porto alegre julho 2012
#14
baseado em fatos reais
RitaCadillac UMpedacinhoPRAvocê iberê • olimpíadas • circo • rio menos 20
TABARÉ [J
A
es si ca Da ch s]
falta de comprometimento político com as questões ambientais ficou mais uma vez evidente com a realização da Rio+20 no mês passado. Ao final da conferência, entidades civis, movimentos sociais, sindicatos, cientistas e ex-líderes políticos criticaram o desinteresse, por parte de chefes de Estado, em assumir metas e objetivos pontuais referentes à política ambiental global – o que já tinha sido indicado antes mesmo da conferência, com o aviso das ausências de Merkel, Obama e do premier britânico David Cameron. Um acordo visando um novo projeto de sociedade, que reúna preservação do meio ambiente, replanejamento urbano e respeito aos direitos humanos, parece estar fora de cogitação. A expressão “economia verde”, amplamente utilizada por muitos dos líderes políticos na Rio+20, revela que só há interesse na preservação ambiental quando existe a possibilidade de capitalização da natureza, de forma a torná-la política e economicamente rentável. A apropriação de um discurso “verde” ou “sustentável” manifesta uma retórica vazia, construída para reproduzir slogans de responsabilidade social e ambiental que visam unicamente “limpar” e vender a imagem de países e megaempresas que historicamente degradam o meio ambiente, incluídos aí os seres humanos. É como se a simples adjetivação de palavras criasse magicamente um novo sistema econômico e político. Trata-se do velho sistema mascarado atrás de expressões como “economia sustentável”, “desenvolvimento sustentável” ou “capitalismo verde”. Comprometidos com a conservação desse velho modelo “com cara de novo”, empresas e Estados andam lado a lado; os últimos representando os interesses das primeiras, usurpando a sua verdadeira função de servir aos anseios das populações. Em um país pluriétnico como o Brasil, essa “parceria” público-privada e a recorrente deturpação da função do Estado causam impactos ambientais e sociais imensuráveis, como fica evidente em construções megalomaníacas no setor energético que contam com amplo financiamento público e garantem altos lucros a empreiteiras, mineradoras e empresas geradoras de energia, a exemplo de Belo Monte. No cenário global, a atual crise europeia e a crise estadunidense de 2008 demonstram a falência de um sistema financeiro que igualmente serve a uma minoria e onera a todos. Duas demonstrações de que a lógica absurda de privatização dos ganhos e socialização das perdas – econômicas e ambientais – segue viva. A Cúpula dos Povos, evento que aconteceu paralelamente à Rio+20, mostrou que cabe à sociedade civil, através das entidades organizadas, movimentos sociais, cientistas,
etc., encabeçar uma mudança de percepção e de ação para reverter essa lógica, especialmente no que diz respeito à preservação da biodiversidade, aos direitos dos povos tradicionais e aos direitos humanos. Ainda falta muito para que se substitua o modelo desenvolvimentista e de consumo irresponsável por um projeto mais inteligente e verdadeiramente sustentável – ambiental e socialmente. Isso requer uma mudança essencial no âmbito da cultura, que pode se dar a partir de espaços de discussão coletiva empreendidos por seres humanos críticos e inconformados. Tais espaços, acreditamos, incluem os meios de comunicação realmente comprometidos com o acesso à informação, e este periódico com um ano recém feito espera humildemente contribuir para isso.
Chico Guazzelli, Felipe Martini, Gabriel Jacobsen, Iván Marrom, Jessica Dachs, Júlia Schwarz, Juliana Loureiro, Leandro Hein Rodrigues, Luísa Santos, Luna Mendes, Matheus Chaparini, Marcus Pereira, Martino Piccinini, Natascha Castro Projeto Gráfico/Diagramação: Martino Piccinini Capa: Guilherme Moojen Colaboradores: Camila Machado, Fred Stumpf, Paulo H. Lange Tiragem: 2 mil exemplares Contatos: comercial@tabare.net tabare@tabare.net facebook.com/jtabare @jornaltabare Distribuição: Fabico Famecos Instituto de Artes UFRGS Casa de Cultura Mario Quintana Ocidente Palavraria Sala Redenção Studio Clio Comitê Latino-americano Instituto NT Nova Olaria
Se N m o M ja qu co osc rdi ere te m g ou m d r, q da riam ra , os e u ue m ru m re qu pr a s a n te e a efe ido . Ce ssos es do t i r c r t á a p e ra u ca co ç r u U zit e s ea h ra. ltiv de nfu ão d m e os e m a A ad 2 n o fo a in ter en via s au os 30 dir tre rn ve ia te si a p p m ec st m s d do tori or és m m e Em m da f d e i u p s e g ac do a im g re ad n te e ç c o m r r e r d ão p pr Pe a e nh v s i a t v lesm ma nch ale oná a oi rg po a ai bi un r i , e rr te en e q da gam ios do ta a“ n t u c pi bi tar e br e o om sa urg c r n en ha ide ota s a te: da nt do gr p ”. ifi . am or ca a? qu r eé
[Fred Stumpf]
#d iá m Em rio re as é an ofic de cor fat o e ial D Jo ren o q leit O esen ão P te. ue o ora D ‘ Si twe vol ess ess uso l as qu e vi oa a r ei t’ o me , L ve feit ede r Se a fic nt uc z a o d s s o cr da ia o S ian co as ci e l O tár Sec diz oci o A isa me ais fu io re ia al, gr fo sm sã o n A ta : L a i at cio dju ria “Co au , de mai as é mo o, ná n m Si m s l ca tiv m r to de u q o i de as io d Já De nic uei tiu nge da v o de , s m p em co en o a ra o s . O ez d e , i m e e m tido la m itid e r volv dem pel cre pre ma bat o i od p e o e t s e, f er elo sm cr spo ime issã ‘tw ário eito i no t a t n n o it ”. wi red icou der to S de ter de É. tte e ’ á o a , c L . Em ..i m r, c deu cov pela ial au . te ag on a m in ve o ‘r rdi pas O po a t e n Em se ha ply a do a”. a m m ’: “ é c Te oi m od os, é Ser sa po ap ag do : D eg or i p á a! a a r na é fi ssa io O s h ca do f as r d o l icia ht e o an l ag lh ce s! o
