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porto alegre janeiro 2012

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outra cidade é possível

CIDADE EM BAIXA ausência • cruzeiro x são josé • fuengirola • excomungado


TABARÉ

C

omeçou 2012. E todos sabem: ano novo, promessas novas. Fora aquelas clássicas de auto-engano, como “começar uma dieta” ou “estudar mais”, este ano reserva mais uma avalanche de promessas enganosas, porém muito mais graves. Motivo: eleições. Sabemos que não só de discursos fajutos é feito o processo eleitoral: as relações de poder transcendem a politicagem. Se 2011 abalou as estruturas da geopolítica global, 2012 não vai ser diferente. Ao contrário do Congresso, os processos deflagrados na última temporada não entram em recesso. Nos próximos meses teremos eleições no Egito, que passou a ser peça fundamental na política internacional, e também fonte de inspiração para as manifestações que varreram o globo. A principal potência mundial também entra

em eleições: um trôpego e cínico Obama disputa eleições com lunáticos do Tea Party, tudo em meio às efeverscências provocadas pelo Occuppy Wall St. e seus correspondentes em outras cidades. Aqui, na nossa querida Porto Alegre, as coisas não fogem à regra: teremos eleições, rearranjos de força, e por mais reduzidas que pareçam as manifestações, elas também não fogem à mania tão cara aos donos do poder de tentar cerceá-las, criminalizá-las, abafá-las. Não que a criminalização dos movimentos sociais seja uma novidade no Brasil, mas restringir o uso do Largo Glênio Peres e a tentativa de intimar, controlar, serializar e carimbar ciclistas por parte do “poder público” são novos elementos no jogo, que mostram a pronta disposição das autoridades em pisar em qualquer coisa que exale um mínimo cheiro de desobediência e inconformismo.

Pode parecer contraditório: em meio à “festa da democracia”, as manifestações populares mais genuínas e espontâneas são combatidas. Ora, na verdade, se trata de pura coerência. Se tem uma coisa que 2011 nos legou de imediato, é, no mínimo, uma profunda desconfiança em termos de quão democrática é a democracia representativa. E se tem outra coisa que ficou escancarada, é que um corpo vivo numa praça é infinitamente mais potente que um voto. Não há dúvidas: Occuppy Wall St, Praça Tahrir, Largo Vivo e Massa Crítica são manifestações diferentes com causas e pesos diferentes. Mas também não há dúvida de que se encontram: são a afirmação da dimensão política da vida na ocupação dos espaços públicos. E são combatidas justamente por isso: pelo seu perigo latente de transformarem a política em prática cotidiana.

Ariel Fagundes, Chico Guazzelli, Dani Botelho, Felipe Martini, Gabriel Jacobsen, Guilherme Dal Sasso, Iván Marrom, Jessica Dachs, Júlia Schwarz, Juliana Loureiro, Leandro Hein Rodrigues, Luciana Bênia, Luísa Santos, Luísa Hervé, Luna Mendes, Maíra Oliveira, Matheus Chaparini, Marcus Pereira, Martino Piccinini, Natascha Castro Projeto Gráfico: Martino Piccinini Diagramação: Luísa Hervé Capa: Augusto Lima [www.flickr.com/guttopoa] Colaboradores: Edgar Vasques, Guazzelli, Frederico Stumpf Demin, Nílton Coelho, Tuomo Mannonen, Vasco., Ville Keskitalo Tiragem: 2 mil exemplares Contatos: comercial@tabare.net tabare@tabare.net facebook.com/jtabare @jornaltabare Distribuição: Palavraria Ocidente Tutti Giorni Casa de Cultura Mario Quintana Comitê Latino-americano Instituto NT Nova Olaria

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¿De quién es el útero? Na última sessão de 2011, o senado uruguaio aprovou o projeto de lei que despenaliza o aborto. O texto garante que “toda mulher maior de idade tem o direito de decidir pela interrupção voluntária da gravidez durante as doze primeiras semanas de gestação”. Todos os serviços de saúde, públicos ou privados, têm obrigação de realizar o procedimento gratuitamente quando solicitado. O projeto foi aprovado por 17 a 14, com votação em bloco da Frente Ampla, governista, e apenas um voto do Partido Nacional (Blanco), de oposição. A proposta passará pela aprovação da Câmara dos Deputados, onde o governo também tem maioria, e, se aprovada, segue para sanção do presidente Pepe Mujica, que já manifestou apoio. Em 2008, uma lei semelhante foi aprovada pelos parlamentares, mas foi vetada pelo então presidente Tabaré Vasquez. Em tempo Este Tabaré que vos fala discorda do veto do xará e apoia este projeto de lei. (Mais uma vez, os uruguaios estão muito a nossa frente). De parar o trânsito A inauguração de um megatemplo da Igreja Mundial do Poder de Deus, em Guarulhos (SP), foi um sucesso. Segundo o líder da igreja, o apóstolo Valdemiro Santiago, dois milhões de fiéis compareceram à novíssima casa de Deus. Foi tanta gente que a Via Dutra, que liga Rio e São Paulo, parou por cerca de seis horas, isolando o aeroporto de Cumbica. A Polícia Rodoviária Federal vai tentar, via Ministério Público, a interdição do templo por considerar que “seu funcionamento representa violação do direito de ir e vir”.

