porto alegre verĂŁo 12/13
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com carinho e pesar
jungle • arte • havana
Chico Guazzelli, Felipe Martini, Frederico Stumpf Demin, Gabriel Jacobsen, Guilherme Dal Sasso, Jimmy Azevedo, Jonatan Tavares, Jonas Lunardon, Jessica Dachs, Júlia Schwarz, Juliana Loureiro, Leandro Hein Rodrigues, Luísa Santos, Luna Mendes, Marcus Pereira, Martino Piccinini, Matheus Chaparini, Natália Otto, Natascha Castro Projeto Gráfico: Martino Piccinini Diagramação: Frederico Stumpf Demin, Martino Piccinini Capa: Luisa Hervé Colaboradores: Diego Amorim, Flo Wyss, Gustavo Rosa, Lara Rösler, Lucas Reis Gonçalves, Paola Kremer, Paulo H. Lange, Vivi Ribeiro Tiragem: 2 mil exemplares Contatos: comercial@tabare.net tabare@tabare.net facebook.com/jtabare Distribuição: Fabico Famecos Instituto de Artes UFRGS Casa de Cultura Mario Quintana Ocidente Palavraria Sala Redenção StudioClio Comitê Latino-americano Nova Olaria Dezembro 2012/Janeiro 2013
Ainda mais, não sabem, as próprias investidoras, muito menos o prefeito, o que será feito daquele espaço. Para o presidente da Vonpar, há de ser criada ali uma Disneylândia. A administração da cidade, uma vez mais, capitalizou as áreas que deveriam ser públicas - dessa vez, no entanto, foi-se além, cometeu-se o abuso de apostar em nossa ignorância, não revelando valores presentes nem futuros, nem projetos ou planos. Não sabemos, nós, cidadãos, o que será feito de nossos espaços. Não sabem eles, os vendedores, se aceitamos essas operações. Nossa nova luta por essa democracia cambaleante é a transparência. Os usos do dinheiro público têm de ser de nosso conhecimento. Não é o que se passa em Porto Alegre, nem no Brasil. Os salários de alguns estão
[Diego Amorim]
cidade está à venda, só não sabemos para quem, por quanto, nem o que vai ser feito dela. Sabemos, no entanto: não seremos nós os compradores. Nas últimas semanas a prefeitura de Porto Alegre assinou contratos milionários para a tão falada e tão conturbada e tão imaginada revitalização de nosso Cais. O consórcio que, em tese, promoverá a obra agora tem mais dois milionários participantes: a Vonpar e a consultoria NSG Capital. O prefeito Fortunati anunciou, com pompas e celebrações, a incorporação de mais dois investidores no projeto. Sem tantas pompas assim também foi dito, em tom discreto, que é pra que não prestemos tanta atenção, que os valores dos negócios não foram revelados.
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expostos na rede. Orçamentos e repasses também, em números absolutos, estão lá, a espera de nossa consulta. O problema é que isso não é transparência, nem democracia. Não somos meros curiosos querendo saber quanto ganha alguém. Queremos o direito de fiscalizar os recursos provenientes de nossas lutas cotidianas. No site do Senado é possível ver certos gastos dos parlamentares com suas bolsas gasolinas, bolsas refeições, bolsas ternos – tudo além do salário que recebem. O ex-presidente e hoje senador Fernando Collor tem lá declarado: 15 mil reais de gastos com gasolina em um único mês, 3 mil reais em notas de um mesmo restaurante em uma única semana. Transparência é poder fazermos algo a respeito disso. Os neologistas a serviço do governo têm trabalhado muito bem. Diversos termos são ditos pelas autoridades a fim da formalidade burocrática, do enaltecimento dos negócios: parcerias públicoprivadas, sharings, trust funds, ventures, e outras tantas anunciadas em alto e bom som para que encham nossos ouvidos e não entendamos nada. Essas novas palavras escondem de nós os significados que há muito estão bem consolidados. O significado de que todas as coisas são suplantadas pelo infindável poder desse respeitado senhor dinheiro e de seus irmãos lucro, capital, dividendos – palavras velhas, de significados perigosos, mas que poderiam muito bem substituir aquelas listadas acima. Em um livro chamado “A Doutrina do Choque”, a jornalista canadense Naomi Klein escreveu: “Informação é resistência ao choque. Arme-se.” Naomi escreve sobre coisas bem distintas do que discutimos aqui - basicamente, sobre o neoliberalismo e como os Estados (principalmente os Unidos) usam técnicas de violência estatal e estrutural para impor certas medidas que, não fosse o tal “choque”, não seriam aceitas facilmente pela população. Ok, talvez não esteja tão distante assim do nosso assunto. As armas, então, já temos. Mas as balas são poucas e o gatilho é enferrujado. Nos degladiamos em busca de uma tímida, enfadonha transparência dos números; que teremos de fazer para alcançarmos uma transparência das intenções?
