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porto alegre novembro 2012

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terra sangrada

vigilância • apito mudo • outra feira • arafat


orria, estás sendo filmado! Assumimos de vez o mínimo da confiança nos teus movimentos! Sejam eles nas Americanas, nas Estadunidenses, sejam nas ruas do coração da Capital. Daqui do alto nós te vemos, te cuidamos, te filmamos, te seguimos... Simplesmente para que as leis não sejam descumpridas. E tu jamais vais descumprir alguma delas, não é? Não matarás, não roubarás, não cometerás adultério, não farás arte de rua sem devida permissão, não andarás nu sem autorização da Funai, não deixarás de pagar nenhum dos teus impostos, não provocarás atitude suspeita... Ao menos não nos pequenos bolsões filmados de segurança onde, de vez em quando... Quanta ousadia! Um coadjuvante como tu querendo assumir o papel principal! Este teu figurino é para outro papel, lembra? Faz assim, segue andando lá pelo fundo do palco e não olha pra câmera, por favor. E se quiseres ver essa imagem pública que temos de ti, por gentileza, protocola um pedido que já oferecemos inclusive Lei de Acesso à Informação por aqui. Ou então faz como aquela artista canadense que interceptou as transmissões das câmeras de vigilância e instalou telas para reproduzir in loco o local vigiado. Só cuida pra não te ofuscar. Ou vem trabalhar conosco, oras! Assume uma das vagas específicas para autistas e passa todo o teu turno ali, no Centro Integrado de Controle, em Porto Alegre, ajudando-nos a assistir ao interminável filme Locais para Conhecer em Porto Alegre durante a Copa do Mundo 2014. Dirigido pelo Coronel. Não o da Feira do Livro. Um Coronel mesmo, de estrela no peito, manda no pedaço. E não falo nem só de ti, dessa estrutura que nasceu e queremos que não morra. Tem também todo esse cenário que inclui monumentos, edificações, infláveis, enfim, os símbolos da cidade. Menos mal que os símbolos se aglomeram em meia dúzia de bairros, facilitando a vigília. Pois então, esquece que estamos aqui e caminha leve entre os bolsões de segurança. Segue o rumo das trezentas câmeras, das autoestradas, dos condomínios fechados, dos shoppings, dos elevadores. Estamos cuidando de tudo isso. Eu curto, eu cuido, oras! E tu? Já segues? Põe uma destas na porta da tua casa também! Usa o teu poder de decisão e vigia o espaço que te cabe! E se identificares algum mau ator, por gentileza, compartilha conosco. De resto, basta andar nos trilhos porque, quem não deve, não teme, não é? Risos. Não tema, mesmo: tua privacidade termina no mesmo ladrilho onde começa a tua segurança. E não deva, mesmo, porque os juros são sempre mais altos para quem tem pouco para investir.

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Chico Guazzelli, Felipe Martini, Gabriel Jacobsen, Jessica Dachs, Júlia Schwarz, Juliana Loureiro, Leandro Hein Rodrigues, Luísa Santos, Luna Mendes, Matheus Chaparini, Marcus Pereira, Martino Piccinini, Natascha Castro Projeto Gráfico/Diagramação: Martino Piccinini Capa: Bruno Ortiz Colaboradores: Bruno Ortiz, Fred Stumpf, Glauber Winck, Juergen Cannes, Paulo H. Lange Tiragem: 2 mil exemplares Contatos: comercial@tabare.net tabare@tabare.net facebook.com/jtabare Distribuição: Fabico Famecos Instituto de Artes UFRGS Casa de Cultura Mario Quintana Ocidente Palavraria Sala Redenção StudioClio Comitê Latino-americano Nova Olaria

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Em tempo Será que rola um processinho no morto por falsidade ideológica?

Salve Oxóssi! A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo entrou com uma ação civil pública questionando a impressão da frase “Deus seja louvado” nas verdinhas brasileiras. A ação defende que a impressão do louva a deus nas cédulas não estaria de acordo com um tal de Estado Laico e que nao respeitaria as diferenças religiosas: "Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: 'Alá seja louvado', 'Buda seja louvado', 'Salve Oxóssi', 'Salve Lord Ganesha', 'Deus não existe' - diz parte da ação assinada pelo procurador, Jefferson Aparecido Dias. A ação também pede que seja aplicada uma multa de R$1 por dia caso a União descumpra a decisão “apenas para servir como uma espécie de contador do desrespeito que poderá ser demonstrado pela ré”, segundo o procurador. O Banco Central se defendeu dizendo que a Constituição brasileira foi promulgada “sob a proteção de Deus” e que, portanto, a frase é legítima. As verdinhas ostentam a frase deística desde 1986, por mando do então presidente José Sarney. Com o Plano Real, em 1994, Fernando Henrique Cardoso ordenou que a frase fosse mantida por ser uma “tradição da cédula brasileira”.

[Daniel Griza] griza.com.br

A volta dos que não foram Não é todo dia que um “defunto” chega caminhando ao próprio velório. A cidade baiana de Alagoinhas - 104 km ao norte de Salvador - foi sacudida por essa visita inesperada. O lavador de carros Gilberto Araújo Santos, de 41 anos, estava prestes a ser enterrado quando, avisado por um amigo, soube do próprio velório. O lavador ligou para casa para dizer que não havia morrido, mas não teve jeito: a família achou que era trote e continuou vertendo lágrimas para o defunto errado. Para acabar com o engano, Gilberto foi ao velório, que estava acontecendo na casa dos seus pais, e chegou no meio da cerimônia, causando um grande frisson na vizinhança. Dizem que a rua encheu de gente curiosa pra ver o morto que não morreu. No dia seguinte, depois do espanto, a saúde de Santos foi celebrada com um almoço em sua homenagem, que culminou na decisão de voltar para a casa dos pais. A confusão foi esclarecida quando descobriu-se que um morador de rua muito parecido com Gilberto foi assassinado no Centro da cidade. A Família foi até o IML para reconhecer o corpo e achou que era o lavador, que já não dava sinal de vida há 4 meses. Todos se assombraram com as semelhanças entre morto e vivo, que tinham até mesmo amigos em comum.