CARTAS @tabare.net

[Luísa Hervé]

Pra quem serve a tua cidade? Artistas de rua, só se o prefeito deixar. Feiras, idem. Espetáculos com palco, no máximo dois por mês. E ponto final. Assim passa a funcionar o largo Glênio Peres - margeado pelo Mercado Público e pela Praça XV - com a lei proposta pela Prefeitura de Porto Alegre e aprovada pela Câmara de Vereadores. O projeto de lei 038/11 apresentado pelo Ilmo Sr. Prefeito José Alberto Reus Fortunati visa a “um regramento que resulte em aproveitamento racional” do largo. Este regramento restringe as manifestações artísticas e a realização de feiras, liberando apenas a Feira do Peixe. Entretanto, o estacionamento no local segue liberado - e atrolhado - a partir das 18h. Simples assim: tira as pessoas, deixa os carros. Racional. Cartão vermelho: grampearam o comandante O comandante do 7° Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Djalma Beltrami, foi preso acusado de tráfico de drogas e corrupção. Preso, solto e depois preso de novo. Ele estava entre os 13 suspeitos de receber propina de

Feliz Ano Novo. Jupiter Caique, simpático Onde, querido? Como eu gostaria de ser estudante de jornalismo ou jovem jornalista pra ingressar no Tabaré... Tem vaga? rafael Guimaraens, otimista Quando tu souber o salário acho que vai mudar de ideia, tchê. Mas ternura sobra. Vejo o Tabaré espalhado pela cidade. Ocupando espaços simbólicos e concretos ao mesmo tempo, na materialidade do papel e

daqueles que o constroem e nos corações de quem os lê. Encontros e desencontros de uns e outros. Têm sua magia. maria mendes, cidadã Jornal é pra isso mesmo! E pra enrolar peixe, limpar vidro... O lançamento da edição 8 estava muito bom! Parabéns pela edição e pela escolha da banda. Ciro Güiraldes, jazzeiro Que lançamento? Não temo nada a ver com essa baderna... Apresentem uma solução política plausível a todos os

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traficantes do morro da Coruja, em São Gonçalo, área do batalhão. O arrego dos trafis seria de 160 mil por mês. Beltrami foi nomeado para o comando do batalhão no lugar do tenente-coronel Cláudio Oliveira, acusado de ser o mandante da execução da juíza Patrícia Acioli. Com este caso, o 7° BPM entra novamente para os anais da polícia brasileira. Depois de ter o primeiro caso conhecido de assassinato de magistrado comandado de dentro de um batalhão de polícia, agora, pode se gabar de ter o primeiro comandante de polícia preso na porta do próprio batalhão. Parabéns. Em tempo Djalma Beltrami colecionou casos polêmicos na carreira de juíz de futebol, encerrada com sua aposentadoria em maio de 2011. Ele foi o árbitro da lendária Batalha dos Aflitos, em 2005, quando, apesar de sua desastrosa atuação ao apito, o Grêmio voltou à elite do futebol brazuca. Em 2007, os corintianos também se queixaram de um resultado indireto que rebaixou o time paulista. Se bem que os corintianos tão sempre chorando por alguma coisa mesmo.

problemas que apresentam. Ou serão eternamente um panfleto se masturbando em sua própria retórica revolucionária sem nem ter ideia do que é uma revolução. marcelo de martins, sociólogo Quem apresenta solução pra tudo é pastor pentescostal. Beijos. Un torturador no se redime suicidándose, pero algo es algo. mario benedetti, atirador franco. Falta não fariam.

O Zero Notícia que se cuide! Luiz abreu, fotojornalista Com certeza. Um dia o Dilúvio transborda e arrasta mais essa bosta pro Guaibão véio. Sério?! Eu adoro o Tabaré! Sou apaixonada por um dos guris. Ele é de esquerda, anarquista e dono de um jornal alternativo. Um alto, meio nórdico, loiro, de olhos azuis. Ele tem as fotos mais bonitas do feicebuque, com um gatinho. Verônica botelho, prima Nunca vi mais gordo. Não foi no Kzuka que tu achou o moçoilo?

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[Gabriel Jacobsen]

Invisíveis e Nítidos por Felipe Martini colaboraram: Chico Guazzelli e Gabriel Jacobsen

están en algún sitio / nube o tumba están en algún sitio / estoy seguro allá en el sur del alma Desaparecidos, Mario Benedetti

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m Gustavo Germano argentino e fotógrafo me contou, num sotaque que em algo acusa seus dez anos de vida catalã, a motivação em fazer um trabalho como o Ausencias, em que fotografias de família da dolorosa Argentina dos anos 70 são recriadas três décadas mais tarde. Repetem-se nas fotos, que por apresentadas par a par poderiam lembrar algum tipo macabro de jogo dos sete erros, os cenários e enquadramentos daquela Argentina setentista e verde-oliva, que viveu e morreu uma das mais atrozes ditaduras da história do continente. São cenas familiares, retratos espontâneos, imagens cuidadosamente selecionadas por Germano em sua província natal de Entre Ríos, em arquivos de família guardados como tesouro, por serem muitas vezes os únicos ou últimos registros físicos daquelas existências. Entre os arquivos pessoais revirados pelo fotógrafo está o seu próprio álbum de fotos, que empresta à mostra a imagem de Gustavo com seus irmãos Guillermo, Diego e Eduardo, este último ausente da reprodução contemporânea. Eduardo se tornou, aos dezoito anos, uma das trinta mil vítimas fatais do regime militar argentino. “Minha relação com a ditadura é a que se pode ter com um regime genocida, contra o qual se tem que lutar”, me disse decidido Gustavo, que se considera uma vítima colateral do governo que partiu a vida do seu irmão ao meio. A profunda marca deixada pela trágica

