Estes, que gritaram nas avenidas por mudanças imediatas, ouviram dos partidos que a resposta deveria ser dada nas urnas. Ok. Mas nas telas das urnas, se olharmos bem profundamente, vemos o reflexo da sociedade brasileira? Bom, se você for negro, mulher ou indígena, por exemplo, não será fácil se ver representando ou representado. Se você for pobre, idem. Peguemos o Rio Grande do Sul como exemplo, onde o perfil dominante entre candidatos agora, em 2014, foi de homens, entre 45 e 49 anos, com ensino superior completo, casados e que se declaram como empresários. E brancos. Este é o "tipo ideal" da foto da urna. No entanto, também somos negros. Segundo o IBGE, 19,3% dos gaúchos. Nas urnas, entretanto, candidatos que se declaram negros contabilizam somente 8,4%. Um abismo. O caso das mulheres é também gritante. Ainda que somem mais de metade da população gaúcha, elas têm somente 30% de presença nas urnas sendo que, deste total, um percentual difícil de estimar serve apenas para cumprir a cota mínima exigida pela legislação. A subrepresentação indígena, por sua vez, chega ao limite: somente 83 disputaram as eleições de um total de 25,9 mil candidatos no País. Como detalha um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a maioria das unidades federativas nem têm candidatos indígenas. Os estados do Amazonas e do Mato Grosso do Sul, com as maiores populações de índios do Brasil, têm juntos 16 candidatos que assim se classificam. E incluímos neste grupo os candidatos "pobres" que, com suas campanhas modestas, não ascendem aos gabinetes. Basta ver que os 29 deputados federais gaúchos que tentaram a reeleição declararam posses de R$ 31 milhões à Justiça Eleitoral. No topo desta lista, com bens avaliados em R$ 7,8 milhões, Luiz Carlos Heinze (PP), reeleito com maior número de votos. O mesmo que disse que índios, quilombolas, gays e lésbicas são "tudo que não presta".
m ornam Se tais grupos já são minoria na disputa, eles se tornam putados ainda aind mais invisíveis após as eleições. Dos 31 deputados um pardo, federais gaúchos recém eleitos, uma mulher, nenhum federa cém eleitos, nenhum negro! Dos 55 deputados estaduais recém oso): Jardel, a mulhe (10,9%) e um único pardo (e famoso): seis mulheres excessão que confirma a regra. ue seja valorizamos e queremos o povo nas urnas, ainda que Sim, valoriz té para vvotar nulo. Mas também queremos o povo nas ruas até que qu se conquiste toda a democracia possível. E queremos bem mais. Queremos negros, mulheres, indígenas, gays, lésbicas, travestis e transgêneros nos representando. Assim sendo, enquanto política se fizer se dois em dois anos e for apoiada na subrepresentação, estaremos mês a mês fazendo jornalismo por uma democracia menos aristocrática.
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ARIEL ENGSTER, CHICO GUAZZELLI, GABRIEL JACOBSEN , JOHANNES KOLBERG , JONAS LUNARDON, LEANDRO RODRIGUES, LUÍSA SANTOS, MARCEL HARTMANN, MARCUS PEREIRA, MARTINO PICCININI, PEPE MARTINI, RODRIGO ISOPPO E YAMINI BENITES PROJETO GRÁFICO: MARTINO PICCININI DIAGRAMAÇÃO: DOUGLAS CORDOVA E JOHANNES KOLBERG CAPA: BRUNO ORTIZ COLABORADORES: BRUNO ORTIZ, DOUGLAS CORDOVA, JÉSSICA MENZEL, NATASCHA CASTRO, RENATA IBIS E TUANE EGGERS TIRAGEM: 3 MIL EXEMPLARES CONTATOS: COMERCIAL@TABARE.NET / TABARE@TABARE.NET / FACEBOOK.COM/JTABARE
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hola mi nombre es barbara tu contacto me lo pasó andrea paroni. tenemos un programa radial y queríamos entrevistarte sale los sabados de 15 a 17 hs: si te interesa estamos en contacto saluda atte Barbara Gimenez Alzaga, porteña Isso muito me interessa!! Querido Tabaré, li você todinho pela primeira vez ano passado e estou apaixonada por toda essa lábia latina que tu tem. Quando podemos marcar um vinhozinho lá no El Basco pra eu hablar tudo isso ao vivo? Pérola, muchacha caliente Perolita, nós aqui do Tabaré apenas vivemos no campo platônico. O El Basco ainda não é ponto de distribuição do jornal, mas dá uma passada la no Comitê Latino Americano que tu me encontra. O melhor de tudo é que eu não cobro nada, totalmente gratuito. Quanto à labia latina, lá no comitê tem ótimos trovadores.
Tabaré, como eu faço pra recebê-lo em minha casa? Wellinton Meira, vive de renda Wellinton, vou interpretar como se tu quisesse me assinar, e não outra proposta mais íntima. Entra no nosso site www.tabare.net, clica no item “assina!” e lá tem todas informações de preço e número de edições. O Tabaré vota na Dilma?
Jornal Tabaré, estaria interessado em ingressar num curso avançado de inglês? Conhece alguém para indicar? Susana, atendente de um curso de inglês que ainda não anuncia no jornal Não, obrigado. Claro, indico a Revista Bastião! Por que se chama Tabaré? Gérson, semiótico Cara… assim… sei lá!
Luciana Neto, cidadã constitucional O Tabaré não é pessoa física, portanto não vota em ninguém.
É verdade que nas reuniões vocês estão todos pelados? Gumercindo Araújo, nudista Não. Como eu faço pra escrever uma carta pro Tabaré? Raimundo Neves, redundante Exatamente do jeito que tu fez, querido. Nessa onda de prisões políticas e repressão, vocês já foram ameaçados por alguma instituição?? Cida Souza, black block Olha, Cida, os tempos tão difíceis para os sonhadores. Nossos advogados trabalham diariamente pra garantir a segurança dos jornalistas. O único caso suspeito foi um integrante que se ausentou em uma pequena cidade da Alemanha, ainda não sabemos se foi exílio político, fins acadêmicos ou vadiagem mesmo...
