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porto alegre abril 2013

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nu e bronzeado

Porque a passagem aumenta

parto • cidade • cruzadinhas


Chico Guazzelli, Felipe Martini, Frederico Stumpf Demin, Gabriel Jacobsen, Gênova Wisniewski, Jimmy Azevedo, Jonatan Tavares, Jonas Lunardon, Jessica Dachs, Leandro Hein Rodrigues, Luísa Santos, Luna Mendes, Marcus Pereira, Martino Piccinini, Natália Otto, Natascha Castro Projeto Gráfico / Diagramação: Martino Piccinini Capa: Paulo H. Lange Colaboradores: Ângelo Marçal, Bai Balthazar, Eduardo Schindler, Juliana Veloso, Paulo H. Lange, Rafael Iotti , Luísa Hervé, Nathalia Rech Tiragem: 2 mil exemplares Contatos: comercial@tabare.net tabare@tabare.net facebook.com/jtabare Distribuição: Fabico Famecos Instituto de Artes UFRGS Casa de Cultura Mario Quintana Ocidente Palavraria DCE UFRGS StudioClio Comitê Latino-americano Nova Olaria

[Bai Balthazar]

Abril 2013

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orto Alegre me dói, não diga a ninguém... Ou quem sabe diz pra todo mundo, que é pra ver se a gente acorda um pouco mais! Bota aí que a minha dor vem das avenidas feias que todos os dias agridem os meus olhos, quando o cinza desnecessário da cidade atravessa a vidraça do ônibus lento, tri lento!, tri caro, tri lotado. Conta pro judeu do Bom Fim e pro negão da Restinga que esta cidade que a gente tem poderia ser bem outra, se os erros do passado ficassem por lá, se o futuro fosse aqui, se o nosso arroio não fedesse, se o nosso lago não se escondesse. É preciso lembrar e relembrar mil vezes que nada disso é natural, que não estamos condenados a uma cidade feia e excludente, a um shopping a céu aberto que nos separa do nosso vizinho e da nossa identidade, a um feudo programado apenas para funcionar durante as duas semanas do Estado de Exceção da Copa da FIFA. Na história de Porto Alegre abundam as demolições e os esquecimentos, os desperdícios e os espelhinhos estupidamente comprados. Hoje em dia o poder local semeia o silêncio, sempre que consegue, e a mentira, apenas quando respira. A atual cúpula porto-alegrense derruba árvores e direitos, sob os aplausos da imprensa de sempre, e se diz construtora da Porto Alegre do futuro. Ora bolas, não é esse o mesmíssimo discurso que vimos ao longo do século XX inteiro? Será que os poderosos da província condenam o “passadismo” europeu, que conserva seus edifícios e hábitos centenários, seu patrimônio enfim? Imagino que não, pois é lá que passam férias. Dois pesos, duas medidas. A cidade que temos é moeda de troca, mercadoria barata para construtoras que financiam campanhas, para políticos que negociam promessas e esperanças do povo, para a máfia do transporte que se alimenta do suor dos arrabaldes! Dois pesos, duas medidas. Os bons exemplos de urbanismo dos quatro cantos do mundo são ignorados e combatidos, servem como perfeito modelo do que não se faz por aqui. Convite para um rápido exercício de memória: dá uma olhada nas fotos deste Porto Alegre antigo, nas imagens da cidade sem carros e espigões. Confere a arquitetura colonial hoje praticamente extinta, a neoclássica cada vez mais rara... Será que nesta cidade não caberiam todas as outras que já tivemos? Que belo sonho quase impossível o de termos uma cidade mais harmônica e bonita, mais atraente para porto-alegrenses e forasteiros, uma cidade humana de velhinhos e crianças na calçada, largas calçadas plenas de árvores. Que bela aventura viver neste Porto que já quase se levanta, antes tarde do que mais tarde!, dando exemplos de vida e de amor coletivo. Porto Alegre me tem, não leve a mal...


Qu i m at co Em o ex min pe vu r C qui i h te i c c ab an m lo a o l iz gu Di mpo i a co ser go Q rlos , rá t a ‘ u s gr pr nv ia pr riz sser u V rá an ado por r o a ef a m inh am q s d eit idad do C ico, illag rá t i do m es a ue or ! f ãe o m po o r p a h s a o d Es at ge clá om , ta e Po da ar , J pe av mo án qu im r a a p o o a m ux r ss en lve co re pr rto Co se sé lo es so an ad í q i e m a i c da lia se lt do o ue os te a z, e éd en ovo Al pa r e Fo sen fo aç Co me a i m r e õe nh q tr Qu no nd u p m do ss ste ia al don o Q d e a cou gre do M ba tun hor e gu o u o i s s s i e e j s n i r c , s a al ém da uico a t eit pe cid e s gr co t a ci na p rson te c ine tir a m eg com um . A n un ixad ati, a o l o a o e m a d o i br bol é a Ro rt s h s r c o o d fu nd ria ad roje age nh a’. os ur u eu pela san ig a, qu s o p ens uni erto me o em r n e e “ t ( u e s m a c qu e A m ç Al a eb in id ”. Ro da a d e. da cid se hi tr gu aç ão r f a j p g o om e le o s e E A r á t u gu fe s de is ão u t n u p e l á u e a a t p O f m m ra os ór cu qu ág in it ) ns gin br res eit es os est so s p ele chor a d n t r p l i c o a o e S sa od en te e p co ên es or n a i e t ina te pa a sil se a d olh itiv á c ... a p t o o e p e c a t n o a sa lg nv ssa p eir do ev n e u n co ão lva erá siva a d ela de ia co a h icia tam a in xto blic osta be o a it ra re o. at id a de ( d v P i d s r s t P m is ti ho m b e c m fei A or o a SD one aul e p ser To adu ua iola as s e ou , t je , o sur om a to ind pe o do os tóri va d ridi ern m s o B) l P o. A rat ho bia ra liga çã ua A r p u se do o ve to m a ,e a s ‘ pr a d es cu et: ua s id ub a, lo m ç o s m h r d r V ca ec e s i c l “ ea om x-c ulo pro na C ena de ili ão c aos ill no o o do iad . Pa e t cul lic m ra on e Vi onh ariz os t p A d A or en om dr os âm gea gu ar, om ng ce lla e a ad agr s pa mu s m o C ra o rata ariz ou: a J ag an ia ta ue ito gr cem r ai ha s i a a d or án ís s a n s ul em da no é d ra a co ar jo s u án pe a é u es do s a ve que e d r M o i s’, n s s la T o d , an fo m e te sua e, am do se fute m a a A esp sisti é ai não a C i q te d elh ver uni nt is e l u m m a a n c M d e e b c o ar es R da ad ip am fil r, d éxi ção ol b ant éric ialm os e da do tio ot or al m r e e h c c so na a. a a e a P o d u o o e an si do d n (P da elé e É no , c ari lei fu o S te T) p om n ro te ul m , d h p , du ela m b . eio ois son e ao o p o n tor ol, ra c a r nt à C o n , em se ov Co eu e op asc ho u se a de pa i a d m m gu st e 7 en ena nd e 0" to f ge o , r oi m eb e at m eu . O