Em tempo Os crucífixos no plenário, as cédulas do real... Boatos dão conta de que a bancada religiosa no Congresso planeja um revide. Dizem por aí que Deus virou dinheiro. Vai saber...

Economia no pedal Na câmara de Vereadores da cidadela portuguesa de Vila Nova de Gaia tramita um projeto de lei que pretende abater impostos de quem trocar o carro pela magrela, com redução nas contas de água, luz e outras taxas municipais. O desconto nas tarifas será proporcional aos dias pedalados. Os citadinos que adotarem a bici terão que bater o cartão da magrela, e para comprovar o uso serão instalados registros eletrônicos nas empresas que tiverem mais de 10 funcionários. Diferentemente da prorrogação do desconto do IPI no Brasil, o incentivo ao uso das bicicletas em Gaia visa a diminuição da frota automotiva.

Malandro é malandro, mané é mané Depois de criticar a hidrelétrica de Belo Monte e sugerir inclusive a sua paralisação, o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, foi contratado pelo consórcio de empreiteiras responsável pela usina. A contratação do adevogado, para ajuizar uma ação de declaração de ilegalidade da greve dos trabalhadores da hidrelétrica, ocorreu 15 dias depois de a obra ter sido alvo de uma audiência pública na OAB. Apesar de especialistas na área garantirem que tecnicamente não há nada de errado na contratação, um ex-presidente da OAB que não quis revelar o nome, assemelhou o ocorrido a um procurador da República em uma investigação ser contratado pelo investigado.

Em tempo Mais amor, menos motor - já dizia minha avó.

Em tempo Se gritar pega ladrão...

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Tabaré, você quer aumentar o tamanho do seu pênis? Clique em pênis, grande, fotos, aumento do pênis, tamanho, aumentar, aumento, como, gigantes, big, megapenis, fotos, pequeno, aumente, tamanho do pênis, gigante. Fransisco Alves, comunicador visual Hellou, Francis?? Aumento do pênis é last week, tamo mais pela vaginoplastia. bjs Sonhei que entrava no meu carro (não tenho carro), e o jornal Tabaré estava convenientemente no banco do carona! Pensei: "que espertos!". Morena Bauler Chagas, sonhadora Cara Morena, após uma longa análise em cima do teu sonho, nossa equipe de psicanalistas

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chegou à conclusão que tu provavelmente odeia tua mãe e quer ter um caso incestuoso com teu pai. Salvo engano, tem uma pitada de histerismo aí, também. Pra mais informações, assina o Tabaré. Competência jornalística? O jornal Tabaré TRABALHA! Mateus Allende Dos Santos, Marchand do tipo galanteador Ai, Math! Não fala assim que a gente fica sem graça. Vai fazer o que na sexta à noite? Gibimbas: se cravem! Canela, compositor dadaísta de boleros Aham, beijos. Quando o Tabaré vai acabar? Beto Rodrigues, Museólogo Olha Beth, nos disseram que

[Luísa Santos]

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A o calendário Maia tá sofrendo algumas alterações... Por enquanto tamo sem previsão! Sabe como é, né... Contra essas burocracia nem Pachamama pode. Eu gostaria de produzir uma pauta pro Tabaré... Bom, não sei ainda se é uma pauta... É sobre o amor livre. O que vocês acham? Ana Oliveira orquidicultora existencialista Ai, flor... A última vez que a gente utilizou uma reunião pra falar sobre amor livre o teto da minha cozinha ficou manchado de vinho.

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Genteeeee, vocês são demais! Usei as últimas edições pra fazer um papel de parede, ficou tri moderninho. Adoro! Manuele Freitas, designer vanguardista Vem cá ô, Manu. Por acaso tu não é amiga do Jader Tiago, né?

Sou moreno, tenho 24 anos, bato bem à máquina. Tenho carteira assinada e disponibilidade para trabalhar no turno da noite. Vocês não estão precisando de um secretário, né? André da Silva, futuro membro Vou ser bem sincera viu pessoal? O Hmmmm, achamos teu CV mara. que vocês fazem não é jornalismo. Pilha numa entrevista pósRaquel Reis, editora-chefe da expediente? Estamos interessadas revista Tititi-ti em mais detalhes, digo, Ah, é assim? Espera a gente colocar interessados. Bjs! o horóscopo na última página pra tu ver, então!

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por Chico Guazzelli fotomontagem de Martino Piccinini

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s olhos marejados da criança não saem dele. Camisa do uniforme para dentro do calção, a passos largos desfila ao longo do campo enquanto os outros correm. Com maestria aparece em todos os momentos cruciais do jogo. A criança o assiste na beira do campo de areia, como se olhasse para o seu futuro numa espécie de filme nostálgico. Tudo acontece num grande estádio, uma espécie de arena pós-moderna. Cheia de pinturas, faixas, patrocínios e outras poluições. Dentro das quatro linhas, porém, a ilusão é a mesma. A alegoria é a mesma da várzea, da praia, do colégio e da praça. E o jovem adolescente, perdido sem personagem ou papel na trama toda, com brilho em seu olhar, se destaca. Anos passados, jogos passados. Sem tempo para treinar, sem tempo para viver ele continua profissional, sem profissão. Dos seus sonhos os anos acrescentaram os xingamentos, os erros, as punições, as viagens, pagamentos pequenos, o segundo trabalho, a faculdade e a insegurança que só essa ‘profissão’ pode fornecer. E do seu amor virou um amador. A realidade do futebol não é bem como fazem imaginar os holofotes, comerciais e as grandes competições. Os grandes clubes e jogadores representam apenas uma parcela de todos os envolvidos nesse entretenimento - que já superou há muito o status de esporte. Mesmo nos grandes jogos, alguns se destacam em meio a tanta riqueza e fama. Centro das atenções por seus erros, nunca pelos acertos, os árbitros de futebol e os bandeirinhas nem de longe usufruem das maravilhas do futebol dito profissional. Sem garantias, sem condições de trabalho e sem vínculo, esses profissionais no Rio Grande do Sul, no Brasil e na maior parte do Mundo são amadores. Dos grandes centros do futebol, as principais exceções são a Inglaterra, onde os juízes têm garantias, salários e exclusividade, e a Argentina, em que os árbitros possuem remunerações fixas. Nesse contexto ser chamado de filho da puta todos os dias passa a ser um mero detalhe. Cursos: árbitro é diplomado Um árbitro começa a ser formado ao fazer um curso

