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As decadência dos governos petistas pautou entrevistas ao longo dos quatro anos de jornal. Símbolo de outros tempos do partido, o ex-governador Olívio Dutra, nas páginas da edição #24, admitia a falência de ideais da sua legenda e rogava por uma volta ao radicalismo dos primeiros anos. O sociólogo petista Emir Sader, por um outro lado, contemporizava as mudanças na verve petista e prezava pelo desenvolvimentismo de Lula e Dilma. Mas também alertava: “O estilo de Lula é avançar no espaço de menor resistência”. O que podemos ampliar para a atual gestão de Dilma que, refém do Congresso como nunca antes na história desse País, compõs um governo com Kátia Abreu como ministra da Agricultura, reduzindo direitos dos trabalhadores e propondo ajustes fiscais baseados na mais pura ideologia neoliberal. Enterrando de vez as raízes políticas do Partido dos Trabalhadores.
O Tabaré, A N O este jornal cambaleante mas persistente, chega aos quatro anos de existência assim mesmo: sobrevivendo com arte. E com saudades do Galeano, jornalista crítico que alertava que “mijam em nós e os jornais dizem: chove”. Nessa trajetória tabarenha, tentamos elucidar algumas das questões que mais aflingem nossa sociedade dizendo que, bem, era mijo mesmo. Mas como andaram esses grandes temas que tratamos ao longo destes anos? A composição do Congresso mais conservador da nossa jovem democracia compõe um certo cenário que achamos perigoso. Aqui trazemos alguns dos temas abordados por reportagens tabarenhas e como eles foram tratados em termos políticos pelos representantes eleitos do País nos últimos tempos.
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Em outubro passado, este jornal abordava um tema que, hoje, se tornou central: a proposta de redução da maioridade penal. O projeto já passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A reportagem do Tabaré foi até a Fase e conversou com familiares de adolescentes internados para conhecer a realidade em que vivem. Também trouxe dados importantes ao debate. Menos de 2% dos crimes hediondos são cometidos por menores de 18 anos. A reincidência no sistema penal é de 70%, enquanto que nas medidas socioeducativas é de 30%. Mais do que uma estagnação, o projeto demonstra que o cenário político atual é de retrocesso.
A violência abordada pelo seu viés social foi pauta recorrente nos quatro anos desta publicação. Matam meninos, reportagem da edição #5, nos idos de 2011, apontava o cenário que se agravou durante os anos: os homicídios de jovens pobres, majoritariamente negros, no Brasil. Jovens negros têm quase trêz vezes mais chance de serem assassinados no País. Neste espectro, a violência policial e institucional também foi discutida. A entrevista com Luiz Eduardo Soares (edição #14) lembrava do “genocídio dos jovens negros”, bem como a necessidade da “Aborto só vai para votação sobre desmilitarização da polícia. Na contramão dessas o meu cadáver” foram as palavras do presidente da Câmara, Eduardo Cunha pautas, a Bancada da Bala, ligada ao punitivismo (PMDB), sobre o projeto de legalização extremado e à indústria de armamentos, é do aborto em terras nacionais. Cunha uma das que mais cresceu no Congresso. é representante máximo da Bancada Evangélica, formada por nomes As questões da terra também nos instigaram. Das conhecidos como Marco Feliciano contradições do MST (edição #27) à luta indígena (PSC). Na edição de abril de 2012, a (entrevista com Viveiros de Castro, edição #17), reportagem de capa do Tabaré mostrava chegamos à última capa do jornal: os Latifúndios que, por ano, cerca de um milhão de Gaúchos. Não há dúvida de que a luta pela terra foi abortos são realizados no Brasil e, no uma das que mais se fragilizou nos últimos anos mundo, uma mulher morre a cada sete de governo: enquanto Dilma foi a presidenta que minutos por conta do procedimento menos demarcou terras indígenas nos últimos mal feito. De lá para cá, em torno de 30 anos, também foi a que menos avançou na três milhões de mulheres abortaram, questão da reforma agrária nas últimas duas enquanto 750 mil tiveram complicações décadas. A conhecida Bancada do Boi, composta graves por conta do procedimento por representantes do agronegócio, é uma das inseguro, só no Brasil. Todas sobre o cadáver dos nobres deputados. mais fortes do Congresso e, quem diria, uma das aliadas mais controversas do atual governo.
CHICO GUA Z ZELLI COORDENAÇ ÃO DE DISTRIBUIÇ ÃO: LE ANDRO RODRIGUES J ONA S LUNARDON COORDENAÇ ÃO GR ÁFIC A: J OHANNES KOLBERG EDITORES: G ABRIEL JACOBSEN E M ARCEL HARTM ANN RE VISOR: M ARCEL HARTM ANN COORDENAÇ ÃO DE JORNALISMO: COORDENAÇ ÃO COMERCIAL:
JADE KNORRE, LUIZ A BULHÕES OL MEDO, LUIZ A FRIT ZEN E NICHOL A S GHENO M ARTINO PICCININI DIAGR A M AÇ ÃO: DOUGL A S CORDOVA E J OHANNES KOLBERG C APA: J OHANNES KOLBERG TIR AGEM: 3 MIL E XEMPL ARES CONTATOS: COMERCIAL @TABARE.NE T / TABARE@TABARE.NE T / FACEBOOK .COM/J TABARE REPORTAGENS:
PROJETO GR ÁFICO:
PONTOS DE DISTRIBUIÇ ÃO: ANGLO VESTIBUL ARES (PR AÇ A J ÚLIO DE C A S TILHOS , 28) / ANTÔNIO VALE ( AVENIDA BENTO GONÇ ALVES , 9500, BLOCO 2, UFRGS) / BA MBOLETR A S - NOVA OL ARIA (RUA GENER AL LIM A E SILVA , 7 76) C A SA DE CULTUR A M ARIO QUINTANA (RUA DOS ANDR ADA S , 736) / COMITÊ L ATINO -A MERIC ANO (RUA VIEIR A DE C A S TRO, 133) / EL PA SITO GA STRONOMIA CONSCIENTE E CULTUR A (RUA J OSÉ DO PATROCÍNIO, 824) FABICO (RUA R A MIRO BARCELOS , 2705) / FA MECOS ( AVENIDA IPIR ANG A , 6681 - PRÉDIO 7) IA /UFRGS (RUA SENHOR DOS PA SSOS , 248) / OCIDENTE ( AVENIDA OS VALDO AR ANHA , 960) PAL AVR ARIA (RUA VA SCO DA G A M A , 165) / SAL A REDENÇ ÃO ( AVENIDA ENGENHEIRO LUIZ ENGLERT ) STUDIOCLIO (RUA J OSÉ DO PATROCÍNIO, 698) / UFRGS (C A MPUS AGRONOMIA , CENTRO E VALE)
Sem preconceito com o tema, o futebol também foi pauta no Tabaré. Na edição #10, de fevereiro de 2012, o jornal foi atrás dos coadjuvantes da industria futebolística: os jogadores desempregados ou que ganham menos do que o showbusiness televisionado. Assim, o Tabaré levantou uma pauta que somente ganharia força com o surgimento do Bom Senso FC, em novembro de 2013. O movimento que abalou (e ainda promete abalar) a estrutura arcaica do futebol brasileiro luta contra as desigualdades entre os grandes e pequenos e contra a má organização das federações do esporte. Através do Bom Senso, organizado tanto por jogadores importantes do futebol brasileiro como anônimos da bola, a pauta do futebol no cenário político se fortaleceu. Recentemente, Dilma assinou uma Medida Provisória que renegocia as dívidas dos clubes com a nação em troca de medidas mais rigorosas para os clubes. A MP tramita no Congreso onde, claro, enfrenta muita resistência.