s õe il h l m mi 20 10 s e de de ss ns s ca no de me tas o xi er or so o is çã ela xi m c m t O u ra h tiv liza do a . A bi n do do te e s. a ai s e ico do p res mo egu an ua l s e m g ch b te a ar um tan púb ber ulh ma ão, stu r á do u aç co be an M M li m bi os ha eir s é ara ram in e a be eir de as de nh eiro o p cia crim m s am s b sco e d esta as, ba nh fad ini dis aba vit ura o ri tad s, r oit l, ba tari nas ssa ac i e e erat ta me iro u m zer o ta en e dia a e res xix p en do, nhe s o fa esm m in ntr lhe r o tem aum e tu ba rua sam . M de s, plo u ra m e d m as ci os s aú no co m m o r o u e e u o e s 7 a xe 2 as g o c , o q lém ão t sar s pr tup heir do da e e s 1 rad s u ad 4 s l A n m a re , de mo l ao o s es ºC s. ís va re r e an ita to m 40 çõe pa ati lhe ita s b ap en l na a á da co ua nam uca s d an dá x er os fec do ern mu a ev pelo li, c ejam mi es. ta ir e osse um e p á 17 ora in as alt as ar ia Dé an 54 let g lis M y a x a s m s o ei ia de r g om co ia o h é a E r ue s p le va Pl S$ oa ca e t q m e o o p ch pec Joi se u h eu s sa sad ho, a de ura s , o N o d o U ios co isa up a a l a u e r a i ça es se de mi iv r d a l r c ag a i e ã t f i o m g c be os en ar su e v ou tá m ile es D o e od , e iss st óp é p anh ca do oss eix as 14 troc o es u ras a “r mo nd . em m t cos om nve s pr iro tr de ian -gr el d e se aos do lic tem o B ar co egu us” co bli a C ia i seu he Es or ar o ív . El sti an ngé em iaçã jud oas e, s De an tis. né? pú ís, ter de s e st tr at ss t u a a a e u s c n s o b grá os, o pa dia ma Pa Co or m r po tóri trav 6, q e ev m q sso a é pe nsi as d sã n ria de eir r d s 2 t s e e t o Í á l o m as a s hi -se os do , co (A ran da o c ois ef po ovi o é anh De pa r t m o p irm ria nou 21 a cer her TT Mi al” tod as c as cu te rod por os b l B u a s o é i e s u af róp tor os co ue é? LG d ex m om Em a ero ca d N q a p os, no d ia. O a m ex sta oss . O te c o, as o a ógi r, des od t an lia íbl um AB opo eter ele en e n sa l sto an to ita a B om da pr h m m a o l e pa gr en c r es pe os do s). A dad to c xer po a, tão sam m ss an da T nti fei “en te No sim pen n T fu GB ide eria em as o Em t a L
Desquite no zoo Após 115 anos de relacionamento um casal de tartarugas teve que ser separado no zoológico de Klagenfurt, na Áustria. Bibi, a tartaruga fêmea, teria passado a atacar Poldi, o macho, sem nenhum motivo aparente. A reincidência das agressões fez os veterinários do zoológico decidirem pela separação: “Temos a sensação de que uma não consegue mais aguentar a visão da outra”, concluiu a chefe do zoo, Helga Happ. Até terapia de casal foi acionada, especialistas em convivência animal foram chamados para tentar resgatar o relacionamento dos bichos. Mas não teve jeito, nem a alimentação afrodisíaca solucionou o problema.
Tabaré, adorei a reportagem sobre o Jóquei e os apostadores. Meu avô é um desses que toda semana vai fazer a trifeta, que segundo ele é a “mais fácil” haha. A sorte é que ele é bom e quase nunca perde. Enfim, parabéns pelo jornal e pelo primeiro
ano de vida dele! Que venham muitos aniversários! Mel de Moura Davi, coelhinha da sorte Obrigada, querida. Se der, pede pro seu sortudo avô nos ensinar a manha da trifeta, assim podemos pagar nossos próximos aniversários. Eu quero tchu, eu quero tcha... João Lucas e Marcelo, dupla pidona Caras, isso aqui é um jornal, não uma fonte dos desejos e, muito menos, lâmpada mágica.
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ARTAS
Quer casar comigo, Vasco.? Tefi, internauta boladona de amor Lamentamos informar que o colaborador Vasco. sumiu em um piscar de olhos ao ouvir a palavra “casar”. Esperamos que não deixe de enviar colaborações do harém onde o encontramos e para onde deve ter fugido...
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julho/ 2012 #14
Umbigo bem doce 1 real. Seu Jacó, comerciante em liquidação Bah, desculpa, mas não trabalhamos com anúncio de acompanhantes. Ébrios jornalistas, meu casamento está nas últimas há anos, mas não consegui acabar com ele de nenhuma forma convencional, pois meu marido se recusa a partir. O que eu faço? Vil Vanegra, herdeira à beira de uma ataque de nervos Daí depende. Tu queres uma morte limpa ou com sangue?
Em tempo Pra tu ver como aquela coisa do ‘viveram felizes para sempre’ é total godó de conto de fadas.
Votar gritou o povo, e a votaçao foi feita Roberta Close eleita preferencia sexual, Política é um andrógino, é travesti da esperta mostrou como Roberta, sua frente liberal. Nova república, não ponha atras da gente aquilo que a Roberta tem na frente. Juca Chaves, músico perspicaz Éé, seu Juca, não é mol. Se ainda votássemos com cédulas, só com vaselina pra metê-las esse ano.
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O circo na corda bamba
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espeitável público pagão! Vocês que avidamente folheiam este periódico, um minuto de atenção! Está para começar o primeiro, o único, o magnífico, o magnânimo texto circense! Mas não vá se iludir com os malabarismos da leitura, bom amigo. Pois garantimos a veracidade das piadas e indicamos o bom proveito de uma pipoca para acompanhar o espetáculo.
dos espetáculos. Nestes tempos de crescimento econômico verde e amarelo até mesmo grandes artistas, como Maria Bethânia e Ivete Sangalo (grandes no tamanho de seu valor comercial, qualidade fica a critério do leitor), recorrem aos incentivos públicos para financiar projetos. Alexandre critica fortemente essa prática: “No
Desfrutemos, agora, de alguns minutos juntos! A cultura do circo – aquele circo de chão batido, arquibancada balançando e artistas acessíveis – vem sofrendo com a marginalização da arte circense. As milionárias companhias estrangeiras tomaram o mercado e as políticas culturais parecem não colaborar com os artistas. Para entender melhor essas questões tivemos uma séria conversa com o russo made in Brazil responsável pelo Circo Vostok: Alexandre. Vai, vai, vai começar a brincadeira? Pois se tem charanga tocando a noite inteira fica até difícil de saber. É o que Alexandre comenta quando fala das dificuldades de se administrar um circo no Brasil. Ele nos recebeu dentro da tenda. Nos acomodamos nas cadeiras de plástico (substitutas obrigatórias das antigas arquibancadas), sob a gigantesca lona azul, estrelada em plena luz do dia. Tendo trabalhado desde 2001 nos Estados Unidos da América, o apresentador circense declarou que pretendia voltar de vez para o Brasil, mas já não vê possibilidade de continuar em nosso país. Com seu típico chapéu vermelho e trajando uma camiseta “Miami Beach”, o Sr. Vostok apresentou um panorama sombrio. As dificuldades começam com o financiamento
Brasil não há incentivo e não há financiamento para os circos itinerantes. Existe sim um movimento muito modesto do Ministério da Cultura. Eles dão alguma verba para circos menores, para que possam subsistir, mas a modernização do circo envolve muito dinheiro e sem financiamento é impossível. O Cirque du Soleil é o que é pelo incentivo que recebeu do governo canadense. No
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por Natascha Castro ilustras Camila Machado
