• llá á vvem em p pedrada edrada •
Três anos de Tabaré. Um jornal no olho da rua. Uma peça gráfica. Uma intervenção urbana. Um suspiro de jornalismo. Chamado também de coletivo, de papel panfletário, de amadora ilusão. Riram aqueles que não davam cinco meses para o projeto e também aqueles que não apostavam em um ano. Jamais poderiam prever. Em 2011, ainda parecia que estávamos sós, que debatíamos utopias entre alguns e poucos amigos, que a possibilidade de outros mundos e de outras formas de viver e trabalhar havia sido esquecida. Somos espelho desta cidade. O fruto de uma época, do começo de uma série de mobilizações e transformações. Somos a síntese e parte da antítese desse processo contínuo. É claro que não demos o pontapé inicial, mas estávamos lá. Ainda estamos aqui. Se em maio de 2011 nos apresentamos nus era porque estávamos cobertos de perguntas, algo que nos mantém mais próximos da realidade do que muitas publicações de referência em Porto Alegre. A geração da qual fazemos parte não podia mais conviver com a apatia do jornalismo estancado em diretrizes organizacionais e empresariais, já não queria se acomodar com a sociedade dos dualismos, das únicas verdades, das imposições inexplicadas. Afloraram alternativas, e impressos e digitais independentes reafirmaram aquilo que intuíamos: outro j o r nal i s m o é possível. Pedalamos lentamente em busca de novas formas de viver, como fazem muitos outros nus e cobertos de razão que clamam por uma vida mais humanizada. Parece imperceptível, mas a festa dos corpos e das ruas reflete o desejo de catarse, de quebra de paradigmas e de rupturas, algo que procuramos entender em nossas reportagens e entrevistas. Estampadas nas páginas do Tabaré estiveram as perguntas provocadas por estes que decidiram romper o silêncio das últimas décadas. No primeiro ano, tratamos o temido ladrão de bancos como um ser humano. Conversamos com o cartunista que é a cartunista, que n o s mostrou que pode ser o que quiser quando sentir vontade. Retratamos uma cidade condenada ao silêncio s e m arte nas ruas - ou à elitização dos espaços públicos. Refletimos sobre a violência que amedronta a sociedade, mas que é sistematizada para acabar com a vida dos pobres, dos negros e dos marginalizados. Em abril de 2012, a batalha cotidiana pelo empoderamento das mulheres tomou conta da nossa redação, assim como dos diversos grupos, organizações e marchas que surgem a cada dia. Nas ruas de um país construído sobre solo indígena, vimos como resistem ainda os povos originários e o quanto suas culturas e vivências podem nos ensinar. Abordamos temáticas esportivas e retratamos as condições dos atletas, também vimos como eles passaram a questionar as organizações que os exploram. Em consonância aos gritos das ruas, contestamos grandes instituições como o Estado, a Igreja, a Mídia e a Economia, indagando os porquês ocultos da discussão pública.Entendemos hoje, mais do que nunca, como é difícil não ser engolido pelas respostas prontas que cegam a capacidade investigativa e reflexiva do jornalismo. Por vezes não conseguimos escapar dessas respostas fáceis, mas mantemos no horizonte nossa utopia: o jornalismo. Sequer é possível dizer o "bom jornalismo", pois ele existe ou é propaganda. Lutamos para não cair nas ideologias selfservice que impedem a reflexão e a oposição de ideias, é por isso que o Tabaré está mudando. Queremos mais da vida, mais de nós e muito mais do nosso trabalho. Como nossos leitores, tentamos entender, ainda que tateando no escuro futuro, o que acontece ao nosso redor. Buscamos uma forma de sobreviver neste mundo que se transforma a cada instante, um pasito de cada vez. Tudo porque somos parte de uma ferida aberta que não quer estancar, que se recusa à medicação, que quer pulsar plena, encarando as consequências. Despertamos no olho da rua e fomos também chacoalhados pelos gritos e pela expressão da inconformidade. Percebemos, quase instintivamente, que o diferente não precisa ser desigual, que nós, como jornalistas, podemos e devemos incessantemente tentar combater o discurso cego e simplório, a superficialidade que normaliza a exclusão, que se recusa a ouvir os outros, que teme sentir a pulsação daquilo que ainda engatinha. Mas que já é vida, é parte da cidade e que só pensa em crescer e transformar. Assim como o Tabaré.
COORDENAÇÃO DE JORNALISMO: CHICO GUAZZELI COORDENAÇÃO ADMINISTRATIVO-FINANCEIRO: LUÍSA SANTOS COORDENAÇÃO DE DISTRIBUIÇÃO: LEANDRO RODRIGUES COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO: RODRIGO ISOPPO COORDENAÇÃO COMERCIAL: JONAS LUNARDON COORDENAÇÃO GRÁFICO: MARTINO PICCININI EDITOR: GABRIEL JACOBSEN REVISOR: MARCEL HARTMANN CONSELHO EDITORIAL #28_ ARIEL ENGSTER, CHICO GUAZZELLI, GABRIEL JACOBSEN, JESSICA DACHS, JONAS LUNARDON, LEANDRO RODRIGUES, LUÍSA SANTOS, LUNA MENDES, MARCEL HARTMANN, MARCUS PEREIRA, MARTINO PICCININI, NATASCHA CASTRO, PEPE MARTINI, RODRIGO ISOPPO E YAMINI BENITES PROJETO GRÁFICO_ MARTINO PICCININI DIAGRAMAÇÃO_ JOHANNES KOLBERG CAPA_RODRIGO URIARTT E ANDRÉ ÁVILA COLABORADORES_ ANDRÉ ÁVILA, EDUARDO AMARAL, GABRIELA KORMAN, JOHANNES KOLBERG, RODRIGO URIARTT E PLÍNIO ZUNI TIRAGEM_ 2 MIL EXEMPLARES CONTATOS_ COMERCIAL@TABARE.NET / TABARE@TABARE.NET / FACEBOOK.COM/JTABARE
. RESUMOS DE NOVELAS . Amados leitores, É com bastante pesar que comunicamos o auto-falecimento de Madame Bovary. Dizem por aí que ela abusou da cicuta grátis na festa de III anos e bateu as botas. Estamos ainda em processo de investigação. Por enquanto seus estagiários, que foram muito bem treinados, estão a disposição para responder as cartas. Não deixem de mandar! cartas@tabare.net Madame Bovary perdeu sua vida, mas não foi a única que perdeu algo na festa de III anos do jornal Tabaré. Vejamos abaixo as cartas de alguns leitores e dançadores.