C U LT U R A
texto e fotos por Jade Knorre
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ra para ser apenas uma matéria sobre a climatização dos teatros públicos em Porto Alegre. A falta de ar-condicionado é um grande problema tanto para atores, músicos e dançarinos, quanto para o público. No entanto, outras questões estruturais vieram à tona e se mostraram tão urgentes quanto. Dos quatro teatros municipais da capital, dois estão fechados para reformas, sem previsão de conclusão das obras. Nos três teatros estaduais, as obras estão previstas para 2015. Ao visitar cada um deles, constatamos que as estruturas públicas chegaram a uma situação limite: estão à mercê de intermináveis reformas, muitas vezes de baixa qualidade, para restaurar aquilo que poderia ter sido mantido em bom estado simplesmente com a manutenção adequada. TEATROS MUNICIPAIS E AS DIFICULDADES DE MANUTENÇÃO E INVESTIMENTO
O Teatro de Câmara Túlio Piva está fechado desde maio de 2014. A administração alega que as chuvas fortes causam grandes estragos, fazem surgir goteiras e problemas nas calhas. Além disso, é preciso arrumar a bilheteria, os banheiros e toda a estrutura em geral. Segundo a porta-voz da direção do local, Regina Freitas, essa decisão foi emergencial. “As coisas foram acontecendo e agora não dá mais, tivemos que fechar a casa para reforma”, diz. O Túlio Piva foi criado em 1970 utilizando um antigo depósito de carros como base para a construção. A estrutura seria usada apenas por cinco anos, visto que uma rua passaria pelo local. Mas o teatro acabou por cair no
gosto dos porto-alegrenses e está de pé até hoje – pelo menos enquanto a estrutura conseguir se sustentar. “Mantemos o teatro aberto para não acabar de vez”, dizem os técnicos Mirco Zanini e Alzemiro Fagundes, o Gazimba. Em 2013, o secretário da Cultura de Porto Alegre Roque Jacoby declarou que já tinha planos para o Teatro Túlio Piva: a demolição. Tal afirmação causou grande polêmica no meio artístico. Breno Ketser, coordenador de artes cênicas da Secretaria de Cultura de Porto Alegre, argumentou que a demolição realmente foi cogitada. Contudo, atualmente a ideia não é mais essa. Jacoby ainda sugeriu colocar em pauta a construção de um centro cultural na Cidade Baixa se o laudo técnico da Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV), responsável pela aprovação de projetos prediais e fiscalização das obras contratadas pela Prefeitura, indicar problemas estruturalmente graves no prédio. “Às vezes a gente fica remendando uma coisa. Mas será que não vale a pena derrubar o teatro e fazer um completamente novo? A gente não está com essa ideia agora, o teatro é muito bem localizado, as pessoas têm um carinho por ele. Mas é de se pensar”, comenta Ketser. A ideia de fazer uma parceria público-privada também não é descartada. Para o coordenador, se o contrato favorecer ambas as partes, existe a possibilidade de um novo centro cultural ser construído. Poucos sabem, mas a Usina do Gasômetro abriga o Teatro Elis Regina. Atualmente, está fechado ao público e é utilizado apenas para ensaios da OSPA, visto que suas obras não estão concluídas. Segundo o presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos tabare.net
de Espetáculos de Diversões do Rio Grande do Sul (SATED-RS), Fábio Cunha, o projeto aprovado por edital em 2001 teria ignorado características importantes do espaço, principalmente a sua multiplicidade. “Era um retângulo vazio para o qual a classe tinha uma visão de que seria uma arquitetura pós-modernista, no sentido de que a gente poderia formar qualquer tipo de teatro: palco italiano, arena, um corredor. Da maneira que ele ficou hoje, dificilmente se faz um espetáculo lá dentro”, afirma Cunha. Como contraponto, Breno Ketser diz que a escolha do projeto foi bem avaliada e que sempre haverá posicionamentos divergentes. O diretor da Usina do Gasômetro, Renato Wieniewski, alega que instalação do ar-condicionado para a sala está em andamento, mas as obras de camarim, platéia, rede elétrica do palco e outras aguardam recurso público ou captação externa. Apesar das dificuldades com o Teatro Elis, há uma novidade no terceiro andar Usina do Gasômetro: a Sala Rony Leal, primeira sala municipal pública dedicada à dança. O espaço, que traz em seu nome uma homenagem ao consagrado bailarino gaúcho Rony Leal, será utilizado principalmente para atividades do Centro de Dança, aulas do Grupo Experimental, ensaios da Companhia Municipal e oferecerá cursos e oficinas para a comunidade – além de estar aberto a propostas de outros grupos e projetos. O Teatro Renascença e a Sala Álvaro Moreyra, por integrarem o Centro Municipal de Cultura, estão em uma situação um pouco melhor – no final de 2014, algumas modificações foram executadas em função do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios
(PPCI), o que exigiu mudanças também nos teatros. O Renascença, especificamente, é um dos mais procurados para temporadas, principalmente por espetáculos com grande público. Ele apresenta alguns problemas estruturais, como a famosa revoada de cupins e o ar-condicionado antiquíssimo, mas ainda assim é um dos mais bem estruturados. Segundo Luciano Paim, diretor técnico dos teatros, foram comprados cinco aparelhos de ar-condicionado split novos, mas a empresa beneficiária da licitação não os forneceu e a Prefeitura cancelou o contrato. Pelo menos o conserto do sistema antigo foi feito. “Ainda é eficiente. Vamos manter o uso do ar-condicionado antigo”, acrescenta Paim. A sala Álvaro Moreyra também tem climatização e é um espaço que permite vários tipos de apresentações e diferentes formas de acomodar o público. TEATROS ESTADUAIS E A FALTA DE QUADRO TÉCNICO