história familiar, porém, está longe de ser a única motivação de Ausencias: “Eu não quis fazer um projeto que fosse autobiográfico, pessoal. O primeiro passo para sair da loucura que significou a desaparição forçada foi encontrar e conhecer outros familiares vítimas da repressão. Perceber que não é uma ação individual ou contra a família, mas que somos vítimas coletivas. Meu irmão foi um de todos os que precisaram matar para desenvolver aquele modelo social”. Recuperar a memória daquelas pessoas condenadas ao nada pelo imperdoável delito de dizer não, é, para Germano, uma maneira de amenizar a dor brutal desatada pelas desaparições, que foram política sistemática de um Estado esvaziado de capacidades institucionais. Os cidadãos e movimentos de direitos humanos que lutam pela reparação histórica dos crimes da ditadura se baseiam no mote “Memória, Verdade, Justiça”, que exige, além da divulgação dos crimes da época e seu julgamento (políticas possíveis a partir da ascensão de Néstor Kirchner à presidência, em 2001), a restituição total do patrimônio moral dos mortos e desaparecidos, num processo de reumanização levado a cabo em diversas instâncias, entre elas a arte. Nesse mesmo processo se insere a fotografia de Gustavo Germano. Durante a seleção das imagens originais, o fotógrafo procurou contemplar “uma diversidade de cenários, espaços e situações concretas da foto” além de considerar “as relações das pessoas que estão nas imagens com a vítima”, em um longo processo de reprodução permeado de imperfeições técnicas inevitáveis: “há a questão da espontaneidade das fotos originais em contraposição com a seriedade, com a carga que tem a foto atual”. Outra presença marcante nas imagens contemporâneas é o peso dos trinta anos existentes entre uma foto e outra, que

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para Germano é essencial na composição do projeto. “No fundo o que eu queria transmitir é esse desejo que temos todos os familiares, essa vontade de tê-los visto envelhecer, que é viver”. O vácuo que salta aos olhos dos que veem as imagens modernas é o elemento fundamental de Ausencias, capaz de ferir fundo a sensibilidade de quem as observa. Germano fez uso de seu ofício, a fotografia, como forma de evidenciar o vazio deixado pelo regime cujas conseqüências são combatidas até hoje: “Um pouco disso é a obsessão de não ter que explicar o que se vê, mas sim de permitir que as pessoas entendam o que veem por conta própria”. Ausencias, que pode nascer com o apoio financeiro da Casa Amèrica Catalunya (fundação de Barcelona dedicada a temas do continente), tornou-se com o tempo mostra itinerante a percorrer diversos países. Germano disse haver recebido “muita empatia de pessoas de vários lugares do mundo”, e atribui a isso novamente o fato de ter apenas mostrado a ausência causada pelas desaparições, “exigindo que as pessoas se enfrentem a essa compreensão”. Gustavo Germano não apresenta didaticamente dados, evidências, fatos ou conjunturas daquela sofrida Argentina, que penou o mais violento período da sua história de meados dos anos 70 (com o golpe militar consumado em março de 76) a 1983, mas sim oferece ao espectador abraços familiares, tardes de sol à beira do rio Uruguai, uma pescaria entre irmãos, um abraço na filha recém-nascida; tudo isso mutilado brutalmente por um modelo de regime que até hoje tem infinitas raízes espalhadas pelas bases de nossas sociedades latino-americanas. Esse é o trunfo do fotógrafo-irmão, esse é o motivo que faz cada ausência calar tão fundo. “Muita gente pode entender o que significa uma ausência”, resumiu Gustavo.


[1975]

Omar Darío Amestoy

Mario Alfredo Amestoy

[2006]

Mario Alfredo Amestoy

[1970]

María Irma Ferreira

María Susana Ferreira

[2006]

María Susana Ferreira

[1975]

Leticia Margarita Oliva

Orlando Rene Mendez

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[1976]

Laura y sus padres

[2006]

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Laura

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a hora dos boêmios

dormirem por Júlia Schwarz colaborou: Marcus Pereira fotos: Felipe Martini

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nze e meia de uma noite de sexta-feira. Jovens de 18, 30, 50 anos bebem com os amigos em um bairro de bares. As risadas se repetem e ecoam no ambiente. Os copos se enfileiram na mesa. Os gestos ganham amplitude e perdem a precisão. Os sorrisos abertos se dilatam. Os garçons observam a agitação, titubeiam e, então, aproximam-se das mesas em uma coreografia dessincronizada. Avisam: “mais algum pedido? o bar fecha meia-noite”. O sábado entra quente e escuro. A peregrinação começa. Os notívagos saem do bar ávidos por mais uma ou quinze loiras geladas – de preferência a baixo custo. Após caminharem algumas quadras, a constatação: muitos bares fechados e, consequentemente, outros grupos na mesma situação. As opções? Entrar em algum lugar mais caro, entrar em alguma boate (que, se for no mesmo bairro, pode estar fechada) ou voltar para casa. Desde a noite de 12 de novembro de 2011, a Cidade Baixa está diferente. Nesta ocasião, a Secretaria Municipal da Indústria e Comércio (SMIC), executou a Operação Sossego que fechou 23 estabelecimentos, autuou nove e notificou outros cinco como parte de uma tentativa imprecisa de apaziguar a região. O bairro mais boêmio de Porto Alegre, antes barulhento, movimentado, vivo, transmite agora uma sensação vazia. Os bebedores reclamam da falta de entretenimento após a meia-noite; os empresários, da queda de 70% no faturamento; músicos de bares, perderam trabalho; alguns moradores têm medo de andar pelas ruas desertas; outros dormem tranquilos com a extinção do barulho da boemia embriagada.