Árbitros de arbitragem. Aqui no Rio Grande do Sul a formação é feita pela Federação Gaúcha de Futebol (FGF), onde Luís Fernando Gomes Moreira exerce o cargo de diretor da comissão de arbitragem – um cargo executivo da federação. Ao longo do curso, para a aprovação do árbitro, são feitas três provas teóricas e duas físicas. Mas a aprovação no curso não é nem de longe o único pré-requisito para ser um grande árbitro. A profissão se divide em três categorias conforme pude ver em uma tabela que Luís Fernando me mostrou em sua sala na sede da FGF, na Travessa Francisco Leonardo Truda, no centro de Porto Alegre. Na primeira estão os árbitros formados pela federação e que não possuem e nem cursam algum curso superior. Estes árbitros podem participar de categorias infantis e juvenis, em campeonatos não oficiais. Aqueles que entram em um curso superior tem seus nomes colocados no ‘rabo da cobra’, em outra categoria, e podem apitar apenas jogos das divisões de acesso. Por fim, estão os juízes conhecidos e repudiados pelos nossos imaginários diariamente. Árbitros formados pelas comissões e com ensino superior completo. Ou seja, nossos principais árbitros e assistentes são diplomados, como explica Ciro Camargo, presidente do Sindicato dos Árbitros de Futebol do estado do Rio Grande do Sul (SAFERGS). “É uma nova orientação da FIFA observada e atendida pelas confederações e federações. Hoje no mundo inteiro é assim. E vamos combinar, a universidade ainda não está franqueada a todos os brasileiros. É uma casta privilegiada que tem acesso às universidades. Imagina quantos milhares são alijados dessa condição. Quantos talentos não têm? Não é profissão e ainda foi estabelecida uma norma totalmente discriminatória.Tu pode ser o maior árbitro da história e sem curso superior vai morrer na várzea.” Sindicalismo Árbitro por cerca de 20 anos, Ciro Camargo me recebeu em sua sala em um prédio da Borges de Medeiros, treze anos após sua despedida dos gramados, realizada em um jogo festivo no estádio Beira-Rio. Hoje milita pela profissionalização da profissão mais famigerada do Brasil - pelo menos nas quartas feiras à noite e nos finais de

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semana - Com cerca de 300 membros, o sindicato existe pela crença de pessoas como ele. “O sindicato dos árbitros é uma figura jurídica. Mas o que é um sindicato? É uma entidade que existe para defender os seus associados como profissão. O árbitro de futebol não é profissão. Então o sindicato existe por uma ideologia”. Ideologia que nada tem a ver com representatividade na melhoria das condições de trabalho dos árbitros. “Nós fomos marginalizados, nós temos uma relação de harmonia com a federação, mas é cordial, institucional. Não tem a parceria, o Sindicato não tem o respeito que deveria ter. Espero que um dia os sindicatos sejam obrigados a serem escutados, a terem função, terem a importância devida na formação, na qualificação e na manutenção de um árbitro. Nós não temos amparo legal, simplesmente somos os marginais do Brasil”, desabafa o presidente. Atualmente a luta é para compor uma federação nacional dos árbitros. Hoje existem quatro sindicatos dentre os 27 estados, no Rio Grande do Sul, São Paulo, Ceará e Minas Gerais. Mas são justamente cinco sindicatos com carta sindical o exigido para se criar uma federação. No Paraná, o sindicato que estava ‘adormecido’ deve completar o projeto para a FEBAF. Portanto, somente em 2012 está se planejando uma Federação Brasileira dos Árbitros de Futebol que deve absorver a ANAF (associação) e ser representativo para os árbitros de futebol. “Tem um interesse muito grande. Os presidentes de sindicato se acomodam. A CBF faz o que quer. Nós temos uma associação nacional de uma profissão que não existe. É até engraçado”, comenta Camargo. Arbitragem como segundo trabalho Hoje em dia os árbitros passam por uma série de obrigações, como apresentar semestralmente nas federações alguns documentos. Entre eles, está um atestado de trabalho. “É uma hipocrisia, tem que comprovar que tem outra profissão, para demonstrar que não precisa da arbitragem para viver para não ser comprado!” comenta Ciro Camargo.


Essa exigência também desagrada o diretor de arbitragem da FGF, Luis Fernando Moreira. “Normalmente o cara vem pra cá com curso superior e se depara com uma realidade: a incompatibilidade de horário. O cara tem que repetidamente pedir licença no emprego. Muitos deles compensam suas faltas nas férias. É um sistema extremamente fugaz em cima dos árbitros. Não sou advogado deles, sou diretor deles, mas eu tenho que colocar a realidade: ou se muda um sistema de atenção aos árbitros, ou vai melhorar só um pouquinho em relação ao que está aí. Ninguém quer se comprometer em pagá-los como deve ser”. Esta impossibilidade prática e legal de viver da arbitragem no Brasil acarreta problemas na preparação dos profissionais. Esta é feita nos momentos de lazer, quando não estão nos afazeres profissionais ou apitando e bandeirando partidas. A parte física precisa estar sempre intocável, pois a cada seis meses os juízes e bandeiras são submetidos a rigorosos testes físicos. “O teste é terrível! Os caras da imprensa não entendem. É o teste FIFA que se aplica. Se o cara não treina todos os dias ele não passa. Ai tem que trabalhar das 8h às 12h e das 14h às 18h e às 19h vão correr. Tu precisa ter uma elevada carga de vontade, não é verdade? O árbitro acaba treinando no jogo”, revela o diretor. O problema A cada rodada uma polêmica nas partidas de futebol. Este ano foi repleto de crises, rotineiras mudanças nos comandos das arbitragens, punições e, ainda, sanções dos clubes que exigem não ter seus jogos apitados por este ou aquele árbitro ou bandeira. As televisões registram cada segundo e cada ângulo dos movimentos das partidas. As rádios e tevês preparam profissionais como analistas de arbitragem. “Tem mais erro e é mais visto. Por causa do vicio da formação. A situação é insolúvel. A arbitragem ta ruim? Vai piorar. Enquanto não mudarem essa estrutura, essa filosofia de exigir faculdade, o caos ta instalado”, opina Ciro Camargo. Que outra profissão o erro é tão mostrado? Cada erro é mostrado em vinte cameras e pode causar a perturbação do juiz na partida, como afirma Luís Moreira: “Não se dá o direito do ser humano de errar! Se errar no outro dia é manchete. Isso no psicológico afeta.” Com os bandeirinhas pode se dizer que a dificuldade e a cobrança são ainda mais complicadas. Eles têm que ter a visão correta da linha dos últimos jogadores na exata hora do lançamento. Qualquer centímetro deslocado altera sua visão. Visão que sempre se destina a lances capitais como pênaltis, impedimentos e saída de bolas nas linhas do campo. Camargo resume: “É pior ser bandeira. O erro é definitivo, é como um goleiro. O árbitro erra no atacado e o bandeira no varejo.” As dificuldades no amadorismo Hoje, por exigência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o encerramento da carreira de um árbitro no quadro da entidade se dá aos 45 anos. Foi reduzido em 5 anos a marca que antigamente era de 50. Com isso, o árbitro, para entrar entre os principais representantes do país e até sonhar em aspirar ao escudo da FIFA em seu distintivo, tem que ter até 30 anos (antigamente eram 35). Ciro Camargo faz as contas: “Para estar fazendo faculdade, digamos, tu tem 18 anos. Com 22, sendo bonzinho, tu está com a universidade fechada. Em qualquer coisa! Pode ser veterinária ou ginecologista! Aí com 22 anos tu está

