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POLÍTICA | pág

MULHERES NEGRAS QUE FIZERAM HISTÓRIA

Conheça Vilma Moreira, primeira deputada estadual negra de Mato Grosso

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Eleita para a legislatura estadual de 2007 a 2011, a da Educação Básica da Rede Estadual de Ensino da Região Sul professora Vilma Moreira dos Santos deixou seu nome registrado na história de Mato Grosso, sendo a primeira deputada negra eleita para ocupar o parlamento estadual. Antes de alcançar o cargo, Vilma foi seis vezes presidente do Sindicato da Categoria dos Profissionais (Sipros-MT) e duas vezes vereadora de Rondonópolis, a 219 km de Cuiabá. Considerada uma das principais líderes comunitárias do município onde residia, Vilma afirmou em sua posse que ainda acreditava ser possível atuar como parlamentar de forma honesta. “A população ainda acredita que podemos desempenhar nossa função com honestidade em defesa dos direitos da sociedade”, disse em seu discurso de posse.

Em 31 de outubro de 2020, aos 67 anos, a ex-deputada faleceu em decorrência de problemas pulmonares.

Nascida em 14 de Março de 1914, na cidade de Sacramento, em Minas Gerais. Anos depois mudou-se para São Paulo, onde trabalhou como catadora de papéis para sustentar os três filhos. Enquanto atravessava uma rotina desgastante em um trânsito diário entre a favela do Canindé, Zona Norte da capital paulista, e o centro da cidade, Maria traçava em pequenos cadernos relatos sobre sua rotina. Em 1958, a escritora conheceu o então jornalista Audálio Dantas, que colaborou com a publicação de seu primeiro livro, o “Quarto de Despejo”, lançado em 1960. Estima-se que apenas no primeiro ano, a obra vendeu mais de 100 mil exemplares. O livro é considerado uma das maiores referências da literatura brasileira e figura, ao lado de “Casa de Alvenaria”, “Provérbios”, “Pedaços da Fome” e “Diário de Bitita”, entre as obras mais importantes da autora. Em uma edição popular do livro, a escritora rememorou os motivos pelo qual decidiu iniciar na escrita. “Quando eu não tinha o que comer, em vez de xingar eu escrevia. Tem pessoas que quando estão nervosas, xingam ou pensam na morte como solução. Eu escrevia o meu diário”, relatou. A autora faleceu num pequeno sítio na periferia de São Paulo, em 14 de agosto de 1977.

Conheça Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras autoras negras publicadas no Brasil

Emanuel Vs Mauro Mendes: “Muita coisa poderia ser feita

se tivessem deixado o ego de lado”, avalia cientista político

Mesmo com a pandemia, governador e prefeito elevam tom com troca de acusações e disputas judiciais

por Michael Esquer e Rodrigo Costa

No Brasil, a chegada da pandemia desencadeou um movimento que, até então, não havia sido conhecido por grande parte dos países que já enfrentavam a crise sanitária: a politização da crise. A nível nacional, em março de 2020, o presidente desdenhou o poder destrutivo que o vírus da Covid-19 poderia ter na saúde e na economia e, ao mesmo tempo, disputou a agenda da mídia, que até então realizava uma cobertura intensa sobre a pandemia. Em Mato Grosso, igualmente, a população teve duas figuras políticas dividindo a agenda da mídia na cobertura da crise: Mauro Mendes, governador do Estado, e Emanuel Pinheiro, prefeito de Cuiabá. O historiador e cientista político Louremberg Alves avalia que gestores utilizaram a pandemia como palanque eleitoral e sustenta o argumento, entre outros fatos, na guerra de decretos protagonizada por ambos em vários momentos da pandemia.

Até a tarde desta quarta-feira (5) 14.856.888 pessoas haviam testado positivo para a Covid-19 no Brasil. Destes, 411.588 faleceram de acordo com dados do Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (Conass).

Em Mato Grosso, até a mesma data, 368.634 testaram positivo para a Covid-19 em Mato Grosso, destes 9.989 morreram vítimas da doença. Na Capital, o número de positivos para o Sars-Cov 2 totaliza 78.183, dos quais 2.678 representam a morte de vítimas fatais da doença. Os dados constam do painel de monitoramento da Covid-19 da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT).