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O COMEÇO DA HISTÓRIA Em abril, a mídia porto-alegrense trouxe a público o desconforto e o medo de alguns moradores da Cidade Baixa quanto à postura dos adolescentes e jovens que frequentavam a região aos domingos. Após as tardes na Redenção, migravam para as calçadas da Lima e Silva, concentrados principalmente entre as duas quadras que vão do supermercado Zaffari ao Shopping Nova Olaria, onde, segundo parte dos habitantes, se alcoolizavam, defecavam, urinavam, consumiam entorpecentes e se amavam de modo semelhante a cenas de filmes eróticos. A situação não foi midiatizada por acaso. Moradores do bairro haviam se encontrado com um grupo de vereadores buscando medidas do poder público que coibissem as práticas que os acuavam. Reclamavam ainda do barulho originado pelas casas noturnas, da dificuldade de se ingressar na própria garagem devido a carros que bloqueavam o acesso, e da multidão aglomerada nas vias. Segundo os moradores, ao conversar diretamente com os agentes da situação, eram por vezes ameaçados. Sendo os relatos verdadeiros ou exagerados, após a reunião entre moradores e edis, a Brigada Militar começou a realizar um monitoramento da área entre sexta e domingo, dias de maior movimentação, no intuito de coibir infrações e crimes. A polícia constatou que havia menores de idade frequentando aquela parte da Lima e Silva. Por isso, o Zaffari, onde muitas das bebidas eram adquiridas, deixou de vendê-las geladas nesse dia. Também passou a fechar seus banheiros alegando que eram ocupados para o uso de drogas e atos sexuais. A falta de sanitários obrigava os jovens a urinarem no passeio público, o que evidentemente desagradava os habitantes. Seis meses após as notícias sobre o incômodo relatado pelos moradores, sua reunião com os parlamentares e o início do policiamento ostensivo, foi realizada uma assembleia popular na igreja Sagrada Família. Este encontro, organizado pela Comissão Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece), reuniu comerciantes locais, cerca de 300 moradores, secretários municipais e vereadores para tentar solucionar os problemas. Nesta reunião, o dirigente da Cece, o vereador Professor Garcia (PMDB), relatou que os moradores planejaram uma passeata da igreja (que fica na José do Patrocínio, quase esquina com a Venâncio Aires) até o Largo Zumbi dos Palmares. “Mas eles desistiram porque tinham medo de sofrer represálias. Ficou decidido que haveria nova reunião em um mês, para fazer um balanço das ações realizadas pelo poder público.” Após o encontro, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) intensificou a fiscalização de carros estacionados em locais proibidos. Também passou a fazer blitzes nas quais, além multar motoristas embriagados, descobriu dois taxistas que eram utilizados como “mulas” por ladrões. A Brigada abordou aproximadamente mil pessoas, identificando entre elas foragidos da Justiça. A SMIC passou a fiscalizar o funcionamento dos bares. Foi então que a Secretaria de Indústria e Comércio pôs em prática a Operação Sossego, levando o conflito ao ápice. Tanto que três dias depois houve uma audiência de acirramento, na qual o prefeito, José Fortunati (PDT), e Garcia se propuseram a mediar a divergência de interesses entre os cerca de 600 presentes. Moradores queriam sossego; músicos, trabalho; bares, vender, a Brigada e a EPTC queriam continuar com a operação Balada Segura e a SMIC, reprimir os recintos irregulares.

Mais um encontro foi realizado na metade de dezembro quando o prefeito nomeou uma comissão do executivo, junto aos moradores e a alguns dos proprietários de bares para tentar resolver o imbróglio. Desde então, a comissão ainda não se reuniu, mas os 23 bares interditados em novembro tiveram que permanecer 15 dias fechados, justo na época de confraternizações de fim de ano. Os que foram multados pagaram, no mínimo, R$ 1.500,00 e agora os 37 bares que receberam alguma sanção precisam fechar suas portas até a meia-noite, uma da manhã, no máximo. Quando o horário se aproxima, uma caminhonete da SMIC começa a rondar a região como se estivesse dando um aviso, fazendo os garçons de alguns recintos com mesas nas calçadas ficarem inquietos e convencerem os clientes a se estabelecerem nas mesas internas.

Não quero mais me incomodar com a SMIC

O ENTRAVE DOS ALVARÁS Para resolver a parte da incomodação com os habitantes, a SMIC tomou uma atitude que muitos consideram radical e imediatista. Afinal, a reclamação de muitos proprietários diz respeito à morosidade e burocracia excessiva no processo de obtenção do alvará definitivo. Um empresário da Cidade Baixa que não quis se identificar relata que, embora seu faturamento seja de 30% comparado a quando encerrava suas atividades mais tarde, sente-se aliviado de perder alguns clientes que depredavam o local. Entretanto, desabafa: “Não é justo ver que parte dos que foram autuados não cumprem o que foi estabelecido. Agora eu fecho no horário porque não quero mais me incomodar com a SMIC”, criticou. Julgando a ação da secretaria como sendo radical, acredita que outras medidas menos drásticas poderiam ter sido tomadas. Conclui afirmando que a fiscalização passou a optar por medidas mais severas desde que Valter Nagelstein (PMDB) assumiu a secretaria. A posição que o presidente do Sindicato da Hotelaria e Gastronomia de Porto Alegre (Sindpoa), José de Jesus Santos, e que o presidente da Cece defendem é diferente do empreendedor. Para eles, a SMIC fez todas as advertências previstas em lei antes de adotar a punição. Santos acrescenta: “Esta medida ajuda a diferenciar os empresários que realmente se importam em cumprir a lei dos outros.” Nagelstein disse, em entrevista recente, que bares de outras regiões da cidade foram autuados como uma padaria e uma confeitaria da rua Padre Chagas que sofreram sanções. Entretanto, tanto Santos quanto Garcia enxergam problemas no processo atual de liberação de alvarás. O representante dos comerciantes enfatiza a demora de conseguir alguns tipos de permissão definitiva devido a sua alta burocracia, que exige uma peregrinação entre secretarias, que pode levar até seis anos. Professor Garcia concorda que a SMAM, a SMIC, a SMOV e, ainda, a Secretaria do Planejamento agem de forma isolada, sem comunicação entre si. Nenhum alvará é expedido sem a autorização destas quatro pastas. Outra variante levantada pelo parlamentar diz respeito à má utilização dos alvarás temporários. Este tipo de licença foi criada para gerar o CNPJ de comerciantes da periferia que, sem o registro, eram extorquidos pelos fornecedores de produtos. No entanto, passaram a ser expedidas indiscriminadamente e sem prazo determinado para expirar e, tampouco, data para se tornarem definitivas. “Tem que ser feita uma força tarefa, como quando tem um grande empreendimento. Tem um setor chamado Cauge