Professor Pascualino revela à turma que o Guaíba é um lago, e não um rio. Os alunos ficam revoltados. Theo fica sabendo que Lucinha será capitã do time de Curling da escola e paga uma rodada de suco pra galera. Dinha conta para Adri que pensa em ter a sua primeira vez com Theo. Adri vai com Lucinha pegar o resultado de seu teste de gravidez, que dá negativo, mas descobre que tem HIV. Theo e Adri invadem a escola à noite e Caio descobre. Caio arma um plano e conta tudo ao Professor Pascualino, que decide tirar a bolsa de estudos de Theo. Dinha fica fragilizada com a traição de Adri e espalha fotos da ex-amiga no Saúde no Copo. Theo revela que, na noite que invadiu a escola, encontrou Professor Pascualino
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Entre estas histórias de perder e achar, nenhuma supera a do mestre Tiago, que acordou com um para-brisas dentro de casa! hahahaha. Então, caso alguém tenha perdido, fale com ele que não se lembra como realizou a façanha. Guilherme, Psiquiatra Querido Tiago, favor devolver o para-brisas porque o inverno chegou e tá dificil dirigir sem ele (principalmente na chuva). Entre essas histórias de perder e achar, peguei uma gripe. Eu achei muito boa a festa! No entanto fiquei chateado porque acabou muito cedo! Antes das 7 da manhã eu tava em casa em Guaíba... fritando. Eduardo Assunção Rocha, Chapista Duduzinho, ninguem te avisou do after na Lanchera? Que amigos malvados. A fritação rolou solta lá, muito X-Bacon. Encontrei uma manta preta no chão. Se for de alguém, dá um grito ai. Gabriel Guimarães, detetive AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! Ótima festa, parabéns! Talita Gomes, entusiasta Obrigado, Talita! Aguarde as próximas edições (da festa e do jornal)!
Olá, Tabaré. Faça parte da minha rede no LinkedIn. Tiago Rubens, owner Denunciar Spam Vish, que jornal ruim ô, imagina na copa. Lacerda Lacerda, obrigado pelas doces palavras. Garanto que em 2018 o jornal estará melhor.
foto: Yamini Benites // ilustração: Luísa Santos
aos beijos com Mocotó.
Bueno Martins adere ao movimento de Doutor Azambuja e Gonçalo Firmino para derrubar o prefeito Morais. Macias, o jornalista, discute com Otávio, o editor, sobre a publicação de sua entrevista com o prefeito. Valberto, o comunista, é expulso do bar do Guedes na Independência, após beber e chamar todos de “explorados alienados”. Ele volta para a casa dos pais e desconta em Maria Cecília, que desordenou os seus livros na estante. Dona Augusta aconselha sua filha Carminha a seguir o exemplo de sua irmã Jussara para conquistar um bom marido. Carminha
Uso a palavra pra compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Anônimo Eitcha. Cuidado que plágio é crime, viu? Ou é o próprio Manoel de Barros que anda mandando cartinhas pra nós? Gostaria de saber qual a posição oficial sobre os boatos de uma demissão em massa na redação do Tabaré!! Qual a posição oficial da diretoria??? Alex Móbi Móbi, é com grande alegria que declaramos que segundo o nosso RH nenhum profissional foi demitido do Tabaré no último ano e não há inclusive nenhuma perspectiva a respeito. As vezes, é verdade, alguns profissionais tem tido o hábito de demitir o jornal. Fora isso: boatos!
se encontra secretamente com Cecílio, o filho do prefeito, para jogar canastra. Prefeito Morais chama Conrado Fernández e César Barreto para traçar uma emboscada a fim de cortar o cabelo de Tarcísio. Tarcísio se esconde na casa de Cigano Igor e confessa ao amigo que corre perigo.
Doutor Hélio encontra Marcela chorando na rua com esmalte descascado e a leva para sua clinica no Moinhos de Vento. Marcondes revela a Virgilio o grande segredo sobre a verdadeira paternidade da cadela Helena, e Virgilio promete não revelar nada a Otávio . Helena late para Martina no meio do jantar feito para Onório. Bruninha descobre que tinha uísque no pote de água de Helena e conta para Virginia que se preocupa com o alcoolismo da cachorra. Vilson e Velma discutem e não se acertam sobre a distância social entre os dois. Velma pega um táxi no Moinhos de Vento e vai até o Bom Fim para visitar Vilson. Lucimara fala pra Velma que Vilson foi fazer o rancho, mas os dois não se encontram porque Velma foi no Zaffari e Vilson, no Nacional. Velma se desorienta na Redenção, mas Cigano Igor a encontra e ambos vão na Lancheria do Parque. Velma pergunta se tem Perrier e acaba tomando suco de laranja com melancia. Doutor Hélio revela a Celina que ela está grávida.
O QUE É, O QUE É?
DEMOCRACIA, CAPITALISMO & COMUNISMO: UMA AULA COM OS VEREADORES por Gabriel Jacobsen // colaborou: Chico Guazzelli ilustrações: Johannes Kolberg
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alavras só existem quando ditas. Atualizam-se mais ou menos dependendo de quem diz, de onde diz, para quem diz. Sapato é uma palavra, por exemplo, e sapateiros podem nos falar, entre muitas outras coisas, sobre o que são sapatos. É bem possível que aquilo que o sapateiro diz ser um sapato seja aceito como um sapato. Mas sapateiros também podem consertar sapatos sem nos explicar nada. É justo. Médicos e xamãs podem, por ventura, nos explicar o que é a cura. Ou simplesmente nos curar, silenciosos, obtusos, com auxílio da deslumbrante crença que temos neles. E agradecemos. Os vereadores, por sua vez, diferentemente dos sapateiros e dos xamãs, não podem ficar indiferentes à defesa pública de suas ideias. Afinal de contas, disso dependem seus votos, seus financiadores, a matéria que sairá no jornal e, especialmente, os interesses que conseguirão defender por meio da aprovação de leis. Sim, vereadores passam bastante tempo criando e revogando leis. Em Porto Alegre, 36 vereadores, representando 1,4 milhão de eleitores e não eleitores, reúnem-se semanalmente na Câmara e, do alto da tribuna, defendem ações, contestam regras, pedem apoio, fazem acordos, definem o certo, o errado, o justo e o injusto. Atualizam, assim, dezenas de palavras, entre elas a própria “democracia”. Criticam o capitalismo, criticam o comunismo, criticam o governo e criticam a oposição. Votam nomes de ruas, becos e avenidas e moções de apoio. Agora, entre todo o trabalho burocrático e mais ou menos democrático, seria possível, por exemplo, comunistas explicarem o comunismo? E capitalistas explicarem o capitalismo? E todos eles explicarem a democracia, isto é, definirem aquilo que defendem? Resumirem aquilo que permite que estejam ali? É isso que o Tabaré foi a campo descobrir, entrevistando, sem aviso prévio, sete vereadores, entre alguns mais votados e com maior destaque em seus partidos e na mídia.