apto para apitar. Só que arbitragem não se faz em um ano. Exagerando, tu faz 40, 50 jogos por ano. Em 5 anos teria feito 250 jogos, que é muito pouco. Não tem treino, treino do arbitro é no jogo. Então tu te forma como arbitro e na faculdade com 22 anos. Aí tu evolui nas categorias e digamos que em dois anos tu tá aspirando para o quadro da CBF. Tu tem 6 anos para algum dos árbitros da CBF fazer 45 anos e sair do quadro.” Sem salário fixo, os árbitros recebem por jogo apitado. Os valores dependem das competições e do grau de carreira. No campeonato Gaúcho, por exemplo, os rendimentos, determinados por uma negociação do sindicato com a federação, estão em torno de 1,5 mil reais por jogo para um árbitro FIFA (50% a mais que um árbitro não Fifa) – a entidade escolhe ao redor do mundo árbitros e bandeiras para o quadro da entidade –; os bandeiras FIFA recebem metade; os árbitros principais que não são FIFA recebem em torno de 1 mil; e o bandeira não FIFA recebe metade deste. No caso do Brasileirão, o valor para um arbitro FIFA é em torno de 3 mil reais na Série A. Estes números,

Não se dá o direito do ser humano de errar! Se errar no outro dia é manchete. Isso no psicológico afeta. por mais otimistas que sejam tendo em vista outros países da América Latina, por exemplo, ficam muito longe do que ganham jogadores, técnicos e dirigentes esportivos. E é claro, nas séries inferiores os valores são muito abaixo destes, que são os que abarcam apenas os principais árbitros do país. Além disso, o estatuto do torcedor, sancionado pelo governo Lula em 2003, exige que os árbitros, em competições regidas pela CBF, sejam escolhidos para as partidas por sorteio. Isto para evitar possíveis complôs e apadrinhamentos nas escolhas, o que faz com que um árbitro dependa da sorte para receber mais ou menos em um mês. A falta de profissionalização aumenta ainda mais as dificuldades já impostas nas partidas e nas cobranças. Os árbitros não têm academias, salas de edição de

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jogos, palestras, nem qualquer acompanhamento disponibilizado pelas entidades. As mudanças são fundamentais, como comenta Luis Fernando Moreira. “Teria que ter uma nutricionista e uma psicóloga. Pô, o psicologico é uma das chaves do problema. Imagina todo dia os caras dizendo ‘tu roubou, sem vergonha’... abala a pessoa.” Ciro Camargo também sugere mudanças: “O futebol está muito dinâmico, o treinamento tem que abranger várias coisas. O árbitro tem que ser um atleta, porque é muita competição. No Brasileiro é avião, aeroporto, avião... Eles acabam estourando. Os clubes profissionais estão monitorando tudo nas condições físicas dos atletas. Teria que ser assim. A nossa pré-temporada por exemplo, é de três dias! A FGF banca três dias em janeiro para fazermos uma pré-temporada que não vale nada de valência física, só serve para orientações, é uma tentativa de padronizar o comportamento. Durante o resto do ano cada um cuida da sua vida.” Cursos cheios, campos vazios Apesar dessa dura realidade da categoria, os cursos de arbitragem da FGF estão sempre cheios e não raro a matrícula é cancelada por atingir o máximo de vagas possíveis. Mas afinal o que atrai as pessoas para serem árbitros de futebol? Ciro Camargo responde: “Tem a vocação, mas tem outra situação. Hoje em dia, tem um grande percentual de universitários que se dispõe a fazer o curso para acumular pontos para concursos públicos. Hoje em dia tem árbitro de apartamento. É uma casta privilegiada que tem Ipad, Ipod, Iphone, notebook, o seu carrinho, mora bem e não vai trabalhar no fim de semana na várzea, onde era forjado o árbitro.” O diretor da categoria, Luis Fernando complementa: “Já tem gente esperando para fazer o próximo curso. Os caras vêem que tem árbitro que ganha 3 mil por jogo, mas quantos anos ele está na arbitragem? O Vuaden (árbitro gaúcho do quadro da FIFA) é de 97! Aí o cara vê a realidade e começa a sair. Desse grupo aqui (mostra uma lista) tem mais de 30, vê quantos sobraram (mostra outra lista com cerca de 12 nomes). Não tem uma definição de carreira.” O que fazer? Projetar “Eu penso que quem teria que fazer os árbitros seria o sindicato, mas ele não tem verba. Hoje o sindicato não tem participação no curso da federação, desde a entrada do presidente Noveletto (na direção da FGF). A gente está batalhando para mudar isso. Eu acho que quem tem que formar os árbitros são os árbitros e o sindicato fornecer e escalar os árbitros. Mas apesar da opinião de Ciro camargo, quem escolhe os árbitros para o sorteio é a comissão de arbitragem da FGF ou das outras federações regionais ou, no caso das competições nacionais, a CBF. A principal crítica do sindicato é que as federações são formadas pelos clubes, O que acaba tornando os árbitros e a comissão de arbitragem reféns das escolhas dos clubes. O pessimismo do presidente do SAFERGS, Ciro Camargo, contrasta com o seu otimismo com relação a um projeto de ensino que ostenta na parede de sua sala. “Meu projeto (apontando para a planta desenhada na parede): a criança entra de manhã na escola, estuda um turno na escola regular e de tarde vai praticar um esporte, de preferência a arbitragem. Imagina a criança começar com 10 anos a praticar o esporte? Quando ele sair da escola ele pratica há oito anos. Com 20 anos, podemos ter um grande árbitro. Mas eu estou sozinho nessa. Tem tudo por fazer e pouca gente e vontade política.”