e: or mo a iss r st s e e c ad ta pa me olo e d ed u, rd Ro le e c do o. c re o o Ve da os l d ida to a o a e m u lad s ad a ar de : E o da es e o o e e r re an ed en po ei p ê po iss ut unt ão çõ rem ess e ve ir C A m am tado mic o d j u m c iss s a fe os nov te heg , vo Ele do do o!” e o ld o. ion Es onô os, m “A ra a s a m Em “C igo ro? r lá man scad Co al. du re Do ian W rtid est do ec gios a u ri a qu e to li m ar da ip ita ue e”. ul . f c q p d m J a a r g a s ão uni e a d ão dad as gem en s re nte us os Ei ci á fu ens to a io o em id n m n e t a c e e e laç i i tr lig so o um as v om mui ta ra M ran os e oci , ape en gem o o la esc etor elm do s ou s re rio enr ta o a e s m a u l r ns a o i v s sh r m c ei ma d an na ão ho en 6 d au oi se isi nd ar ic ão cu G en gi s. os r p a ç s o D iss a a om a 8 o P fesa a r Câ idas um ra d i de e v ste s ôm . ne ej ra to rs ia e r a po da orr s h stu com ntr a h gin Sã de ue qu e ulo on ião íd Ta qu e e ig e ne q o á c e a o m m c g m los d i r o u as to d po oc reit e p da e co va d a p e d um les ar, te ntá es e eli es do le as d de p teu 2 m s D di o d ros u-s cati a n dad ita que ilit te tor da r Em rna u a ont des roje bis 4 ra. i, o do s te o a m e a tip emb iono tifi icad a Ci é fe ra a il-m e por s s o ã ve on s c se o p o e co ont e le a r ém ó ra”, - nt c d d iv ca o po me rad dad ção go ci da as a, ad u m ic us bl d al N r c j i l o d i t s u o n u d “ o m a i sa MS ne ble pu ont um jeto ed po Na - p icia arç a c ra m tira s: tad te glo side o c sen ? e h i n a f m ot adu La re are di sta IC fo em d s c en ro “m rar ot O Em o con s? E tar cia t e i e C t o s R s p a i a l e i o n o ci o te a as ia d om r e n do ue one s à R ári 6 d da à d arlo o fo men te d pet s rã os oli idê q r a N Di dia ões am o C ech rla par dor ta. a de iço to o se ligi rá s res to s G vo iv au rlo a fa icat irm ade erv tui à ent no s aç nh nd O tr s pa r a rea os re de ua f a a s a s f s n C da opu ion lla. tro tira o ve prop po ra s to sti o a lid os o i cáci mom nte e ou a tt a i vo ju rn na e se nc pa se m h i e a d a e l e ve r f oria co r ef . No pre B N m arig o d s e o T rio s o ” go o R o o m p cad ado ai osa am o P l d s M id mo lin tá a d e a te er ion rir m ligi stav l d ersa me pe rig Ars sign a m enc nfe e re a e dua niv Go ob sse ém m co ad tur sta a U los di mb de erd sina do e rej Car ta lib as uta a Ig us, da dep o d De o isp de e b ino Re r [F

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Há uruguaios na equipe? Falando “gracias” e “abrazote”, creio que sim. Abraços riverenses. Alida Corrêa, Fronteiriça Alida minha flor, há, e muitos. Por um tempo utilizamos a máscara de doble-chapa, mas chegou a hora de dizer a verdade: nós utilizamos o jornal apenas como fachada, o nosso esquema mehmo é imigração clandestina. “Besos” Caríssima pessoa que lê os e-mails do jornal Tabaré: venho por meio desta simpática cartinha informar que antes de ler o jornal de vocês eu me sentia perdido no universo. O mundo, antes, era um lugar muito ruim. Sabe como é, né? Chove o dia inteiro e as meninas usam unhas amarelas. E as palavras que eu sempre tive medo de dizer podem ser ditas agora: eu te amo, Tabaré! Fiz até este poeminha para ti (espero que goste): TÃO GRANDE É O AMOR/ QUE AGORA POR

TI SINTO/ PASSO OS DIAS A SONHAR/ ENQUANTO SEGURO O PINTO. Muito obrigada. James R. Pitarelli, Poeta Impuro Bom material, ein! Ficamos comovidos. Já pensou em te inscrever no Poemas no Ônibus? A gente apoia. Deixei o Tabaré de bobeira em cima da mesa da cozinha e adivinhem quem folheou este refinado jornalzinho? Minha mãe. E ela curtiu. Carolina Santos, Jornalista Pô, flor! Se a mãe curtiu já é meio caminho andado, né? Bejo nas duas. Oi, pessoal! Me chamo Felipe, sou formado em jornalismo, embora trabalhe como escritor de rua

e hippie. Também sou de Porto Alegre, conheço e gosto bastante do Tabaré. Hoje estou publicando um texto ensinando a pegar carona. Pensei que talvez o Tabaré pudesse me ajudar a divulgá-lo, já que é uma proposta alternativa e que não visa lucro. Ah!... Tenho vontade de conhecer vocês! Enfim, obrigado pela atenção e abraço. Felipe Baierle, Alternativo do tipo “Profi” abril 2013 #21