A democracia é a gente ouvir a todos, permitir que falem, participem e principalmente que tenham direito à opinião. A Câmara é um exemplo de democracia quando permite que a minoria exerça o poder. O capitalismo é o mercado, né? Dizem que é o mercado. Na verdade, o capitalismo é as pessoas tentando ganhar vantagem financeira em cima de outras. Isso desde que o mundo é mundo. Desde o escambo era assim. Capitalismo é a forma mais nefasta que existe no mundo moderno de escravizar as pessoas. Tudo que a gente quer tem que ser pago. Desde o entretenimento, a cultura, tudo tem que ser pago. E hoje ele está em tudo.
CLÀUDIO JANTA Partido Solidariedade
Na teoria, o comunismo seria uma coisa maravilhosa. Mas nós temos o poder do capitalismo. No comunismo, nós não teríamos a ingerência do sistema bancário, dos juros. Nós voltaríamos a uma sociedade onde todos são iguais, onde cada um escolhe a sua profissão. Uma coisa que pode se dizer meio utópica, né? Eu acho que não existe mais o socialismo, o comunismo, o que existe é uma forma de participação popular.
JOÃO DERLY
Democracia é a oportunidade de tu teres escolhas, opções e as mais diferentes opiniões serem ouvidas, chegando a um consenso da maioria.
Partido Comunista do Brasil
O capitalismo se baseia muito no capital acima das pessoas. Comunismo nunca houve na prática, apesar de ter se visto em alguns países... Mas ele se baseia em cima das pessoas, dando mais oportunidades de igualdade. Isso não quer dizer que tu tem que retirar daquele que tenha mais condições, e sim que um número maior de pessoas tenha condições.
Democracia é um sistema por meio do qual nós temos uma representação que mostra o interesse da maior parte, porém respeitadas as vontades das minorias e consideradas as diferenças que existem entre as pessoas. Então nós não podemos ter uma ideia matemática de que democracia é simplesmente a vontade da maioria. É a representação dessa vontade. Respeitar as minorias e também a diversidade que existe em qualquer sociedade humana.
PEDRO RUAS Partido Socialismo e Liberdade
Capitalismo é um sistema no qual os valores financeiros têm prevalência sobre outros valores, inclusive sociais. É onde todos os meios de produção estão na mão de quem detém o capital e explora as pessoas conforme a sua capacidade econômica. Injusto, porque impede a igualdade de oportunidades. O capitalismo tem na historia da humanidade uma importância: a superação da aristocracia. Mas ele tem que ser superado pelo socialismo.
O aprofundamento desses termos cabe aos cientistas políticos. A ideia, aqui, é desvelar ideias aos eleitores e provocar, nos vereadores e em nós mesmos, a reflexão sobre nossas posições. As definições mais "certas" ou "erradas", excluindose ao máximo os floreios e as fugas da proposta, estão aí, atualizadas. Confundindo pra te explicar ou explicando pra te confundir?
Comunismo: Igualdade de oportunidades e as pessoas recebendo segundo o que produzem e segundo suas necessidades. Bem, isso é uma definição clássica, digamos assim. E eu não digo que igualdade tenha que ser absoluta a vida inteira. Claro que não. Não é tirar de um e dar para o outro. É colocar igualdade de oportunidades. Depois, a vida vai resolvendo essas questões.
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DR. THIAGO DUARTE Partido Democrático Trabalhista
Democracia: É um governo, pela definição, do povo, pelo povo e para o povo. Ou seja, a participação popular tem que estar desde a gênese do processo, na eleição dos representantes, no acompanhamento das pessoas sobre o parlamentar e na construção dos projetos de lei ou na fiscalização. O capitalismo é o sistema politico, sistema de governo, em que o capital é o centro de todo o processo, em que tudo visa ao lucro. Nós não coadunamos com o socialismo e com o comunismo, com o capitalismo selvagem, "laissez faire, laissez passer" (deixai fazer, deixai passar). Eu acredito que o trabalho e o ser humano têm que estar no centro do processo. O comunismo, via de regra, é aquele sistema no qual todos tem acesso igual aos meios de consumo. Aqueles que trabalham mais, que se dedicam mais, que necessitam mais não têm mais acesso que os outros. O que, na nossa concepção, é injusto. Nós temos que dar mais acesso àqueles que se dedicam mais, àqueles que têm mais méritos. Então eu acho que o comunismo se equivoca nisso. Além do mais, todas as experiências comunistas que nós temos são totalitárias.
A democracia é a liberdade de pensar, de exteriorizar, de agir. Mas não deixa de ter responsabilidades. Essa democracia exige uma cara limpa. Porque se tu quer te manifestar, se tu estás contra o serviço público, vai lá e diz, grita. Quer agredir, quer quebrar, vai e faz, mas responde por isso.
MÔNICA LEAL Partido Progressista
É relativo isso, né? Nós vivemos uma era do capitalismo. E, ao mesmo tempo, nós assistimos movimentos contra o capitalismo. Mas as pessoas não abrem mão das benéces do capitalismo. Então eu penso que isso tá muito mal explicado. É muito utilizado em discurso de campanha. É que nem a questão da ditadura. Ora, eu sou filha de militar com muito orgulho. Não significa que eu seja a favor da ditadura, de repressão. Eu sou contra qualquer estado ditatorial, qualquer tortura. Então são temas que precisam ser mais debatidos. Igualdade total, divisão de tudo. Defendem na teoria desde que não seja na prática. É muito esse tipo de discurso, da esquerda a favor do comunismo, do socialismo. Mas todo mundo fica aqui, né? Então porque não vão para os países que têm, não só na teoria, como na prática? Digamos assim, eu trabalhei a minha vida inteira, construí meu patrimônio... Vou repartir tudo? Só um pouquinho, eu abri mão de muita coisa na minha vida. Eu, aos 17 anos, estava trabalhando para construir o patrimônio que tive com meu marido. Eu não vejo mal nenhum nisso. Direita e conservadora? Sim eu sou! Com muito orgulho!