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como nasce uma ocupação por Marcus Pereira fotos de Júlia Schwarz

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egundo o último censo do IBGE, o Brasil dispõe de 6,07 milhões de domicílios vagos. Nos classificados de jornais, o mercado imobiliário chove uma enxurrada de ofertas: quitinetes, casas, apartamentos; um, dois, três, quantos dormitórios você quiser; poucos metros quadrados, muitos metros quadrados; dependência de empregada; área de serviço; sacada; bem arejado; churrasqueira; vaga de garagem; playground; bem localizado; perto do Centro; porteiro 24 horas... Tudo isso por apenas: centenas de milhares de reais. Venha conferir! O Brasil tem um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias1. Apesar disso, uma parcela relativamente pequena da população vai conferir as ofertas dos classificados. Milhões de brasileiros não têm condições de pagar o preço de uma moradia digna. É verdade que muitos têm conseguido um lar razoável através do programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, que financia sob juros diminutos a compra de um imóvel. No entanto, muitos outros são obrigados a escolher – “minha casa

urbana Na zona norte de Porto Alegre, cerca de 250 famílias adentraram um terreno e querem fundar um bairro ali

ou minha vida” – pois as duas opções simultâneas são incompatíveis com a baixa renda. Esses cidadãos engrossam as estatísticas dos sem-teto. Em Porto Alegre, estima-se que faltam 35 mil habitações para a população carente. Diante de tantas “inabitações”, os sem-teto acabam por ocupar, entre outros espaços, terrenos ociosos da cidade. É o caso de uma área de aproximadamente 12 hectares, localizada na zona norte da Capital, entre a avenida Baltazar de Oliveira Garcia e a rua Dr. Paulo Smania. Lá, desde o mês de julho, 257 famílias se instalaram no lugar: limparam o terreno, abriram ruas e construíram casebres. Por conta da necessidade, está surgindo um novo bairro em Porto Alegre: o Loteamento Seu Luiz. A associação de moradores Sábado. Tarde ensolarada de verão. Venta bastante na zona norte. Entro na ocupação pela avenida Baltazar. Ando por uma rua de terra, íngreme. Essa parte do terreno é a mais baixa. Há um pequeno alagadiço aqui. Alguns homens, pá e enxada em

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mãos, escavam um buraco transversal na via, onde colocam uma tubulação de esgoto de mais ou menos 50 centímetros de diâmetro. Outros, com ajuda da família, edificam pequenas casas de madeira. Pergunto a um sujeito quem é o responsável pelo loteamento. Ele aponta para a parte mais alta da área: “Lá em cima fica a associação de moradores.” Caminho ladeira acima. Em cada lote de terra, a cena se repete: homens e mulheres constroem casas. Do alto do morro, Pedro Álvares Valêncio e Leandro Otenir Ribeiro Ribas coordenam a ocupação no Loteamento Seu Luiz (nome provisório e informal, visto que a posse da área ainda é incerta). Eles assentaram os primeiros moradores no terreno – cerca de 20 pessoas – em 23 de julho. Fundaram a associação de moradores no local, que, entre outras funções, cuida da distribuição dos lotes disponíveis. Pedro é o presidente; Leandro, o vice. “Seu Pedro” me convida para sentar na varanda da associação, uma construção de cerca de 10 metros quadrados, chão batido, teto de zinco. Logo que


chão do loteamento. A eletricidade é distribuída por meio de uma fiação aérea, suspensa em postes construídos pela própria associação. Contudo, os pagamentos atrasam, o que obriga a associação de moradores a executar um contorcionismo financeiro: – Todo mundo que mora aqui é pobre. Tem gente que junta todo o seu dinheiro para comprar o material de construção para a sua casa. Aí fica sem dinheiro para pagar as despesas com a associação. A associação consegue fornecimento de madeiras por um preço reduzido. Mas, mesmo assim, tem gente que não consegue pagar a mensalidade. Alguns moradores não têm nem o que comer. Volta e meia, a associação organiza um “sopão” para alimentar essa gente. Então, diante dessa situação, a gente faz assim: quem pode pagar um pouquinho a mais, paga mais; quem precisa pagar um pouquinho a menos, paga menos; em outros casos, a associação deixa o morador pagar quando puder. Mas, assim, a maioria dos moradores paga em dia a mensalidade – relata Seu Pedro. No final da entrevista, um homem se aproxima. Ele aparenta ter uns 50 anos: pele queimada do sol, corpo arquejado, mãos calejadas, expressão melancólica rasurada por algumas rugas salientes; se veste com roupas desbotadas; origem humilde. Interpela: – Com licença, Seu Pedro. Vim lhe entregar o dinheiro que o Fulano (não me recordo o nome) ficou devendo para a associação. Ele tem que pagar 300 reais, mas só tinha 150 no momento. Ele disse que não pode pagar o resto agora, porque a esposa ficou doente. Mas, assim que tiver, vai pagar. – Não tem problema. Depois eu faço o registro no livro da associação. Melhoras para a esposa dele – responde Seu Pedro.