Nos teatros estaduais, além da estrutura, a questão dos técnicos é preocupante. Na Casa de Cultura Mário Quintana, há pelo menos três funcionários para dar conta do Teatro Bruno Kiefer e da Sala Carlos Carvalho. Muito conhecido pelos artistas, o iluminador cênico e operador de áudio José Antônio Souza Carvalho, o Zé, trabalha desde 1996 como CC (cargo em comissão) no Teatro Bruno Kiefer, da Casa de Cultura Mário Quintana. Com a falta de técnicos, ele acumula um grande número de funções no teatro. “Trabalhavam mais três comigo há uns 10 anos, e aí a Yeda entrou e rapou. Eu atendia na técnica e vinha fazer borderô e portaria”, revela. Zé comenta ainda que por ser contratado como cargo em comissão, acaba exercendo a profissão sem alguns direitos trabalhistas, como por exemplo, limitação de carga horária diária de trabalho. Para o atual diretor da CCMQ, Emerson Martinez Fortes, e a coordenadora de projetos especiais da casa, Cida Pimentel, não faltam técnicos nos teatros. Segundo eles, são três profissionais responsáveis por duas salas e não são apresentados espetáculos simultaneamente nos dois espaços. Afirmam ainda que estão dentro das normas exigidas pelo SATEDRS e que estão negociando cursos gratuitos para atualização profissional para os técnicos da casa. Fábio Cunha, presidente do SATED-RS, assegura que a primeira reunião com a atual direção da CCMQ foi uma abertura de diálogo, mas continuam pendentes as questões trabalhistas. Segundo o sindicato, o certo seria ter um eletricista por teatro, dois técnicos de luz e dois técnicos de som trabalhando oito horas por dia. O grande problema é que o Estado não prevê técnicos de carreira. “Eles têm a casa, têm os teatros, mas não têm a função do técnico”, afirma Fábio. Na CCMQ, a primeira fase de reformas, depois de oito anos, finalmente foi finalizada e entregue solenemente dia 2 de dezembro de 2014. O projeto da segunda fase, que prevê reformas internas na casa, reparo de instalações elétricas e troca de
equipamento analógico por digital, está em estágio de readequação, visto que o apresentado pela gestão anterior foi indeferido pelo Ministério da Cultura. Segundo Emerson Martinez Fortes, o projeto será reajustado e reapresentado em maio deste ano. Outro teatro estatual com problemas é o Teatro de Arena, inaugurado em 1967, em plena ditadura militar, por um grupo de artistas independentes. O espaço foi reformado em 1991 e atualmente faz parte da Secretaria Estadual de Cultura, mas passa pelos mesmos empecilhos técnicos: conta com apenas um contratado como cargo em comissão para todas as atividades. A nova diretoria do teatro assumiu em março de 2015 e não quis dar entrevista. OUTROS ESPAÇOS CULTURAIS EM PORTO ALEGRE
Outros espaços poderiam ser usados para espetáculos, até mesmo para não desgastar as estruturas principais, evitando o uso excessivo de equipamentos. Mas isso acarretaria mais gastos ao Governo, mais técnicos e mais manutenções – sendo que hoje nem os teatros mais conhecidos têm essa estrutura disponível. O Teatro Glênio Peres, por exemplo, que fica na Câmara Municipal de Porto Alegre, sempre foi usado para palestras e seminários e tem estrutura boa de palco. Em função de pressão de artistas e do sindicato, o local disponibiliza desde 2014 editais para espetáculos de dança, música e circo. O Teatro Dante Barone, na Assembléia Legislativa, é mais utilizado para convenções, mas também tem estrutura para apresentações artísticas. Outros teatros disponíveis em Porto Alegre são o Auditório Araújo Vianna, que acabou abandonado e entrou para a lista das privatizações, o Theatro São Pedro, que se mantém em função de uma Fundação, onde infelizmente os grupos locais não conseguem pagar a diária, a não ser que tenham algum projeto aprovado na Lei de Incentivo à Cultura, o Teatro do Ipê, que continua fechado e sem perspectiva para reforma, ou ainda há casos como o do antigo prédio do Clube do Comércio, em frente à Praça da Alfândega, cedido para ser um Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, apesar de suas obras nunca terem sido iniciadas. CLASSE ARTÍSTICA: TEMPORADAS CURTAS E INVESTIMENTOS NÃO RECOMPENSADOS
Teatros sem estrutura, sem climatização, sem equipamentos. Revoada de cupins no teatro Renascença, fechamento do Teatro Túlio Piva, falta de concursos para operadores de luz e áudio na
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CCMQ e no Teatro de Arena. Apesar de todas essas “faltas”, a arte está sempre pronta para subir no palco com os atores, os bailarinos, os músicos. Eles sofrem com cada teatro fechado, pois isso significa um lugar a menos para mostrar o seu trabalho e redução nas temporadas de apresentação. “Tu montas um espetáculo, ensaia quatro, cinco, seis meses e não apresenta nem um mês! Eu acho isso uma coisa horrorosa”, comenta a atriz e atual conselheira fiscal do SATED-RS, Rosa Campos Velho. A atriz e produtora Patsy Cecato deixa claro que há muito investimento na produção dos espetáculos e que essa instabilidade nos locais de apresentação causa uma forte instabilidade profissional também. “Investimento que nunca é ressarcido”, afirma. O problema a ser resolvido é a grande quantidade de grupos de teatro e a quantidade pequena de espaços para os espetáculos. Na tentativa de dar oportunidade para todos apresentarem, os departamentos de cultura do Estado e do Município acabam dividindo o cronograma dos teatros públicos e diminuindo as temporadas. Breno Ketser comenta que devido aos teatros públicos serem subsidiados a procura é muito grande por datas. A avaliação que define a duração temporada depende do tipo de apresentação e a quantidade de público estimada, o que gera descontentamento por parte dos artistas. Para o músico e ator Antônio Carlos Falcão, quem deve saber se a peça tem público é a companhia de arte. “Quem sabe a dor e a delícia de ser o que é, é o grupo. O grupo que vai procurar o apoio, o incentivo na mídia. Por isso também essa batalha pela mídia aberta, institucional, como a TVE, por exemplo, com a qual a gente conta mais” argumenta Falcão. O ator complementa dizendo que a burocracia institucionalizada é outra dificuldade encontrada durante o processo. Nos governos estadual e municipal, alguns defendem a parceria público-privada ou a total privatização dos espaços. Outros acham que bastaria vontade e comprometimento com a arte. A questão é que as gestões públicas se alternam, mas os teatros seguem entregues ao tempo e ao desgaste. A fim de evitar a derrocada desses prédios públicos, a solução pode estar no investimento em manutenção, nos seus quadros técnicos, além do compromisso e seriedade com a arte, tanto por parte dos próprios artistas e entidades da classe, quanto das secretarias responsáveis pelo fomento e desenvolvimento da cultura na cidade e no estado.