' TEATRO
Gizele: a transversão teatral de Silvero O DRAMATURGO SILVERO PEREIRA ENCARNA GIZELE ALMODÓVAR NOS PALCOS E NA VIDA, PROVOCANDO O PÚBLICO E A CLASSE ARTÍSTICA
por Natascha Castro Foto: Renata Ibis
A
roda-gigante da vida gira e deixa à margem tudo que não se enquadra, que não circula, que não segue bem as regras. A margem é formada por longos segmentos onde se encontram os filhos renegados da sociedade. É nesse universo excluído que trabalha o ator e dramaturgo Silvero Pereira. Seu teatro documental possui fortes influências de autores como Caio Fernando Abreu e está focado nas experiências vividas pelo ator e nas histórias dos marginalizados: travestis, transexuais, transgêneros e transgressores. Longos anos de pesquisa sobre a vida de um grupo de travestis em uma comunidade na periferia de Fortaleza serviram de base para o primeiro espetáculo de Gizele Almodóvar, alterego e personagem de Silvero nos palcos. A peça Uma Flor de Dama se tornou sucesso nacional, impulsionou a temática e garantiu ao artista um espaço assentado na vida cultural do teatro nacional e na militância LGBTTT. De onde veio o interesse pelo universo travesti? Quando estava terminando o Ensino Médio, eu morava em uma comunidade na região metropolitana de Fortaleza e dava aulas de teatro por lá. Nessa comunidade, havia muitas travestis e transformistas. Era um lugar com três mil habitantes, mas com umas 150 travestis. Elas se relacionam com os caras na noite, mas durante o dia sofrem muita discriminação até mesmo desses caras. Essa situação me inquietava: ‘Pô, mas como é que essas pessoas se relacionam à noite com afeto ou com desejo e no dia seguinte são tão cruéis, tão agressivas?’. Nessa mesma época, tive contato com o conto Dama
da Noite do livro os Dragões Não Conhecem o Paraíso, do Caio Fernando Abreu, que conta a história de uma figura marginalizada que está fora de uma roda, fora da sociedade. Diante da minha experiência lá na comunidade, do meu contato com essa roda de que o Caio falava, eu fiz um link entre a realidade e a ficção e resolvi falar sobre o que me inquietava e sobre a obra do Caio. Uni as coisas e passei dois anos pesquisando essas meninas: saindo com elas, indo a festas, lendo sobre travestis e transformistas, indo a boates ver os shows, conversando com as meninas prostitutas. Fui mesclando esse material de vivência com o conto do Caio e criei o espetáculo Uma Flor de Dama, que estreou em 2002.
A arte está aberta para várias hipóteses, mas pra mim só interessa subir no palco se as pessoas, ao sair do teatro pra comer uma pizza ou tomar uma cerveja, ou quando olharem uma travesti na esquina, pensarem na peça, pensarem na história e modificarem seu pensamento porque agora elas têm um conhecimento maior sobre aquelas vivências. O que eu faço é tentar diferenciar nos espetáculos a ótica de condição de vida da de história de vida. Acho que é nisso que a sociedade está muito focada: na condição e não na história. A gente tá sempre discriminando pela condição de estar na rua, de estar marginalizado, mas qual foi a história construída até chegar ali? Como o mundo artístico recebeu essa temática?
Tu já eras um militante LGBT antes dessa pesquisa? Eu criei a peça sem pretensões de movimento LGBT, mas com pretensão artística. Eu, artista inquieto, querendo questionar a sociedade, vendo a arte como forma de transformação social, uma arte capaz de ser para além do palco. Só que o movimento LGBT se identificou muito no sentido da realidade e da dignidade do trabalho e decidiu comprar a proposta. Foi então que eles começaram a me convidar para fazer eventos LGBTs. E eu fui me inserindo involuntariamente dentro do movimento e acabei me tornando uma figura dentro da cidade, um ativista sem pretensão. Hoje eu me considero, sim, ativista pelo lado artístico. O teatro funciona como um instrumento de transformação social?
tabare.net
No início a classe artística não compreendeu o que eu estava querendo fazer. Existe um preconceito muito grande, principalmente no Ceará, com homens que fazem teatro e principalmente em comunidades pequenas como aquela em que eu dava aulas. Primeiro porque, se um homem faz teatro, é homossexual, se ele resolve se vestir de mulher, está usando a arte para talvez realizar um desejo escondido. As pessoas das artes cênicas começaram a pensar isso do meu trabalho. Como eu era professor de teatro na época, as pessoas começaram a dizer que eu não dava mais aula de teatro, que eu era uma fábrica de travestis, que eu só formava travestis, que ‘o Silvero não tem coragem de se assumir e agora está fazendo isso’. Isso aconteceu porque muitos artistas de teatro e de dança da cidade se identificaram com o transformismo e abandonaram o teatro e a dança. Acho que a classe artística tinha esse receio de que fosse acontecer o mesmo comigo. Com o passar do tempo, acabei
provando que o que eu faço é a representação disso e que eu continuo fazendo teatro mesmo tratando sobre essas questões. Isso veio com a repercussão nacional. Foram quase quatro anos lutando com a classe artística para que eles entendessem, com três espetáculos montados sobre a mesma temática e sempre explicando para as pessoas, mudando a estética para que as pessoas entendessem.
e eu falei que estava montada. ‘Pode vir’, ela disse. Ela achava que iria chegar uma trava montada de árvore de natal, mas quando olhou para mim, disse: ‘Ah, mas é uma garota!’, porque eu estava com uma maquiagem rala, uma roupinha de menina e o cabelo ajeitado, bem comportada, tomando um café no Sesc. Então as pessoas têm essa ideia estereotipada sim, mas esse mundo não é assim.
Foram feitas adaptações nesse sentido?
O humor pode ser usado pra despertar essa conscientização?