SOFIA CAVEDON Partido dos Trabalhadores
Democracia é o melhor sistema político que nós pudemos construir até agora. Parte da ideia de que o que é público é de todos. O contrato de vida em sociedade tem que ser organizado a partir da soberania popular, a partir do direito de cada um de exercer a sua cidadania. Portanto, é um espaço de gestação do novo, um sistema que propicia muito a instalação de direitos porque dá voz e visibilidade para todos e todas. Só não pode ser uma democracia roubada, usurpadora da cidadania - como o atual sistema politico organizado no Brasil em grande medida é usurpador desta soberania do cidadão. Então, não vamos confundir democracia com o sistema político atual que organiza tal participação. Nós achamos que os sistema que é muito influenciado pelo poder econômico e os mandatos são coptados, são financiados pelo poder econômico. O capitalismo é o sistema no qual há acumulação e os donos dos meios de produção exploram quem vive da força do trabalho. A prioridade é acumulação de capital, o lucro para quem domina esse capital, em detrimento dos direitos de quem vive do seu trabalho, dos trabalhadores. O comunismo é o inverso disso, é um sistema que procura valorizar e trazer equidade, trazer justiça social no direito que todos têm de trabalhar e de ter como resultado a dignidade para sua vida. As condições básicas, dignas de moradia, de manutenção da saúde. Então, ele procura fazer uma outra organização social.
Democracia: Na sua concepção clássica, é um governo do povo para o povo. Ela pode se expressar de várias formas.
VALTER NAGELSTEIN Partido do Movimento Democratico Brasileiro
A tradicional, representativa, na qual o povo elege os seus representantes. E, mais recentemente, especialmente aqui no Brasil e a partir do Rio Grande do Sul, uma concepção de democracia direta, que atue juntamente com essa democracia representativa. Eu acho que precisamos achar sempre uma mediação entre essas duas... Agora, democracia pressupõe também o império da ordem, o império da lei. Dentro do arcabouço jurídico é que se exerce a democracia. Nós vivemos um momento de livre iniciativa, não é exatamente um sistema capitalista. Capitalismo ao pé da letra é um sistema financeiro que simplesmente privilegia o capital. Se tivéssemos capitalismo puro, teríamos o rentismo: simplesmente a captação do dinheiro que gera mais dinheiro num processo especulativo sem fim e que, na verdade, o único fim são as pirâmides [sociais], o que acaba ruindo no momento em que a base não consegue mais sustentar quem tá lá em cima. O que nós temos hoje é um sistema de economia de mercado com livre iniciativa que tem tendências naturais, por exemplo, à acumulação. E aí sim é função do Estado intervir, evitando a criação de monopólios, de oligopólios e outros processos, preservando o interesse do consumidor e a defesa daquelas partes que são hipossuficientes, sem que a gente vá para outro lado, que é o excesso de intervenção do Estado. O comunismo, na visão clássica, é a socialização dos meios de produção com o controle do Estado e sem propriedade privada, como forma de combater a acumulação que seria, na visão primeira lá de Marx e de Engels, fonte de toda a desigualdade. Se a gente for ver no final da revolução industrial, realmente os trabalhadores não tinham leis de proteção, viviam situações de absoluta insalubridade. E aí nasce exatamente daquele cenário um processo de uma visão mais generosa. Daquela visão se dividiram duas linhas. Uma foi a social-democracia. E outra, que teve a ponta-de-lança na União Soviética, o comunismo, que se provou impraticável na medida em que as empresas do Estado eram administradas por uma burguesia estatal, as burocracias dos partidos. Toda vez que se tenta fazer isso, porque é da natureza humana, quem vai administrar são as burocracias dos partidos políticos.
setembro 2014 #28
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Arte de Rodrigo Uriartt sobre fotos de André Ávila
MACONHA A
NAS FRONTEIRAS DA EXPERIÊNCIA URUGUAIA
por André Ávila, Gabriel Jacobsen e Jonas Lunardon // fotos: André Ávila
quarta-feira era cinza e de temperatura agradável. O encontro com Julio Rey foi marcado na rodoviária de Montevidéu. De lá, seguimos para a casa de Álvaro Calistro, ambos da Federação Nacional de Cultivadores de Cannabis. Álvaro é cultivador há mais de 20 anos. No pátio de sua casa existem diversas plantas medicinais, entre elas a cannabis. Resultado do trabalho de uma pequena cooperativa, a planta serve para produção de óleo, tintura e uso recreativo. Como diz o estereótipo a respeito dos uruguaios, Álvaro é simpático e acolhedor. Em sua casa no bairro Cerrito, a 25 minutos do centro de Montevidéu, Álvaro e Júlio Rey discutem a agenda de trabalho do grupo. Após quase uma hora de conversa, preparam o primeiro cigarro de maconha enquanto falam sobre os últimos detalhes de uma charge a ser desenhada. Terminado o cigarro, a entrevista segue nos fundos da casa, local onde cultivam dezenas de plantas.
traz o alívio de tirar o usuário da marginalidade e dos problemas disso decorrentes. Se fossem pegos, "a polícia intervinha na tua vida, e mais tarde um juiz. Dependíamos até agora do senso crítico de um juiz a respeito de se a quantidade que tu portavas ou as plantas que tu tinhas eram para tráfico ou não", diz, comemorando as recentes mudanças da lei.
"Com respeito ao usuário e ao cultivador, a principal diferença é que vai ser muito difícil que te processem por cultivo ou que te associem, por ser usuário, a alguma atividade criminosa", explica Julio. Além de ter a liberdade de produzir e consumir, a legalização
A relação da sociedade uruguaia com a erva é diferenciada há tempos. Em 1974, exatos 40 anos atrás, o Uruguai despenalizava o uso da maconha. Em outras palavras, apesar de desde então ser proibido, o uso não era considerado crime. A grande maioria das nações
Desde dezembro de 2013, olhos de todas as cores estão voltados ao Uruguai. O projeto de lei 19.172, enviado ao Legislativo do país pela Presidência, regula a produção e a venda da cannabis sativa e sua aprovação gerou aplausos, reprovações e desconfianças por parte de governos e instituições ao redor do mundo. Isto porque, apesar de existirem iniciativas em outros países, o Uruguai é a primeira nação a rechaçar por inteiro a guerra às drogas e apostar em um novo modelo de política no que diz respeito à maconha.