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E N T R E V I S TA
Daniel Galera detalha sua trajetória de escritor e fala da “tensão apocalíptica” do século XXI por Marcus Meneghetti colaborou: Gabriel Jacobsen
– Oi, quem é? – pergunta a voz do escritor Daniel Galera no interfone. – É o Marcus, repórter do Jornal Tabaré. Vim para a entrevista. – Ah, sim. Estou descendo para abrir. Ele chega e subimos – eu, o fotógrafo e ele – até o seu apartamento. Antes de entrar, adverte: “tenho um cachorro; ele vai latir quando entrarmos; mas ele não morde”. Depois de o cão protestar contra a nossa presença, acompanha o Galera em todos os movimentos. Enquanto o escritor passa um café na cozinha, o cachorro se mantém ao seu lado. Inevitável pensar no Churras e na Beta, dois cachorros que acompanham os protagonistas dos livros Até o Dia em que o Cão Morreu (2003) e Barba Ensopada de Sangue (2012). Me pergunto se aquele cachorro ao lado do Galera inspirou os animais da sua obra. Embora concorde que é insuficiente explicar a obra dum autor apenas encontrando os pontos de confluência – o que é mais importante: o autor ou a obra? – fico curioso. Afinal... Daniel Galera é um dos poucos escritores que consegue viver de literatura – o que sempre foi um feito hercúleo no Brasil. Poucos conseguiram tal façanha: Rubem Fonseca (que, segundo o Flávio Tavares, começou a escrever ficção quando era auxiliar do General Golbery, no Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), Érico Veríssimo (que, embora tivesse uma produção literária bastante profícua, também escreveu cartilhas para campanhas de saúde do governo); e Aluísio de Azevedo (que, depois de entrar para o funcionalismo público, nunca mais escreveu uma linha). Tento encontrar algum ponto em comum entre esses três autores e o Galera (que, antes de viver dos seus livros, trabalhou como tradutor, diagramador, etc) mas não encontro. Será que ele, o Daniel Galera, sabe por que seus livros sensibilizam tanto as pessoas? Enquanto o café não fica pronto, conversamos informalmente sobre sua trajetória: o que fazia antes de escrever (Publicidade e Propaganda, tradução, etc); projetos anteriores (como o CardosOnline, uma espécie de revista literária enviada por e-mail, nos anos 2000); os primeiros textos de ficção (editados por uma editora da qual foi sócio, a Livros do Mal); os prêmios literários (por exemplo, o Prêmio São Paulo de Literatura, em 2013, com o Barba Ensopada de Sangue). Também falamos sobre uma certa “tensão” característica do século XXI, algo que ele relaciona com algum tipo de apocalipse, o que explicou melhor ao longo da entrevista. Mas, antes de ligar o gravador, ainda na cozinha, menciona que começou escrever por causa de uma “vontade profunda de se expressar”, o que me chama atenção. Por isso, quando sentamos na sala – gravador ligado, xícaras de café nas mãos, o cão rondando o recinto – lembro-o que... você mencionou que escrevia por causa de uma “vontade profunda de se expressar”. Isso é a mesma coisa que inspiração? Inspiração existe? Não gosto da palavra “inspiração”. Prefere “vontade profunda de se expressar”? Também não é uma boa expressão. O que é a “vontade profunda de se expressar”? Acho que é uma ansiedade de certas pessoas com intenção de compartilhar visões de mundo para além do que a linguagem do cotidiano permite. Existem pessoas que conseguem compartilhar sua visão de mundo nas instâncias do dia-a-dia, conversando, falando da família, indo para o bar com os amigos, escrevendo para um jornal. Mas tem pessoas que não conseguem. E, a princípio, acho que são essas que buscam formas alternativas de dividir seus pontos de vista, de uma maneira mais complexa do que o cotidiano permite. Hoje, olhando para trás, vejo que, quando era adolescente, estava constantemente procurando por isso. Embora tivesse amigos, embora
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fotos por Gabriel Jacobsen
fosse mais ou menos sociável, era introspectivo, calado. Sempre senti um déficit na capacidade de me expressar nas relações sociais cotidianas. Por isso, busquei aprender a desenhar, pintar, compor músicas... um monte de coisas que meio que deram errado. Só senti claramente que a comunicação que eu buscava estava acontecendo, quando comecei a escrever contos, mostrar para algumas pessoas, publicar na internet. Então, não tem a ver com inspiração... Não é inspiração. Tinha uma falta de meios para compartilhar o que sentia que era meu mundo interior e, talvez, um excesso de capacidade de me colocar no lugar dos outros. Não sabia o que fazer com isso até descobrir a escrita. A escrita resolveu isso, independente do quão bem sucedido comercialmente vou ser. Na época em que escrevia alguns contos e mostrava para os amigos, isso já estava resolvido. Claro, depois disso, comecei a pensar em viver disso, me tornar um escritor profissional, pensar em meios de fazer meus livros acontecerem. Tem um componente de vaidade nisso que não é desprezível. Mas é o conjunto de fatores que me fez começar a escrever. Como funciona o “componente de vaidade”? Sem algum tipo de vaidade, no sentido de querer ser reconhecido, de colher algum tipo de recompensa pelo o que você faz, não se tem a disposição, a insistência e a perseverança necessária para continuar escrevendo – por mais que você pretenda ter uma carreira. A vaidade em excesso com certeza é um problema. Mas existe uma dose que é quase um pré-requisito para tocar, na verdade, qualquer tipo de projeto. Os escritores não são exceção nisso. A vaidade nos permite – às vezes secretamente, intimamente – fazer essa projeção heróica de que vou conseguir
fazer o romance que desejo, mesmo quando todas as coisas apontam para o contrário. O que você quer compartilhar nos seus livros hoje? O que me interessa é encontrar maneiras de representar por meio da ficção o que significa estar vivo hoje. Isso pressupõe incluir idéias da filosofia, da história, da experiência pessoal... O que significa viver hoje? Como isso aparece na sua obra? Eu vou dar um exemplo. Em 1999, se falava na “tensão pré-milênio”. Tinha o bug do milênio... Nostradamus e o fim do mundo... É, e não aconteceu nada. O Ano 2000 foi normal. Depois, veio 2001 e aconteceu o atentado de 11 de setembro. Agora, a partir de 2010, parece que essa tensão apocalíptica está finalmente se concretizando – embora não seja anunciada, porque não há uma data simbólica como a virada do milênio. De qualquer forma, as pessoas vivem cada vez mais aceleradas. A gente tem a sensação de que, seja pelo excesso de informação trazida pela vida digital, seja pelo capitalismo, estamos descendo uma ladeira de ruídos, de fragmentos – em direção a um tipo de catástrofe ou mudança radical que ninguém sabe dizer o que é. Ninguém sabe como evitar, ninguém sabe se deve ser evitado, ninguém sabe se deve ser incentivado. Acho que isso define o sentimento contemporâneo. Com a vida virtual, por exemplo, o passado tem se tornado um grande arquivo sem cronologia, sem causa e efeito. Na internet, no Wikipédia, a gente pode saber o que aconteceu em todos os momentos históricos da humanidade, mas não tem o contexto. E o futuro é uma coisa imponderável, ninguém está muito preocupado. Você acha que essa “ladeira de ruídos e Maio 2015 . #31