Sim, o teatro com influência cinematográfica, o teatro com influência documental. Sempre buscando estéticas para que as pessoas entendessem que havia uma pesquisa em artes cênicas. Hoje, com a repercussão nacional, principalmente agora em 2014 pelo boom do trabalho no Festival de Curitiba, o maior do País, e também dentro do Palco Giratório, que é o maior projeto de circulação da América Latina, a classe artística entendeu o valor que meu trabalho tem. Os teus espetáculos conseguiram atravessar essa barreira de ser uma temática direcionada a um determinado segmento? É curioso porque, no início, nosso público era hétero. Só depois que o público LGBT, mesmo as travestis e transformistas, começaram a ir ao teatro. Inclusive foi uma luta muito grande para que esse público fosse ao teatro porque elas não o reconhecem como espaço delas. Para elas é muito difícil ir a qualquer lugar. Eu digo isso com muita propriedade porque às vezes eu me monto de Gizele para ir a lugares em que a travesti não é aceita. Eu me monto de Gizele para ir ver exposição no Mario Quintana, para assistir a uma peça no SESC Pinheiro em São Paulo, e é sempre muito hostil. Então para elas já é um incômodo sair de casa, imagina para frequentar um ambiente em que elas sabem que essa hostilidade já existe por natureza. Esse “por natureza” seria uma consequência da elitização dos espaços culturais? Consequência da sociedade em geral, essa sociedade discriminatória em que a gente vive. Eu sempre digo que o meu trabalho vai para além do universo LGBT porque eu acho que é um trabalho sobre a sociedade. O fato de focar nas travestis, transsexuais e transformistas não quer dizer que eu não foque em toda a marginalidade que existe, em todas as pessoas que estão fora dessa roda de que fala o Caio. As pessoas que são discriminadas na escola, na família, na religião, todas elas vão se identificar com o trabalho. Então é um projeto muito mais para a sociedade do que, inclusive, para os marginais. Como é possível transpassar essa visão do exótico com que os heterossexuais encaram o universo trans no teatro? O ponto principal do meu trabalho é ir para o lado humano. Eu estou sempre mais interessado nas relações de afeto e de agressividade: quando elas se apaixonam, quando sofrem em família. As pessoas pensam muito no estereótipo. Na primeira vez em que eu fui me encontrar com a diretora do BR Trans, combinei com ela por telefone: ‘Sá, eu quero me encontrar contigo hoje’. Ela disse que estava no Sesc
Sim, sempre! Principalmente porque isso é muito recorrente na vida delas. As travestis têm algo muito peculiar que é subverter a tragédia, elas estão sempre subvertendo a tragédia para a comédia. Pode ser uma coisa terrível, mas elas conseguem contar e recontar suas histórias de uma forma cômica. Pela minha concepção, talvez façam isso para minimizar, para não sofrer tanto, para não se machucar tanto e talvez para transformar isso em algo mais tolerável de se viver.
As travestis têm algo muito peculiar que é subverter a tragédia, elas estão sempre subvertendo a tragédia para a comédia Como vivenciar as mesmas experiências que elas modificou o teu olhar? O clique fundamental do meu trabalho foi quando decidi fazer isso. Quando saía de Silvero com elas, eu observava o preconceito direto para elas. Eu morava nessa comunidade, era coordenador de atividades artísticas em uma ONG, toda comunidade me conhecia e me respeitava. No dia em que eu decidi me montar e sair com elas de Gizele, o preconceito começou a respingar em mim. Eu comecei a entender a crueldade no olhar, no atendimento, e tudo muda. Tu encontraste alguma pista para a repulsa e para o medo da sociedade em relação ao universo trans? No dia em que a sociedade entender que ela é a produtora dessa marginalização, a gente vai viver em uma sociedade melhor. A sociedade precisa entender que, se está focada em família, educação e religião, e que nenhuma dessas três instituições aceita essas pessoas, então ela mesma está produzindo uma sociedade marginalizada. Por isso eu digo que essa outubro 2014 #29
marginalização da travesti é na verdade a história do filho renegado, parido por essas três instituições que não o aceitam. A Gizele é uma criação ou é parte de ti? Ela surge como um personagem dentro do primeiro espetáculo. Mas hoje eu costumo dizer que a Gizele não é mais um personagem, ela é um alterego do Silvero, sendo quase impossível desassociar um do outro. Artisticamente é como se eu pudesse explicar quando um ator faz um clown e quando faz um bufão: quando faz um clown ou um bufão, ele não faz só o personagem, ele se põe em outra situação, de exagero ou de lúdico, e constrói outra personalidade. Eu costumo dizer que a minha travesti, a Gizele Almodóvar, é essa minha outra personalidade. Eu construo o Silvero em outra condição: a condição feminina do Silvero. Mas essa definição de gênero é importante? Definir quando és Gizele e quando és Silvero? Eu acho importante porque durante muito tempo eu tive esse pensamento de esquizofrenia, essa dúvida desse trânsito: quem eu sou de verdade? Tanto é que eu não me considero travesti ou transexual exatamente por isso, pois hoje eu consigo entender bem essa trânsito, consigo entender quando estou no gênero masculino e quando estou no gênero feminino e eu gosto dos dois momentos, gosto de viver as duas facetas. Também sei distinguir completamente quando é artístico e quando é vida. Para mim isso é muito importante, para não confundir a arte com a vida. Diferenciar esses dois momentos é muito importante porque me mantém seguro do que faço, da minha posição artística e da minha posição política. Teu trabalho também vai além do palco? Sim, eu vou pra rua e faço atos performáticos, eu me monto pra comprar pão na padaria pra ver como as pessoas reagem de manhã vendo uma travesti comprar um pão. Ou vou dormir em um hotel importante da cidade, acordar e me montar pra tomar café da manhã no meio das famílias e ver como elas reagem. Ou tento me hospedar em um hotel montada. Então é uma ação performática mesmo, algo que a antropologia faz, minha pesquisa vai por esse caminho. Eu tento ser invisível para absorver o máximo e entender como essas coisas acontecem.
Como tu vês hoje a representação das travestis nas artes e no entretenimento? Acho que está virando um modismo. Se fala muito sobre o universo trans, no teatro parece que a coisa deu certo e as pessoas estão querendo falar sobre isso. Mas nem tudo é válido, acho que algumas pessoas precisam tomar mais cuidado, porque alguns trabalhos que eu vejo são investigações muito rasas e acabam caindo no estereotipado e no deboche. E esse é o grande problema. As pessoas precisam pensar mais em trabalhar e entender mais para produzir. Ao mesmo tempo, vejo que temos uma evolução muito grande no cinema, nas artes plásticas, no teatro e na dança, com coisas incríveis sendo produzidas no País que têm fortalecido muito a imagem dessas personagens marginalizadas. 5
' DIREITOS HUMANOS
Mães de adolescentes intern defendem o tratamento judicial d por Jonas
*Nos casos em que as mães preferiram não se identificar, foram utilizados nomes fictícios.