Pepe, é o seguimche... O que eu vou te contar vai ser meio duro, mas a gente tá a seviço da burguesia, entendeu? Esse negócio de não visar o lucro não tá com nada. Totalmente O-V-E-R. M-U-R-O-D-E-B-E-R-L-I-M. Teu CV é mara, mas nosso público-alvo não pega carona. Se tu pilhar outro estilo, de repench, rola. Achâmo um mimo tu querer nos conhecer, assina o Tabaré que a gente passa na tua casa! Bêjo. Sou genial e procuro outros como eu. Contate-me, você. Abraço. Ricardo Infânica Kroeff, Estranho Rica, darling... Defina genialidade. Eu gostaria de declarar que o senhor Foucault era um

pervertido! Costumava frequentar o-r-g-i-a-s do alto e - reparem bem que eu utilizei a preposição “e” - baixo meretrício. Portanto, eu gostaria de propor um verbo para designar as pessoas que fazem uso dessa prática saudável que é a orgia. O verbo é: fucôtiar. Marcus Meneghetti, Linguísta Pô marquinhos, tô bege. E, assim ó, pode contar com a gente pra propagar o verbo, tá? Beijos. O Tabaré é bom, não precisa ler de trás pra frente. Stefan, Observador A-ham, Stefan. A gente também é contra o moonwalk literário. Às vezes me dá uma vontade de comer as capas do Tabaré... De tão lindas que são. Ana Oliveira, Canibal Amiga do Jader Tiago (Encanador), APOSTO. 3


por Natália Otto Ilustrações: Juliana Veloso

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ram nove da noite quando Aiyra começou a encontrar o caminho para chegar ao mundo. Sua mãe, Naieth, passou a madrugada sentada em frente a uma fogueira no quintal de uma casa na Zona Sul de Porto Alegre, sentindo a filha se mover. Às dez da manhã do dia seguinte, o trabalho de parto das duas começou. A partir daí, foram horas de caminhadas no pátio, movimentos de yoga e banhos de banheira. Às sete horas da noite do dia 30 de agosto de 2012, Naieth deu a luz à filha apoiada nos braços do companheiro, Eduardo, e acompanhada por um médico obstetra, uma enfermeira e uma doula – mulher que acompanha e dá apoio emocional às gestantes. Desde que se descobriram grávidos, Naieth Baggio e Eduardo Raguse sabiam que queriam o parto mais natural possível para a filha. Pesquisando sobre as alternativas para o nascimento, optaram pelo parto humanizado – um parto com o mínimo de intervenções médicas possível. Ativistas da humanização do nascimento defendem que o parto é, além de um evento médico, um evento social, afetivo e espiritual. Os nascimentos desse tipo podem ocorrer em casa, em hospitais ou em casas de parto. Independente do local, o foco é na saúde emocional e física da gestante e do bebê. “O parto te tira do teu eu. Ele te liga com todos os teus chacras, com teu espírito, com a terra. É incrível a energia que rola nesse momento”, diz Naieth. A estudante de Biologia de 26 anos conta que passou por momentos de um apagamento mental, dos quais não tem lembrança. “Havia outras pessoas na casa, mas eu só enxergava o Eduardo e a nossa filha. O tempo passa voando em câmera lenta.” A sensação de estar em outra dimensão que Naieth sentiu tem explicação científica: quando uma mulher entra em trabalho de parto, há um apagamento da parte frontal do cérebro, o neocortical, parte responsável pelo raciocínio e a lógica. Assim, há uma ativação do lado instintivo do cérebro, que faz a regulação de

hormônios necessárias para o processo do parto. A gestante entra em uma espécie de sono que ativistas da humanização chamam de Partolândia. “A mãe entra nesse mundo afetivo, emocional. Ela vai para o mundo do feto, onde não há palavras. É um mundo mais íntimo”, explica a educadora perinatal Eliane Scheele. Dentre as prioridades do parto humanizado estão o respeito ao desejo da mãe de ter pessoas queridas ao seu lado e a participação ativa do pai no nascimento, quando o casal desejar. O engenheiro ambiental Eduardo, de 26 anos, brinca que também sofreu as “dores do parto” durante o nascimento de Aiyra. “Eu entrei em outra dimensão de energia. Existe a Partolândia e eu brinco que pisei lá também”, conta ele. “Tem uma energia muito forte e, quando nasce o bebê, é como um vulcão em erupção. Uma coisa que me marcou foi quando minha filha nasceu e eu olhei o rosto dela pela primeira vez. Foi como se alguém tivesse me dado com um pedaço de pau na cara. Durante uns trinta minutos, eu só conseguia olhar para ela”, lembra. “Tu morres e nasces de novo.” Mas nem todos os casais que dão a luz pisam na Partolândia ou voltam de lá satisfeitos com a experiência. Não muito longe da casa onde Aiyra nasceu, nos melhores e nos piores hospitais da Capital, mães dão à luz rodeadas por desconhecidos, com o julgamento e a razão turvas por sedativos. Não raro essas mulheres são agredidas verbalmente ou submetidas a procedimentos cirúrgicos desnecessários. A pesquisa “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, revelou que um quarto das mulheres no Brasil já sofreram alguma forma de violência obstetrícia - aquela praticada durante o trabalho de parto ou o pré-natal. Depois da violência, uma vocação A doula e educadora perinatal Eliane Scheele já

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presenciou partos que engordam essas estatísticas. Ela conta que acompanhou uma gestante em um hospital público do estado. A mulher chegou ao hospital com o trabalho de parto progredindo “maravilhosamente bem”, mas, mesmo assim, foi submetida a uma episiotomia – um corte cirúrgico no períneo, região entre a vagina e o ânus, para apressar a saída do bebê. “Foi totalmente desnecessário. Ela teria ganhado o filho meia hora depois”, lamenta Eliane. “Mas como estava toda aquipe ali, esperando, e tem muito serviço dentro de um centro obstétrico, se justifica a episiotomia. Nunca é pensando no bem-estar da mãe e do bebê.” A gestante em questão não foi avisada nem questionada sobre o procedimento. Anestesiada, ela só descobriu o corte depois do parto. Segundo Eliane, a episiotomia é a única cirurgia no Brasil realizada sem consentimento do paciente. Apesar das diretrizes da Organização Mundial da Saúde apontarem que o corte só é necessário entre 5% a 10% dos partos normais, o procedimento chega a quase 95% dos nascimentos brasileiros. A doula explica que muitas mulheres sentem as sequelas do corte para o resto da vida. “Imagina o desconforto, para uma mulher, sentir dor durante a relação sexual e sempre se lembrar de uma mutilação desnecessária que ela sofreu?”, questiona. Diferente de Naeith e Eduardo, que “nunca foram muito bobos” para as consultas médicas e já tinham conhecimento dos casos de violência obstétrica quando decidiram pelo parto domiciliar, Eliane passou por dois partos hospitalares antes de descobrir outras alternativas para o nascimento. “Como todas as mulheres, eu não imaginava que havia sofrido violência obstetrícia, porque ela está instituída”, lembra. Foi uma casualidade que a fez encontrar o mundo do parto humanizado: seu terceiro filho, Ismael, estava sentado dentro de sua barriga - o que,