fragmentos” deve ser evitada ou incentivada? Não sei. Estou pensando nisso atualmente. Todo esse conjunto de problemas, situações, idéias, teorias... tem criado não aquela tensão pré-milênio, mas uma tensão apocalíptica mesmo. Talvez seja a realização daquela anunciação que se falava no final dos anos 1990. A nossa geração é marcada por isso. É nisso que acho legal pensar, desde a atividade política que tomou as ruas do Brasil nos últimos dois anos, até a discussão de gêneros. E, claro, o tipo de literatura que se tem feito sobre isso. Todas essas questões estão ligadas a uma espécie de atomização das formas tradicionais de viver e pensar, o que precede uma espécie de apocalipse que a gente intui que está perto, mas que também pode não acontecer. De qualquer forma, a sensação difusa gerada por esse contexto é muito forte, muito definidora da nossa geração. Diferentes pessoas, diferentes intelectuais, diferentes escritores dão nomes e fazem propostas em relação a isso. Então, é isso que me interessa agora. Quais são os os intelectuais, os escritores que tratam desse tema? Quais você tem lido? Tenho lido, por exemplo, livros que tratam de antropoceno, que é a ideia sobre como o homem se tornou um elemento geológico. A distinção entre ser humano e planeta Terra com qual a gente interage acabou. A gente é um dos elementos que está formando o próprio planeta e não valemos nem mais, nem menos que uma floresta que foi extinta, que qualquer animal que foi extinto. Embora a maioria das pessoas talvez não pense nisso nesses termos, no dia-a-dia, convivem com esse tipo de idéia, seja pela cultura popular, seja pelo noticiário. Tenho me interessado por isso: em entender e, se tudo der certo, em representar nos livros de ficção como isso atinge os indivíduos. 7
DANIEL GALERA E você acredita que entende o que está acontecendo? Talvez, se tivesse me dedicado a outra carreira, escreveria um livro de teoria sobre isso. Mas não sou esse cara. Sou o cara que talvez consiga escrever um romance que, no futuro, poderá mostrar como as pessoas estavam se sentindo naquela época. É isso que sou capaz de escrever, se é que sou capaz de fazer alguma coisa nesse mundo ao qual dedico meu foco. Para mim, ser escritor está relacionado a essa busca. E a busca se renova à medida que a sociedade se transforma. E, claro, estou exposto a isso. Os acontecimentos políticos do Brasil – como os protestos de junho de 2013 – influenciaram sua escrita? Totalmente, não há quem tenha passado incólume aos acontecimentos no Brasil, de 2013 para cá, independentemente do que faça. O livro novo que estou escrevendo não é sobre os protestos de junho, mas vai fazer parte da história. Enfim, não tem como escrever literatura contemporânea realista fazendo uma vista grossa para acontecimentos políticos e históricos desse tipo. Esses fatos têm que aparecer nem que seja de maneira circunstancial. Então, claro, certamente essas coisas acabam indo para a minha literatura. Tento evitar tratar esses acontecimentos simplesmente para ilustrar teses, seja da direita, da esquerda, do centro, dos independentes, dos anarquistas. Tento virar elas de lado, talvez mostrar um aspecto provocador ou ambíguo, o que, como colunista de jornal ou militante, não poderia fazer. Para a ficção, é mais interessante nublar um pouco as distinções que fazem sentido na discussão política. Quando começa a entrar em zonas em que as distinções seguras de ideologias já não são muito precisas, aí o texto alcança um tipo de tensão verdadeiramente perturbadora que só a literatura pode explorar. É isso que me interessa. Tenho minhas posições, mas não sou um cara que vai trazer muitas coisas novas para os debates, porque não é meu perfil. Nesse campo, acho que há outras pessoas mais qualificadas. Posso contribuir, três anos depois, com um conto, um romance, uma história que talvez traga outras perturbações mais existenciais, filosóficas para o mesmo assunto. Do meu ponto de vista de leitor, dois elementos me pareceram recorrentes nos seus livros: uma atmosfera melancólica e personagens conformados, por assim dizer, com situações aparentemente sem sentido, vazias... Tu tá pensando no... Até o Dia em que o Cão Morreu é um livro que tem um personagem que se apaixona pela própria apatia. Ele tem uma paixão narcísica pela sua apatia e inatividade, acha que tem alguma coisa realmente nobre em não fazer parte... Acho que, no Barba Ensopada de Sangue, também aparecem esses elementos em vários momentos. O Barba pode ter alguma semelhança, mas também é muito diferente, porque o personagem é o oposto da figura intelectualizada do protagonista do Até o Dia em que o Cão Morreu, que é um cara formado em Letras, que tem justificativas intelectuais para o que ele decide ou não fazer. A gente percebe que ele pensou antes de colocar-se propositalmente fora do mercado de trabalho, que pensou antes de aceitar o fato de que viver da grana do pai não é um grande problema. Ele decidiu isso intelectualmente. O personagem do Barba Ensopada de Sangue jamais pensaria nesses termos. Ele é um ser mais animal mesmo, um cara que responde a estímulos mais básicos. Ele tem visões de mundo complexas, mas
não elabora numa linguagem intelectual que a gente possa reconhecer. Ele vive as coisas e reage muito espontaneamente a elas. Então, o leitor que tem uma bagagem intelectual, poderia até pensar: “Pô, esse cara tem uma visão de mundo determinista”. Mas, ele próprio nunca pensaria nesses termos, enquanto o personagem do Até o Dia em que o Cão Morreu, sim, pensaria nesses termos. Ele diria a si mesmo: “sou um niilista, tenho uma visão de mundo determinista”. Essa é uma distinção importante. O que você e seus personagens têm em comum? Você partilha ou partilhou da visão de mundo deles? Em todos os meus livros, a visão de mundo dos protagonistas e de alguns personagens secundários são, pelo menos, visões de mundo que me interessaram na época em que estava escrevendo. Talvez, tenha até mergulhado em algumas delas por um tempo. Se tu pegar o Até o Dia em que o Cão Morreu, por exemplo, é um livro fictício, nada daquilo aconteceu, não é autobiográfico. Mas aquele quase-niilismo do protagonista era uma ideia que eu tinha comigo naquela época. Aquele personagem é quase como uma projeção de uma pessoa que eu poderia ser, ou poderia ter me tornado se tivesse feito determinadas escolhas que eu não queria fazer, que preferia não fazer, porque as achava ruins. Embora fosse um personagem que, para os meus olhos, era desagradável, ao mesmo tempo, ele não era tão diferente de mim porque era uma versão possível de mim mesmo. Não seria muito difícil eu virar aquele cara. Acho que estava escrevendo esse livro num momento que em dei conta desses problemas, em que pensei sobre eles, em que li coisas sobre eles, em que falei desses problemas com meus amigos, em que observei a vida dos meus amigos e vi problemas semelhantes. Aí, consegui imaginar a história do livro. Mas as questões vão mudando de livro para livro e nenhuma delas é uma posição, uma visão de mundo que eu adote como definitiva. Não tenho uma, estou muito indeciso nisso. Você vive de escrever hoje? Dá para dizer que sim. Principalmente depois da publicação do Barba Ensopada de Sangue, é correto dizer que eu vivo dos meus livros, não só de direitos autorais, mas dos livros. Os 10% de direito autoral nunca é suficiente. A tiragem média dos autores brasileiros contemporâneos não permite que eles vivam de direitos autorais. Muito recentemente, passei a ser considerado um cara que vende muito. E tabare.net