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[Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento] onde as secretarias sentam de forma conjunta. Cada secretaria recebe uma cópia do projeto e aí as analisam e dentro de duas semanas elas voltam com um parecer. Todo mundo assina de forma conjunta e já sai a autorização pra começar a obra. Isso poderia ser feito também pra questão dos estabelecimentos. Ou seja, o estabelecimento pediu o alvará e, de 30 a 60 dias, a comissão diz se dá ou se precisa algo mais para a permissão ser expedida”, sugere Garcia. Mesmo que os bares consigam se regularizar, seu horário de funcionamento limite será à meianoite, outro ponto que tem provocado o debate entre as partes. Questionado quanto à possibilidade de se alterar a lei para extender o tempo que os bares e restaurantes ficam abertos, o secretário Nagelstein pondera que é possível que a lei esteja equivocada e precise ser reformulada. No entanto, ainda não encaminhou nenhum projeto nesse sentido. Por outro lado, o presidente da comissão de conciliação explica que seria razoável, desde que o movimento de pessoas ficasse restrito aos bares. Argumenta reproduzindo a seguinte queixa dos moradores: “Se mudar a lei e puder fazer bagunça na rua, eu quero o seguinte: que eu também, ao invés de começar às oito horas o meu serviço, começar às dez da manhã. Porque aí só vou conseguir dormir às duas, três da madrugada. O que não é justo é eu dormir às onze pra me acordar às cinco e pouco”. Quando perguntado se há alguma proposta na Câmara para realizar esta mudança na lei, o vereador considera: “Como tá tendo uma relação dos donos de bares com o Executivo, nada melhor do que o Executivo tentar propor. Porque aí já vem casadinho”. Quem também espera a realização da tarefa pelo poder executivo, é o presidente do Sindpoa. “Não deve ser necessário que os restaurantes que queiram funcionar até mais tarde peçam o alvará de casa noturna. Restaurante é restaurante, casa noturna é casa noturna”, enfatiza. Santos propõe o zoneamento das áreas da capital para adequar as faixas de horários de funcionamento de acordo com suas características habitacionais. Para ele a região central da cidade, especialmente na área próxima ao Mercado Público, teria um potencial para o estabelecimento de serviços 24 horas devido a sua baixa densidade habitacional. Apesar de todas as partes esperarem alguma mudança na lei, nada foi feito até agora.

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uMA CIDADE BOÊMIA Nos 239 anos de Porto Alegre, a Cidade Baixa não é o primeiro bairro boêmio da Capital. Mas, certamente a mudança dos redutos da boemia na cidade esteve relacionada com as transformações promovidas pelo poder público: a reforma urbana promovida pelo intendente Otávio Rocha na década de 1920; a abertura de novas avenidas nos anos 1940; os decretos dos prefeitos nomeados pela ditadura militar (19641985). Em alguns casos, cogitam os desconfiados, a especulação imobiliária catalizou o rezoneamento dos bares. Tanto que antigos bairros boêmios se tornaram residenciais. Exagero ou não, o bairro Bom Fim, por exemplo, recebeu prédios novos e grandiloquentes depois da quase extinção dos bares locais. O empresário Dirnei Messias assistiu à migração da boemia na Capital. Ele administrou mais de 20 casas noturnas entre os anos 1960 e 1980. Boêmio conhecido, recebeu dos jornais da época o título de “rei da noite porto-alegrense.” Em 1971, Messias inaugurou a boate Flower’s, primeiro estabelecimento regularizado destinado a homossexuais. Também foi presidente da Associação de Proprietários de Estabelecimentos de Diversões Públicas durante dez anos na década de 1970. “Entre os anos 1930 e 1950, os bares se concentravam na rua Voluntários da Pátria. Ali, tinham mais ou menos 30 casas noturnas, como a Cabana do Turquinho, o Maipu e a American Boate. Mas, os estabelecimentos funcionavam como bordéis e casas de espetáculo. Como eram as únicas formas de entretenimento à noite, era possível encontrar nestes lugares figuras públicas importantes, como governadores do estado”, reconstitiu Messias.