segundo o obstetra de Eliane, era uma indicação de cesariana. Como sempre foi adepta do parto normal, ela buscou alternativas e descobriu uma equipe de parto humanizado em Porto Alegre que a ensinou técnicas para virar o bebê. Foi preciso apenas quatro dias realizando posições de yoga e utilizando a técnica oriental da moxabustão – um bastão de ervas quente colocado em pontos de acupuntura – para fazer Ismael ficar na posição mais propícia para um parto natural. Eliane desmarcou a cesárea com seu obstetra e teve o terceiro bebê em casa, em uma banheira, com o auxílio da equipe composta por um obstetra, uma enfermeira e uma doula. Ela relata o processo de forma inusitada em uma sociedade tão acostumada a imagens de mulheres sofrendo ao dar a luz: para Eliane, foi prazeroso parir. “Com as medidas de alívio e conforto promovidas em um ambiente seguro, as contrações doem menos e, entre elas, a mulher pode sentir várias sensações de prazer”, explica ela. “Se entregar para essa dor faz parte de um processo de amadurecimento máximo que uma mulher pode ter da sua sexualidade. Quantos sofrimentos, quantas perdas tivemos em nossa vida, para nos constituirmos como adultos?”, pondera. Depois do nascimento de Ismael, em 2007, a vida de Eliane mudou. “Senti um novo nascimento como mulher. Minha relação com o prazer mudou, a relação com meus filhos também. Adquiri um prazer maior em ser mulher, e um amadurecimento de enfrentar o mundo com os olhos de uma mulher”, conta. A transformação foi tão grande que a fez escolher uma nova carreira: hoje, aos 36 anos, ela estuda enfermagem para se tornar parteira. “Tive muita vontade de mostrar para as mulheres que elas podem parir de uma maneira muito mais respeitosa, digna e prazerosa.” Objetificação e hierarquias na sala de parto O obstetra porto-alegrense Ricardo Jones é outro profissional que conviveu de perto com a violência obstetrícia. Hoje, ele é o único médico que acompanha partos domiciliares no Rio Grande do Sul. Sua jornada rumo à humanização do nascimento partiu do testemunho – e da prática – de violências institucionais na obstetrícia. Pai aos 21 anos, Ricardo pôde assistir ao parto de seus dois filhos pois era estudante de medicina no hospital onde sua esposa deu a luz. “Nessas duas ocasiões, pude presenciar a série de violências que ocorrem em um parto hospitalar”, conta. A epifania que o fez mudar de vida, no entanto, veio de sua própria prática. No primeiro ano de residência, Ricardo atendeu às pressas uma mulher que chegou ao hospital com o trabalho de parto em estágio avançado. Ele chegou a xingar a paciente por ter vindo muito tarde ao hospital, precisou atender o bebê sem luvas e tentou, sem sucesso, realizar uma episiotomia na gestante. “Depois, eu percebi que absolutamente tudo que eu fiz na atenção daquela paciente atrapalhou o que poderia ter sido um evento perfeito”, lembra. “Aquilo era um automatismo produzido pelo ensino médico, que fazia com que eu tratasse as pacientes como objetos”, conta o médico. Para ele, ali, se estabeleceu uma ruptura. A partir daí, Ricardo se dedicou a atender pacientes que desejassem um parto humanizado. Dentre as violências observadas por Ricardo em hospitais, estão o impedimento de acompanhantes permanecerem ao lado da gestante durante o trabalho de parto e o nascimento do bebê; a obrigação da mulher de parir deitada, uma posição que, segundo o médico, dificulta a descida do bebê; a realização rotineira de episiotomias; a utilização exagerada de hormônios sintéticos para apressar o trabalho de parto;

intervenções desnecessárias na primeira hora de vida do recém-nascido; e o aumento “calamitoso, que beira a barbárie”, das cesáreas sem indicação médica no Brasil. Diretrizes da Organização Mundial da Saúde indicam que o número de cesarianas em um país não deve ultrapassar 15% do total de nascimentos. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, em 2011, 38% dos partos da rede pública de saúde foram cesáreas. Na rede privada, 83% das gestantes realizaram partos cirúrgicos. Para Ricardo, o motivo é a economia de tempo e comodidade dos profissionais. “Se você perguntar a um médico o que ele prefere, ficar 14 horas ao lado de uma paciente durante um trabalho de parto em uma madrugada de sábado para domingo ou marcar uma cesárea para as 8h da segunda-feira, a resposta é óbvia”, explica. Naieth e Eduardo vivenciaram essa realidade quando contavam aos médicos que sonhavam com um parto natural. O casal ouviu frases como “vamos tentar o parto normal até onde for possível” e “parto de cócoras é coisa de índio, mulheres não têm resistência para isso” de obstetras até se tornarem pacientes de Ricardo. “Eu percebia que havia uma resistência dos médicos. Houve um que disse que tentaria o parto normal, mas notei que ele fazia exames procurando algo para justificar uma cesárea”, conta Naieth. Para Ricardo, as violências partem da objetificação da mulher e da patologização da gravidez. “A paciente é colocada em uma esteira de montagem, onde o tempo é o fator preponderante”, lamenta. Segundo o obstetra, boa parte dos médicos veem a retirada do bebê do ventre da mãe como uma retirada de pedra na vesícula. “Claro, não se pode negligenciar os aspectos médicos do parto. Há uma série de problemas como hipertensão e diabetes que podem transformar uma grávida em uma pessoa doente”, ressalta. “Mas o parto é muito mais do que um evento médico. Nele estão envolvidos a psicologia, a enfermagem, a antropologia e a sociologia”, enumera. Para ele, o nascimento reproduz uma série de rituais carregados de simbolismo: “Quando você assiste a um parto em um hospital, você pode enxergar o valor da mulher, do homem, do dinheiro, das etnias. Você pode ver o valor das profissões e a hierarquia que existe entre elas: primeiro o médico, depois os enfermeiros, os técnicos e por último, a paciente.” abril 2013 #21