eu próprio não vivo só dos livros vendidos. Também ganho dinheiro quando vendo direitos de livros no exterior, quando vendo direitos para o cinema, quando participo dos eventos literários, quando dou uma oficina, quando escrevo para um jornal ou revista – e só sou convidado por causa do nome que tenho por causa dos livros. Se juntar todo esse dinheiro, vivo do meu dinheiro agora. Não preciso mais, por exemplo, traduzir para pagar as contas. Precisava até dois anos atrás. Então, é uma emancipação para um autor, o que é uma coisa muito difícil de conseguir, não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo. Sou um dos poucos autores da minha geração que pode se dar o luxo de, pelo menos agora, por um ano, só escrever, porque vive dos livros. Por que você acha que é tão lido, a ponto de conseguir viver disso? Quero acreditar que é porque meus livros são bons para um tipo variado de público. O que significa os livros serem bons? Não há uma resposta boa, porque tem muita literatura boa que não vende. Você é pop? Sei que algumas pessoas me veem dessa maneira por motivos variados, mas eu não me vejo assim. Não gosto do termo “pop” porque, para mim, remete a um tipo de performance cultural na qual não estou interessado. As pessoas podem ler meus livros e até pensar: "isso tem um apelo popular". Beleza. Mas posso garantir que, no meu momento de escrita, isso não é uma questão. Quando mandei o primeiro manuscrito do Barba Ensopada de Sangue para o meu editor, ele disse que tinha gostado muito, mas eu não fazia ideia se o livro iria interessar a mais alguém além de mim. Em nenhum momento, pensei: “agora vou mudar um pouco meu estilo para vender mais que os outros”. Isso mata um autor na raiz. De qualquer forma, o Barba é meu livro que mais vendeu, disparado. E, se vocês perguntarem por que vende tanto para um editor experiente, provavelmente ele vai dar uma resposta tão evasiva quanto a minha. Para encerrar, o que achou da entrevista? Gostei bastante. Posso dizer que me senti a vontade com a entrevista e acho que, no final, é isso que importa. Vocês abordaram desde questões de criação e coisas pessoais minhas... Acho esquisito eu estar na posição de um entrevistado. Desconfio da minha capacidade de produzir respostas mais interessantes que a de outros autores.
SEGURANÇA
PÁSSAROS QUE POUSAM AVIÕES ilustrações por Johannes Kolberg
por Luiza Fritzen e Nicholas Gheno * Luiza Fritzen e Nicholas Gheno venceram o Concurso de Reportagem do Diretório Academico da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS. A publicação da reportagem no Tabaré faz parte da premiação.
Aeroporto Salgado Filho é um dos pioneiros no país a adotar falcoaria na prevenção de acidentes aéreos. O método utiliza aves de rapina para capturar animais invasores que podem por em risco a segurança aérea.
E
ntre pousos e decolagens de aviões, o espaço aéreo do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, também conta com partidas e chegadas de um batalhão de aves de rapina que atuam para evitar acidentes aéreos. São falcões e gaviões treinados para capturar qualquer animal que, desavisado, possa acabar dentro de uma turbina de um Airbus ou partido ao meio em uma hélice de teco-teco. Em alçadas que podem chegar a 200 km/h, quatro gaviões asa-de-telha (Parabuteo unicinctus), três Falcões de Coleira (Falco femoralis) e um Falcão Peregrino (Falco peregrinu) formam o time dos guardiões do céu do Salgado Filho, capturando os animais que rondam o sítio aeroportuário antes do período de decolagem das aeronaves. Desde o início das operações, em 2011, já foram quase 600 aves invasoras capturadas pelos falcões e gaviões. Do outro lado do terminal de passageiros, atrás da pista de pousos e decolagens e dos galpões de manutenção, uma pequena casa concentra o bando de aves e a equipe de dois biólogos, dois falcoeiros e um médico veterinário da empresa Hayabusa Falcoaria e Consultoria Ambiental, responsável pelo serviço. Os pássaros são preparados desde os primeiros dias em que saem dos criadouros e o treinamento é feito no próprio espaço do aeroporto. Na base de treinos, cada pássaro fica preso pelas pernas a um pequeno poleiro, dispostos todos em um gramado debaixo de árvores. Os mais jovens ou os que precisam de cuidados circulam livremente dentro do escritório da empresa, como se fossem animais de estimação. Com olhares curiosos a qualquer intruso ou visitante, parecem aguardar com ansiedade a atenção do falcoeiro para mostrar toda a exuberância de que são capazes. Depois de treinadas, as aves passam a fazer rondas diárias com a equipe ambiental da empresa no pátio do aeroporto. Essas rondas são feitas geralmente à noite e madrugada, quando os invasores estão mais acomodados e a pista recebe menos pousos e decolagens. Os falcões são capazes de fazer voos mais longos, capturando ou afugentando as aves, enquanto os gaviões efetuam tiros mais
curtos, atacando os animais que estejam a até dez metros do carro que faz a ronda. Quando atacam algum intruso, os predadores são recompensados com pedaços de carne. A maioria das espécies capturadas são presas naturais das aves, mas para evitar o sacrifício, são colocadas miçangas nas unhas dos predadores para impedir que perfurem e matem os animais que capturam. Os bichos resgatados pela equipe passam por atendimento veterinário, são catalogados, anilhados e remanejados para a Ilha do Avestruz, em Camaquã (RS). O Salgado Filho é um dos pioneiros no país, junto com Galeão (RJ) e Pampulha (MG), a utilizar a técnica da falcoaria. No Brasil a atividade ainda é pouco expressiva e somente empresas licenciadas podem fazer o serviço. A maioria dos aeroportos, segundo a Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), ainda utiliza métodos como dispersão por fogos de artifício, sirenes e manejo indireto (mantendo o pátio limpo), esta última já utilizada na capital gaúcha. QUANTIDADE DE REPORTES AUMENTOU NOS ÚLTIMOS ANOS