Brasil o banco só empresta dinheiro para quem prova que não precisa de dinheiro. E o material do circo é muito caro, tudo aqui é caro. Uma lona nova custa algo em torno de 400 mil reais”. Com a experiência de mais de quarenta anos trabalhando na área, o Sr. Vostok definitivamente não vê possibilidade para a sobrevivência dos circos. “Parece que marginalizaram o circo no Brasil. As leis aqui são complicadas. Grandes empresas com nomes fortes conseguem as verbas públicas. Mas o circo não entra, é barrado de cara. Existem casos de cineastas famosos que conseguiram verbas vultosas e nunca fizeram nada, nenhum filme. O dinheiro sumiu. Por que conseguiram? Porque têm um nome. O governo teve uma ideia muito boa, mas no final estão ajudando grandes espetáculos que já estão bem estruturados. Não há uma política cultural para preservar o circo, então está cada dia mais difícil.” Os empecilhos não estão restritos aos grandes investimentos. Até mesmo para conseguir um local adequado e montar o espetáculo a burocracia é grande e irracional. O perímetro necessário é de dez mil metros. Alexandre lembra que antigamente, grandes companhias familiares, como a Zaffari, cediam espaço para a instalação dos circos. Hoje essas mesmas companhias estão integradas à exploração imobiliária e calculam os valores comerciais locativos das áreas, tornando os preços proibitivos para circos modestos. “O local que estávamos usando em Porto Alegre, perto do Beira-Rio, é da prefeitura. Mas há um conflito de interesses da administração. Você vai ao prefeito e ele está cheio de boa vontade, mas não depende dele. O terreno está sob os cuidados da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Ela, por sua vez, se preocupa com o meio ambiente e passa a bola para a Secretaria de Obras. Lá eles dizem que quem é responsável pelo circo é a Secretaria de Cultura. Na Cultura eles alegam não ter verbas e nos passam para a Secretaria de Educação e por aí vai. Antigamente o prefeito autorizava e assumia a responsabilidade. Hoje eles não querem
assumir a responsabilidade porque tudo é motivo de impeachment, de problemas políticos.” A hipocrisia dessa atitude fica declarada quando a própria prefeitura resolve lembrar, depois que o circo já está montado, que ele é uma importante peça cultural. “Eles vêm todo dia pedir ingresso para crianças pobres, para trazer escolas. Nós sempre dávamos. Mas faz dois meses que resolvemos não atender mais, porque eles também não nos atendem. Eles pensam que a obrigação é nossa. Como se o artista tivesse, sozinho, a responsabilidade de levar cultura para toda a população.” Além dos desafios do sistema burocrático, o circo também tem dificuldades em divulgar sua chegada às cidades, pois até mesmo a imprensa tem colaborado com o processo de marginalização das artes circenses. A chegada de uma turnê já não é objeto de reportagens e entrevistas nos grandes meios de comunicação. Alexandre acusa os jornais pelo abandono. “Hoje eles querem dinheiro. O grupo Zero Hora, na época do Sirotsky, ajudava, dava divulgação. Agora não, só colocam no roteiro do jornal se a gente pagar. É obrigação do jornal botar os espetáculos da cidade no roteiro. Mas nós tivemos que pagar. Pagamos uma média de quatro mil reais por semana para a Zero Hora. Vai reclamar do grupo RBS? Não tem jeito. Por parte da imprensa não há mais aquele apoio ao circo. Eles apoiam os grandes eventos. Hoje toda imprensa se ocupa com Madonna, Cirque du Soleil, Disney on Ice, eventos para classe A, que paga caro.” A proibição de animais nos circos também afetou grande parte do entretenimento proporcionado pelos espetáculos. Alexandre reconhece que as acusações de maus tratos eram verídicas em muitos casos, mas ele também questiona a rigorosidade dessa proibição. “O povo é que gostava dos animais. Se proibissem feras, ok. Mas proibir o mágico de tirar coelho da cartola, proibir patos, brincadeiras com pombos, números de cachorros amestrados... Nós tínhamos 18 cavalos, ainda temos nos EUA, mas aqui não pode. No Brasil permitem rodeios, permitem Jockey Clube, mas nós não podemos ter número de cavalo? Cachorros amestrados aparecem todos os dias na televisão, mas no circo não pode. E o povo quer, o povo pede. Principalmente no interior, o povo vinha o dia inteiro para ver os animais.”
O circo ainda é a alegria de viver? Depois dessas palavras apocalípticas ficou difícil visualizar um futuro para o circo. Aquelas estrelas num pretenso céu azul não teriam razão de existir. A arte simples de fazer rir e maravilhar parecia prestes a terminar. Nessa depressão, propomos uma tentativa de falar com algum dos artistas, palhaços por profissão. Roger Costa foi chamado aos gritos. Garoto, pulou correndo do picadeiro e se juntou a nós. Treinava seus malabarismos sem cerimônia. Pediu desculpas, parecia nervoso. Contou sua história, 18 anos e mais de 15 circos no currículo. Os olhos brilhavam ao falar de sua profissão. Filho do circo, neto do Circo. Roger diz que sente prazer em rodar o mundo, em subir no picadeiro e tirar sorriso do público. “Eu não troco minha vida de circo por nenhuma outra. Se alguém vier e propor: te dou 15 mil pra você ficar sentado, parado, sem fazer nada todo mês, eu não topo. Minha vida é essa. Se fosse por querer só o dinheiro, poderia ficar na casa da minha mãe. Mas eu não quero, eu gosto da vida itinerante. Sem o figurino e o aparelho eu não sou nada, sou uma pessoa normal. No picadeiro você se transforma”. O malabarista não parava de gesticular e sorrir entre uma resposta e outra.
Contou que sempre fica nervoso em uma estreia, que pretende ter o próprio circo um dia, como seu pai. Falou sobre os inevitáveis tombos e frequentes ensaios. Relatou sua rotina, de pintar o rosto e vestir o uniforme verde e amarelo. Roger vê futuro no picadeiro, simplesmente por amar esse mundo. “Meu objetivo é obter meu próprio circo. Vai demorar ainda, mas eu vou conseguir.” Nos sentimos mais leves depois de conversar com o garoto. Afinal, uma arte tão antiga e quase desconhecida para a maioria das crianças, já tão habituadas às interações eletrônicas, não tem porque acabar. O próprio Sr. Vostok concluiu que “o circo desperta na população um sentimento de alegria. O pobre quando vê o circo chegar fica contente. Então depende da cultura. Muita gente vem ao nosso circo porque se lembra de que quando era criança o pai trouxe. Se o pai não trouxer o filho na marra, a criança prefere ficar em casa vendo televisão ou na internet. Todo adulto tem uma lembrança boa do circo. Mas a criança não está acostumada. Eu já vi família na porta do circo brigando e a mãe dizendo assim: se você não entrar no circo eu não te levo no shopping depois. É difícil quebrar essas barreiras. É cultural”. É bem verdade que o ranzinza Sr. Vostok pode ser pessimista, e o futuro dono de circo um jovem iludido. Mas entre as possibilidades que se apresentam, o apocalíptico fim da arte circense e a contínua obra familiar de encantar pessoas mundo afora, nós preferimos acreditar nas improváveis manobras do malabarista.