Desentendimento na pandemia

A primeira nota técnica sobre a pandemia do novo coronavírus publicada em Mato Grosso foi no dia 20 de março de 2020. Naquela época, a SES-MT tinha o registro de um único caso, 73 suspeitos de infecção e 33 casos descartados. Com o primeiro registro, o governo do estado orientou, no mesmo dia, o fechamento de bares, parques e proibiu aglomerações. Seis dias depois, o governo reautorizava o funcionamento das atividades econômicas que haviam sido proibidas, com o discurso, que é utilizado até hoje, de proteção da economia. Com decreto publicado desde o dia 20, que determinou estado de emergência e fechou o comércio, um dia depois do anúncio de Mauro, no dia 27 de março, o prefeito Emanuel Pinheiro classificou, em entrevista dada a coletiva de imprensa, como “equivocado e inoportuno” o documento que flexibilizava as medidas restritivas.

Entre os estabelecimentos que voltavam a funcionar, estavam shoppings, supermercados, agências bancárias, casas lotéricas, farmácias, petshops, postos de combustível, oficinas mecânicas, call centers, mercados de capitais e seguros, lojas de departamento, galerias e indústrias no estado. A medida, porém, se tornou o cenário para o primeiro de muitos momentos de atrito entre o chefe do Executivo estadual e Executivo municipal de Cuiabá.

Emanuel Pinheiro e Mauro Mendes, em evento de inauguração do Hospital Municipal de Cuiabá, em 2019. Foto: Rodinei Crescêncio/RD News

Guerra de decretos, ataques sucessivos

“Essa briga entre o governador e o prefeito não traz benefício algum nem

para a Capital, nem para o Estado, muito menos para a população, que está perdida, sem saber qual caminho tomar, pois, de um lado, tem o avanço perigoso e devastador da doença, do outro lado, os desencontros entre o prefeito e o governador”, avalia o historiador e cientista político Louremberg Alves ao analisar os episódios que compuseram a trajetória dos líderes do executivo municipal e estadual durante a pandemia.

Um destes, ocorreu um ano depois do primeiro embate, no dia 1º de março deste ano, após o governador Mauro Mendes anunciar um novo decreto estadual estabelecendo medidas de contenção contra o agravamento da pandemia da Covid-19. Na ocasião - surpreendendo quem no ano passado assistiu o fechamento do comércio na Capital com a chegada da pandemia -, a reação do prefeito Emanuel Pinheiro foi de completo desacordo.

Um dia depois, no dia 2 de março, ele decidiu, então, anunciar um novo decreto, válido apenas para o município de Cuiabá, mais flexível e na contramão do decreto estadual, no momento que o estado atravessa o pico da segunda onda da pandemia. Justificando a decisão, o prefeito alegou que o decreto estadual era inconstitucional.

“O MP entrou em ação, com novo pedido para que o decreto estadual fosse o que deveria ser respeitado pela população cuiabana. O prefeito recorreu. Perdeu tanto no Judiciário estadual como no STF. Valia, então, o decreto estadual, desrespeitando e retirando a competência da prefeitura em disciplinar e orientar o comércio e a movimentação municipal. O Judiciário se valeu, não do legal e do legítimo, mas do princípio de precaução e prevenção. O decreto estadual era mais rígido, e, portanto, o melhor no combate ao avanço da doença”, explica Louremberg.

Na negativa da Justiça Estadual, em liminar proferida pelo desembargador Orlando Perri, que suspendeu o decreto municipal e negou o pedido do prefeito Emanuel Pinheiro, o magistrado ressaltou a importância de Cuiabá para o restante do Estado. Em sua decisão, o magistrado frisou a autonomia da Capital para “recrudescer” o decreto estadual, mas não para “abrandá-lo ou atenuá-lo”, assim “comprometendo o todo”, disse em um dos trechos da decisão. “[Emanuel Pinheiro] foi obrigado a acatar [o decreto estadual], sem, contudo, deixar de tecer suas críticas. Baixou, assim, o decreto 8.372, em respeito a decisão da Justiça. Mas, ao ler o conteúdo do seu decreto, percebe claramente, que o prefeito se valeu do jogo de palavras para contrariar o decreto do Estado, respaldado pelo decreto federal, que estendia em número as atividades essenciais”, comenta o cientista político.