Segundo dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), em 2013, foram reportadas 1739 colisões com animais nos aeródromos do Brasil (aproximadamente cinco incidentes por dia), quase cinco vezes mais que há uma década, quando foram anotados 359 casos. No Salgado Filho, uma Comissão de Prevenção do Perigo de Fauna foi formada em 2012 e reúne representantes de oito prefeituras das cidades do entorno do aeroporto, organizações ambientais, Ministério Público Federal e Estadual, PUCRS e as companhias aéras que operam nos terminais. O grupo tem como principal função gerenciar a Área de Segurança Aeroportuária (ASA), que abrange um círculo de 20 km a partir da pista do aeroporto. O professor da Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUCRS Carlos Alberto Alves trabalhou durante 35 anos no controle e gestão de tráfego aéreo do Salgado Filho. Hoje, faz parte da comissão. Para ele, as autoridades públicas não preservaram a área do sítio aeroportuário e isso influencia o aumento de incidentes. "Na década de 50, o Salgado Filho estava em uma zona quase rural e depois vimos a cidade crescendo e se aproximando sem chegar a um limite. O crescimento desordenado da população, condições inadequadas de saneamento básico e o sistema de coleta de lixo pouco eficiente são fatores que contribuem para a atração de aves", explica. Maiara Lutz, bióloga da empresa responsável pela falcoaria do Salgado Filho, discorda. Segundo ela, o que aconteceu foi o aumento dos reportes, que antes eram muitas vezes ignorados. "Independentemente de onde o aeroporto for instalado, é uma consequência a cidade se desenvolver ao redor. A preocupação sempre existiu, só não existia uma legislação que previnisse isso. Dependendo do local da colisão, o voo não era afetado e os pilotos não reportavam", conta. O Salgado Filho não registrou acidentes graves decorrentes do risco de fauna. Entretanto, o risco das aves já foi registrado, por exemplo, em Lisboa, em 20 de abril deste ano, o voo 00118 da TAP teve uma de suas turbinas atingida por um pássaro quando partia para Lisboa. O piloto abortou a decolagem, que aconteceu depois de reparos. SALGADO FILHO É UM DOS AEROPORTOS COM MAIOR ÍNDICE DE REPORTES
Segundo dados do Cenipa, o aeroporto Salgado Filho é um dos que mais reportam casos de acidentes com aves no Brasil. Em 2014, foram 125 colisões. Um índice de aproximadamente uma colisão a cada mil voos, colocando Porto Alegre como a segunda capital do país com mais registros, atrás apenas de Teresina (PI). As aves com mais relatos de colisão são quero-queros, garças e maçaricos. Em Porto Alegre, os registros são feitos pela equipe ambiental, pilotos e fiscais da Infraero. Segundo a bióloga da empresa, Denise Giani, existem, inclusive, épocas do ano em que as colisões são mais previsíveis, como o período de reprodução, que vai de agosto à novembro, quando aumenta o número de aves circulantes. Independente do ciclo de reprodução e vida dos animais, uma coisa é certa: os guardiões do céu do Salgado Filho estarão sempre atentos para garantir que todos possam chegar e partir com segurança. Maio 2015 . #31
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gravuras por Douglas Cordova
INTERNACIONAL
ENTRE HERMANOS E PRIMOS DISTANTES A relação do Brasil com a América Latina por Luiza Bulhões Olmedo
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er latino-americano é compartilhar trajetórias e desafios comuns. Possuímos a mesma raiz cultural e linguística, o mesmo passado colonial exploratório, muitos vivemos sob ditaduras, a maioria esteve sob governos neoliberais, e atualmente todos ainda permanecemos na batalha constante pelo desenvolvimento e igualdade social. Nesse sentido, pareceria natural que, para além da proximidade geográfica, explorássemos uma aproximação política e econômica com nossos vizinhos, a fim de intercambiar experiências e capacidades na superação de problemas semelhantes. Entretanto, a realidade é mais complexa. Vetores econômicos extrarregionais, como Estados Unidos, União Europeia e China, mantêm uma força centrífuga nos interesses dos países da região, o que dificulta avanços mais robustos em direção à integração regional. Além disso, a tendência das próprias nações latinas a dar as costas à região também compromete oportunidades de aproximação. O Brasil, que é a maior força econômica do subcontinente, e que, por isso, teria mais condições e vantagens em investir na América Latina, permanece reticente e distante. Mesmo em um contexto de reprimarização da pauta de exportação brasileira, em que cada vez mais produtos primários são exportados em
detrimento das manufaturas, não se verifica uma estratégia mais rigorosa para a América Latina, que é nosso mercado primordial de bens com maior valor agregado. De acordo com os dados do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, entre 2006 e 2013 a porcentagem de manufaturados nas exportações brasileiras caiu de 50,8% para 36,6%. Dessa maneira, as exportações para os vizinhos tornam-se cada vez mais importantes para nós, já que quase 80% delas são de produtos industrializados. Mesmo assim, as exportações para a região, que em 2006 representavam 26% do nosso total de exportações, em 2013 não passaram de 22%. Além de limitada, a integração regional acaba sendo predominantemente comercial, de modo que não se aprofundam os vínculos produtivos entre os países da região, diferentemente do que ocorre na América do Norte, Europa e Ásia, onde estão localizadas as grandes cadeias globais de valor. Nos últimos anos, o que se tem visto é justamente o contrário, uma redução dos investimentos brasileiros na América Latina. De acordo com a Confederação Nacional de Indústrias (CNI), em 2001, 13,7% do estoque de investimentos brasileiros se direcionavam à América Latina, mas na última década, esse valor reduziu à metade, mantendo-se em torno de 7,5%. tabare.net
Mesmo que em termos de volume a região não seja privilegiada pelos investimentos brasileiros, é aqui onde a presença de empresas brasileiras é mais forte do que em comparação com outras regiões do mundo. Em 2011, 77,8% das empresas que constam no ranking da Fundação Dom Cabral, que reúne as empresas mais internacionalizadas do Brasil, possuía filiais na América Latina. E ssa internacionalização concentrase setorialmente em recursos naturais, engenharia e construção civil, e manufaturas, e caracteriza-se por posições monopolistas na América do Sul. Por exemplo, em 2006 a Petrobras correspondia a 17% do PIB da Bolívia, grandes produtores brasileiros controlam 95% da produção de soja paraguaia, na Argentina, a Camargo Correa controla 50% do mercado de cimento e a Friboi controla o mercado de carnes, e no Peru a Votorantim controla 62% da produção de zinco. Para um país que detém 50% do PIB e 50% da população da região, esses dados, ao invés de contribuírem para a ideia de desenvolvimento conjunto, podem ratificar a imagem de “gigante explorador e egoísta”, como o Brasil é por vezes visto pelos vizinhos. Conversando sobre esse assunto com Tarson Nuñez, coordenador da extinta Assessoria de Relações Internacionais do Rio Grande do Sul (ACRI),
