram somente para ajudar os animais silvestres, mas também os animais domésticos. Muitos animais que eram encontrados na estrada foram trazidos para Cuiabá. “Tem até uns casos famosos. Para todos os cachorros que a gente trazia de lá dávamos o nome de Pantaneiro. Um dos pantaneiros foi adotado pela primeira-dama daqui de Cuiabá”, lembra Jenifer.

Na medida em que a idas ao Pantanal aconteciam, as ajudas aos animais domésticos não pararam durante a campanha, e a ativista conta que mesmo durante as ações, futuros projetos eram pensados para o local. “A gente estava vendo muitos cães e gatos lá, e em um ambiente com animais silvestres é muito perigoso o convívio com animais domésticos, é um risco muito grande. E aí nós já olhávamos essa situação pensando nesse ponto. Ali é um ponto que precisa de uma campanha de castração, só que a gente não tinha tempo de pensar naquilo no momento”.

A campanha, prevista para acontecer em julho, vem acompanhada de uma ação social no local. Com as queimadas, muitas famílias que viviam na região, que sobreviviam da caça e pesca, acabaram perdendo seus recursos. “Como nós sabemos, os ribeirinhos passaram por momentos muito difíceis e ainda estão passando. Eles sobrevivem da caça e da pesca e a rocinha que cada um tinha. A roça queimou e não sobrou nada. E, desde o incêndio, a sobrevivência deles virou a pesca, e nós estamos em uma das maiores secas já vistas no Pantanal, então o peixe é muito mais escasso”.

Por isso, a campanha de castração, que vai acontecer em Porto Jofre (250 km de Cuiabá), vai ser acompanhada da doação de alimentos para 110 famílias que vivem entre Porto Jofre e a Serra do Amolar (309 km de Cuiabá), no Mato Grosso do Sul. O projeto de castração está sendo feito em parceria com a ONG Pantera.

Além da arrecadação e distribuição de alimentos, a ONG está se mobilizando para realizar uma pré-campanha de castração, pois alguns animais estão muito magros para serem castrados. Por isso, está sendo feita a arrecadação de rações, que serão distribuídas junto com as cestas básicas.

Quanto aos planos deste ano, a ONG pretende continuar atuando no Pantanal, porém, sem ajuda do governo estadual e prefeituras, a previsão é que o caixa fique zerado em julho, sendo que, em agosto, começa o período de queimadas. A ativista espera mudança dos órgãos responsáveis. “O que esperamos para 2021 é que o poder público assuma as responsabilidades que tem que assumir, principalmente a Sema e o Ibama”, completa Jenifer.

A fala da ativista vem em um momento de descaso do governo federal com o meio ambiente, já que neste ano o orçamento do Ministério do Meio Ambiente é menor do que dos últimos anos.

A previsão é de que apenas R$1,72 bilhão sejam destinados à pasta e aos seus dois órgãos ambientais (Ibama e ICMBio) para cobrir todas as despesas, inclusive as obrigatórias.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021 representa queda de 56,5% para o ICMBio e de 32,5% para o Ibama em relação aos valores autorizados em 2019.

O valor destinado ao ministério é o menor em 20 anos, em um momento que o Brasil precisa de atenção às demandas ambientais. Esse tipo de ação dificulta a realização das ações citadas no começo desta matéria para evitar uma catástrofe ainda maior ao Pantanal, e se distancia das expectativas de Jenifer sobre as ações dos órgãos neste ano.

Para saber mais sobre como ajudar a ONG, além de arrecadações de rações e alimentos, clique aqui.

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