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continua criminalizando seus "maconheiros" ainda hoje, situação na qual o parte da erva pode levar a punições que vão desde o cumprimento de serviços comunitários até anos de cadeia. No Uruguai, conforme estimativas do governo, 150 mil dos cerca de 3,4 milhões de habitantes são consumidores de cannabis. “A convicção do presidente Mujica é de que o tráfico de drogas é uma temática econômica, que não tem nenhuma motivação moral, religiosa ou ética. Quem trafica quer ganhar dinheiro. Os três grandes objetivos pelos quais a nova lei foi proposta são: a antiga incongruência jurídica entre o consumo descriminalizado e a venda proibida, a questão de saúde pública e o combate ao narcotráfico". A afirmação é do sociólogo e secretário nacional de Drogas do Uruguai, Julio Calzada, que esteve em Porto Alegre em junho para explicar a iniciativa uruguaia, admitindo entretanto que legalizar somente a maconha não encerrará as extensas atividades de tráfico no país (confira íntegra da entrevista exclusiva com Calzada no site www.tabare.net. De volta à plantação caseira em Montevidéu, o
ativista Julio Rey especula sobre a criminalização dos usuários de determinadas drogas. "Toda sociedade precisa de bodes expiatórios, e os usuários de drogas têm cumprido esse papel na sociedade", lamenta. Para ele, a falta de informação é o principal responsável por tal situação, visto que o resultado é o preconceito em relação ao desconhecido. "Se comparar o uso problemático da maconha com o uso de outras substâncias, inclusive legais como o álcool, o índice é baixíssimo”. A lista de iniciativas de diversos governos uruguaios acerca da garantia de direitos sociais é grande, o que faz o país ser considerado vanguarda no que diz respeito ao assunto. “É importante entender o processo de legalização da maconha como uma questão mais ampla. Vale lembrar que o Uruguai tornou-se um Estado totalmente laico em 1917, garantiu o direito ao divórcio pela vontade exclusiva da mulher em 1913, o voto feminino em 1927 e aboliu a pena de morte em 1907”, acrescentou a professora de Psicologia da UFRGS e integrante da Rede Multicêntrica de Atenção Psicossocial, Sandra Torossian, em evento pró-legalização realizado na Capital gaúcha com a presença do secretário Calzada.
mais difícil de ser vencido. O medo detinha toda a discussão”, afirma o secretário Calzada. Com a aprovação da proposta, o governo uruguaio trabalha para tratar todos os pontos do projeto e iniciar a venda ao final de 2014. Após debates que dividiram o Congresso, o projeto aprovado estabelece que o cidadão uruguaio tem três maneiras para obter a maconha:
Plantar individualmente até 6 plantas por residência.
Criar um clube de plantadores, aos moldes de uma cooperativa, com 15 até 45 pessoas e plantação máxima de 99 mudas.
O PROJETO Quem vai ser responsável pelas plantações uruguaias? Quem poderá comprar? Onde vai ser vendida a maconha? Quanto vai custar um baseado? Desde 2012, quando o projeto começou a ser discutido, essas e outras questões foram levantadas. “A legalização é um desafio para o qual não temos todas as respostas. As alternativas surgirão na medida em que a política é posta em prática. Em uma política que foi baseada durante 50 anos no medo, este é o argumento
A terceira opção é a compra em farmácias, o que ainda será implementado. Nessa modalidade, que é também a mais inovadora e polêmica, as plantações caberão ao Exército, sendo distribuída ao varejo pelo próprio estado. O consumidor poderá comprar até 40 gramas por mês do produto que custará o equivalente a 1 dólar cada grama. Segundo Calzada, o preço foi
setembro 2014 #28
definido a partir de pesquisas de mercado realizadas no tráfico interno do país. Um dos maiores temores da sociedade, quando o assunto é legalização da maconha, fica a cargo do medo de que ela seja a porta de entrada para drogas mais pesadas, como cocaína e crack. O ativista Calistro, entretanto, lembra que a droga pode servir como redutor de danos para viciados, especialmente no que tange às crises de abstinência. "É mais provável que possa ser uma porta de saída. Não tenho problema em dizer que a maconha é droga. Ela é. Droga, para mim, é o que altera os sentidos". Segundo Calistro, a cannabis tem o efeito de retirar a ansiedade de outras drogas, como é o caso de sua atual companheira Milagros, que tem um histórico de vício em cocaína e pasta base (similar ao crack)."O relacionamento se dá primeiro com a planta, antes mesmo do efeito da substância", acrescentando que o contato com o traficante é abre, definitivamente, uma porta maior para drogas mais danosas. Para os usuários, a maior polêmica está no registro dos consumidores pelo governo. Para poder usufruir de qualquer modalidade de consumo descrita acima, o cidadão deverá se registrar junto às autoridades uruguaias. Podem fazer o registro tanto uruguaios quanto cidadãos residentes no país há mais de dois anos. Os críticos defendem que o Estado não tem direito nem competência de registrar cidadãos só porque estes consomem maconha, apontando que tal processo estigmatiza o usuário. “Sim, isso afeta os direitos dos usuários. Mas temos que ter em conta que nós não liberamos o mercado de maconha, e sim o regulamos com uma presença forte do Estado. É importante controlar o volume de produção para que não haja desvios para o mercado negro”, admite o secretário uruguaio.
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EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS O debate sobre a legalização é permeado por muita desinformação. Ponto de muita confusão são os modelos de políticas adotados em países onde a produção e o uso não são (totalmente) proibidos. Por isso, o Jornal Tabaré se propõe a explicar – além do modelo uruguaio - como funciona a política de drogas em países referência na alternativa ao proibicionismo.
HOLANDA
ESPANHA
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
O primeiro país que vem à cabeça quando se fala em legalização das drogas é a Holanda. Porém, a verdade é que o modelo holandês está longe de ser ideal. É difícil definir a situação da maconha no país, mas o termo mais utilizado é que o seu consumo e produção são tolerados. Isso porque a Holanda não legalizou a maconha, está longe do modelo uruguaio, por exemplo. No entanto, por fatores sócio-culturais e entendimentos jurídicos quanto ao papel do Estado na vida privada do cidadão, o governo holandês tolera que a pessoa consuma drogas, assim como plante em pequenas quantidades – de acordo com o histórico de decisões judicias a tolerância abrange o cultivo de 5 plantas pequenas em uma residência. Nem o uso medicinal da planta é regulado. Os donos de coffee shops, os famosos cafés onde se pode comprar e fumar baseados, geralmente dizem que a porta de entrada dos estabelecimentos são legais, mas as portas dos fundos são criminosas. A compra do fornecedor e o estoque são, em teoria, proibidos, mas como há o grande fluxo de consumidores, são tolerados, já que o Estado entende que é melhor que existam coffee shops controlados pelo governo do que um mercado negro controlado por traficantes.