Troca de farpas

Mesmo no período mais crítico da pandemia, a onda de ataques entre Mauro Mendes e Emanuel Pinheiro não cessou. A curva crescente de casos e óbitos em março, continuou sendo o cenário para que os governantes subissem o tom de ataques realizados entre si. Além dos embates nas instâncias judiciais, Emanuel Pinheiro e Mauro Mendes também direcionaram ataques um contra o outro. Se tornou um costume, durante a realização de entrevistas coletivas, governador e prefeito trocarem comentários negativos e provocações entre si. Sobre o desentendimento em torno do decreto estadual, Emanuel, por não estar de acordo com as medidas tomadas por Mauro, chegou a chamar o governador do Estado de arrogante. No episódio, a troca de farpas envolvia a pandemia, mas, em outras oportunidades, os governantes envolviam assuntos de cunho político e distante da questão central, o combate à pandemia de Covid-19.

Em meados de fevereiro deste ano, quando Mato Grosso sinalizava que sofreria com uma segunda onda mais grave da pandemia, os governantes teciam comentários sobre suas respectivas gestões.

“Um tal de Emanuel deixou a prefeitura quebrada”, disse Mauro Mendes em entrevista coletiva sobre o comando do Executivo municipal. A reportagem com a fala foi veiculada no portal de notícias RD News. Não demorou muito para o prefeito da Capital rebater, menos de 24 horas. “Ele está quebrando o povo. Está quebrando os servidores públicos, o setor produtivo, está causando uma crise sem dimensão no Estado de Mato Grosso”, respondeu Emanuel ao governador.

Também neste ano, o governador do Estado de Mato Grosso instalou um outdoor em frente à Arena Pantanal, local que funciona como centro de triagem para atendimento e realização de teste de pacientes com suspeita de covid-19, questionando o governo municipal. “O Governo de MT presta atendimento no Centro de Triagem Covid-19 para suprir a deficiência da Prefeitura, que deveria oferecer esse serviço nos PSFs e UPAs, dizia o banner com a logo oficial do

Banner instalado pelo Governo do Estado questionando os serviços do Governo Municipal. Foto: Reprodução Web.

Interesse político sobreposto à crise sanitária

Para Louremberg Alves, que também é jornalista, além de cientista político, a pandemia, sobretudo, serviu para expor os interesses partidários de muitos agentes políticos, entre eles, a nível local, do governador do estado e prefeito de Cuiabá. Ele menciona ainda o fato de esse enredo ter tido início com o embate entre João Doria, governador do estado de São Paulo, e o presidente da República, Jair Bolsonaro.

“Interesses que serviram para que cada um deles se colocasse em pontos opostos na luta político-eleitoral, sem que fossem movidos pelas correntes ideológicas, ou de cunho humanitário. O governador paulista e o presidente da República, por exemplo, se engalfinharam, ainda que não fossem bons esgrimistas, e, assim mesmo, conseguiram seus públicos particulares, suas plateias. Briga, cuja derrotada foi mesmo a população”, destacou.

De acordo com o cientista, em Mato Grosso, entretanto, essa “queda-de-braço”, apesar de florescer na pandemia, teve sua origem antes ainda da crise. Louremberg, de forma precisa, caracteriza a segunda semana do primeiro mandato do prefeito Emanuel Pinheiro como a gênese dessa luta. “Oportunidade em que ele, em uma coletiva no Pronto Socorro antigo, revelou todos os desacertos da saúde pública local. ‘Revelou’ não é bem o termo correto, até porque tudo o que o prefeito disse já era do conhecimento de muitas pessoas. O governador Mauro Mendes, claro, não gostou. Não gostou porque os desacertos, apontados pelo prefeito, colocavam em xeque-mate a sua administração à frente da prefeitura cuiabana”, comentou. Desse momento em diante, a relação entre Emanuel e Mauro, que até então eram amigos de outras campanhas, se tornou a de adversários políticos e, em certos momentos, até inimigos, segundo o pesquisador. Relação que se estendeu ao longo de quatro anos com agressões mútuas, que não tiveram trégua mesmo com a pandemia, mas sim um confronto direto. “Cada um deles procurou tirar proveito político-eleitoral da situação, com vista às disputas eleitorais de 2020 e 2022. A guerra de decretos foi um episódio em meio a tantos outros”, explica. O cientista enfatiza que não há dúvidas de que o embate tenha sido prejudicial quanto ao combate à pandemia. Ele pontua que, apesar do cenário de crise do sistema de saúde, o resultado poderia ter sido diferente se houvesse interesse mútuo das partes em unificar as vozes. “É claro que a doença, devastadora como é, ceifaria vidas, mesmo sem a tal briga. Mas muita coisa poderia ser feita se o prefeito e o governador tivessem deixado o ego de lado, seus interesses particulares de lado, em favor da coletividade. Com o distanciamento dos dois, não se tem um trabalho conjunto, um planejamento comum, nem plano de ações único. Isto é extremamente grave. Gravíssimo”, finalizou.