“
No Brasil, prezados colegas, vivemos a demagogia da maioridade penal. Menores de idade podem tudo, e contra eles a lei não pode nada. Só são proibidos, pasmem, de trabalhar. Não é novidade que criminosos de até 14 anos assaltam, estupram e matam. Quando são apreendidos, ficam, no máximo, dois ou três anos numa casa de recuperação, de onde poucos saem recuperados, a maioria por esforço próprio. Sabem que para eles não haverá punição severa, que a lei os beneficia na conduta criminosa. A sociedade que decida se a maioridade penal deve ou não ser reduzida para 16 ou 12 anos de idade. É exatamente isso que os senhores ouviram! Proponho que a maioridade penal seja reduzida para 16 anos de idade. E quem deve decidir é o povo!”. Assim o deputado federal André Moura (PSC/ SE) argumentou, em pronunciamento na Câmara Federal, a defesa de seu projeto, pedindo um plebiscito sobre a redução da maioridade penal no Brasil. Distantes do Congresso, 22 mil jovens internados do País aguardam semanalmente, apreensivos e apreendidos, a visita de seus familiares e amigos. Na fila, quase só mulheres. Mães e avós, milhares, que não desistem dos meninos e meninas e rejeitam a tese do deputado. “De que adianta tirar de casa e botar na prisão? Eles botam ali e vão amontoando um por cima do outro. Sei que muita gente não quer, mas o que tem que fazer é apoiar a família, apoiar o menor. Se tua família não apoiar, se ninguém te apóia, o pessoal do tráfico te apóia” critica Daniela, mãe de um jovem internado há um ano na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), em Porto Alegre. Nilda, outra mãe da Fase, teve o filho internado por 45 dias. Ela conta que manter o filho na Fase, como se estivesse preso, de nada adiantou. “Ele não estudou nem cursou nada enquanto estava lá dentro. Meu filho estudava, era MC, fazia funk. Hoje diz que não tem mais vontade de continuar na música, eu não consegui matriculá-lo na escola depois da internação e ele teve
que ir morar com o irmão, longe de mim, porque podia sofrer represálias lá onde a gente vivia”, diz a mãe. Longe dos corações das mães, os números frios também divergem do congressista. O Mapa da Violência 2014: Jovens do Brasil, reconhecido estudo sobre a violência no País, aponta que menos de 2% dos crimes hediondos (como homicídio, estupro e tráfico) são cometidos por jovens com menos de 18 anos. Outra pesquisa, realizada pela Rede Nacional de Defesa dos Adolescentes em Conflito com a Lei, demonstra que o índice de reincidência no sistema carcerário brasileiro é de 70%, enquanto que no tratamento socioeducativo, destinado aos jovens, menos de 30% são aprendidos mais de uma vez. Esse percentual poderia ser ainda menor se a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), aprovado em 1990, fossem cumpridos em sua totalidade. A legislação garante o tratamento judicial diferenciado para aqueles que têm até 18 anos. O Estatuto reforça que, entre os 12 e 18 anos, os jovens que entram em conflito com a lei (termo correto ao definir a situação destes) são inimputáveis penais. No entanto, isso não significa que estes jovens não sofram medidas judiciais. Se julgados responsáveis pelo ato infracional, cumprem medidas socioeducativas, o que inclui um leque de ações, inclusive, a restrição de liberdade em até 3 anos. Entre os condenados a permanecer apreendidos dentro dos muros da Fase, estão os filhos e os netos das senhoras ouvidas nesta matéria. A partir desses depoimentos e informações iniciais, o cenário já fica mais complexo do que aquele construído pelo deputado sergipano. “A população não é informada desse conteúdo, para que efetivamente avalie. As pessoas não têm uma ideia concreta do assunto”, avalia Ana Paula Motta Costa, professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Ela foi presidente da antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem), tabare.net
justamente no período de transição para a instituição se tornar a atual Fase. Além da nomenclatura, as estruturas do lugar precisaram se aproximar do cumprimento das medidas socioeducativas. Para a professora, os discursos pela redução da maioridade se baseiam em uma abordagem superficial do problema, com uma visão eleitoreira, de caráter sensacionalista e imediatista. “A própria questão do tempo é diferente para um adolescente. Para um adulto, dois anos pode ser um período aceitável. Mas imagine o que são dois anos para um jovem em plena adolescência, com 15, 16 anos? É uma eternidade”, fundamenta Ana Paula, em defesa dos tratamentos diferenciados para menores e maiores de idade infratores. Atuando no sistema socioeducativo de Porto Alegre como presidente da Fase, Joelza Mesquita Andrade Pires defende que as punições impostas aos jovens são ainda mais densas do que aquelas aplicadas aos adultos. “O adolescente é pego, muitas vezes, no primeiro delito que cometeu e, de cara, já recebe a medida socioeducativa. Diferentemente de um adulto, que, às vezes, precisa cometer várias vezes um crime para ser julgado. Nenhum adolescente é preso hoje e solto amanhã por ser réu primário”, alerta. Superlotação e estrutura precária Duas ou três vezes na semana, a rotina se repete: centenas de mães despertam antes de o sol raiar e partem rumo à Avenida Beira-Rio para um encontro indesejado com a realidade: a reclusão dos filhos. O sábado é o dia de maior número de visitas no Instituto Carlos Santos (ICS), onde jovens ficam internados provisoriamente enquanto não são julgados. Por lei, podem permanecer ali, no máximo, 45 dias, ou até que a medida seja estabelecida pela Justiça.
nados na Fase e especialistas diferenciado a jovens de até 18 anos Lunardon
As mães que estão ali, como indicam as estatísticas, normalmente estão enfrentando essa situação pela primeira vez. Frequente também é a revolta dessas mulheres. Simone* é uma das que esperam para reencontrar o filho, a quem pesa acusação de roubo à mão armada. A mãe reconhece que o filho esteve presente no assalto, mas, como ele tem 15 anos e é réu primário, espera que possa cumprir a medida em liberdade. “Todas as mães comentam que essa juíza não se importa se é a primeira vez dos guris, se é roubo ou assalto… Ela manda internar, para eles aprenderem. Como a vontade da juíza vai ser maior que a lei que ela tem que cumprir?”, indaga.