O modelo espanhol é visto por muitos acadêmicos e ativistas como exemplar para outras nações, mas ainda há questões em aberto. Desde 2006, foi regulada a plantação caseira ou associativa.
Os EUA têm uma estrutura política diferente da brasileira. Lá, a federalização é muito forte, ou seja, as legislações estatais têm muito valor. Assim, apesar do alto punitivismo e da violência associada à guerra às drogas, alguns estados estadunidenses adotaram políticas alternativas com relação ao consumo de maconha. Há dois modelos: o primeiro é o da regulação do consumo para uso medicinal e o segundo, iniciado em janeiro deste ano, para o chamado consumo recreativo.
Essa situação paradoxal funciona, como dito, por conta de fatores culturais da sociedade holandesa, notadamente liberal. Algumas regiões de Amsterdã, por exemplo, estão fechando coffee shops e se declarando “zona livre de maconha” por conta de malefícios relacionados ao turismo, enquanto em outras regiões é possível que se fume um baseado caminhando em um parque ao ar livre. Nos últimos meses, o governo holandês tentou barrar a compra de maconha por turistas, mas a iniciativa foi vetada no Congresso. O futuro próximo da legislação de drogas na Holanda é incerto.
O cidadão espanhol tem o direito do plantio caseiro. No entanto, o que a legislação diz é que o cultivo deve ser exclusivo para consumo próprio, do contrário o indivíduo pode ser acusado de tráfico e outros crimes que levam a penas elevadas. O problema está nos critérios dessa penalização. Segundo especialistas espanhóis, a jurisprudência aponta para a liberação de 1 a 3 plantas. Contudo, outras medidas podem ser tomadas se o processo judicial for levado adiante. Pode se solicitar até mesmo exame de sangue do cultivador, por exemplo. A polícia pode, também, levar as plantas e destruí-las. Nestes casos, não existe a chamada presunção de inocência. Se denunciado, quem tem de provar que as plantas são para cultivo próprio é o cidadão. A outra opção é se associar a um Club Social de Cannabis, cooperativas legais de plantio. Nos clubes, a pessoa se registra e passa a fazer parte daquela associação de plantadores. Pode haver o pagamento de uma mensalidade, por exemplo, mas o dinheiro só é usado para a manutenção do clube e do plantio, além de pagamento de impostos. Não é permitida a venda e nem o lucro com a maconha. Esse modelo é tido por muitos como principal referência, pois regula a produção e legaliza o uso de uma maneira a não inserir a maconha em um mercado, sem as mazelas que podem ser geradas a partir de uma inserção do produto maconha em um sistema capitalista de consumo, como é o caso do álcool e do tabaco. No final de 2013, o governo federal de Mariano Rajoy apresentou o projeto de Lei para a Proteção da Segurança Cidadã. Neste, aumentam-se penas a quem consome maconha em público e se estabelecem multas de até 30 mil euros para plantações. O projeto é de oposição à regulamentação atual e, mais uma vez, reacendeu o debate sobre a legalização em território espanhol.
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Consumo medicinal – 23 estados regulam o consumo para uso medicinal. Os limites de posse e de plantio variam de estado para estado. Em Nova Jersey, é possível portar até 45 gramas de maconha, enquanto no Alasca o limite é de 20 gramas. A maioria destes estados também permite o cultivo caseiro, em limites que vão de 2 até 15 plantas. Desde 1996 a Califórnia regula o uso da maconha para fins medicinais, atualmente aceitos em dez estados. Para comprar, os usuários devem se registrar como consumidores e obter prescrições médicas que podem ser destinadas desde tratamento de câncer até insônias e dores de cabeça. O uso medicinal, como na Califórnia, também é legalizado em países como o Canadá, República Tcheca e Israel. Consumo recreativo – Os estados de Colorado e Washington já aprovaram a comercialização para fins recreativos, enquanto outros, como Nova Iorque, pretendem realizar plebiscitos para definir se legalizam esta modalidade. No Colorado, após aprovação da Emenda 64, de iniciativa popular, a maconha é vendida em estabelecimentos específicos, não é preciso registro do usuário, mas os impostos e taxas que incidem sobre os comerciantes são considerados altos. As regulamentações sobre a maconha são similares às das bebidas alcoólicas, tanto no comércio quanto no consumo: não é permitido fumar e dirigir, nem fumar em público, por exemplo. Nos EUA, um dos maiores argumentos em relação à comercialização da maconha são, justamente, os benefícios financeiros advindos da regulação deste mercado. O Departamento de Finanças do Colorado apontou uma receita de mais de US$ 14 milhões em vendas de cannabis, sendo em torno de US$ 2 milhões destinados ao recolhimento de impostos somente no primeiro mês. A venda em Washington deve iniciar nos próximos meses.
por Marcus Pereira // colaboração e foto: Leandro Hein Rodrig ues
“Com licença, queres comprar um livro de poesia?”, pergunta entre as mesas da cafeteria o homem de 56 anos, olhos atentos atrás dos óculos, cabeça meio calva, meio grisalha, barba por fazer, roupas confortáveis, sotaque pelotense, personalidade expansiva, Alberto Liberato Dias. “Tenho poesias de vários tipos: religiosa, promíscua, pederasta etc”, brinca, gargalhando uma risada um tanto irônica, enquanto os clientes se dividem entre interessados, ofendidos ou indiferentes. “São poemas de autores clássicos, traduzidos diretamente do grego e do latim, através do método estruturalista”, insiste, numa última tentativa de persuadir os freqüentadores do café – que, em geral, exibem toda a sua erudição no modo como seguram a xícara, nas roupas de grife, nas palavras escolhidas minuciosamente para destratar os garçons e, claro, na rispidez com que dizem “não” ao vendedor de livros. A intelligentsia burguesa – como se refere Alberto – atrapalha as vendas, pois parece que os cidadãos escolarizados que bebem café ali estão mais interessados nas novidades da tecnologia, nos debates das redes sociais, na programação da TV, nos best sellers, nos blockbusters... do que nos temas e autores clássicos. Além disso, insultam o trabalho alheio antes de ignorá-lo: “Em geral, esses ‘intelectuais’ pressupõem algo a partir do título e fazem algum comentário desairoso”, revela o pelotense. Por outro lado, eventualmente, alguém se interessa pelas obras escritas, traduzidas e editadas pelo próprio vendedor e – depois de lhe comprovar o conhecimento – compram-lhe alguns exemplares. Alberto já foi comunista e petista, mas, hoje, se considera um anarquista. Também já foi artista plástico e dramaturgo, mas, hoje, se dedica aos estudos de teologia – sendo a bíblia o seu principal objeto de pesquisa. Para tanto, se vale de métodos científicos de várias disciplinas, como a Psicologia, a História, a Linguística etc. Sua obra mais importante sobre o tema se intitula “Tratado de Demonologia”, o que, segundo o pesquisador, rendeu-lhe uma indicação da Igreja Católica para fazer parte de um grupo que traduziria o livro sagrado dos cristãos.