Quando o agro é vida, é tudo

Comunidades de Mato Grosso defendem seus territórios, suas tradições e nosso planeta enquanto enfrentam ataques do agronegócio durante pandemia. por Pedro Mutzenberg e Isadora Dias

Plantio de arroz crioulo na comunidade tradicional São Manoel do Pari em Nossa Senhora do Livramento. Foto: Fran Paula

Era pra ser apenas mais uma terça-feira na comunidade quilombola Jejum, localizada no município pantaneiro de Poconé a 105 km de Cuiabá, porém este era o dia da fazenda vizinha realizar a colheita do plantio de soja. Enquanto a máquina passava colhendo os grãos secos apenas 10 metros distante das casas, uma poeira tomava conta do céu de Jejum e redondezas. Neste 23 de março, muitos moradores relataram tosse, dificuldade para dormir, irritações na garganta, entre outros sintomas respiratórios.

Além dos problemas relacionados à saúde, as lavouras da comunidade sofrem com a grande presença de insetos. A mandioca, o mamão, as bananas e hortaliças não se desenvolvem tão bem quanto cinco anos atrás, período em que a monocultura vizinha vem sendo cultivada. Estes relatos somaram-se à legislação estabelecida no Decreto Estadual 1651/2013/ MT, que diz respeito à distância mínima de 90 metros para a pulverização terrestre de agrotóxicos, para compor uma denúncia protocolada em conjunto por diversas organizações da sociedade civil no Ministério Público Federal e Estadual.

“A agroecologia aqui no estado tem sido um desafio, principalmente por conta do avanço do agronegócio sobre territórios da agricultura familiar, onde estão as comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, que fazem uma agricultura ecológica há muito tempo”, conta Fran Paula, agrônoma e quilombola, representante da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. “Cada vez mais vai ficando difícil porque as fazendas de monocultivos vão surgindo em torno das comunidades, adotando o uso de muitos químicos que acabam prejudicando também os moradores vizinhos”, diz Fran a respeito da deriva de produtos químicos que influencia diretamente a produção de alimentos realizada tradicionalmente pelos moradores de Jejum. “É uma forma de violação de direitos, o direito de produzir um alimento saudável fica comprometido com o avanço do agronegócio no estado de Mato Grosso”, afirma.

As denúncias acerca do plantio irregular, que invadiu os limites mínimos de distância da comunidade quilombola de Jejum, resultaram em uma notificação do Ministério Público ao proprietário da fazenda Carisma. Após

isso foi instalada uma cerca a 90 metros da comunidade pelo dono da propriedade. O cumprimento desses limites ainda não representa a eliminação dos impactos sócio-ambientais do tóxico monocultivo vizinho.

De acordo com a agrônoma, a produção de alimentos nas comunidades tradicionais de Mato Grosso segue práticas da agricultura tradicional. São produções direcionadas por princípios de sustentabilidade, de manejo ecológico do solo e, consequentemente, a conservação da biodiversidade do território e dos recursos naturais fundamentais para a manutenção da vida no planeta.

“É uma agricultura voltada para a produção de alimento saudável, que nutre uma relação de equilíbrio no agroecossistema, de respeito ao meio ambiente e à cultura dessas famílias. Nesse sentido, várias práticas vêm sendo passadas de geração a geração”, conta Fran Paula a respeito das sementes crioulas: cultivadas, selecionadas e protegidas pelas comunidades há gerações.

Ela afirma ainda que todas essas práticas fortalecem também as relações sociais, a geração de renda a partir da comercialização do excedente e a organização através dos coletivos, grupos e associações que existem nas comunidades. “São práticas que não são realizadas de forma individual, mas de forma coletiva. Assim é feito todo o manejo desse sistema agrícola tradicional”, completa

“O direito de produzir um alimento saudável fica comprometido com o avanço do agronegócio no estado de Mato Grosso”

Fran

Todas essas tradições valiosas, tanto para as suas comunidades quanto para a proteção de todo o ecossistema global, estão ameaçadas pelo poder de poucas famílias responsáveis pelos latifúndios estéreis do estado. “Como o agronegócio também exerce muito poder midiático de reproduzir narrativas, por exemplo a do ‘agro é pop, agro é tech, agro é tudo’, as organizações da agroecologia têm mais dificuldades para chegar nos meios de comunicação e dar visibilidade à produção tradicional que também ocorre em Mato Grosso”, pontua a agrônoma.