nos acomodamos, apresenta-me seu currículo: 59 anos, eletricista industrial aposentado, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ex-preso político, trabalha com organização popular há aproximadamente 30 anos; já liderou loteamentos que deram origem aos bairros São Borja, Parque dos Maias, Vitória da Conquista, etc.; segundo sua própria estimativa, assentou cerca de 20 mil famílias até hoje (tenta começar uma ocupação a cada ano). Ele anda com auxílio duma muleta. Apesar da perna direita comprometida, exibe simpatia, disposição, senso crítico e marxismo. Admira a China – país que inspirou a política pecebista nos anos 1960. Não mora na ocupação. Possui uma casa num bairro que ajudou a consolidar: Vitória da Conquista. De qualquer forma, parece ser respeitado pelos moradores do lugar. Leandro se junta à conversa. Ele é o braço direito de seu Pedro. Tem 37 anos. Apresenta personalidade um pouco mais séria. Sempre disposto. Alugava uma sala no bairro Rubem Berta, onde administrava um bar. Também tem experiência em outras ocupações. Construiu sua casa no loteamento, onde reside com a esposa. Parece ser muito considerado pelos moradores. Em muitos casos, parece ter amizade – sobretudo com os mais jovens. Procura estar informado sobre tudo que acontece na área. Conhece os problemas e dilemas dos moradores. Eles centralizam a organização da ocupação na associação de moradores, que promove reuniões periodicamente. A agremiação tem papel crucial na manutenção do assentamento: seleciona os interessados em ocupar um lote, fornece água e energia elétrica, aluga as escavadeiras para abrir ruas, contrata o advogado que move a ação pela posse da terra. – Quando chega alguém aqui, perguntando se existe algum lote disponível, nós fazemos uma seleção: primeiro averiguamos se o sujeito tem problemas com a Justiça, depois vemos se ele realmente precisa do lote. Se o cidadão não é criminoso e realmente precisa de um lugar para morar, aí cedemos o espaço. Mas explicamos quais são as condições: o morador é responsável pela limpeza do seu terreno, pela construção da sua casa, pela construção de uma fossa para o banheiro, e tem que morar na casa que construir. A gente faz essa triagem por dois motivos: para evitar que ocorram coisas ilícitas no loteamento; e para evitar que alguém adquira um lote e depois venda para terceiros – explica Leandro. A associação de moradores cobra três taxas mensais: 40 reais pelo fornecimento de água, 40 reais pelo fornecimento de energia elétrica, 100 reais para as despesas da agremiação. “A mensalidade da associação é usada para contratar o maquinário para construir a infraestrutura do bairro e pagar o advogado”, garante seu Pedro. A água e a luz vêm de extensões (“gatos”) instaladas na rede hídrica da Corsan e na rede elétrica da CEEE. A água é distribuída por uma teia quilométrica de mangueiras espalhadas pelo

A comunidade faz o bairro Tarde de quinta-feira. Sol forte. O vento suaviza o calor. Leandro me conduz por uma caminhada pelas ruas da ocupação. Enquanto andamos, vemos alguns jovens trabalhando em suas casas. O vice-presidente da associação de moradores cumprimenta todos pelo nome. Recebe saudações recíprocas. Crianças correm de um lado para outro. Ele me conta a história da ocupação. O mesmo relato que outros moradores já haviam contado. Quando os primeiros moradores chegaram à área, o terreno estava baldio: árvores, arbustos, capins por todos os lados; pássaros, cobras, ratazanas entre a vegetação; carcaças de carros, motos e outros entulhos abandonados num declive. Em mutirão, limparam uma parte da área, onde foram divididos os primeiros lotes. Nas semanas seguintes, quando outras famílias já haviam se juntado à ocupação, contrataram escavadeiras para abrir ruas e buracos – onde os próprios moradores instalariam a tubulação de esgoto. Os postes de luz também foram fixados pelos primeiros ocupantes. Embora a associação de moradores forneça alguns

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serviços básicos, em geral, a estrutura pública do loteamento é construída de maneira coletiva. A maioria das habitações se resume a um cômodo. São casas precárias. Algumas moradias têm paredes improvisadas com chapas de compensado, teto coberto com lonas, piso de chão batido. Outras têm paredes de madeira, teto de zinco, piso em tablado rústico. Uma ou outra está sendo edificada com tijolos. O banheiro costuma ficar do lado de fora das residências. Em alguns casebres, Leandro propõe que paremos para conversar com os moradores. As histórias de vida são muito parecidas: a família morava de favor na casa de alguém, ou morava num local insalubre, ou foi despejada por não pagar o aluguel. A maioria dos homens tem emprego: trabalham durante o dia, de segunda à sexta-feira; à noite e finais de semana, trabalham na construção das casas e bairro. Durante os dias de semana, é mais comum ver crianças e mulheres desempenhando afazeres domésticos, do que ver homens construindo moradias. Em alguns lotes, há apenas um esqueleto de edificação e um amontoado de tábuas no terreno. Ninguém trabalhando. Leandro comenta: – Tem gente que não acredita que a ocupação vai dar certo. Algumas pessoas pegam um terreno aqui, mas depois desistem de construir suas casas, porque acham que a gente não vai conseguir a posse da terra. São pessoas que não querem fazer um investimento numa coisa incerta. Mas tem que acreditar senão a ocupação não vai dar certo mesmo. A disputa pela posse do terreno Hoje, quem possui a escritura da área de 12 hectares é o empresário de Alvorada Valdir Oliveira Silveira, conhecido na região como “Foguinho". Valdir comprou o terreno em 1989, quando o posseiro – agricultor Alencorte Machado Feijó