No entanto, seu nome foi boicotado por uma ala conservadora da Igreja, o jesuitismo. De qualquer forma, continua se empenhando nas investigações teológicas: primeiro reúne o máximo de fontes e referências bibliográficas possíveis, em papel. Depois, faz uma série de anotações e marcações. Por fim, escreve, revisa, escreve, revisa, escreve, revisa. Tal rotina começa às 8h e se estende até às 15h. Depois, sai às ruas, universidades, bares e cafés para vender suas obras, onde cansa seu sorriso aos poucos, a cada vez que se mantém simpático aos clientes, a cada vez que exercita a eloquência para convencer os outros do valor do seu trabalho. Os livros custam, em média, cinco reais – valor que lhe garante a sobrevivência apertada. Os preços acessíveis servem a um propósito: popularizar e revolucionar a teologia. Alberto defende que os preceitos teológicos clássicos – formulados principalmente por teólogos da Igreja Católica, durante a Idade Média – sejam revisados, corrigidos e refundamentados com base nas ciências modernas. Feita tal revolução, os estudos surgidos daí deveriam ser disseminados entre a maioria da população, ou seja, os mais pobres. “Meu trabalho cumpre o papel de popularização, porque é vendido barato, mas não tem força suficiente para revolucionar a teologia”, avalia de maneira realista. A defesa dessas idéias lhe rendeu algumas inimizades dentro da Igreja Católica.
Outro eixo de pesquisa de Alberto diz respeito à macumba – uma prática de magia negra, afirma inequívoco, da qual inclusive já participou. Ele não só denuncia os malefícios desse ato religioso, como também não tem dúvida de que foi afetado por um “trabalho” encomendado para lhe prejudicar a vida amorosa. “Escrevi alguns artigos científicos e uma peça de teatro alertando sobre os perigos da magia negra. E, com isso, fiz muitos inimigos em alguns terreiros. Tenho certeza de que fizeram um trabalho para mim, porque, desde então, nenhum dos meus relacionamentos dá certo”, comenta. As críticas a algumas religiões afro-brasileiras lhe proporcionaram mais algumas inimizades. De qualquer forma, Alberto Liberato continua estudando, pesquisando, traduzindo e escrevendo suas obras. Todos os dias, a mesma rotina: labor intelectual de manhã e, à tarde, o “com licença, queres comprar um livro de poesia?”. Eventualmente, alguém se interessa pelas obras e – depois de comprovar o conhecimento do autor – compram-lhe alguns exemplares.
setembro 2014 #28
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CRUZANDO CHECKPOINTS A larga fronteira para os palestinos que trabalham em Israel por Gabriela Korman, de Beit Sahur, Cisjordânia
Foto: Plínio Zuni
A
s luzes ofuscantes das torres, os corredores estreitos cercados por barras de metal e o cinza esmagador por todos os lados podem fazer um visitante desinformado pensar que está entrando ou saindo de uma prisão. Isso não é uma coincidência. Checkpoints parecem ser projetados para fazer você se sentir indesejado, no lugar errado, como um criminoso tentando escapar para a terra prometida.
Nos dois maiores checkpoints da região - Qalandiya, no caminho entre Ramallah e Jerusalém e o Checkpoint 300, entre Belém e Jerusalém - a mensagem de intimidação para aqueles que cruzam o lado israelense está impregnada no ar: você não é bem-vindo. A partir da década de 1990, especialmente com a violência associada à segunda Intifada (2000-2005), tabare.net
Israel criou centenas de barreiras nas estradas e checkpoints - postos de controle fronteiriços. A maioria das restrições de movimento foram introduzidas como medidas temporárias para conter a violência palestina. O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), em relatório de 2013, indicouque a maioria destas restrições se manteve mesmo após a melhora das questões relativas à segurança e após a cooperação
entre a Autoridade Nacional Palestina e o governo de Israel. Além disso, houve mudanças nas táticas de resistência palestina na Cisjordânia, hoje concentradas em greves de fome dos prisioneiros e em resistência não violenta em vilarejos como os de Budrus e Al Twani. Segundo o jornalista israelense Noam Sheizaf, antes da última ofensiva em Gaza deste ano, a situação na Cisjordânia estava “relativamente calma”. O objetivo da política da Autoridade Nacional Palestina em coordenação com Israel era prever ataques a israelenses, política que atingiu seu auge em 2012, ano em que nenhum israelense foi morto na Cisjordânia. Essa foi a era da chamada “ocupação barata” – quando a Autoridade Nacional Palestina era financiada pelos Estados Unidos e União Europeia, sendo Israel a maior beneficiada por isso. Qalandiya está 10 quilômetros ao norte de Jerusalém e separa o extremo sul de Ramallah do extremo norte de Jerusalém, composto pelos subúrbios árabes de Al-Ram e Beit Hanina, considerados território israelense. Entre 2005 e 2006, um Muro de Separação foi erguido entre o bairro árabe de Al-Ram, e em volta do checkpoint de Qalandiya, criando uma divisão física de 8 metros de altura entre a Cisjordânia e Israel. Em 2006, Qalandiya se tornou uma das dez barreiras oficiais de passagem para dois milhões de palestinos. O Exército de Israel denominou Qalandiya como um terminal. De acordo com pesquisa da OCHA, em 2011 os palestinos viviam com 522 restrições de movimento, incluindo bloqueios de estradas e checkpoints, comparado com 503 no ano anterior. Duzentos mil palestinos são obrigados a viajar distâncias de duas a cinco vezes maiores do que em condições normais por conta destas restrições. Além disso, 2,4 milhões de pessoas na Cisjordânia lidam com empecilhos diários de circulação. Os trabalhadores palestinos com permissão de trabalho no território israelense são um dos grupos mais afetados pelas restrições de movimento causadas pelos checkpoints. De acordo com a ONG israelense Kav LaOved (Linha Direta do Trabalhador), em torno de 28 mil palestinos da Cisjordânia tinham visto de trabalho em Israel no final de 2013. As áreas predominantes de atuação são na construção civil e agricultura, atividades econômicas que a maioria dos cidadãos israelenses rejeita devido à baixa remuneração. Obter um visto de trabalho é uma tarefa complicada - o aplicante deve ter mais de 28 anos, ser casado e com filhos, além de uma “ficha limpa”, ou seja, ele ou qualquer membro de sua família não podem nunca ter sido presos. O processo consome tempo e custa caro. Quando a permissão é concedida, ela é enviada ao escritório do Ministério do Trabalho da Autoridade Nacional Palestina que a entrega ao trabalhador. Entretanto, a real maratona começa após a concessão do visto. Os palestinos da Cisjordânia, que vivem em sua maioria a apenas alguns quilômetros de distância de seus locais de trabalho em Israel, passam horas se deslocando por conta dos checkpoints e barreiras. O seu visto geralmente tem um prazo - o trabalhador deve cruzar o checkpoint em um número limitado