recursos e estrutura - que deveriam vir dos governos estadual e federal. “Todas as nossas unidades em Porto Alegre, sem exceção, estão com superlotação. Infelizmente, nós temos unidades com cinco meninos no quarto. Isso é uma violação de direitos? É! Isso é feito propositalmente? Não! É o que a gente tem e eu não posso dizer que não receberei novos jovens. Nós, da Fase, executamos as medidas e, por isso, tentamos fazer um trabalho de sensibilização junto ao Judiciário”, afirma, apontando que a superlotação atinge as unidades Carlos Santos, Padre Cacique, POA I e POA II. Outras medidas Socioeducativas
Com o depoimento de Simone, outras mulheres se sentem incentivadas a falar. Caroline* é companheira de um jovem que há mais de três semanas estava na Fase. Ele foi acusado de um assalto que não cometeu, alega ela. O jovem foi detido quando saía de um ônibus, em uma região próxima de onde ocorreu um assalto e, conta a mulher, os policiais teriam-no levado detido porque ele corresponderia à descrição do assaltante: moreno e vestido de maneira específica. Segundo Caroline, o companheiro foi à audiência afirmando a própria inocência e ouvindo dos policiais militares que o prenderam o mesmo: que ele foi detido saindo do ônibus, sem nenhuma evidência, e que as próprias vítimas do assalto não o reconheceram como o assaltante. Mesmo assim, brada ela, a Justiça o manteve internado por 45 dias para responder ao processo. “Eles dormem entre cinco em celas que são para dois, no chão, todos juntos. Ficam 22 horas por dia trancados, sem atividades. Dizem que deveria ter tudo ali, escola, curso, mas para esses, até agora, não deram nada. Imagina como se sente alguém que tá voltando do trabalho e é preso por nada, por ter a pele morena?”, pondera. A presidente da FASE, Joelza, admite que o tratamento aos jovens não é o mais adequado, pois faltam
Não só com reclusão se tenta a recuperação dos jovens. Além de algumas empresas que oferecem vagas aos menores, instituições de ensino e pesquisa se esforçam para auxiliar naquilo que o estado falha gravemente. Em Porto Alegre, por exemplo, a Ufrgs tem o Programa de Prestação de Serviços à Comunidade (PPSC), que há 17 anos serve como unidade de execução de medidas socioeducativas. Depois de três semanas em oficinas com pedagogos, psicólogos e assistentes sociais, os jovens são direcionados a setores da própria universidade para o cumprimento das horas de trabalho relativas à medida socioedicativa, atuando em bibliotecas, setores administrativos e gráfica. “Os adolescentes chegam receosos, revoltados, envergonhados. Muitas vezes se sentem injustiçados pela violência policial, pela própria apuração dos fatos. E esse é o momento de mostrar para eles e para as famílias que este é um espaço de acolhida. Mostramos que nós estamos juntos para construir condições para que o cumprimento das medidas aconteça de forma positiva na vida deles, sem que seja um trauma a ser enfrentado”, relata Magda Oliveira, coordenadora do programa.
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O índice de permanência desses jovens nas ações outubro 2014 #29
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propostas gira em torno de 70%, mas esse número varia conforme as condições momentâneas das comunidades em que vivem. Quando estão cercados de situações de tensão e conflito, o percentual cai. “Adolescentes que, depois de terem cumprido as medidas propostas, cometem reincidência, acabam indo para a Fase. Lá, seguimos acompanhando-os pela Visita de Acompanhamento ao Egresso. Essa visita também dá seguimento a um relação afetiva que foi construída anteriormente. Nesse momento, o Programa Interdepartamental de Práticas com Adolescentes e Jovens em Conflito com a Lei (PIPA) pode entrar em ação para assumir a defesa dele. Se ficarmos somente na punição e descuidarmos do processo educativo, da qualidade da execução da medida, ela deixa de ter sentido”, diz a coordenadora. Esquecimento e violências Os jovens de comunidades pobres do País vivem permanentemente esquecidos, exceto quando são tratados como criminosos, alerta a professora Ana Paula. A situação também pode ser descrita como “genocídio da juventude negra e pobre”, utilizando as palavras do sociólogo Luiz Eduardo Soares. Isto é, o contexto social de desigualdade e a falta de oportunidades são fundamentais para entender por que esses jovens entram em conflito com a lei. Segundo as especialistas, fica claro que o tratamento judicial com a juventude pobre e, principalmente, negra, é diferenciado, muito mais abusivo e que nega direitos garantidos na Constituição.
onde vivem. Invasões das suas casas, ameaças, violência verbal e física: uma condição de existência na situação em que se encontram. “Na Deca [Delegacia de Polícia para Crianças e Adolescentes] não pude ver meu filho. Quando eu vi, ele tava todo sujo. Ele apanhou. Não sei se era a Polícia Militar ou a Civil. Ele tava com os dois olhos roxos, um tava sangrando, deram chutes na barriga dele. O juiz até perguntou se ele tinha sido agredido, mas ele nem deu muita bola. Acho que eles não dão muito assunto pra quem não tem muitas condições ”, relata Daniela sobre a noite em que seu filho foi detido. Nilda lembra do momento em que a casa foi tomada pela polícia em busca do filho de 14 anos. “Invadiram minha casa no meio da madrugada dizendo que meu filho tinha participado de um assalto. Eu disse que meu filho tava dormindo, não tinha saído de casa, ele tava deitado na cama. Tiraram ele do quarto e levaram pro Deca. Quando pude falar com ele de novo, ele me contava: ‘mãe, me batiam como se eu fosse adulto’”. “O policial poderia ser uma figura de referência, um adulto que apareça como modelo, como educador. Mas na periferia nós não temos isso. O que fica muito marcado na história de vida das famílias e dos adolescentes é o policial como um corrupto, um violador de direitos, que enxerta drogas”, é o que Magda observa do trabalho com os jovens no PPSC da Ufrgs. Qual o caminho?