O empresário relembra que nesta época não havia liberação de alvarás para este tipo de atividade, chamadas também de “casas de tolerância.” A designação se justificava, pois, “a polícia tolerava a existência delas, afinal, os ditos homens da segurança e dos costumes da época achavam melhor abrir este tipo de casa para que as mocinhas da Rua da Praia e do Centro da cidade não fossem molestadas”. Ainda nos anos 1940, Porto Alegre passou por um surto desenvolvimentista, sobretudo, na primeira gestão do prefeito Loureiro da Silva (1937-1943). Na administração de Loureiro, foram abertas avenidas importantes, como a Farrapos. Além disso, foram urbanizadas as regiões distantes do Centro de Porto Alegre, o que criou condições para o surgimento de novas concentrações de bares e casas noturnas. No final da década de 1950, começou a fase dos barzinhos na chamada “barlândia” da Avenida Protásio Alves. Frequentada pela alta sociedade local, a “barlândia” efervesceu durante um decênio. Nos anos 1970, auge da ditadura militar, o núcleo boêmio se transferiu para a rua 24 de Outubro e para a avenida Independência. Messias relata que, nesse período, menores de idade que aparentavam maioridade eram permitidos: “Não havia uma fiscalização efetiva dos locais para impedir esta presença.” No entanto, durante os anos de chumbo, a Secretaria Municipal de Segurança, através do Departamento de Diversões Públicas - órgão ligado a Polícia Civil e ao Dops - decretou que as casas ocupadas como bordéis se transferissem para a Avenida Farrapos. Então, boates como o Madrigal, Rosa Flor e a Kalesh se instalaram lá.

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Na década de 1980, floresceram a noite na Avenida João Pessoa - com as boates Casa de Portugal, Correntão, Capitão Sete. Nos anos seguintes à redemocratização até o começo da década de 1990, a avenida Oswaldo Aranha também ganhou notoriedade pelos bares frequentados pelo público chamado underground. O fervo na Cidade Baixa só se intensificou nos anos 2000. Foi aí que o bairro conquistou a fama de “reduto boêmio.” Nesta época, também se intensificou a vida noturna na rua Padre Chagas - voltada para o público mais abastado. O antigo “rei da noite” pondera sobre a polêmica recente na Cidade Baixa. “Conflitos entre donos de bares, seus frequentadores e os habitantes sempre houve. A diferença é que antes as pessoas conversavam entre elas pra tentar chegar a um entendimento, sem acionar o poder público”. Apesar de os redutos boêmios de Porto Alegre mudarem de região, é importante notar uma transformação ocorrida em muitos deles: as avenidas Independência, Oswaldo Aranha, Protásio Alves, por exemplo, passaram ou estão passando por um processo de demolição de prédios históricos para a construção de grandes espigões ou construções mais modernas. Em 2011, na Cidade Baixa, na rua Lima e Silva, em frente ao shopping Nova Olaria, foi construído um imenso edifício. A especulação imobiliária estaria influenciando no “apaziguamento” do bairro para torná-lo residencial? Ou seria essa apenas mais uma teoria da conspiração?


por Tuomo Mannonen Finlandeses têm fugido de seu inverno frio e escuro desde os anos 1960. Autoproclamados “aves migratórias”, eles voam para um lugar mais cálido durante o inverno e retornam para sua terra natal no verão.

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a Costa del Sol, litoral sul da Espanha, vivem entre 15 e 20 mil finlandeses durante a temporada de inverno, que dura mais de seis meses na Finlândia. Ao contrário de sua terra natal, na Costa del Sol mais ou menos 300 dias do ano são ensolarados. Ao longo das décadas, os finlandeses acabaram criando uma mini-Finlândia em Fuengirola, uma cidade localizada 30km ao leste de Málaga (a capital andaluz). Lá, é possível encontrar escolas, igrejas, jornais nos quais o finlandês é a língua utilizada, além de todos os serviços necessários em uma cidade, da padaria a escritórios de advocacia. Melting pot / Caldeirão cultural Britânicos, alemães e outros povos de origem escandinava também se estabeleceram na Costa del Sol, assim como pessoas de diversos países da América Latina. Fuengirola é hoje o lar de pessoas oriundas de 120 nacionalidades diferentes. Muitos dos finlandeses

que vivem na Costa são aposentados, mas há cada vez mais jovens e famílias que rumam ao sul da Espanha. Muitos deles ficam apenas alguns invernos e, então, retornam à Finlândia sem conseguirem se integrar à cultura hispânica por poderem levar suas rotinas totalmente em finlandês. Mas o amor geralmente mistura as coisas: existem muitos casamentos entre pessoas das duas nações.

Comunidade em crescimento Ano após ano, mais finlandeses visitam a Costa. Em 2011, o número de finlandeses que chegaram de avião a Málaga aumentou em 10%, chegando a 100 mil turistas, de acordo com as estatísticas do aeroporto da cidade. Ano passado, uma produtora finlandesa gravou um reality-show sobre 12 famosos finlandeses que vivem na Costa. Em Fuengirola, a escola finlandesa de ensino médio chega a seu 20º aniversário com 300 alunos. Devido à falta de vagas nesta, está sendo debatida a construção de uma nova escola para a crescente necessidade das famílias. Para ajudar a sanar os problemas enfrentados pela comunidade finlandesa residente na Espanha, em 2011, o governo finlandês contratou um assistente social para atuar na Costa del Sol e ajudar a resolver problemas como solidão, doenças crônicas e alcoolismo.

[Ville Keskitalo]

EU TAVA te chupando quando tu dormiu

mapa para perderse

por Vasco.

por Jessica Dachs

A frase pareceu tê-la deixado bastante surpresa. Debruçou-se à frente na cama e levou a mão à boca, que se abria, já passando da metade. Visível o espanto.