Para Fran, um dos principais entraves hoje à agricultura agroecológica é a falta de políticas públicas para essas comunidades. “Temos hoje muitas políticas públicas voltadas ao agronegócio, incentivo governamental, assistência técnica especializada entre outras. Para a agricultura familiar, é mais difícil ter todo esse apoio institucional, mas independente disso as comunidades e grupos vêm se organizando em

redes para troca de iniciativas e experiências. Isso tem sido muito importante inclusive para a manutenção dessas iniciativas locais”, conclui.

Redes Ecológicas

Por todo o estado, é possível encontrar as organizações sociais citadas por Fran, responsáveis por ligar famílias produtoras de alimentos saudáveis aos seus consumidores. Ainda nas margens do Pantanal mato-grossense, porém no centro de Cáceres, situa-se a Cooperativa de Consumo Solidário e Responsável, a Coopersol. Desde 2019, diversas famílias associadas na região utilizam a sede da Cooperativa como ponto de venda e distribuição de seus produtos.

Por lá é possível encontrar um leque enorme de produtos artesanais provenientes da agricultura familiar e dos povos tradicionais: desde as cervejas Cabocla e Crioula, produzidas pelos grupos de mulheres do projeto Tereza de Benguela, do IFMT; passando pelos colares, anéis, brincos e utensílios fornecidos pelo povo Umutina; biscoitos e pães enriquecidos com a farinha de Cumbaru, uma castanha nativa, produzidos pelas mulheres do grupo Flor do Cerrado e pelo assentamento São José; mudas de plantas ornamentais e frutíferas; além das frutas, hortaliças, legumes, ovos, peixes, carne de porco, frango caipira, leite e derivados.

De acordo com a cooperada Maria José Dantas, a proposta é constituir um grupo que agrega outros grupos, formando uma rede local para fomentar a economia solidária. “A maior parte das pessoas que trabalham nessa rede tem alguma formação ou experiência na perspectiva de economia solidária, desenvolvendo na prática os princípios da cooperação, do respeito à natureza e do consumo como ato político, aprendendo todos os dias nesse processo de trocas”, conta.

Para ela, o resultado dessa rede é o impacto direto no fortalecimento das comunidades rurais, sejam tradicionais, familiares ou assentadas, garantindo desde sua segurança alimentar até a manutenção de suas tradições para as próximas gerações. “No assentamento Roselino Nunes em Mirassol D’Oeste, por exemplo, a juventude camponesa desenvolveu, despertada por vários projetos, o desejo pela permanência na terra. Esses jovens saíram da crença criada pelo sistema de que, para ser alguém, precisa sair para estudar. Eles se apropriaram dos programas sociais entre outras coisas para permanecerem na terra”, conta Maria, orgulhosa dos jovens produtores que fornecem produtos à cooperativa.

Embora contente com as realizações desta rede, a cooperada lembra que tudo isso é graça a um processo contínuo de aprendizado. Produtores que até então usavam agrotóxicos em suas pequenas propriedades foram orientados para desenvolverem eles mesmos seus defensivos naturais, trabalhando também o cuidado no preparo do solo para evitar problemas futuros nas lavouras.

Os sistemas agroflorestais, por exemplo, estão sendo desenvolvidos também pelos produtores locais em conjunto com pesquisadores e técnicos. Através desse sistema é possível unir a produção de alimentos saudáveis com o plantio de árvores florestais - tudo isso sem o uso de insumos químicos. Ampliando a fonte de renda das famílias produtoras enquanto fortalecem a biodiversidade local e diminuem os custos de produção. “O senhor que fornece colorau à Coopersol está transformando sua área pequena em agrofloresta e hoje, além do colorau, ele fornece mamão e bananas”, exemplifica Maria Dantas.

O embate direto ao sistema econômico vigente, de acordo com ela, é uma das maiores dificuldades deste modo de produção. “Trabalhamos uma perspectiva bem contra-hegemônica mesmo, porque estamos dentro de uma sociedade capitalista atuando de uma forma diferenciada, promovendo a consciência de cuidado com o planeta e futuras gerações”, afirma.

Em consequência da pandemia, Maria relatou que o escoamento dos produtos ficou bastante limitado, mas que o grupo reverteu esse problema fortalecendo o conceito de “prossumidor”: um termo que relaciona o produtor e o consumidor de forma direta. O conceito foi posto em prática nos grupos de Whatsapp que surgiram durante o isolamento social para que as vendas não parassem.