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RITAS por Juliana Loureiro e Luna Mendes fotos Martino Piccinini
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Rita de Cássia é uma mulher que posa pra foto de rolo na cabeça, fala com a neta com jeito de vozona moderna e não tem problemas em falar da idade. Ela nos recebeu no camarim de uma danceteria comendo copa, queijinho e tomando guaraná. Mas não era essa a Rita que o público ansiava ver. Os frequentadores da cena hype porto-alegrense queriam a Cadillac, que envenena os palcos com sensualidade. A ex-chacrete que permite beijos no bumbum seduz mais que a vozona do camarim. Aos 58 anos, Rita equilibra os papéis de mãe e avó com uma trajetória de shows de dança, participações em filmes e programas de TV e apresentações em presídios. Sua história iniciou com uma infância tranquila, no Rio de Janeiro dos anos 50 e 60. Criada pela avó, ela casou cedo, engravidou, em seguida se separou e teve que “se virar”. Antes dos 20 anos, foi dançar nos Estados Unidos e em outros países das Américas do Norte e Central. Em 74, aos 20, foi trabalhar no programa Chacrinha, onde ficou até 83. Tornou-se então Rita Cadillac, apelido de uma vedete francesa com quem um amigo a achou parecida. A partir daí, ela fez shows em boates, festas particulares e em presídios. Questionada sobre o número de apresentações que fez ao longo da carreira, ela diz que não tem nem ideia. Hoje, Cadillac faz entre 5 e 10 shows por mês e reconhece que aos 50 e tantos anos a estrada já não é tão longa.
Por trás do “mito” Rita Cadillac existe uma mulher batalhadora, que se virou trabalhando “como qualquer brasileiro”, como ela mesma diz. Consciente de suas escolhas, como a gravação de vinte cenas pornôs aos 54 anos, Rita não se arrepende de nada e diz que faria tudo de novo, “sem medo de errar”. Conversamos com ela durante 40 minutos e conhecemos essas duas mulheres que dividem um só corpo: Rita de Cássia e Rita Cadillac. A gente gostaria que tu começasse falando da tua infância no Rio, como foi? Minha infância foi legal, foi classe média, estudava em colégio interno. Colégio interno é foda, mas foi uma infância legal, brinquei muito. Tinha liberdade.
E nesse contexto, como era tratada a sexualidade? Era uma época em que não se falava disso, principalmente em colégio de freira. Depois que eu saí do colégio, também não se falava disso, só se reprimia. Então eu fui criada com aquele negocio de repressão do sexo, de falar de sexo. Tanto que eu casei e só consegui ter... uma semana depois. Porque eu não queria. Tu casou virgem? Casei virgem, eu não queria [sexo] de jeito maneira. Tinha medo, achava pecado, porque nunca ninguém tinha falado sobre isso comigo. Era um tabu.
E como era a educação de uma menina naquela época? Era um colégio só de meninas, rígido. Às cinco horas da manhã banho frio, depois íamos direto pra igreja, rezávamos, daí depois é que podíamos tomar café. Tinha aula pra costurar, bordar, pintar.
E como foi esse casamento? Casei com dezesseis pra dezessete anos, bem novinha. Foi um casamento de pirraça [risos]. Eu namorava um rapaz e a gente tinha brigado, tinha terminado e logo em seguida ele tava namorando. Fiz de tudo pra voltar e nada. Aí fiquei sabendo que ele ia ficar noivo e pensei: “Ah é, você vai ficar noivo? Eu vou casar!”. Aí conheci um gaúcho de Pelotas que morava no Rio. Conheci ele em outubro e casei em janeiro, tudo pra ver se o outro desistia, ficava com ciúme e falava pra mim: ‘não casa!’ Qualquer coisa assim. Mas o casamento durou um ano e pouco só.
Tudo pra ser uma boa dona de casa? Exatamente! Deu tudo certo [risos]. Eu só não fui expulsa do colégio, mas tudo bem.
Por que vocês se separaram? Em primeiro lugar ele era um gaúcho cheio de preconceitos, e eu carioca, sainha curtinha,
Era um colégio interno de freira? Foda, olha a merda que deu [risos].
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vestidinho, [ele dizia que] não podia. E ele era mais velho do que eu, tinha 25 anos, então tinha uma outra cabeça. E gaúcho também tem uma outra cabeça. Ele era machista, então não era a minha praia. Ele vivia tendo mil mulheres. Eu, com três meses de gravidez, vi ele com outra mulher.
revistas nuas. Hoje em dia a menina nasce e vai dançar, ser atriz, vai ser qualquer coisa nesse gênero. Antigamente não, diziam que a menina que queria essa profissão não prestava. Existia um preconceito muito grande. E ele, um bom gaúcho, né? E fora que a gente não se falava mesmo, não tinha como ter papo.
Vocês brigavam muito? Não, brigar nunca briguei, não. A única vez que eu briguei eu só falei assim: “Tchau, benção”. Até hoje não sei brigar, eu levanto e vou embora, sumo.
E como foi a reaproximação com o teu filho? Um dia eu vim a Porto Alegre, consegui encontrar ele, sequestrei e fui embora. Ele tinha cinco anos. Aí o pai dele foi atrás querendo me matar, foi uma briga do cão. Entrei na Justiça e já tava pra ganhar a guarda quando o meu filho chegou pra ele e falou que queria ir morar comigo, e foi.
E como foi se ver sozinha com 16 anos e um filho pequeno pra criar? É barra, não aconselho ninguém a fazer nem hoje. Aproveitem a vida sem filhos. Pra mim aquela criança era uma boneca, eu queria ver ela brincar ali e depois ir pra caixinha, guardar no armário, mas não era assim, né? Então paguei muito pecado por isso. Tive que me virar. Tava sozinha, tinha que cuidar e não sabia fazer nada na vida porque fui criada pela vó, nunca tinha trabalhado. Minha vó já tinha falecido, e aí o que você faz da vida? Nada, né? Daí fui correr atrás da luta, consegui trabalhar, fui dançar fora do país. Foi aí que começou tudo.
Como foi desconstruir a imagem que o teu filho tinha de ti e construir outra? Com o meu filho foi normal porque ele não tinha essa visão, quem tinha era o pai, ele quis vir morar comigo. Eu sempre conversei muito claro com ele sobre droga, sobre sexo, sobre tudo. Ele menino - com mãe sempre existe um ciúme ferrenho - foi expulso de vários colégios por dar porrada porque alguém falava da mãe dele: “ah, tua mãe é gostosa, vi na revista”. Toma-lhe cacete! Porém, ele sabia que aquela era a minha profissão e que não tinha nada a ver, porque na minha casa não entrava homem. Namorado não existia na minha casa, como até hoje. Um homem pra entrar na minha casa ou é muito amigo ou, pra ser namorado, não vai entrar assim tão fácil.