El astrolabio del olvido con un tintero lleno de ausencias me dibuja tu rostro. Una taza con vino. El amanecer al lado del fuego. Las canciones y el exilio. Las paredes y las palabras. Las calles desnudas y los poetas. La sangre y el bandoneón. Hay un lugar que subleva sentimiento y no es el alma. Hay un lugar fijo que no es una mirada. Hay un lugar tierno y caluroso que no es una palabra. Ahí estoy. En los adentros de la noche Viviendo en esa patria nómada Sin sur Y sin norte. Hija del viento Y del mar dulce He construido este mapa para perderse Donde uno nunca llega a ubicar Mi corazón.

Compreensível. Sua última fala tinha sido algo como saímos do banho, comi o sanduba e... não lembro de mais nada. Comi e apaguei. Foi neste momento que ele se pôs de costas para ela e explicou a razão do mau humor e da cara de cu com que acordara. Compreensível. Não haviam bebido a ponto de esquecer a noite anterior. Muito menos a ponto de se dormir no meio de uma chupada! A noite estivera perfeita. O som instrumental, a caminhada pela Osvaldo Aranha, a cerveja estupidamente gelada. Ela precisava de um banheiro e de algo para comer antes de seguir adiante pela escaldante madrugada do janeiro portoalegrense. Lanchera fechada, vamo pra minha casa. Depois voltamos pra tomar mais uma? Claro! O barulho do chuveiro, ele estranhou, entrou no banheiro. Tava com calor... Hum. Posso entrar..? E aí segue-se a história, a velha história. No chuveiro não entra direito, cama. Sempre fora apaixonado por aquelas coxas grossas, desde que a conhecera. Ah! Que prazer lhe dava ali meter-se, entre lambidas e mordidas, a barba roçando-lhe as virilhas... Só que aí ela dormiu. De volta à manhã seguinte, permanecem os dois nas mesmas posições. Ela, a mão na boca, a cara agora já deixa o espanto e beira a culpa, o sinto muito. Ele de costas, ela poderia ao menos se lembrar! Daqui a pouco, trocarão meia dúzia de palavras, ele se levantará e irá embora. Acho que não tornarão a se ver.

janeiro/ 2012 #9

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A Máquina Estrelada

N

por Nílton Coelho

a cidade de Porto Alegre existem somente três clubes de futebol que possuem uma história consistente e se mantêm vivos: Inter, Grêmio e Cruzeiro. O resto? Ou nunca foi grande o suficiente ou já faleceu. Mas quantos tratam o Cruzeiro com o respeito que sua história demanda? Poucos, já que desde o final da década de 70 foi difícil enxergar o clube em meio a tantas nuvens densas. Vivendo entre as série B e C, e até mesmo sem disputar o futebol profissional, houve quem achasse que a valorosa estrela tinha se apagado. Incautos, não conheciam a força do Cruzeiro e devem ter ficado surpresos ao assistir ao seu belíssimo retorno entre os melhores do Rio Grande do Sul. Sua cintilante história começa em 1913, quando alguns torcedores descontentes com o recém-nascido Internacional fundaram este vigoroso clube estrelado - que logo se tornaria a terceira força do Rio Grande. Rijo, até a década de 70 seria um dos mais perigosos adversários da dupla Grenal. Sim, o Cruzeiro nunca se mixou para os dois ditos grandes como deixou claro no último ano, quando voltou à série A do Gauchão, praticando o crime desta vez sobre o Inter, em pleno Beira-Rio. Potência que desde seu início extrapolou os resultados em campo e se expressou na forma de pioneirismo: um ano depois de nascer, quando o futebol gaúcho ainda engatinhava, o Cruzeiro inaugurava as categorias de base no estado. Mais do que isso, em 1953 embarcou a sua equipe em um navio e rumou para a primeira excursão de um clube gaúcho ao Velho Continente e à Ásia, enfrentando times como Real Madrid, Torino e Lazio. O Cruzeiro retornaria aos pagos com mais vitórias do que derrotas na bagagem. Além de exportar o futebol gaúcho, o Cruzeiro inaugurou as importações, lutando pela aceitação de estrangeiros no futebol pampeano - inacreditável proibição da época. O primeiro gringo a pisar nos nossos gramados foi o técnico húngaro Emerich Hirchl, que trouxe para o elenco estrelado os atacantes italianos Flamini e Lombardini. Como estamos falando de um clube combativo e vencedor, é indispensável lembrar que seu pioneirismo também inclui títulos internacionais. Antes da dupla sonhar com qualquer conquista intercontinental de maior ou menor vulto, os cruzeiristas já comemoravam o Torneio da Páscoa, um dos mais importantes da época, disputado em Berlim, em 1960. Isto tudo (e outras tantas histórias que invadiriam a outra metade desta página) faz do Cruzeiro a eterna terceira-força da capital. Com orgulho. E não somente pela sua história, gloriosa e desbravadora, ou pela sua torcida, fiel e inabalável, mas especialmente pela sua postura. O Esporte Clube Cruzeiro nunca aceitou subserviência! Nunca aceitará! Enfrentando de igual para igual o astro que aparecer. E exatamente por isso estará sempre anos-luz à frente dos clubes realmente pequenos da capital, que no máximo podem se movimentar no vácuo de uma grande estrela.