essa questão foi levantada. Segundo Nuñez, mesmo que alguns países se queixem da presença brasileira, é preciso destacar que muitas das obras realizadas pelas nossas empresas contribuem significativamente para o desenvolvimento dos países vizinhos, e, de maneira geral, a integração do Brasil com a região tende a ser mais positiva do que negativa. Para ele, “o Brasil é visto como o irmão mais rico, e tem que cumprir esse papel”. Ele destaca, contudo, que há uma dificuldade por parte do setor empresarial de compreender a importância desses investimentos. De acordo com ele, “é uma mentalidade colonizada que tende a ver o mundo na ótica dos países centrais [....]. Para o Brasil e para eles mesmos seria positivo [o investimento na região], mas a mentalidade é de resistência”. Nuñez afirma que as práticas institucionais também estão fortemente atreladas a essa mentalidade, e, por isso, o Rio Grande do Sul já perdeu oportunidades econômicas expressivas. Ele alerta: “o componente ideológico muitas vezes faz com que bons negócios sejam perdidos por medo da esquerda”. Além disso, as políticas gaúchas dependem muito das diretrizes federais, que sofrem de um problema de vontade política. Para ele, “com o governo Dilma houve uma puxada de freio”, e os investimentos regionais sofrem com uma inércia institucional da máquina do Estado. A fim de compreender melhor essas ações governamentais do Rio Grande do Sul em relação à internacionalização para a América Latina, conversamos com três agentes técnicos da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI), Cristiano Ambros, Leonardo Holzmann Neves e Luiz Giberto Mury. A AGDI trabalha com a área internacional em dois eixos: a
atração de investimentos (procuram investidores que queiram investir no estado) e a promoção comercial (promoção das exportações gaúchas). Segundo eles, os casos em que a Agência atua na internacionalização no âmbito do investimento produtivo de empresas brasileiras fora do Brasil são bem pontuais. Foram citados alguns programas no âmbito do Mercosul, que trabalham com o adensamento de cadeias produtivas, mas o foco principal da AGDI quando se fala em América Latina está nas exportações. Um dos instrumentos basilares para a promoção das exportações são as feiras de negócios. A AGDI subsidia os empresários na contratação de espaço e na infraestrutura dos stands. Não há um direcionamento regional específico na escolha das feiras, que costumam ser demandadas pelos setores interessados, através de editais. Como o orçamento é limitado, têm sido realizadas muitas feiras de caráter internacional dentro do Brasil, de modo que graças à proximidade geográfica, consegue-se realizar negócios com os países latino-americanos. Entretanto, das poucas feiras internacionais que a AGDI participou fora do país no último ano (foram cerca de 5) nenhuma foi na América Latina. Dentre os desafios para a comercialização com os vizinhos estão a instabilidade política e cambial, e a questão logística. De acordo Luiz Mury, que trabalha com exportações, atravessar o canal do Panamá para exportar para os países andinos chega a ser mais caro do que exportar para a Europa. A infraestrutura que existe hoje foi moldada para interligar as matériasprimas aos portos, de modo que as conexões intrarregionais ficaram em segundo plano. O que ocorre é a centralização produtiva, pois 90% das empresas se instalam onde já há infraestrutura.
Nesse sentido, para algumas cadeias produtivas simplesmente não vale a pena a internacionalização, dada a falta de mão de obra qualificada, tecnologia e insumos. Algumas empresas realizam apenas a montagem final no país de destino, com o objetivo de redução do imposto de importação. Na visão dos três agentes da AGDI, o Brasil deveria realizar mais investimentos na América Latina. Segundo eles “nossa inserção é pequena. Estamos perdendo em participação e relevância nessa região”. Eles destacaram a entrada da China no continente como uma fonte de preocupação. Para eles, o Brasil teria muito a ganhar dando mais atenção à região, sobretudo em termos de competitividade internacional. Além de aprimorar o processo produtivo, em termos de flexibilidade e adaptabilidade a novas demandas, a inserção na América Latina contribui também na diversificação de mercados em momentos de crise. Ademais, o investimento nos países vizinhos conta com a vantagem linguística e cultural, e com menos barreiras técnicas. Os setores que mais levariam vantagem nessa aproximação são aqueles com maior valor agregado (como os de eletroeletrônicos) aqueles em que o pós-venda é importante e onde a proximidade com a matériaprima é fundamental. A integração regional demanda esforços coordenados em infraestrutura de logística e políticas comerciais, a fim de romper o isolamento do continente. Ações nesse sentido passam pela concertação entre Estado e empresariado na hora de definir objetivos estratégicos de longo-prazo, visando o amplo desenvolvimento do país e da região latino-americana.
H Á 1 5 0 A N O S E M TA B A R É
T A B A RÉ , VOLUME XXXI
REVO LU C I O NA N D O A LI N G UAG EM D O P LEN O S É C U LO
XIX!
TERÇA, 2 DE MAIO DE 1865, PORTO ALEGRE, RS, BRAZIL
ZERO-RÉIS
O TRATADO FAZ A FORÇA! Brasil, Argentina e Uruguai assinaram ontem o Tratado da Tríplice Aliança contra o pujante Paraguai, do presidente Francisco Solano López. Com isso as duas Repúblicas platinas se unem ao império após os ataques de Solano López ao Mato Grosso e mais recentemente em Corrientes, na Argentina. As apostas eram altas e o encarregado brasileiro na negociação o deputado Francisco Otaviano de Almeida Rosa pode se alegrar com o resultado. Fontes asseguram que as forças motoras do Império ficaram satisfeitas com o comportamento do nobre deputado. O acordo já era antecipado nos corredores do palácio, já que a boa vontade do governo de Venâncio Flores no Uruguai também era esperada, em virtude do apoio armado do Império que permitiu sua posse. O nosso Chico certamente colocou seu nome na história da Monarquia Brasileira, a flor exótica cercada de jovens repúblicas no continente, ao conquistar o tão necessário apoio para enfrentar o Paraguai. Este país inclusive é reconhecido mundialmente pela estratégia que privilegia suas defesas impenetráveis. Os detalhes do acordo entre os três países e os próximos passos nesta promissora Guerra ainda são nebulosos com a expectativa sobre o papel de casa país nas batalhas. De acordo com o tratado ficou decidido que: "os aliados concorrerão com todos meios de guerra de que possam dispor, em terra ou nos rios, como julgarem necessário". Resta a impressão de que estes meios de guerra em última instância serão vidas. Sejam estas argentinas, uruguaias, brasileiras ou paraguaias.
A MORTE DE ABRAÃO CHEGA AO ÚLTIMOS MOMENTOS *Material enviado por agência
Os eventos de funeral do falecido presidente dos Estados Unidos da América do Norte Abraão Lincoln tiveram ontem em mais duas cidades. Pela manhã as exéquias ocorreram em Michigan no estado de indiana e perto do meio dia em Chicago, estado de Illinois. O ex-presidente foi assassinado em um teatro no último dia 14, dizem que por John Wilkes, um fanático confederado morto e capturado (ou vice versa) no último dia 24. Lincoln, em vida (é claro), se esforçou pela luta para abolir a escravidão (ora, vejam só!) e angariou muitos desafetos desde então. Um último evento, especula-se (não conseguimos entender essa parte das informações passadas pelo talentoso correspondente), deverá ocorrer em Springfield nos próximos dias.
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TABARÉ
Abaixo a monarquia Gabriel Jacobsen