– lhe transferiu a escritura originária de 1949. A transferência dos direitos possessórios aconteceu em seis de setembro, no tabelionato da comarca de Alvorada situado então na rua Salgado Filho, nº 118. O registro do tabelião Cícero Pereira Baptista atesta que o agricultor e o empresário compareceram ao tabelionato. Entretanto, os moradores da ocupação questionam o documento. Leandro possui uma cópia da certidão de óbito do agricultor. O documento declara que Alencorte faleceu às 19 horas e 30 minutos do dia seis de setembro de 1989 (mesma data em que ocorreu a transferência da escritura). Causa mortis: “insuficiência respiratória, pneumonia aspirativa, diabete melito tipo II.” – Como pode alguém que está tão doente, a ponto de morrer no mesmo dia, comparecer em um cartório? Ele não deveria continuar internado no hospital? – indaga Leandro. A Justiça, no entanto, decidiu pela reintegração de posse a favor de Valdir. Porém o despejo não aconteceu. Os moradores dizem que eles não foram tirados do local porque faltaram equipamentos para desmanchar as casas. O empresário contesta: – A Justiça já deu quatro reintegrações de posse a meu favor. Não sei por que razão a decisão judicial não foi cumprida. Talvez o oficial da Brigada Militar tenha se sensibilizado. Não sei o que os invasores disseram para ele. Isso só acontece no Brasil: quatro reintegrações de posse e ainda não foi cumprida a decisão da Justiça. Mas, de agora em diante, vou usar outros meios. Meios constitucionais, inclusive. Da mesma maneira que um cidadão pode tomar uma atitude quando alguém invade sua casa, vou tomar uma atitude para expulsar os invasores da minha propriedade. Recentemente, os moradores da ocupação descobriram que o terreno onde querem fundar o

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Loteamento Seu Luiz é uma reserva de contenção ambiental, pertencente ao município de Porto Alegre. Valdir afirma que já tinha conhecimento a esse respeito. E diz que vai denunciar os “invasores por crimes ambientais, afinal de contas, eles desmataram toda aquela área.” De fato, hoje há pouca vegetação no local. Talvez a prefeitura da capital tenha que rever, de agora em diante, a classificação de reserva de contenção ambiental. De qualquer forma, quem ficar com a posse da terra terá menos dificuldades para realizar algum empreendimento naqueles 12 hectares. A função ecológica do terreno certamente não existe mais. Sendo assim, qual a função que a área terá no futuro? Habitacional ou privativa? 1

Cálculo do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD – 2010) do IBGE. O número corresponde a todas as moradias necessárias para alojar os brasileiros que não tem onde morar ou moram em habitações inadequadas.

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Feira das livrarias

antiga. Começou em 1955 quando o jornalista Say Marques conseguiu mobilizar um grupo de livreiros da Capital e montou 14 barracas na Praça Senador Florêncio – que por sorte mudou de nome e hoje é nossa linda Praça da Alfândega. O conceito para o projeto veio de fora, do Rio de Janeiro. Por lá a ideia era simples: “se o povo não vem à livraria, vamos levar a livraria ao povo”. Aqui, Say Marques propunha acabar com a imagem de que livraria é coisa para a elite. O projeto vingou, mas muito foi modificado desde o século passado. Nesta última edição, 411 mil livros foram vendidos e 1,3 milhão de pessoas passaram pela Praça. É impossível negar que a Feira do Livro traz muito para Porto Alegre, mas sua estrutura pode e deve ser questionada. Existe uma crítica específica bastante contundente sendo feita por frequentadores mais velhos do evento. Eles são os primeiros a comentar: há pouca variedade. O incrédulo leitor pode pensar “que bobagem! A Feira expõe milhares de livros!”. Pois sim, mas quantas barracas vendem os mesmos livros? Em uma rápida caminhada por qualquer corredor, seguramente podemos encontrar uma repetição de títulos de estande em estande. por Natascha Castro O motivo da pouca variedade está no domínio das livrarias. O vicepresidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Isatir Antonio Bottin Filho, afirmou existir certo privilégio às livrarias na Feira, posto que arta vaga pelos estandes parando elas estão sempre colocadas nas regiões centrais da praça, enquanto as de tanto em tanto. Ela procura, mas editoras ficam mais afastadas. Segundo Isatir, um dos motivos para essa não sabe ao certo o quê. Pergunta escolha é a procura, pois o público quer os livros mais comentados. aqui e ali pelos preços. Gosta de Essa pouca variedade também levanta questionamentos comprar livros na Feira. É uma tradição. Costuma levar quando o argumento é o da concorrência. Como se ter a uma obra comentada, que ela pelo menos conheça por possibilidade de comprar o mesmo livro em diferentes nome. Às vezes seleciona pela capa ou pelo autor, estes muitas vezes ligados a grandes veículos de comunicação bancas fosse baratear a obra. E o que seria mais barato do que do estado. Na metade do passeio come um pacotinho de comprar direto da editora, sem intermediação de livrarias? Por exemplo, em uma rápida e simples pesquisa de preço pipoca. Desta vez, Marta comprou “50 Tons de Cinza”. selecionei uma obra de determinada editora, que também possuía Saiu com um sorriso no rosto e o dever cumprido.” uma banca na Feira, e averiguei o preço em todos os pontos de Levar o livro à Praça é um ato simbólico. Demonstra venda. O livro escolhido estava sendo vendido em grande parte um compromisso com a população, já que o acesso à dos lugares: na primeira livraria que pesquisei, seu preço leitura é fundamental para qualquer entendimento, era de R$ 25. Em outras três livrarias era cobrado o valor principalmente para a reflexão crítica das situações. de R$ 24,50, mas cheguei a encontrar a mesma edição Mas que leitura é essa que nos é oferecida? do livro sendo vendida por R$ 19,60. Passei a suspeitar A “Feira do Livro” é, provavelmente, o maior e dos tais 20% de desconto quando, na banca da editora, mais interessante evento que Porto Alegre sedia o valor cobrado pelo livro também era de R$ 19,60. anualmente. Momento em que a Praça da Alfândega Por mais amadora que seja minha isolada pesquisa, se enche de cor e vida - como deveria ser durante todas é impossível não questionar como uma editora, as estações. Quando os gaúchos conseguem bater no sem os custos da compra e revenda que todas as peito com orgulho: somos um povo com escritores e de exposições de fotografias nos livrarias têm, vende um livro pelo mesmo preço que lê. Ou pelo menos um povo que museus da Praça da Alfândega. O pequeno espaço que algumas livrarias? Pensando logicamente, gosta de passeios culturais. teve de ser alugado, por 4 mil reais. Enquanto isso, a não seria mais barato comprar direto da fonte? A anual tomada do distribuidora de livros italianos possuía um enorme E as livrarias que vendem o livro por R$ 25,00 espaço público para espaço, por 12 mil reais, para expor livros que podem ser estão realmente oferecendo um produto com a venda dos livros é encontrados durante todo o ano em sua loja na cidade. desconto? Em poucos minutos navegando por sites de livrarias, descubro que não. Ele E se nos entregamos ao é vendido a R$ 24,50 durante todo o ano. maravilhoso mundo do “e se” e Outro ponto que podemos supomos uma outra estrutura? problematizar é o dessa “procura” “Marta caminha pela Feira parando de tanto do público. Como vou procurar algo em tanto. Demora em cada estande, pois não que não conheço? E não há grande conhece a maioria dos livros expostos. Pergunta estímulo em fazer conhecer. A área do que se trata aquele, descobre o preço do outro. internacional da Feira do Livro é um Ela tem contato com uma enorme quantidade de bom exemplo disso. Reduzida a 12 nomes de autores e livros que nunca ouviu falar. bancas, em sua maioria de distribuidoras brasileiras de livros estrangeiros, ela Acaba por fim encontrando uma banca com livros funciona de maneira bastante simples. conhecidos. Compra “50 tons de cinza” porque saiu Como são divididos por línguas e não matéria no jornal dizendo que é o mais vendido no por países, vemos no estande chamado mundo. Depois come um pacotinho de pipoca e sai de argentino, livros do Benedetti, Neruda, com um sorriso no rosto e o dever cumprido.” Bolaño, Garcia Márquez e por aí vai. Além de Neste segundo contexto a praça ainda estaria pérolas que estão ali apenas pelo idioma, como tomada de bancas. Mas neste caso hipotético todas traduções de Harry Potter ou 50 Tons de Cinza. as editoras seriam convidadas a expor e viriam com Nesta última edição, o único estande gosto fazer negócio em Porto Alegre. Seria mais verdadeiramente internacional foi o do Equador. plural, diverso e intenso o contato com a literatura. Pequeno espaço, última banca e poucos livros. Ali estavam Sem amarras midiáticas ou meramente comerciais. os poemas, os romances e as obras que contam a história Seria. Até porque, como diz o bom Galeano, do país representado. Estande posto na Feira com a ajuda do "Aunque no podemos adivinar el mundo que será, Consulado do Equador, que colaborou na realização de palestras bien podemos imaginar el que queremos que sea".