de horas. Do contrário, ele não terá autorização para passar e, consequentemente, não poderá trabalhar naquele dia. Para que situações assim não aconteçam, os palestinos precisaram se adaptar: um trajeto que, em condições normais, levaria uma hora para percorrer, acaba levando duas, três horas. O dia começa muito cedo. Às 5 da manhã, no Checkpoint 300 e em Qalandyia, a cena se repete diariamente. Centenas de trabalhadores descem correndo de ônibus e vans em direção à entrada dos checkpoints, na esperança de pegar uma fila um pouco menor. Os atrasados, que estão com o prazo de passagem prestes a expirar, contam com a empatia dos colegas para que possam passar na frente. O espaço entre as grades é tão pequeno que muitos se penduram na chance de conseguir um lugar melhor. Antes de o sol nascer, centenas de homens ficam de joelhos no concreto para a reza matinal. Mohamed tem 48 anos e cruza Qalandiya todos os dias às 5h30 da manhã. Trabalhando como eletricista na construção civil em Jerusalém, ele sustenta sua esposa grávida e mais sete filhos que vivem em Jenin. “Não havia trabalho em Jenin, então vim para cá”, diz. Ele mora em Ramallah com outros seis homens em um apartamento de 100 metros quadrados. De vez em quando pode visitar a família nos finais de semana. “Antes do Muro, era mais simples. Agora é tudo complicado”, conta. De acordo com o Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e em Israel (PAEPI/EAPPI) que, entre outras atividades, monitora o fluxo dos principais checkpoints na Cisjordânia, 1600 pessoas cruzam Qalandiya entre 4h30 e 7h30 da manhã, horários de pico. O Estado de Exceção que o Muro de Separação e a ocupação mantêm nos territórios palestinos sufocou o desenvolvimento da economia local, acarretando o surgimento de uma economia informal junto aos checkpoints. Palestinos dos dois lados do Muro tiveram de encontrar alternativas para manter suas famílias. É comum encontrar diversas tendas ali vendendo chá, café e lanches aos apressados trabalhadores. De domingo a quinta-feira, Ameen Jebreen, de 33 anos, acorda às 3h da manhã para trabalhar no Checkpoint 300 em Beit Jala, ao lado de Belém. Ele mora em Tekoa, vilarejo localizado 12 km ao sul de Belém. Quando o fluxo de pessoas indo para o trabalho diminui, em torno das 9h da manhã, ele volta para casa. “Minha noite é meu dia e meu dia é minha noite”, diz. Ameen gostaria de trabalhar do outro lado do checkpoint, em Jerusalém, mas não pode. “Os que têm visto de trabalho são pessoas de muita sorte”, diz, ao servir seus clientes.
Muro, a economia informal proporcionada pelos checkpoints é o único meio de sobrevivência. Anuan Abusama, sociólogo formado pela Universidade de Belém, trabalha como taxista no lado israelense do Muro. Nascido em Belém, tornou-se jerusalemita ao casar trinta anos atrás. De acordo com Anuan, mesmo com status de residente israelense, é impossível encontrar um emprego no meio acadêmico. “As universidades de Jerusalém preferem os israelenses judeus. Eu desisti de encontrar um emprego como professor há muitos anos”, conta. Quando o Muro foi construído, em 2002, ele começou a trabalhar como taxista ao lado de Qalandiya, levando os trabalhadores que acabam de atravessar o checkpoint a seus locais de trabalho. A viagem a Jerusalém custa 50 shekels (R$ 32,70). Já a Tel Aviv, 300 NIS (R$ 196,20). “Consigo o suficiente para viver. Preferia trabalhar como professor na Universidade de Belém, mas se nos mudarmos para a Cisjordânia por mais de seis anos, perdermos o direito de voltar a Jerusalém. A família de minha mulher vive lá, não podemos fazer isso”, explica.
Qalandiya: uma porta para o mundo Antigamente, Qalandiya era um pequeno vilarejo localizado na estrada entre Ramallah e Jerusalém. Hoje, em torno de mil pessoas vivem na região. Além disso, Qalandiya também era um aeroporto. Em um curto período de tempo nos anos 30, ali se encontrava o único aeroporto ativo durante o Mandato Britânico na Palestina usado pelos militares ingleses. Era também o único aeroporto nos territórios controlados pela Jordânia. Na década de 1950, Qalandiya foi renomeada e passou a chamar-se Aeroporto de Jerusalém, tornando-se um aeroporto civil, sob controle jordaniano. Em 1967, com a Guerra dos Seis Dias, Qalandiya foi anexada a Israel e passou a fazer parte da cidade de Jerusalém. Em 1969, Israel reabriu o local como aeroporto doméstico com o nome de Atarot. Com a explosão da Segunda Intifada, o aeroporto foi fechado em outubro de 2000 e transformado em base militar. Durante as negociações de Camp David, os palestinos pretendiam construir ali um futuro aeroporto internacional. Como o aeroporto está do lado israelense do Muro de Separação, isso se tornou apenas um sonho. Se no passado, o Aeroporto de Jerusalém era uma possível “porta para o mundo” aos palestinos, hoje, o checkpoint de Qalandiya é no que ele se transformou.
Em 1999, Ameen foi preso por jogar pedras em soldados israelenses. Ele conta que, no mesmo dia, sem nenhum aviso prévio, uma escavadeira da administração civil israelense na Cisjordânia apareceu na propriedade de sua família para construir uma cerca elétrica em torno do assentamento judaico de Tekoa. Com 19 anos, Ameen passou dois anos preso, e, segundo relata, os dois primeiros meses sofreu tortura em uma sala de interrogatório. Para muitos palestinos que vivem do outro lado do setembro 2014 #28
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TABARÉ
Colar uma palavra limpa em cima, não deixa a coisa mais inteligente, sensível ou chic. Martino Piccinini