Não tenho como competir com uma menina, uma ‘frutinha’ dessas
E tu chegou a fazer programa? Sim, até eu começar a dançar. Não foi nem um ano que fiz. Mas eu tinha que sobreviver com um filho e não sabendo fazer nada na vida, não tendo emprego e nem porra nenhuma, então tive que fazer, mas foi duro. Uma classe que eu respeito muito são as prostitutas. Tu é a favor da regulamentação da profissão? Eu respeito muito elas, acho que deveria ter a regulamentação porque não é uma vida fácil. Hoje em dia eu converso com muitas delas, faço muita boate e não é uma vida fácil. Você não sabe o que é, não sabe quem é aquela pessoa com quem você tá indo pra cama. Você não sabe o que vai te acontecer, não sabe se o cara é tarado, louco, entendeu? E elas fazem. E como tu começou a dançar? A vida inteira eu dancei balé clássico, meu sonho era ser uma bailarina clássica. Tinha uma amiga que já dançava com o Haroldo Costa e Mary Marinho, que era uma dupla que fazia músicas folclóricas do Brasil. Aí pintou uma oportunidade, eu fui fazer um teste, passei e foi. Só que quando comecei, comecei lá atrás no palco. Eu era aquela que fica lá no último estágio, segurando um totem, alguma coisa assim, e acabei na frente, na primeira linha de bailarinas. Eu dancei e morei fora do país, quando trabalhava com eles. Tudo isso antes de ir pro Chacrinha. E o teu filho? Ficou com o pai aqui. Ele te proibiu de ver o filho? O meu filho não sabia que eu tava viva, ele disse que eu tava morta. Por que isso? Porque eu era a Rita Cadillac, tinha me tornado uma moça que trabalhava em televisão, que fazia
E como é trabalhar a separação entre a Rita de Cássia e a personagem Rita Cadillac? É isso que eu falo, a Rita Cadillac é louca, com ela tá tudo certo. Quer ir beijar a bunda? Pode beijar, tá tudo lindo. A Rita de Cássia não, a Rita de Cássia já é um pouco mais tranquila, não tem esse negócio. Eu lido bem com isso, sei distinguir quem é quem numa boa. E com namorado como faz? Ah, primeiro: você quer namorar a Rita de Cássia ou a Cadillac? Se quer namorar a Cadillac, sinto muito, você não vai namorar. A Cadillac é solteira sempre [risos]! A de Cássia é outra coisa. E agora a de Cássia tá namorando? Tá solteira, graças a Deus [risos]! Livre, desimpedida, à procura! E como foi que tu começou a fazer show? Quando saí do Chacrinha, já cantava, tinha um disco. E me vi naquela, ‘tenho que trabalhar, como qualquer brasileiro’. Então, surgiu a oportunidade e fui fazer o que sabia fazer, que era dançar, cantar um pouquinho e brincar com o povo. É isso que eu faço até hoje. Tu chegou a fazer um show no garimpo de Serra Pelada, como foi isso? Eu fui a primeira mulher a entrar em Serra Pelada.
Como foi o auge da carreira no Chacrinha? É a vida que eu levo hoje, tranquila. Hoje mesmo morri de rir, tava com a Bianca [neta] vendo a internet, aí tava lá que a Gretchen nunca foi ao parque, nunca levou os filhos por causa de fãs. A minha vida inteira eu saí pra fazer compras em mercado, saí pra cabelereiro, fiz tudo. E não é hoje, foi sempre, no auge da carreira. Porque eu acho que a pessoa não tem que se isolar, tem que ter a vida dela. Tudo bem, uma pessoa como a Xuxa tem que ter um segurança, mas pergunta se a Xuxa deixa de fazer alguma coisa. Se não pode fazer aqui, então vai fazer lá nos Estados Unidos. Então você não tem que dizer: “ai, eu nunca fiz isso porque os fãs não deixam”. Não. Se não forem os fãs, quem é você? Você é alguma coisa por causa dos fãs. E esse apelido Rita Cadillac, de onde surgiu? Foi um amigo meu que deu, porque existia uma Rita Cadillac na França, considerada a rainha do stripper. E o meu nome é Rita mesmo, né? Então ele acabou brincando, dizendo que eu parecia com ela. Mas nada a ver, se tu pegar na internet é uma alemoa, parece mais com a Brigitte Bardot. Eu não conhecia, fui conhecer muitos anos depois, quando procurei na internet e achei. Mas serviu bem, foi ótimo que o apelido pegou, ficou.
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Tanto que vai ter um filme agora do Heitor Dhalia e ele vai retratar Serra Pelada, com Wagner Moura e vários atores, e vai ter a personagem Rita Cadillac, porque foi a primeira mulher a entrar lá. Mas de onde surgiu essa ideia? Veio um convite da Associação de Garimpeiros [de Serra Pelada] e eu fui. Só que eu não imaginava o que era, porque nunca tinha ido pra garimpo. Quando cheguei lá, falei ‘ixe, tô ferrada’, se um falar ‘come’, você vai fazer o que, bem? Mais de 60 mil homens, tudo bem que na época tinha federal lá, mas vamos dizer que tinha 60 mil homens pra 5 mil policiais. Mas não aconteceu nada que eu pudesse ficar chateada, ninguém falou besteira, foi muito legal. E os shows que tu fez em presídios têm alguma relação com essa experiência em Serra Pelada? É a mesma coisa, porque em uma cadeia não tem mulher, ou tem às vezes a visita íntima, e em Serra Pelada também não tinha. Mas o respeito era o mesmo, eles me respeitam até o dia de hoje. Nunca falaram nenhuma besteira, tanto que uma vez eu fui fazer um show que é uma brincadeira que o pessoal beija o meu bumbum e teve um problema sério. Os presos queriam matar aquele que beijou a minha bunda porque achavam um desrespeito. Quando eu tava indo embora o diretor do presídio me chamou e disse “Rita, tá acontecendo um problema muito sério lá dentro, tão querendo matar aquele preso que brincou com você, que beijou tua bunda. Tem como tu ir lá conversar com eles?” Daí eu falei “claro, óbvio” e fui lá falar com o pessoal, falando que aquilo era uma brincadeira, que ele não estava me desrespeitando.
e pintou a chance de quitar e ter um apartamento na praia, dar um fôlego pra mim, pensei ‘seja o que deus quiser’. E também quando você assina o contrato, você floreia o negócio, na hora H é que você vê o que é. Foi aí que me machucou. Não parei de fazer porque falei pro ator “se você ver que eu tô querendo levantar e sumir, você só fala assim: ‘olha, é a sua casa, olha a conta, olha o banco’”. Em um dos filmes teve uma cena com mulher, como foi? Olha, eu não tenho nada contra, tenho grandes amigas, mas não é a minha praia. Tu nunca ficou com mulher? Não, não é a minha praia. Foi mais fácil fazer a cena com homem ou com mulher? Ai, eu bebi todas, nem lembro. Sou bem honesta. Eu não bebo álcool, mas numa das cenas eu cheguei a ficar em coma alcoólico, de desmaiar e não saber nem quem eu era, pra segurar a barra. E tu faria filme pornô novamente? Eu nunca falo “nunca mais vou fazer” ou “nunca farei”, porque nunca sei o dia de amanhã. Mas pretendo nunca mais ter que fazer.
Não aceito ser sustentada por homem nenhum
Em uma entrevista tu disse que dentro dos presídios os homens te respeitavam mais do que aqui fora. Em que momentos tu já te sentiu desrespeitada? Olha, a Rita de Cássia se sente desrespeitada quando as pessoas dizem coisas que não sabem. Mas a Rita Cadillac não se sente desrespeitada. Você escuta besteira, mas a Rita Cadillac tá ali, fazendo a pessoa imaginar a besteira, eu dou essa liberdade. Claro que agressão não, mas uma besteira sim. Só que saiu de lá, já não tem mais esse direito. Como foi fazer o primeiro pornô? Foi terrível, me machucou muito. Eu acho que foi a pior coisa, o maior desrespeito, mas fui eu que fiz a mim mesma. E por que tu decidiu fazer? Na época eu precisava de grana, tava com 54 anos, e com essa idade você já é, entre aspas, uma coroa. Já não tenho como competir com uma menina, uma “frutinha” dessas, entendeu? Então você vê que você trabalha a vida inteira e que a sua estrada não é tão longa, porque a vida de artista é uma merda, você não tem segurança nenhuma. Eu trabalho hoje, mas não sei se trabalho mês que vem. Quando você não é contratada para nada, é duro. Você não sabe se mês que vem vai pintar algum trabalho. Então eu, com 54 anos, quando me vi sem saber se ia conseguir quitar minha casa
Tu já dependeu financeiramente de algum homem? Não, sempre me sustentei. E não quero depender. Não aceito ser sustentada por homem nenhum, mesmo estando casada. Adoro minha liberdade.