“Existe uma interação entre os sujeitos consumidores e produtores. As mulheres que fazem doces, por exemplo, postam nos grupos vários vídeos mostrando sua produção. São compartilhadas também as informações do plantio e das colheitas. Dessa forma, os consumidores sabem de onde vêm os produtos, sabem como são produzidos e ainda quem está por trás daquilo que eles estão consumindo”, diz.

Para Maria, a proximidade entre os dois pontos nessa relação de consumo desenvolve na sociedade como um todo os conceitos trabalhados pelos produtores em suas terras. “Dentro do sistema capitalista, é imposto para a gente essa cultura do consumo alienante, cheio de fetiches, e nosso papel é justamente perceber e compreender o porquê disso tudo e o poder das nossas escolhas. Essas escolhas impactam na vida de todo mundo”, conclui.

Incentivo aos agrotóxicos

Seguindo na contra mão destas práticas de produção que regeneram tanto o meio ambiente quando as comunidades que os aplicam, o governo Bolsonaro publicou desde o começo do mandato a aprovação de 1165 novos produtos agrotóxicos. A contagem é realizada diariamente pelo Projeto Robotox, desenvolvido pela Agência Pública e Repórter Brasil, no Diário Oficial da União.

De acordo com robô que fiscaliza a liberação destes produtos, só no dia 22 de abril, um mês após o ocorrido na comunidade quilombola de Jejum, 34 novos agrotóxicos foram aprovados pelo governo federal. Somando aos mais de 3 mil produtos do gênero comercializados em todo o país.

PANDEMIA DA COVID-19 EM TERRAS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS

Visando o prosseguimento das atividades econômicas em tempos de pandemia, o investimento em novos serviços por parte dos abastecem a Água Doce e as comunidades vizinhas. “A comunidade vizinha não tem água, ajudamos eles com o abastecimento e é por isso que estamos empreendimentos se faz necessário. Para continuar com as vendas, os agricultores familiares da comunidade quilombola Água Doce, localizada no município de Barra do Bugres a 166 km de Cuiabá, estão realizando a entrega de 250 a 300 kg de banana e outros alimentos ao grupo Barrálcol e nos núcleos urbanos. Além das bananas, há também a entrega de outros alimentos como a farinha, mandioca e abóbora todos provenientes da agricultura familiar. E agora, além da produção e venda dos alimentos da agricultura familiar, há a atividade pesqueira como sustento.

Moacir Rodrigues, morador do quilombo, afirma que o trator recebido pela prefeitura é importante na ampliação da produção, mas que a ajuda governamental ainda é escassa. Há a falta de uma ponte que auxilie no deslocamento em tempos de chuva, que muitas vezes obriga os produtores a realizarem as entregas de barco. E quando não está em época de cheia, sacos de alimentos pesados são transportados nas costas dos trabalhadores, “não temos ponte para atravessar os produtos, a solução foi uma tirolesa”, declara.

O quilombola diz que há três pescadores profissionais na comunidade e que a atividade é plenamente guiada, legalizada e documentada. A preservação da biodiversidade, rios e córregos do quilombo é de extrema importância. O quilombola explica que as águas dos córregos e rios preservando bastante”. As visitas da Empresa de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (EMPAER) trouxeram o planejamento e estruturação de um projeto de piscicultura necessário na comunidade, no entanto, a medida preventiva do distanciamento social teve de adiar a continuação dos trabalhos. Moacir diz que as vendas permanecem em condições normais, apesar de todas as dificuldades do momento atual. Para se protegerem de um contágio pelo novo vírus, os produtores estão tomando todos os cuidados recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) durante as entregas realizadas. Os agricultores familiares da aldeia Massapô também estão cumprindo com as normas de isolamento social dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Estratégias estão sendo criadas para manter o plantio, colheita e o principal, a venda dos alimentos da agricultura familiar. Uma das alternativas encontradas para a sobrevivência foi a venda dos produtos por um preço mais barato para as próprias comunidades do povo Umutina, porém nem todos foram vendidos porque muitos já possuíam os produtos. A comercialização nas comunidades e a circulação de dinheiro interno obteve êxito, “têm dado certo a comercialização nessas comunidades, pois além de receberem alimentos saudáveis ainda existe a vantagem da circulação do dinheiro internamente”, declara a indígena.

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