Ricardo ressalta que a abordagem interdisciplinar do nascimento é uma necessidade, sob pena da redução dos humanos a seres meramente biológicos. “Tu podes fazer uma análise biológica quando tu analisas moscas. Mas indivíduos que produzem cultura são mais do que isso”, reflete ele. “Não somos só carne em cima de uma mesa.” Parir com liberdade é um ato feminista O voto feminino, as leis trabalhistas, a lei do divórcio, a lei Maria da Penha, o direito ao aborto e o direito ao parto humanizado: para Ricardo, a luta pela humanização do nascimento é mais uma das causas feministas. “Se olharmos de forma panorâmica, essas conquistas nos levam a um denominador comum, que é a liberdade da mulher e o rompimento com o modelo patriarcal”, explica. “O parto é uma questão de direitos humanos, reprodutivos e sexuais. Como e onde uma mulher terá seu filho não é uma escolha médica minha. É um direito de escolha dela.” “O melhor lugar para uma mulher ter seu bebê é onde ela se sentir mais segura. Algumas se sentem melhor em hospitais, com toda a tecnologia possível. Outras, em sua casa, dentro de seu domínio. E outras gostariam de ter filhos em casas de parto, com uma equipe que realiza partos humanizados”, aponta Ricardo. “Deveríamos poder atender a todos esses desejos, mas não é o que ocorre.” Naieth e Eduardo lamentam a dificuldade que tiveram de lutar contra essa realidade. “O parto é o ponto de partida onde começam esses medos que a sociedade nos impõe”, reflete Eduardo. “O médico tem aquele poder e tu te colocas na mão dele, ele te diz palavras que tu não entendes e isso cria uma situação de medo de algo que deveria ser natural. Eu e a Nai ficamos aterrorizados de ver como as pessoas estão abrindo mão desse momento”, conta. “A gente vive em uma sociedade com tão poucos ritos de passagem na nossa vida. Para nós, nosso parto foi um rito”, diz o engenheiro. Para o casal, a busca pelo parto humanizado foi uma “guerrilha”. “A gente sentiu que para oferecer um parto digno ao teu bebê tu tens que lutar contra todo um sistema”, conta Eduardo. Para resumir a experiência do casal, que foi da busca por um nascimento digno para uma “guerrilha eterna”, Eduardo cita uma frase do obstetra francês Michel Odin: “se queremos mudar o mundo, temos que começar pela forma como a gente nasce e recebe nossos filhos.” 5


O PREÇO de ir e vir por Jonas Lunardon, Leandro Rodrigues & Luna Mendes fotos: Gênova Wisniewski colaborou Eduardo Schindler

Primeira estação: Embarque

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omamos um ônibus, ato presente de forma tão intrínseca na vida de tantos portoalegrenses que sequer pensamos no que está incluído no pacote. Embarcamos, sacamos o cartão de passagem ou os tostões, atravessamos a roleta. Tem início a viagem e a aventura. Atravessar um ônibus lotado requer alguma experiência. Pra quem diariamente vive o transporte coletivo parece mentira que Porto Alegre já foi referência na área. O salário dos rodoviários era o segundo maior do país quando nossa passagem estava em 16ª lugar entre as capitais, bastante distante do segundo lugar ocupado atualmente. Por exemplo, em 2004 (ano em que foi estabelecida a planilha de cálculo de custos do transporte público vigente até hoje) um motorista de ônibus recebia o equivalente a 732 passagens de ônibus por mês. Passados oito anos (2012), o salário de um motorista é capaz de bancar, como pagante, apenas 610 passagens, o que, na prática, significa uma perda de 16,7%. O que mudou? O preço da passagem, logicamente, que aumentou mais que o salário do condutor. Em 1873, com o aval do Imperador Dom Pedro II, Porto Alegre conhecia sua primeira concessão de transporte público. Muitos passageiros depois, passou por duas intervenções municipais (em 1953 e 1989), uma encampação (pelo Prefeito Ildo Meneghetti, em 1954), e nos últimos tempos Porto Alegre mostrou que o transporte público é uma pauta que ainda mobiliza a cidade.

Subindo e passando, por gentileza O peso do deslocamento no orçamento familiar é questão que diz respeito a grande parcela da população. Some-se a isso um trânsito cada vez mais lento e a poluição da maioria das grandes capitais, conclui-se logicamente que o transporte coletivo é uma alternativa inteligente para esse ciclo de atravancamento. No entanto, se um cidadão precisa desembolsar R$ 114 por mês (considerando uma viagem de ida e uma viagem de volta durante 20 dias pagando tarifa regular), essa escolha nem sempre vem em primeiro lugar, pois o valor representa o equivalente a 16,81% do salário mínimo de 2013. Em cidades como Porto Alegre, a bicicleta é uma alternativa, mas para aqueles que habitam as regiões periféricas isso está longe de ser uma possibilidade. Fica claro que o aumento da tarifa do transporte não se limita apenas à questão econômica, mas tem a ver com o modelo de mobilidade escolhido para a cidade. A falência do modelo individualizado já assola países que buscam alternativas para lidar com esse monstro criado por eles próprios. Mas no Brasil ainda há uma cultura que o alimenta e estimula seu crescimento. É o caso de cidades como Porto Alegre, em que pode ser mais barato se locomover de carro do que de ônibus, dependendo da quantidade de pessoas e da distância percorrida. Contrariando uma tendência mundial, o que temos em nossa cidade é uma reconfiguração urbana, com corte de árvores e deslocamento de populações inteiras, para dar passagem a mais apressados motoristas, tudo conectado ao estímulo financeiro para compra de automóveis. Para evitar

essa saturação nas vias da cidade recomenda-se o fortalecimento da cultura ciclística, a oneração da escolha pelo transporte individual através de pedágios e impostos, ou através de subsídios, e fortes investimentos no transporte público. Mas o que temos observado por aqui é o oposto. Pulando a catraca Está na Lei Orgânica do Munícipio de Porto Alegre: “Art. 145 – É dever do Município assegurar tarifa do transporte compatível com o poder aquisitivo da população e com a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do sistema com vistas a garantir-lhe a qualidade e a eficiência.” Mas, há algum tempo, o sistema de cálculo para estabelecer o valor da passagem não respeita essa legislação, e quem afirma isso é a própria EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação). No relatório sobre o transporte coletivo da capital em 2012, a análise dos técnicos da empresa conclui: “o valor da tarifa de ônibus – considerada alta pela maioria dos usuários – faz rodar o denominado "ciclo vicioso" do transporte reduzindo a quantidade de usuários pagantes". A análise continua, afirmando que, dessa forma, muitos “passam a buscar outras alternativas de transporte (ex. carros e motos), resultando numa queda ainda maior de passageiros, e assim sucessivamente”. Ou seja, da maneira como é organizado o sistema, menos gente pegando ônibus faz com que o valor da passagem suba, que faz com que menos gente pegue ônibus (e ande de carro ou moto, incentivando nossos cotidianos engarrafametos).