Uma perguntinha meio cretina: é verdade que tu teve um caso com o Pelé? Foi, mas eu não era a Rita Cadillac ainda. Foi quando eu trabalhava lá fora, o conheci em Porto Rico. Em 70 e poucos, quando ele jogava no Cosmos. Se tu tivesse que elencar o que foi mais barra, seriam as cenas pornô ou o período que tu fez programa? As duas foram iguais, porque é o que eu falei, fiz vinte cenas, mas hoje em dia tem bilhões de filmes. Eles botam pedaço de uma cena em um filme qualquer, soltam outras cenas de outro filme que já passou. Mas as vinte cenas me machucaram muito. Foram em épocas diferentes. Quando fiz programa eu era uma menina de 17 anos que tinha acabado de se separar, com um filho, não sabia nada da vida. Então foi um tipo de machucado, o do filme foi um outro machucado porque eu tinha experiência de vida, sabia de tudo. Eu que fiz aquilo vir parar na minha mão, eu que resolvi fazer. O programa caiu na minha vida, era uma tábua de segurança, de salvação. E tu te arrepende de alguma coisa que tu fez ao longo da tua vida? Não, só me arrependo das coisas que não fiz. Acho que é a única coisa que você tem que se arrepender da vida. Se arrepender do que você fez... você não fez? Não quis fazer? Então assuma, porra! Você vai se arrepender, ‘ah, foi ruim’. Foi, foi ruim, mas pô. Se tivesse que fazer tudo que eu fiz na minha vida desde o dia que eu nasci até o dia de hoje eu faria igualzinho, sem medo de errar.
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no
Museu
por Matheus Chaparini ilustras Paulo H. Lange
Primeira sessão “Vesti meu terno branco de domingo. Lenço de seda no pescoço e com ar de bom moço o morro eu desci.”
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em os tons e a harmonia desse samba de João Nogueira, mas com a habilidade camaleônica imprescindível a um bom malandro, desci o Santa Tereza. Apostei no efeito camaleão, afinal, o repórter que não dispõe de um mínimo grau de malandragem talvez devesse procurar outro ofício nesta vida. Desci como o ônibus TV lotado de trabalhadores. Desci como os carroceiros a caminho do seu pesado ofício. Desci como os viciados beijando latas ou encharcando paninhos. Desci apressado a bordo de uma camionete Corolla bordô roncando um motor 1.8 e deixando um leve rastro de fumaça – a minha e a do carro. Pisava o acelerador com um sapato de couro preto relativamente bem lustrado. Vestia uma calça social da mesma cor com riscas de giz. Completava o figurino uma pólo cinza, simples e básica, não fosse pelo bordado da grife. Alguém até comentou que eu estava muito bem vestido pra quem ia trabalhar, mas se tratava de um evento de altíssimo nível. A alta sociedade sulista estaria lá: alguns dos maiores empresários do estado, a elite artística, figurões da área cultural do governo – só gente de status e grana. Eu estava indo pro museu. Quando cheguei, a porra do estacionamento subterrâneo estava lotado. O segurança me orientou a uma pequena falcatrua: passar por cima da barreira de concreto e estacionar na beira do rio. – É proibido, não vou ser multado? – Fica tranquilo, a gente tá cuidando. Livre do auto, me dirigi ao museu. Apenas as quatro pistas da Avenida Padre Cacique me separavam do imenso prédio branco, referência arquitetônica, projetado pelo premiado arquiteto português Álvaro Siza. Ainda assim, perdi mais de cinco minutos esperando uma pequena brecha pra sair correndo até o lado de lá. Porra! É quase impossível chegar a pé nesse tal de museu!
A calçada é bem bonita, tem uma iluminação bacana e o chão é cheio de pedrinhas. Lindo, mas disfuncional. Depois um designer me explicou que a calçada foi projetada justamente pra não ser pisada. Irônico, no mínimo. Passei por um belo deck de madeira e me deparei com a vidraça da entrada, por onde já podia enxergar o furdunço que acontecia no átrio. Cerca de uma centena de pessoas conversava em pequenos grupos. Conversa, é claro, regada a bom espumante e canapés. Entrei e já dei de cara com um conhecido – que estava lá a trabalho, óbvio. – Fiquei horas pensando se botava ou não o paletó. Acho que eu deveria ter posto. Que tu acha? – Tá bonito! Tirando essa barba de mendigo – é, talvez eu tenha superestimado minha capacidade de adaptação estética. Cheguei sozinho – estranho no ninho – mas logo encontrei um ou outro conhecido dos tempos de colégio. Aí me senti acolhido. Primeiro troquei meia dúzia de frases em uma rodinha de mediadores em horário de folga. Depois, caí na companhia de três moças: a irmã de um camarada, sua cunhada e a diretora ou coordenadora de alguma coisa do museu. Fiquei por ali, no meio de três belíssimas e elegantérrimas mulheres, conversando sobre arte, meias sujas e hostels europeus. – Tem um na Turquia que é uma maravilha! Em compensação, peguei um em Amsterdã que vou te contar... Só dormi uma vez em albergue. Oito pessoas roncando e bafejando em um quarto sem janela no Centro de Montevidéu. Preferi guardar pra mim essa memória enquanto o garçom voltava com a garrafa de espumante, calibrando minha taça ainda não completamente vazia. E já devia ser a quarta vez só nesse diálogo. Esse foi o ponto alto da minha noite no museu. Não os quadros. Não uma profunda contemplação da arte. Naquele dia a ideia era outra. E dentro dessa ideia eu estava muito bem. No meio do átrio, muito bem vestido e acompanhado. Cara, eu tava tirando onda! Essa pequenina moça que é chefe de alguma coisa ali é um encanto. Ah, as mulheres pequenas... Ultra simpática! Não fazia esforço pra abrir seu grandioso sorriso. Sorria pela boca, pelos olhos arregalados, sorria inteira, a baixinha. A irmã do camarada também é linda. Já trabalhou ali e é bastante entendida nos assuntos
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museu-artísticos. Mas é irmã do cara e é casada. Já a cunhada... Bela morena, grandes seios, uma pequena cicatriz no lábio que dava até um charme a mais. Pele meio alaranjada de um provável bronze de maquininha, mas nada que tirasse o brilho da obra. Com ela tentei uma breve aproximação pra ver no que dava. Ficamos ali conversando sobre o caos. Sobre a necessidade de doses pontuais de caos na vida de pessoas calmas, pacatas e super organizadas. Ela era uma dessas pessoas. Eu comecei a considerar possibilidade de me tornar uma dessas doses. Mas logo elas partiram e eu fiquei solto novamente. E já meio bebinho. Aliás, essa soltitude – existe essa palavra? Bueno, agora existe. – é imprescindível pra quem se propõe ao flanante ofício da reportagem. A soltitude, a solubilidade e a aderência. Solto e diluído, observei aquele ambiente tão exótico pra mim enquanto matava – em brutos goles – mais uma porção do glamour líquido. Larguei a taça e subi para a parte menos badalada da noite: a parte dos quadros. Esse tipo de evento acontece nas aberturas de cada exposição. Abertos ao público, gratuitos, mas pouquíssimo divulgados. Nesta noite, aconteciam três