Qual é o melhor modelo? Este amontoado de palavras tem apenas dois propósitos: questionar e propor.

M

[Juergen Cannes]

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Coprolítico por Glauber Winck

Detestava chegar em casa tão tarde. Uma hora de ônibus. Uma caminhada. Alguns minutos mais... Casa. Silêncio. Era o que eu queria. Evitava conversas, já havia evitado. Mau pressentimento, coisa boa não viria. Naquela noite foi impossível. Esperou-me. Tocaia. O assunto ameno durou pouco. Não sei como, “criminalidade”. Nas frases feitas, de TV. Veio: - Tinha que ter pena de morte no Brasil! Tinha é que voltar o militarismo! Naquele tempo as pessoas respeitavam! Não tinha corrupção! Não tinha bandido, eles davam-lhe pau neles! Manifestei-me: - Corrupção? Tanta quanto hoje. E tortura... Rebateu: - Pelo menos a gente sabia por quem estava sendo torturado! Não é que nem agora!

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Sai l i m p o . Destas crencas...

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Mal terminada a fala, sua cabeça começou a inchar,

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. . Mantenho-me assim.

tabare.net


[Luísa Santos]

É sentimento. Na verdade, sensibilidade. As pessoas costumam ficar mal a partir do intestino e vo m ita r. Elas estã o se nsíve is e o i ntesti n o manifesta isto. É o âmago do organismo. Meu pai já teve câncer de intestino... Mas ele se curou, então tá tudo bem.

O intestino é o grande cara da digestão. O estômago é só um detalhe.

Alguns doutos em ciências descobriram que quanto maior o intestino, mais místico o indivíduo. E quem m a is m ísti co q u e D e us? G ra n d e I ntesti n o, o ra i p o r n ós . É um lance louco, porque é muito maior que meu corpo, mas ele tá aqui dentro igual. Ele é bem planejado, o pessoal da logística divina trabalhou bem.

Visceral, tudo aquilo que resume a humanidade. A terra é um grande intestino delgado e o que morre é expelido desta merda de mundo. A l i n h a ça p e r f u ra o i ntesti n o se tu co m e e l a se m tr itu ra r, po rq ue ela te m aq uelas ‘a g u l i n has’ , e nte nd e? E ta m bé m [s e n ã o t r i t u ra r] n ã o a b s o r v e d i re i t o o ô m e g a 3 .

Há 8 anos em Tabaré

(11/11)

[P.H.Lange]

Morreu em Clamart, cidadezita próxima a Paris, o líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat. O estadista egípcio-palestino teria falecido devido a uma falência múltipla de órgãos. Arafat, inimigo número um do sionismo israelense e dos comentaristas reacionários do jornalismo mundial, dedicou 40 anos de sua vida à consolidação de um Estado palestino independente. Não se sabe ao certo o que teria causado a morte do líder, mas há fortes suspeitas de que os altos níveis de polônio 210 (material altamente radioativo) encontrado em seus objetos pessoais tenham a ver com isso. Entre os objetos carregados de polônio estão roupas, escova de dentes e inclusive e famoso lenço palestino que distinguia Arafat. Ou seja, metal cancerígeno por tudo quanto é lado. O Mossab, serviço de inteligência israelense conhecido por suas estripulias internacionais, disse que não sabe, não viu, ouviu ou cheirou qualquer coisa relacionada à morte de seu principal alvo. A instituição secreta israelense, acostumada a não dar muita bola para questões diplomáticas, é o tentáculo discreto das Forças de “Defesa” de Israel, donas do sexto maior orçamento militar do mundo. Em população, o país fica no 96º lugar entre os Estados do planeta. A morte de Arafat é um sintoma de que, se o genocídio promovido por Israel não tiver fim, quem vai falecer por falência múltipla de órgãos é a Palestina.

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TABARÉ

O susto do chute da pomba chamada Lisboa [Martino Piccinini]


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