Dessa maneira se justifica novo aumento da tarifa, seguindo assim até que alguma das partes tome uma iniciativa para interromper o ciclo. Os números escancaram essa realidade. Em estudo recente, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) demonstra a assombrosa disparidade entre a inflação e a tarifa de ônibus na cidade. Enquanto o aumento da inflação ficou em torno de 280% desde 1994, a passagem subiu mais de 670%. A origem desse ciclo vicioso vem afetando a população há mais de duas décadas – 24 anos, para ser exato – quando ocorreu a última licitação para esse tipo de transporte na cidade. Mas então, por que todo o sistema funciona de forma viciosa? Afinal, por que a passagem sempre aumenta? Dois índices são utilizados para se calcular o valor da tarifa – e é a partir deles que toma forma todo o imbróglio: o custo por quilômetro e o IPKe (Índice de Passageiros Equivalentes por Quilômetro). O custo por quilômetro é definido somandose o valor dos insumos e gastos utilizados para a realização do transporte na cidade (combustível, lubrificantes, pneus, despesas com salários, e outros), o valor dos impostos e o valor de remuneração dos empresários (lucro). Divide-se essa soma pela

quantidade de quilômetros percorridos pelos ônibus. O valor obtido é o custo por quilômetro. A definição do IPKe é a seguinte: o número de passageiros equivalentes dividido pelo total de quilômetros percorridos pelo sistema de ônibus. Passageiros equivalentes é o número que corresponde ao total de passagens pagas pelos pagantes. Atualmente a média mensal de passageiros ao mês nos ônibus de Porto Alegre é de 28 milhões. No entanto, como existem isentos e beneficiários, esses 28 milhões resultam em uma média de aproximadamente 19 milhões de passagens que são pagas na sua totalidade. Divide-se, então, o total de passagens pagas pelos quilômetros percorridos. Sem Troco Feitas essas contas, calcula-se o valor da tarifa dividindo o custo por quilômetro pelo IPKe. Por isso a justificativa mais frequente para os sucessivos aumentos nas tarifas é a constante queda do IPKe, ou seja, há cada vez menos passageiros pegando ônibus, e cada vez menos passagens sendo pagas, o que resulta em menos passageiros para dividir os custos de manutenção das linhas. Então, quem sustenta o sistema é cada passageiro que circula pelos ônibus, cabendo à empresa de transporte a eficiente gestão do dinheiro

abril 2013 #21

investido pelos cidadãos usuários de transporte. A problemática central sobre o sistema de cálculo da tarifa é que ele premia a ineficiência do transporte coletivo, tornando-o, assim, abusivo. Isso significa que se o empresário não administrar com eficiência não terá perdas, pois os custos de uma eventual má gestão são divididos entre os passageiros pagantes. Por outro lado, a redução de público usuário do sistema de transporte coletivo cria uma tendência de expansão contínua do valor da tarifa, pois como o IPKe divide o custo por quilômetro, sempre que menos passageiros fizerem uso dos ônibus causará aumento. Essa divisão é a causa do ciclo vicioso, justamente porque premia a tal ineficiência da gestão do transporte. O TCE (Tribunal de Contas do Estado) abriu auditoria, no início de abril, para verificar os cálculos, fiscalizando a certificação dos custos declarados e a utilização das receitas, itens que impactam no custo por quilômetro. Com alguma incongruência nos custos declarados pelas empresas, a fórmula se potencializa de duas maneiras. Primeiro, forçando sempre um aumento imediato maior do que o necessário. Segundo, neutralizando um possível movimento de diminuição da tarifa caso mais passageiros passassem a se utilizar do transporte coletivo. Em 2011, apesar do aumento do IPKe, a passagem subiu R$0,15.

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MELCHIONNA vereadora PSOL

RAZÕES PARA O AUMENTO

CAPELLARI presidente EPTC

Isentos e escolares

"Um sistema que funciona de maneira ilegal, de maneira ilegítima não pode contestar direitos conquistados pela nossa população, o problema da tarifa caríssima em Porto Alegre não é esse. O problema da tarifa caríssima é uma verdadeira caixa preta que serviu para enriquecer meia dúzia de empresários."

Um dos motivos levantados para a justificativa do aumento foi a elevação do número de usuários isentos nos últimos anos. Os números, porém, demonstram que o aumento dos isentos, desde 1998, foi somente de 5%. Outro dado interessante é o do número de estudantes: nos últimos 8 anos houve queda de 33% nas passagens escolares.

“A realidade de Porto Alegre é que temos 32,5% de pessoas hoje que usam o ônibus e não pagam tarifa. Quem realmente paga a tarifa acaba tendo uma tarifa cara. Esse que realmente banca todo o sistema. Se fosse dimensionar uma estrutura só para o passageiro que paga tu teria uma estrutura muito menor e a tarifa poderia ser, hoje, de R$2,10.”

Aumento salarial

"A luta dos rodoviários conseguiu desmontar uma mentira que as empresas e a prefeitura sempre contam ao longo dos anos que a culpa da tarifa ser cara é o salário do trabalhador. Isso é maior mentira deslavada para, na verdade, esconder o que de fato é gritante, o lucro absurdo dos empresários." "O estudo do DIEESE fala que de 94 a 2010 o salário do motorista comprava 1184 passagens e hoje compra 610. Está aí a disparidade, poderia, inclusive, diminuir a tarifa se pegasse como parâmetro a passagem do trabalhador".

O aumento de 7,50% no salário dos rodoviários – conseguido após mobilizações no ano passado – foi utilizado como item importante no cálculo para a elevação da passagem. No estudo técnico incluído no processo nº 008.000523.12.7, no qual se baseou o Decreto nº 18.246/13, que reajustou a tarifa do transporte coletivo para R$ 3,05 em março de 2013, está considerado que o aumento nas despesas com o pessoal representou uma elevação de 3% no valor da tarifa técnica calculada. O mesmo documento demonstra, também, que a desoneração da folha salarial dos trabalhadores de transporte coletivo, instituída pela Lei Federal 12.715 de 17 de setembro de 2012, faz com que haja uma queda de 3,3% no valor da passagem.