lançamentos simultâneos. Descobri que o prédio foi projetado para ser percorrido de cima pra baixo, depois de ter visto as exposições na ordem inversa. Duas vezes. Então agora, senhoras e senhores, lhes apresento: as exposições na ordem certa. No terceiro andar, como é praxe, quadros do dono da casa: o conterrâneo Iberê. Algumas naturezas mortas retratando muitas garrafas, suponho que de uma fase ébria da vida do moço. Além de paisagens de Santa Teresa. Não do vizinho Santa Tereza, de onde desci, mas da artística e badalada homônima carioca. Aliás, não sei o que os gaúchos vêem de tão maravilhoso no Rio de Janeiro. Mas eu também vejo. No segundo andar, uma exposição de Ione Saldanha. Alguns carretéis pintados – desses de fio elétrico mesmo –, algumas fileiras de ripas com listras coloridas e alguns quadros exibindo formas geométricas que remetiam tanto aos carretéis quanto às tabuinhas. Parei diante de uma obra, da série chamada “Cidade”. De fato, lembrava bastante o caos urbano. No meio da city imagética, encontrei trilhos, vagões e um acidente feio envolvendo um ônibus. Foda. Num cruzamento, pecharam dos dois lados do busão. Deve ter dado alta merda. Saquei também uma britadeira e um desenho que muito lembrava – e creio que não por acaso – um dedo médio em riste. Fuck you,
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cidade! Fuck you, caos! Pode crê, Ione, tamo junto! No primeiro andar – tchan, tchan, tchan, tchaaan! – a cereja desse bolo pontacabecístico: as pinturas cegas de Tomie Ohtake, uma artista japonesa radicada no Brasil. Aliás, interessantíssima a história dela. Veio pra cá aos 13 anos, daí a guerra estourou e ela nunca mais voltou pro seu país. Vive aqui há 75 anos e fala pouquíssimo português. Essa coleção aborda o ponto cego da visão. Para isso, a artista pintou os quadros vendada. – É a maior artista viva do Brasil. – Tá falando sério? – Pelo menos é o que todo mundo diz. Ela tá ali, acabou de passar. Por que tu não entrevista ela? – e o que um reles repórter como eu perguntaria pra maior artista viva do Brasil? Será que vale a pauta? Aliás, onde é mesmo que se pega a taça pra tomar a champanhota? Depois do passeio me escorei no balcão. Pedi mais um borbulhante drinque e fiquei a observar aquele ambiente exótico. Diz que o Gerdau – patrão da estância – e o Vontobel estavam por lá. Tinha também uma bichinha magricela semi careca de cabelo lambido metida num terno de fino corte que eu conhecia de algum lugar. Acho que já entrevistei essa figura, deve ser diretor de alguma coisa artística do governo da província. Tinha também um rapaz de bigodão Freddy Mercury e topete rosa. No mais, basicamente um monte gente parecida e vestida igual. A não ser por uma figura que se destacava. Até demais. – O cara tem um cacho de banana em cima da cabeça? – E pra quê aquela tela escura na frente da cara? – Total kitsch! – Ah, ele sempre vem montado nas vernissages. Ele é estudante de moda e... – Acho que ele andou perdendo muita aula. O olhar dos garçons reprimia sem pudor meu comportamento butequeiro à beira do balcão, de modo que eu até achei que era mentira que o espumante tinha acabado. Mas era verdade. Me dei por satisfeito e já ia embora quando me deparo com Eles... As figuras mais confirmadas e mais carimbadas de todo o cenário artístico-cultural de qualquer lugar do universo: os ratões de vernissage. Nem a discreta divulgação do evento pôde blindá-lo dessas presenças tão ilustres. Chegaram atrasados, vindos de outra vernissage, é claro. Vieram pedalando e quase foram extorquidos em dois mangos para escorar cada bici em um cantinho iluminado do estacionamento. Obviamente não toparam e arriscaram suas magrelas em um poste escuro do lado de fora. Não tem parada de ônibus muito perto do museu. Tu mal
consegue atravessar a rua a pé. De bicicleta, além de ser ruim de chegar, tem que pagar pra parar. Abençoei, neste momento, minha condição pequeno-burguesa. É quase impossível chegar ali sem ter um carro. Segunda sessão Uma semana depois, eu voltava ao mesmo museu. Ostentando muito menos glamour e me sentindo muito mais confortável. Novamente, lançava deriva em meio a um grupo desconhecido. Peguei um ônibus da própria fundação Iberê Camargo para acompanhar a visita de um grupo do EJA (Educação de Jovens e Adultos) da escola Estado do Rio Grande do Sul. Eram 36 pessoas: cerca de um terço de professores e o restante, alunos de turmas do ensino fundamental. A maioria deles aparentava entre dezesseis e vinte anos, mas havia meia dúzia que se confundiam com os professores em termos de idade. O cara do meu lado, de jaqueta do Grêmio, não esboçou nenhuma reação a nada o caminho todo, nem à minha presença. Na poltrona do lado, dois caras dividiam um fone de ouvido, não saquei o que eles estavam escutando, mas tinha alguma coisa a ver com novela - esses caras vão tomar uma arriada grave nos próximos parágrafos, só te liga. E o mais-que-clássico grupo do fundão vinha badernando, como é costume. Faziam piadinha com todo mundo, algum galanteio à “sôra de vermelho”. E o museu estava chegando. Na descida, mais alguma agitação e muitas fotos no corredor. – Ó, gurizada, ali tem um bar. Mas é muito caro, nem se aventurem – advertiu a professora. – Tira uma foto nossa! – Tá tudo preto, não da pra ver nada! – Liga o flash pro negão sair na foto. – Ihh, olha os dois aqui de rostinho colado. – É a poltrona 36! O mediador apareceu. Pediu atenção. Todo entrevero se desfez. Entraram em silêncio. Pararam para o acolhimento atenciosamente. No mesmo átrio da semana passada, agora calmo e quieto. – Antes de começar eu gostaria de perguntar: quem aqui já veio no museu antes? – Eu. Mas só pra trabalhar, né? – depois disso, um silêncio. Esse mesmo rapaz respondeu outra pergunta sobre como os flashes das câmeras deterioram das obras. Até pelo menos a metade da visitação era o mais compenetrado. Analisava a fundo. Aproximava e afastava o olhar. Elogiou um quadro. Lá pelas tantas perguntou sobre valores e aproveitou pra iniciar uma trovinha com uma guria. O chalalá, embora pouco efetivo, tomou o restante da sua atenção. E até que ele tinha alguma malemolência. Fantasiado de pleibói e com uma taça na mão se daria bem melhor que eu na vernissage. O grupo seguia a visitação. Alguns olhavam os quadros. Outros ouviam a mediadora. Um cara fazia foto de tudo pra mostrar pra esposa. Nas risadinhas do fundão, identifiquei o humorista oficial da turma. Uma