Com uma vivência mais profunda destes jovens, as vozes das mães inseridas nessa realidade são definidoras do contexto social que se apresenta a seus filhos. Os relatos de violência policial estão presentes nestas falas, com tons que transitam entre a revolta e a tristeza. Muitas vezes traumático, o frequente tratamento agressivo já foi naturalizado nas regiões
“O plebiscito é uma estratégia política de quem sabe que, se jogar para opinião pública, terá apoio. A falta de argumento, de conteúdo, leva a esse tipo de estratégia. A maioria vai dizer que tem de reduzir a maioridade penal, que tem que ter pena de morte, que tem que ficar mais tempo na cadeia. Agora, isso não é
argumento de conteúdo, é um argumento fatalista”, rebate a professora Ana Paula. Mais do que mudar a estrutura radicalmente, é necessário por em prática o que foi definido anteriormente pelo ECA e, também, pelo Sinase Sistema Nacional de Antendimento Socioeducativo, elaborado pelo governo federal no início de 2012 para adequar políticas em âmbito nacional no tema. No Rio Grande do Sul, foi lançado, neste ano, o Programa de Execução das Medidas Socioeducativas de Internação e Semiliberdade, que trata da adequação e execução das medidas cabíveis aos jovens. “É necessária uma profissionalização profunda na área para o tratamento com esses jovens que tem uma situação social muito diferenciada. Por exemplo, a média de idade na Fase é de 17 anos, e a média de escolarização é de quinta série. Uma defasagem de 8 anos”, explica a professora Ana Paula. Para conseguir lidar com uma situação tão específica, é fundamental uma formação profissional dos técnicos. Magda, coordenadora do PPSC, concorda que, na teoria, o que está delineado no ECA representa grande avanço. Para ela, a aplicação de medida requer um preparo específico também dos locais que os acolhem. “Não adianta botar o jovem para varrer um chão, lavar a louça. Esses lugares precisam saber acompanhar o jovem nesse período da vida que é tão diferenciado”, afirma. Punir ou educar? A pergunta não é tão simples, mas a resposta talvez inicie com uma atitude prática: respeitar as leis e os direitos garantidos à juventude. “Quem defende a redução da maioridade penal não tem noção dos direitos garantidos aos jovens. Ninguém quer saber que os direitos deles foram violados desde o momento que nasceram. Se tem recuperação? Eu tenho absoluta certeza que sim. A forma de a gente passar a nossa mensagem é que está truncada, que deveria ser de outra forma”, conclui a presidente da Fase.
As mães foram ouvidas pelo Tabaré em colaboração com o Coletivo Fila. As versões completas dos seus depoimentos podem ser lidas em www.tabare.net tabare.net
' PERFIL
por Chico Guazzelli / Ilustração: Johannes Kolberg
A Era do Rádio pode ser romântica, como retratada por Woody Allen. Também pode ser contada romanticamente pelos ídolos: cantores, apresentadores e atores. Agentes iniciais de uma cultura espetacular e sensacionalista que se perpetua hoje em redes sociais, iPads e televisores. Quase sempre é contada por quem a viveu. Ilustres desconhecidos: heróis do passado. “Todo artista é um saudosista”, afirma Maria Helena Andrade, cantora de rádio de Rio Grande que se consagrou nos anos 1950 na Rádio Farroupilha. Foi eleita Rainha do Rádio em 1957, aos quinze anos, em um concurso realizado pela Casa do Artista Rio Grandense. Hoje desconhecida dos leitores do Tabaré e dos ouvintes de rádio, já foi a voz mais famosa do Estado. Uma voz negra. “Tinha nove anos quando comecei a cantar. Lá [na Rádio Rio Grandina] eu senti preconceito. Eu ensaiei por três domingos ou quatro, mas não me chamaram. Minha irmã, por parte de mãe, que é bem clara, chamaram. Essa coisa foi forte, porque eu não via meninas e meninos negros. Então minha tia ligou para eles e disse: ‘É preconceito, sim, porque ela ensaia, vocês sabem que ela canta bem e vocês não chamam. Se no próximo domingo não chamarem, eu vou para o jornal, pois isso não fica assim!’”, conta. Maria Helena superou o episódio de preconceito e virou a principal atração nos programas da cidade. Invencível nas competições lembra saudosista. com outras crianças, logo aproveitou uma viagem para Porto Alegre e visitou os estúdios da Na mesma semana Nélson Silva a colocou no programa do grandiosa Farroupilha, então na Rua Sete de lendário Maurício Sirotsky Sobrinho. “As tardes de sábado eram Setembro. Um conhecido de Rio Grande a uma lotação de mais de duas mil pessoas no teatro do antigo cinema identificou e a chamou para um teste com Castelo, na Azenha. Não deu outra, cantei com a grande orquestra o músico Nelson Silva (autor do hino do Farroupilha e foi um sucesso tão grande. Tinha pessoas que iam quase Inter). Assim começou a participar do todos os dias nos programas de rádio. A gente era muito conhecido. A galera programa Rádio Sequência. “Era um vinha com tudo, o mesmo que tu vê hoje no Faustão”, sorri. programa que tinha todos os dias às 11h30min. Lotação esgotada. Apesar do sucesso, Maria Helena recorda também as dificuldades que as mulheres Porque era um programa de enfrentavam. As cantoras tinham seus pesares. “A coisa era bem pesada. Um certo auditório que as pessoas que preconceito por ser uma mulher de rádio. Eram ideias retrógadas daquela época. Os cantores trabalhavam na volta, ali ganhavam muito dinheiro nas boates, os cantores crooner, de conjuntos. Mas isso não podia nos bancos, faziam horário com quinze anos. Era mal vista, porque a pessoa não entendia que o cantor não se pertence, que de almoço. Almoçavam é do público. Mas as mentes eram muito bitoladas. Nada podia: cuida a roupa, o vestido decotado, e iam para onde? Para o joelho. A gente era muito preservada”. Um pouco antes de casar, Maria Helena chegou a tentar a a Farroupilha, onde carreira no Centro do País. No entanto, a experiência em São Paulo a desmotivou, o casamento veio e sua o programa ia até trajetória no rádio parou nos anos 1960. às 13h, ao vivo. Conjuntos, cantores, Maria Helena não se arrepende de nada na vida, nem mesmo de ter saído do rádio pouco antes do advento da comediantes, televisão. Segundo ela, foi um ciclo e terminou. Quando Maria Helena deixou os estúdios, casou com seu primeiro radioatrizes, era marido, um militar e seguiu o caminho convencional para uma mulher da época. uma coisa louca! O programa era Da mesma forma que a carreira, o ciclo do primeiro casamento também se encerrou no fim dos anos 1970. Dessa vez, Maria coqueluche!”, Helena escolheu um caminho nada convencional para a época: o divórcio. “Não era tão fácil como agora, tanto que a minha mãe dizia: ‘Minha filha, nunca tira essa aliança!’”. Ao se separar, a ex-Rainha do Rádio voltou a trabalhar. “Me apaixonei pela enfermagem. Eu sempre tive isso comigo, fazer com os outros o que eu gostaria que fizessem para mim. Olhar um paciente na UTI e dar carinho para ele! Paciente com HIV, qual o problema de dar carinho se não vai pegar nada?”, empolgada, conta ainda que tem computador, Facebook e uma vida apaixonada com seu atual companheiro. E nem por isso parou de cantar. Faz apresentações em casamentos, sinagogas e com os amigos da época de rádio, para quem Maria Helena gravou um precioso CD para que os que a ovacionavam sempre se recordem. “Uma produção independente que gravei em homenagem a este publico que me prestigiou por tantos anos. Ninguém nunca me esqueceu”.