"Na verdade se tem toda uma cesta, todos os insumos do transporte por ônibus, inclusive inf lação do setor. Por exemplo, só a carroceria dos ônibus aumentou 29% no ano passado. E os salários, todo o conjunto de empregados das empresas têm um custo bastante elevado. São mais de 10 mil empregados no transporte de Porto Alegre e 1701 ônibus. ”

PUBLICIDADE

“A verba de publicidade deveria ir pro plano de saúde dos rodoviários, exclusivamente diz a Lei 124** de 1985. E vai 70% para uma empresa privada. Além de estar sendo descumprida a lei, também vale a pena uma investigação sobre essa empresa de comunicação e se não há algum repasse para estas empresas que estão capitalizando esse setor.” ** Art. 2º - A receita proveniente dos anúncios de propaganda deverá cobrir todos os custos para a prestação de programa suplementar de assistência médico-hospitalar para os empregados das empresas de ônibus e seus dependentes que autorizem a colocação destes anúncios.

As receitas advindas da publicidade no transporte coletivo são investigadas pelos auditores do TCE. Definido por lei municipal, a totalidade dos ganhos publicitários deve ser direcionado ao pagamento do plano de saúde dos funcionários das empresas. Segundo o Tribunal de Contas, há fortes indícios de que isso não está sendo respeitado. Não há referências a tais valores nas planilhas de cálculo liberadas pela EPTC. No estudo técnico utilizado para o reajuste de 2013, o aumento dos gastos com plano de saúde dos funcionários é citado como fator de contribuição para o acréscimo total de R$0,20.

"Na verdade, a publicidade do busdoor não tramita dentro das receitas das empresas. Esses 30% de publicidade são repassados aos sindicatos para o pagamento do plano odontológico dos rodoviários, que é diferente do plano de saúde. Concordo que é um absurdo ficarem 70% destinado às empresas de comunicação pela publicidade nos ônibus. Nós estamos fazendo uma auditoria nesse contrato e na própria lei para modificar isso, com certeza dessa forma não vai continuar."

FROTA OPERANTE

(Pela auditoria do TCE com relação à utilização da frota reserva) "Foi aumentado R$0,25 a mais do que o correto no valor da passagem em 2012, deveria ser de R$2,60 ficou em R$2,85. Eu e o vereador Pedro Ruas (também do Psol) fizemos o cálculo e foi ganho R$72 milhões a mais pelas empresas só nessa situação. E isso no cálculo por baixo, considerando 800 mil pagantes por dia. R$72 milhões ganhados indevidamente pelos empresários."

A análise do TCE de agosto de 2012 indicava que o cálculo para a tarifa estava equivocado: utilizava-se a frota total para o cálculo dos custos quando deveria se utilizar somente a frota operante – deixando de fora veículos que não circulavam transportando passageiros. Essa medida baixaria significativamente o preço das passagens. Na simulação do TCE, a passagem poderia ter custado R$2,60 em 2012. Para 2013, a EPTC utilizou-se do artifício de tomar a porcentagem de utilização da frota do “dia útil típico com maior rodagem no segundo semestre de 2012” nesse cálculo. O índice foi de 94% de utilização.

"O valor de R$2,60 foi utilizado como uma simulação para demonstrar a metodologia que eles estavam querendo adotar. Eles inclusive usaram dados errados da frota, para calcular a tarifa de 2012 usaram dados de 2010. Se a simulação fosse correta, a tarifa de 2012 era pra ser de R$2,65. Na verdade, foi uma simulação feita sem o propósito de recalcular a tarifa de 2012. Então não há nenhuma relação entre o valor de R$2,60 e a aplicação na tarifa. O que mudou foi a metodologia de cálculo para a tarifa de 2013. Isso foi aplicado integralmente na tarifa, por isso chegamos em um valor de R$3,05 quando na metodologia anterior seria de R$3,26."

Remuneração, depreciação e lucro

"A planilha tem um percentual que diz que são 6,33% de taxa de lucro. Vai encontrar empresas com 19% de lucro, vai encontrar com 9%, com 12%. A única que vai estar lá embaixo nos 6,33% é a Carris. E a Carris foi deficitária ano passado pela má gestão da empresa. Ali ela fica superavitária, mas pouco. Até porque a lógica é outra, porque tem ônibus melhores e é uma empresa pública. Mas há empresas exorbitantemente acima da taxa de lucro prevista na planilha tarifária."

A auditoria do Ministério Público de Contas indica que diversas empresas ultrapassam a fatia estabelecida de 6,33% de remuneração sobre a tarifa. Essa taxa acima do permitido pode estar ligada a diversos fatores. A relação dos preços dos insumos utilizados é fator que será avaliado pelo TCE. Outra questão é acerca da depreciação dos veículos. A EPTC calcula o tempo de uso dos ônibus em dez anos. Não está indicado na planilha o que é feito com os ônibus que atingem os dez anos de uso ou que são vendidos durante esse processo. Não há nenhum controle para definir o que é feito com a receita gerada da venda destes ônibus, por exemplo.

tabare.net

"É cobrado na tarifa a depreciação de 75% do valor total do veículo, os 25% restantes ficam para as empresas se ressarcirem da forma que acharem melhor. Não é preciso ter o controle da comercialização destes ônibus, fica a cargo de cada empresa. Alguns veículos são vendidos por mais que 25% do valor, outros por menos. No final há um certo equilíbrio. Acompanhar todo esse processo de negociação fica muito difícil."


[P.H. Lange]

por Rafael iotti

A DROGA

80% de conhecimento da casa 10% é muito obscuro (há ratos, aranhas, baratas, fios de cabelo milhares de fios de cabelo) os outros 10% é o que eu evito evito de feio sujo podre lixo luz queimada pó caixas rolos roupas baldes panos eu

trágico traste triste.

AGUIAR CYCLES OFICINA ESPECIALIZADA, MONTAGENS & CUSTOMIZAÇÃO DE BICICLETAS

por Ângelo Marçal

90% sujo 5% limpando 5% sujo (100% sujando)

Como tenho passado sem você, querida? Ora, fora o coração convertido em catacumba, Fora a melodia mnemônica das reminiscências, Fora a aridez do sertão deste olhar, Fora a loa co’o clamor calado das lápides, Fora o gosto d’angústia engolido às normas d’etiqueta, Fora o último drinque qu’esfaqueia o estômago, Fora o abajur que alumia o porta-retratos enamorado, Fora a sala suja com farelos de gestos conjugais, Fora as noites em vão na trilha de qualquer vira-lata, Fora a saudade que simbila num sim às satânias, Fora as prostituídas promessas d’amor p’ra amar co’as criadas, Fora o malabarismo p’ra esconder tal mofa dos correligionários, Fora a ilusão com asas marxistas, Fora a vontade de botar a dor p’ra Fora a agressão desta digressão, Fora tudo isso... me sinto como um