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moça de uns cinquentinha – mal disfarçados na maquiagem e nas chiquinhas do cabelo aloirado - me perguntou o que significava ambiguidade, tentando entender o texto de um curador. Expliquei. Ela entendeu logo e me lascou outra pergunta. Estereótipo. Tu já tentou explicar pra alguém, assim de batepronto, o conceito de estereótipo? Nem tentei. Como as aulas do supletivo acontecem à noite, as visitas são mais comuns nas quintas feiras, dia em que o museu fica aberto até mais tarde. Existe uma preocupação em não colidir datas de visitação com eventos, como o da semana anterior. E é justificável, visto que são coisas totalmente inconciliáveis. Entretanto, um dia desses, a agenda falhou. Era quinta feira. Do deck os convidados podiam escutar o som forte da música eletrônica. O barulho vinha do átrio. O tradicional espumante enchia as taças que faziam questão de se esvaziar para tornarem a ser enchidas. Tratava-se do lançamento de um guia de bares e restaurantes nível A-B da cidade, um evento terceirizado. Só que, no mesmo dia, era a vez dos estudantes do colégio Anne Frank conhecerem o Iberê. Na porta dos fundos, por onde entram os grupos de visitantes, estava localizada a cozinha. Na rampa que dá acesso aos andares estavam as caixas de som. Por fim, no átrio, onde ocorre o acolhimento, a festa. O grupo teve de entrar pelo estacionamento subterrâneo. Foi acolhido numa pequena sala de reuniões – cerca de 50 pessoas, onde costumavam estar apenas 12. Fizeram os deslocamentos de elevador. Perderam de observar boa parte da arquitetura do prédio, como as janelas que lembram escotilhas com vista para o Guaíba e as rampas suspensas no lado externo como alças. Minha noite de estudante do EJA prosseguia bem mais tranquila que o esperado. Teve uma segurança rabugenta que deu um esporro nuns guris que estavam gritando do último andar. Mas nada além disso. Como o EJA atinge um público muito diversificado – em idade, classe, instrução -, as visitações também variam. Um estagiário-mediador se mostrou insatisfeito com o constrangimento que a “escolta” dos seguranças impunha a alguns grupos de estudantes. Por outro lado, relatou já ter acompanhado turmas com alunos em visível transe crackístico, o que gerava certa tensão. Outros tantos casos o marcavam por escancararem o quanto aquele universo é tão distante de tantas pessoas – às vezes tão próximas. O mais emblemático deles foi o de um senhor, aluno de uma das escolas, que ficou surpreso ao descobrir que aquele imenso prédio branco era um museu. Aquele prédio enorme, que julgava ser uma fábrica ou coisa parecida. Aquela grandiosa obra. Por onde passava todas as noites. Voltando do trabalho. Com sua carroça.
Há 2660 anos em Tabaré (26/07/648 a.C.)
[Fred Stumpf]
Aos editores do Tabaré: Mando-vos a seguir, conforme prometido de minha parte e no prazo, a cobertura deste evento tão suntuoso como bárbaro que tiveram a audácia de me enviar. Os ‘jogos’ como aqui chamam esse evento de bajulação masculina, duraram cinco dias e aqui vai minha impressão dia-a-dia. Acho importante ressaltar minha inconformidade com vossas atitudes ao me mandarem para esta tarefa algo ‘homérica’, como dizem por aqui. A viagem foi demasiado longa, cresceume a barba e o ceticismo enquanto boiava pelos mares infinitos. Estas terras alémmar desenham-se muito diferente a vossas estimativas. Por fim me entristeço que nos últimos anos de vida, já trintagenário, tenha conhecido essa ‘civilização’ tão hedionda e insignificante para nossos conhecimentos. Vocês me deram um presente de grego, já que aqui parecem se vangloriar de oferendas indesejosas. Com ódio, Zabelê, dos Goitacazes. PS: procurei por toda parte o periódico TABAREDIS. Não existe este ‘afiliado’ e creio que tenha sido mais uma tentativa de me persuadir a esta missão.
Jogos Olímpicos e brutais Primeiro Dia O absurdo grau de barbárie deste povo, em seu primeiro dia fez-se notar. Luta, pugilismo e o mais cruel, o Pancrácio para rapazes! O último consiste na mera disputa entre dois adversários. Vale tudo. Se bem que em certo momento vi um daqueles jovens ser severamente advertido pelo
aqui): permitir instalações e acomodações adequadas para os profissionais da imprensa. Realmente deixou muito a desejar. Duvido que com nossas redes, ocas e aldeias fizéssemos menos do que este povo ignorante. Pois a primeira noite foi horrível, as poucas horas dormidas sob o céu e estrelas, após uma terrível briga com um bicho de lã, não me permitiram acompanhar o começo das atividades.Pude conferir, no entanto, as ‘corridas à cavalo’, que consistem em corridas realizadas sobre um animal quadrúpede e forte ao longo de cerca de 900 metros. O que impressionou é que o vencedor estava sentado durante toda a disputa e tratava-se do proprietário do animal. Realmente espantoso tal procedimento, fico imaginando o dia em que forem adotadas apostas e dinheiro às custas desses animais.
árbitro por massagear suavemente a genitália do oponente enquanto este o amassava no chão com joelhadas e socos na região da face. Um jovem de nome Karagonis terminou por se destacar como um dos promissores nesta categoria ‘esportiva’. Na tarde, um imprevisto com o credenciamento custou-me a paciência. Consegui resolver as pendências com as restantes peças artesanais que tinha comigo oferecidas à organização. Sinto que este episódio marca uma tendência ao cerceamento da imprensa nesta sociedade menor. O evento perdido pela reportagem era ‘Palestras públicas de filósofos e historiadores e Recitais de poesia’. Não acredito ter perdido muito, pois minha experiência com este povo bruto não assimila a ideia de que valha a pena propagar seus pensamentos. Só falta agora descobrir que, alem da luta e da ‘filosofia’, arrisquem em áreas como teatro e arquitetura. Segundo Dia Eis uma lição para os futuros jogos e para aquelas sociedades que almejem sediar eventos cosmopolitas e civilizados (o que não é o caso
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Terceiro dia Ocorreu pela manhã uma espécie de procissão dos ‘atletas’ e participantes dos jogos em direção a um monumento de um tal Zeus, que pelo que pude apurar, parece ter sido o criador dos jogos. Em frente ao sujeito são aniquilados cerca de cem bois (animal corpulento e chifrudo) para um tal Élide que, apurei, não estava presente. A noite foi de ‘degustação’ dos animais. Faminto, tive que experimentar aquela brutalidade. O que me fez passar a noite sob turbulentas agitações corporais. Quarto dia O dia foi de luta (agarramento e tentativas de quedas), Pugilato (só vale socos) e o temeroso Pancrácio, desta vez para os homens adultos. A brutalidade era tanta, que a disputa só terminava quando um oponente levantasse a mão ou morresse, o que acontecesse primeiro. Não imagino que nossas sociedades do futuro, imaginem que estas coisas tenham um dia acontecido. Quinto dia Novamente o tal Zeus foi referenciado. Fico imaginando este tipo quando vivo como deveria ser bajulado. Na procissão, os espectadores atiravam pétalas, festejando, em direção aos combatentes vitoriosos e suas feridas. Esta barbárie chegou ao fim, assim como minha expectativa de vida. A volta será mais complicada, porém quão desejosa!
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Castigado em Ntapuala [Lucas Cuervo Moura]