São José da gente

por Chico Guazzelli

O

mundo mudou e, assim, o futebol mudou. A globalização e o capital impregnaram cada canto e campo e tornaram o ‘ópio do povo’ um sistema escravo de patrocínios e empresários. Os pequenos times sofreram com estas mudanças que acabaram por transformar os grandes clubes em imensos negócios. Grêmio e Inter disputam o Brasil e o Mundo, não mais somente o Gauchão. Com tudo isso os torcedores passaram também a ser escravos da mídia e de ídolos super valorizados. Talvez tenham esquecido da beleza do futebol praticado em suas ruas, clubes e bairros. Mas, como dizia um certo Galeano: ‘los hinchas somos inocentes, inocentes incluso de las porquerías del profesionalismo, la compra y la venta de los hombres y las emociones’. Em meio a tudo isso, alguns clubes, ditos pequenos, persistem, simbolizando a tradição do bairro, da gente e da bola. O São José de Porto Alegre figura pujante nessa categoria. O Zequinha encontrou nos idos dos anos 40 o Passo D’areia, e esse bairro encontrou o São José. E no lado norte do coração reside um orgulho que tem muito mais a ver com o jogo de bola que aprendemos desde cedo, do que com o tão grandioso futebol que faz girar milhões e milhões. Qualidade que os grandes clubes nunca conseguirão em meio a suas legiões de fãs. É claro que o São José monta times a cada ano (ou a cada verão) e tem a ajuda de empresários e um grande patrocinador. Mas no nosso Zequinha vemos a tão invejosa tradição porteña (do porto de Buenos Aires mais especificamente) dos times de bairros, que não se vinculam a grandes projetos faraônicos, arenas ou a mudanças de cidade (como o Cruzeiro que está trocando Porto Alegre por Cachoeirinha). O futebol encontra sua beleza, e sua importância, nos seus jogos de quarta e domingo ao dar alegria às pessoas que sofrem nas segundas, terças, quintas, sextas e até sábados. O futebol a ser louvado é o futebol feito para a nossa gente. Enquanto tivermos o Zequinha lá, no Passo d’Areia, estaremos bem representados.

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Prova surpresa ( ) Nome:_____________________________________________________________________________Data:____________________________________________________________________________________ Professor(a):___________________________________________________________________ Turma:___________________________________________________________________________________

Relaciona as propostas e os projetos de lei da primeira coluna com os seus autores: a) Mudanças na campanha do governo federal pelo sexo seguro no carnaval: substituir frases como “não importa a fantasia, use camisinha” e “sem camisinha, não dá” por frases como “neste carnaval, não transe. Preserve-se para o casamento porque família é bom”. Proposta de criação da Secretaria da Família para substituir a atual Senad - Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.

Deputado Federal Henrique Afonso (PV-AC)

b) PL 7382/2010 – torna crime discriminar heterossexuais. Prevê pena de um a três anos para “estabelecimentos comerciais e industriais e demais entidades que, por atos de seus proprietários ou prepostos, discriminem pessoas em função de sua heterossexualidade ou contra elas adotem atos de coação ou violência”.

Deputado Federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ)

c) Requerimento de aprovação de Voto de Louvor ao Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, pela ação que culminou com a morte do terrorista Osama Bin Laden.

Deputado Federal Jair Bolsonaro (PP-RJ)

d) PL 1763/2007: conhecido como “Bolsa-estupro”, estabelece o pagamento pelo Estado ao longo de 18 anos de um salário mínimo mensal à mulher grávida de estupro que não fizer aborto. Entre as justificativas, o parlamentar diz que a mulher tende a ter mais amor pelo “filho do estupro”, afirmando que “tem uma explicação simples na psicologia feminina: as mães se apegam de modo especial aos filhos que lhes deram maior trabalho”.

Senador Magno Malta (PR-ES)

Há 50 anos em Tabaré (03/01/1962)

FIDEL CASTRO PERDE SUA VAGA NO CÉU Ontem, o Papa João XXIII excomungou Fidel Castro, líder da Revolução Cubana. O barbudo andava usando o nome Dele em vão e o religioso não deixou passar. “Desde o 1º de janeiro de 59, quando esse jovem e seus comparsas tomaram o poder em Cuba, já vi que ia me incomodar. Era só mais um Dia Mundial da Paz, todos aproveitando os festejos e o feriadão, e esses desocupados perturbando a ordem”. Em conversa informal, o assessor do Vaticano comentou que a situação se agravou há exatamente um ano com o rompimento das relações diplomáticas entre Cuba e EUA. “Não que o Kennedy seja um cristão exemplar, mas Sua Santidade simpatiza com a Jackie e eles sabem como a banda toca”. Em comunicado oficial, o Papa explicou que ofereceu a Fidel a oportunidade de ingressar na vida religiosa se desistisse dessa história de lutar contra o capitalismo, mas o revolucionário disse que não tiraria a barba e que só entraria se fosse como arcebispo para poder implantar algumas reformas

que tinha em mente. O Papa não cedeu: “Depois de três anos e tudo que fiz por ele, esse jovem manda o exército a caminho da morte bradar ‘Ao Reino de Cristo Rei!’. Respeitemonos! Cargo de confiança eu até entendo, mas o Reino todo não vai dar!”. O resto do mundo não sabe o que pensar e João XXIII aconselha: Que isso sirva de exemplo a todos aqueles revolucionários-libertáriosreformistas. Não sabeis da missa um terço, mas se buscareis o Senhor, garanto terço para todos”. Em Cuba, Fidel lança três novos modelos de santinho, mas disponibiliza apenas um deles no mercado interno. O ano está só começando e, com o episódio, a indústria de marketing já mostra sinais de aquecimento. No Brasil, após o lançamento da nova capital, Brasília, a dívida externa preocupa a população que teve quatro presidentes no último ano. Questionado sobre o assunto, o Papa apenas declara: “Ajoelhou, tem que rezar”. Amém! [Frederico Stumpf Demin]

janeiro/ 2012 #9

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TABARร

A arte alรงa voo [Felipe Martini]


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