Como estou sem você

por Rafael iotti

Sem título

morar sozinho é 70% fome 5% cozinhando 24% lavando a louça 1% comendo (comer, eu digo. não se satisfazer)

– Isso aí é droga? – É, sim, senhor – Então tu vai junto. – O quê? Não é droga. Quer dizer, é droga de ruim e não de narcótico. – De o quê? – Cara, são só folhas, não tá vendo. Não é droga. Só a poesia... – A o quê? – Poesia, cara, não conhece Shakespeare? – Cara é o caralho, pra ti é senhor. E tu vai junto. Já ouvi sobre o Shakespeare. É aquela mistura de nembutal. – De o quê? – É droga, meu irmão. É droga e tu tá no meio. – Cara, digo, senhor, olhe. São folhas. São só folhas. – Então me dê. – O quê?, não posso. São originais. – Eu sabia que o esquema era novo. Então achamos o pioneiro. – Cara, tu não tá me entendendo. – Senhor, porra. – Senhor, são poesias, quer que eu te leia? – É droga e eu não vou usar. Tu vai comigo. – Vou preso? – Vamos pra delegacia. – Mas não posso, preciso entregar isso aqui prum editor. – É o quê? Tem outro traficante na parada? – Não, cara, senhor, são livros. Isso aqui dá um livro. Editores editam livros. Escritores escrevem livros. Existem livros de poesia, de contos e romances e novelas, sabe as novelas, você sabe, cara. – Senhor. – O senhor sabe. – Me dê isso aí. – Não posso, cara, estou atrasado já. – Senhor. – Senhor. – Então vamos para delegacia. Tu me confessou que era droga. Agora vamos. Ei, comandante!, esse aqui vai junto. Tem uma tal de poesia, um Shakespeare junto, é aquele com nembutal. – Esse é dos bons – disse o comandante – esse vai apodrecer na cadeia. Já tô vendo até manchete de jornal. Poesia apreendia em operação. Policiais ganham medalhas de mérito. Passeiam em carro dos bombeiros. São louvados. – É verdade, este malandro é o precursor, o pioneiro, o primeiro, nossa quantas palavras eu sei, poderia escrever um livro. – Livros são uma droga. – disse o comandante – perda de tempo.

Av. Protásio Alves, 280 • Rio Branco • Porto Alegre • (51) 9845-1331 abril 2013 #21

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Entro em botecos noitezinhos pra beber combustível. Escoro meu cansaço tetraédrico no balcão. Desinfeto o sorriso amarelo com cachaça ardida. E vou-me embora auto-falante comigo mesmo em dó.

A veloz cidade, veloz cidade, veloz cidade, veloz cidade Me tonteia feito assistir a vida pela janela Do carro. O dia-a-dia me cotidiana depressa. Fruo e bebo e fumo um prazer colateral quando já.

Em casa penso umas obsoletas lembranças felizes. Sinto solidão de espécime em extinção no zoológico. Saudade dela, a amante antiga, amando antigamente! Quase choro um pensamento triste. Tento dispensar

Um cigarro vagabundo me polui o céu da boca. As palavras de amor tossem uma paixão metatísica. Um locomotivo desconforto me pulsa no peito. Sofro dum ritmo crônico pum-pum, pum-pum, pungente.

A amante antiga que me telefonou aquela pergunta. Mas qual era mesmo a questão? Era de fato importante? Sei lá... Não me lembro. Só penso em mim quando não dá tempo. Então, boa noite. Hora do sono de uma tonelada.

Calço uma pedra no sapato quando é segunda a sexta. Meus pés me carregam automovelmente aos compromissos. Chego no emprego no horário rubro. Meus dedos redigem Uns relatórios bíblicos sobre milagres de máquinas.

MARACATU TRUVÃo DR. HANK • IRISH FELLA S sorteio de biciclet a do A GUIAR C YCLES

LOCAL GALPÃO DO IBGE, AV. AUGUSTO DE CARVALHO, 1225 INGRESSOS LANCHERIA DO PARQUE osvaldo aranha, 1086 BAR GARIBALDI venâncio aires, 1000 TABARENHOS APOIO

por Marcus Pereira

ALIENAçÃO?

A amante antiga me telefonou uma pergunta assim: – Como você tem passado os últimos anos atrás? Tento dizer matemáticas coloridas e vãs Pra expressar que... Sei lá. Só penso em mim quando não dá tempo.

tabare.net


Há x anos em Tabaré (abril)

1

Baita sambista brasileira, nos deixou em abril de 1983 por complicações em uma cirurgia de varizes.

2 Jeitinho de chamar o time gaúcho que nasceu em abril de 1909.

4

3

Massacre no Rio em abril de 2011 em que 13 crianças foram assassinadas em uma escola municipal.

Guerra que teve fim em abril de 1939 e que enfiaram a ditadura fascista do general Francisco Franco goela abaixo dos espanhóis.

5

6

País que o loco sintetizou pela primeira vez a dietilamida de ácido lisérgico, o LSD, em abril de 1943.

Papa morto em abril de 2005. O cara promoveu 1340 beatificações e 483 canonizações, mais que todas feitas em cinco séculos de papado.

7 Uma das mais importantes obras do sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, falecido em abril de 1982. E não tamo falando dos filhos.

8

Apelido do esperto que assumiu a responsabilidade da Inconfidência Mineira e que acabou pendurado na cordinha em abril de 1792.

10

9

Guerra de interesse e interferência estadunidense que terminou em abril de 1975.

País africano que assinou acordos de paz em abril de 2002, terminando com dez anos de guerra civil mas que ainda estrela entre os menores IDHs do planeta.

12 Primeiro país a legalizar a eutanásia no mundo, em abril de 2002.

14 Pintor espanhol gênio do surrealismo, nascido em abril de 1893.

16

18 Cidade estadunidense em que o Martin Luther King Jr. foi perseguido e assassinado, em abril de 1973, por um segregacionista do sul.

A dos índios no Brasil deveria ter terminado em abril de 1680, com uma carta de abolição que não serviu pra muita coisa.

11

15 19 Toda a cousa da democratização com deposição da ditadura em Portugal em 1974.

Ponto de encontro argentino que teve em abril de 1977 a primeira marcha de mães exigindo notícias dos filhos desaparecidos durante a ditadura.

17 Ditador austríaco líder do Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, ariano até no signo.

abril 2013 #21

Data da chegada de Cabral às terras de Vera Cruz no Brasil, um país indígena.

13

País vizinho nosso que acabou com a pena de morte em abril de 2001.

11


TABARÉ

O novo sempre vem [Gênova Wisniewski]


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