outubro 2014 #29
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' GÊNERO
Liberdade na próxima estação don Intervenção de Johannes Kolberg sobre foto de Jonas Lunar
De Porto Alegre a São Paulo, movimentos de mulheres buscam combater os abusos sexuais em trens e metrôs
O metrô de São Paulo é considerado o segundo mais apertado do mundo. Em meio à superlotação, milhares de mulheres são expostas diariamente ao assédio sexual. Dentro de um dos vagões, um homem encoxa uma jovem de 20 anos até ejacular em sua saia. Ela desce na estação Palmeiras-Barra Funda e vai até a Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom) para denunciar o caso. A concretização da denúncia só é feita se ela deixar a saia como prova do abuso. Ela praticamente desiste, porque não tem outra roupa e está atrasada para o trabalho. A advogada do sindicato de metroviários de São Paulo é acionada e compra uma calça para a menina, que agora está livre para seguir com os compromissos cotidianos. Mas continua presa pelo nojo, pelo medo, pela impotência. O convívio com o assédio sexual tem sido constante no cotidiano da mulher. A situação se agrava na utilização do transporte público. Nos trens e metrôs do país, já virou rotina. No Encontro Nacional de Mulheres Petroleiras, em São Paulo, uma trabalhadora relata: “Cheguei no trabalho toda suja por causa de uma ejaculação que um homem fez em mim no metrô. Isso já me aconteceu diversas vezes”. Para o Movimento Mulheres em Luta (MML), é a indignação em casos como esses que as fazem lutar todos os dias. O MML foi criado em 2008, em São Paulo, no 1º Encontro de Mulheres Conlutas, o qual reuniu mais
por Jéssica Menzel
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ão onze da manhã. Loeci espera o trem para ir trabalhar em Porto Alegre. Antes de sair de casa, projeta que roupa vai usar. E decide novamente que será aquela que atraia a menor quantidade possível de olhares masculinos. Podia nem pensar sobre isso, mas parece que algumas liberdades lhe foram retiradas pelo puro e simples medo do abuso. Entra e senta. Olha o tempo passar pela janela. No banco em frente ao seu, um homem de camisa branca e calça de abrigo leva o casaco por cima das pernas. Com as mãos debaixo do casaco, ele se masturba e encara Loeci, que ao ver não acredita e por isso fecha os olhos. Na estação seguinte, o homem sai do trem, enfia a cara para dentro da janela e mostra a língua. Loeci, de olhos já abertos, está paralisada. Engole o choro e segue até a próxima estação.
de mil mulheres de todo o Brasil para discutir a importância da luta contra o machismo e a opressão existente na sociedade. Hoje, o movimento existe em diversos estados. Em São Paulo foram desenvolvidas, junto ao Sindicato de Metroviários, campanhas de combate ao assédio sexual dentro de trens e metrôs. Para o Metrô e o Governo de São Paulo, o MML propôs campanhas de conscientização a fim de que o assédio seja visto como crime e possa ser denunciado. Foram exigidas melhorias na delegacia do Metrô para receber as vítimas de abuso, como um kit com roupas alternativas para atendê-las. Em março deste ano, o governo do Estado de São Paulo lançou uma propaganda veiculada na Rádio Transamérica em que um ator ressaltava investimentos do governo nos trens e dizia que metrô lotado é “bom para xavecar a mulherada”. Considerada uma propaganda machista pelo MML, foi lançada a campanha “Não me encoxa que eu não te furo”. Milhares de alfinetes foram distribuídos para usuárias do Metrô de São Paulo para se defenderem de possíveis abusos. Segundo Camila Lisboa, cientista social e membro da Executiva Nacional do MML, a campanha foi desenvolvida para exigir medidas do metrô e do governo estadual. Além disso, também surgiu como expressão da indignação diante da campanha lançada pelo governo do Estado de São Paulo. tabare.net
Em 2011, o MML levou uma carta à Rede Globo denunciando o quadro do programa Zorra Total, no qual uma personagem alegava ser bulinada dentro do metrô e outra personagem respondia que ela “precisava aproveitar, porque era feia e não teria outra oportunidade”. Para Camila, a denúncia foi feita visto que o quadro incentivava a prática do assédio no momento em que justificava a agressão sexual. “Em São Paulo, só este ano, houve 17 casos em que os assediadores foram apreendidos, mas o nível de denúncias formalizadas ainda é baixo. Geralmente os casos mais graves, em que ocorre ejaculação, são denunciados” afirma Camila. Para ela, o medo da denúncia pode ser incentivado pelo sentimento de culpa ou então pela burocracia envolvida. Em muitos casos, as mulheres estão atrasadas para o trabalho e essa situação acabaria exposta no local, causando constrangimento. Vagão Rosa não é solução A Constituição Brasileira de 1988 institui em seu Artigo 5 que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Se todos têm direitos iguais, por que os direitos das mulheres não são respeitados? Esse e outros questionamentos levaram Dalva Chagas a trabalhar em ONGs como a Coletivo Feminino Plural. Alguns anos depois, Dalva
se tornou funcionária pública da Trensurb em Porto Alegre, onde começou a idealizar, em 2012, o grupo Mulheres Metroviárias em Movimento (MMM). Criado com o objetivo de discutir e expandir a promoção da igualdade de gênero e étnico-racial, a associação desenvolve campanhas e projetos ligados à defesa dos direitos e combate a todas as formas de violência contra a mulher e é autorizada pela própria Trensurb a falar em nome da empresa a respeito do tema. A Secretaria de Políticas para as Mulheres do Rio Grande do Sul (SPM) procurou o MMM para falar sobre o projeto de Lei nº 28/2012, do deputado estadual Mano Changes, que prevê a criação de um vagão exclusivo para as mulheres no Trensurb. Para Dalva, segregar não é o caminho. “Mais de 50% dos usuários do Trensurb são mulheres e elas possuem o direito de estar em qualquer lugar com a roupa que quiserem. É preciso haver campanhas que conscientizem a mulher de que ela é independente e de que deve denunciar sem viver na sombra do medo”
diz Dalva. No Rio de Janeiro, o “vagão rosa”, exclusivo para mulheres, existe há 8 anos. Em São Paulo, a proposta, de autoria do deputado estadual Jorge Caruso (PMDB), foi aprovada em julho deste ano pela Assembléia Legislativa do estado. No entanto, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) vetou a lei em agosto. O governador alegou que a segregação não é o caminho adequado, e apontou para outras medidas tomadas pelo governo, como a instalação de câmeras de vídeo em todas as estações do metrô e o aumento do número de seguranças mulheres no sistema metroviário em São Paulo. Segundo Dalva, apenas nove mulheres têm denúncias registradas pela Trensurb nos últimos cinco anos. Para que a denúncia seja efetivada, o MMM disponibiliza em seu material de divulgação o número da Escuta Lilás, ferramenta de atendimento do Centro Estadual de Referência da Mulher Vânia Araújo Machado (CRMVAM). Pelo número gratuito 0800 541 0803, mulheres de todo o estado podem denunciar qualquer tipo de violência.
O CRMVAM, trabalha no atendimento pessoal e com a Escuta Lilás. Uma equipe com psicóloga, advogada, assistente social e telefonistas especializadas para lidar com questões de violência da mulher ficam disponíveis para o acolhimento dos casos e orientação dos procedimentos jurídicos necessários. Segundo a coordenadora do CRMVAM, Maria do Carmo Bittencourt, 3.134 mulheres foram atendidas no ano de 2013. Este ano, até o mês de abril, foram 958 atendimentos. Segundo Maria do Carmo, há uma questão que perpassa todos os tipos de agressões: a autorização social. “Existe uma autorização social para a pequena, até a grande violência. Para a mulher que sofre assédio, existe o entendimento de que se ela gritar, vai ser mais exposta e ter menos proteção do seu entorno. Que ela precisa se proteger o tempo inteiro, porque a sociedade não a respeita, não a protege. Temos que acabar com essa autorização social, para que o agressor seja exposto e criminalizado” afirma Maria.
HÁ 163 ANOS...
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"Shock of reality!"
VOL. III . . . No. 29
PORTO ALEGRE, QUARTA-FEIRA, SETEMBRO 10, 1851
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COPIAM-NOS NOS EUA? Por ESTÁCIO FIGUEIRAS Após longa novela, está confirmado: os Estados Unidos do norte da América não contarão com as as preciosas páginas do jornal Tabaré. Findaram as negociações com um desconhecido grupo norte-americano, confirmação repassada à equipe editorial ontem à noite pelos encarregados de Assuntos Internacionais, Expansão e Alargamento do Tabaré. O motivo é a informação confirmada de que no próximo dia 18 será inaugurado um jornal concorrente na cidade de Nova Iorque. Aurélio Souza e Cruz, Diretor Sub-Regional de Assuntos Internacionais do Conglomerado Tabaré, por meio de uma nota geral, explica aos leitores: - O público norte-americano não coincide com as nossas estimativas de alcance no momento. Não nos parece um mercado em expansão pelo menos nos próximos dois séculos. Isto porque na próxima semana mais um periódico se somará à disputa por leitores e entusiastas da imprensa. Segundo fontes dos States, muito próximas aos encarregados de distribuição do futuro jornal concorrente, ele deve ser produzido e editado de Nova Iorque e, pasmem, baseado na
estrambótica ideia de veiculação diária (exceto domingos). O novo jornal deve ter o pouco criativo nome de The New York Times. E sobre isso nosso Diretor Sub-Regional comentou: - Hoje em dia tudo é marketing. Um bom nome é capaz de atrair anunciantes e público. Tem que sair da mesmice. Lamentavelmente, nosso futuro concorrente parece estar andando para trás. Nós sempre tivemos essa preocupação de criar um nome que enfrente a lógica esperada. Mistério e non sense sempre atraem! Uma onda de aflição, relatam fontes, circula pelas redações das empresas jornalísticas do continente. Todos temem pelos efeitos do The New York Times sobre anunciantes e público americanos. No entanto, o temor não atinge o Sub-Diretor Sênior de Projetos do Tabaré, Reginaldo Nascimento, que garante que este jornal seguirá seu crescimento lento e distribuição mensal rumo ao próximo século. - Não há a mínima hipótese de qualquer prejuízo ao Tabaré. Nosso anunciante não se venderá aos ianques! Muito se especula sobre o futuro do jornalismo,
outubro 2014 #29
com ideias extravagantes sondando que a imprensa componha o cotidiano político e social a partir das próximas décadas. Neste embalo, fanáticos jornalistas dos Estados Unidos apregoam que o novo veículo seja um marco no contexto político, social e econômico do país. Balela. Difícil imaginar que esta ferramenta simplória sirva-se para interesses espúrios e conspiratórios, ainda mais que tenha poder para tal. Imaginem que os tão elevados companheiros da América do Norte se deixarão tomar pela leitura diária de jornais, renegando os bons costumes de repassar as informações através da boa e saudável conversa diária nas praças e parques deste imenso continente. Euforias à parte, a classe diretiva do futuro empreendimento nortista ainda não se pronunciou oficialmente sobre a totalidade de seu ramo de atuação e abrangência do futuro impresso. O natural, tranqüilizamos os leitores, é que este tal The News York Times não deseje competir com o prestigioso jornal Tabaré.
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TABARÉ
Tuane Eggers