Back In The U.S.S.R. No país da Torre Eiffel surgiu uma grande polêmica que tem deixado a população sem dormir. A atriz e cantora Brigitte Bardot mandou uma carta ao governo francês ameaçando renunciar sua cidadania caso dois elefantes do zoológico Tête d’Or na cidade de Lyon sejam sacrificados. O zoológico alega que os dois animais sofrem de Tuberculose e estão em estado terminal, pondo em risco a vida de outros animais e das pessoas que visitam o local. Os elefantes Baby e Nepal deveriam ter sido sacrificados em dezembro, mas após o frisson causado pela atriz houve postergação para janeiro. Bardot milita ativamente pela proteção dos animais e alertou que caso as autoridades fossem adiante com o plano ela entraria com o pedido da obtenção da cidadania russa e se mudaria do país. Seu conterrâneo, o ator Gérard Depardieu obteve nesta semana o passaporte russo depois de criticar o governo francês por uma medida que visava a sobretaxar os ricos do país. Depois que o governo criticou sua decisão, o astro francês decidiu renunciar a sua cidadania francesa. O Kremlin informou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tinha pessoalmente assinado um decreto pelo qual garantia ao ator a cidadania do país. Em tempo Esses francês... Sempre lançando moda.
A máfia veste sapatilhas. Sergei Filin, diretor artístico e bailarino do famosíssimo teatro russo Bolshoi, retornava a sua casa pós-jornada de trabalho quando foi abordado por um homem mascarado que gritava seu nome. –Sergei! Sergei! Ao virar-se para verificar quem era o pinta, o mascarado em frações de segundo lhe atirou ácido no meio da cara. É mol? Acudido pelo zelador de seu prédio, o diretor do teatro foi encaminhado com urgência ao hospital, tendo queimaduras graves e possibilidade de perda da visão. Segundo o porta-voz do teatro, o bailarino vinha sofrendo ameaças havia meses. As críticas a Sergei eram severas, tendo como consequência mor a renúncia dos cargos das duas maiores estrelas do balé russo - Natália Osipova e Ivan Vasilyev - em protesto contra o repertório da atual administração. Em tempo Bratva, Cosa Nostra, Camorra... Tuda essas coisa é lasti week, gentem. Hoje em dia pra sair tocando o terror tem que vestir colan e tutu.
Damas da noite viram poliglotas A associação de Prostitutas de Belo Horizonte organizou aulas de inglês gratuitas para que as profissionais do sexo possam se preparar para a Copa de 2014. A ideia é ensinar o vocabulário básico como frutas, verduras e legumes. A presidente da Associação explica que várias dessas palavras estão associadas a fetiches, por isso são importantes de ser aprendidas. Mas o vocabulário técnico, como “condom” (camisinha), também estará presente nas aulas. As classes de idiomas já têm local para acontecer: uma sala concedida pela Associação da Rua Guaicurus (zona de prostituição de BH). A ideia é que o curso dure entre seis e oito meses e que as primeiras turmas tenham inicio até março. A associação também planeja aulas de francês e italiano. As profissionais estão muito entusiasmadas, pois poderão negociar o preço e combinar o programa com maior facilidade.
Quase 100 contra censura Uma rara greve contra a censura aconteceu do outro lado do mundo, na China. Cerca de 100 jornalistas se reuniram em frente do periódico Southern Weekly, em descontentamento com os oficiais da propaganda. O editorial do ano novo foi modificado pela censura do governo e transformado em um artigo elogiando o Partido Comunista. Em resposta, a equipe do jornal e ex-funcionários, entre eles alguns jornalistas famosos, escreveram duas cartas abertas pedindo a renúncia do Chefe de Propaganda da província de Cantão, Tuo Zhen, acusando-o de ser “ditatorial” em uma era de crescente abertura. Na noite de domingo, uma mensagem no microblog oficial do jornal negou que o editorial tivesse sido modificado por causa da censura, afirmando que os rumores online eram falsos. A publicação acabou gerando greve dos funcionários. Em tempo Vô te conta ein, tem que dar com a foice no meio desses publicitário...
Em tempo Coisas que só o futebol faz por você...
[Lara Rösler & Vivi Ribeiro]
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É impressão minha ou as cartas do Tabaré se transformaram em uma sessão de auto-ajuda? Pablo Lima, crítico impressionista Aham, Beth. Tâmo até bolando um livro pra lançá na Feira do Livro de Porto Alegre, engraçadinho. Che! Quandéque sai a foto nuartística do expediente atual? Todo mês abro o editorial com a falsa esperança de ver a equipe feminina e nada! Fala sério, Tabaré! Andréia Resende, estudante de anatomia Negra, fontes suspeitas nos disseram que todas as chicas tão com contrato assinado com a Playboy em 2013. Vai vê é por isso...
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Jornal Tabaré: Eu assinei! E vcs? [Além da qualidade das matérias, não esqueçam que é um estímulo a uma imprensa independente e qualitativamente melhor do que a que temos por aí]. Moysés Pinto Neto, Profeta-Leitor É isso aí pessoal, faça como Moysés você também: abra o mar vermelho, escreva os dez mandamentos e assine o Tabaré! Turun-tssss.
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alguma maneira – dando boas risadas ou não. Mas agora tô precisando de uma dica de verão, sabem? Tenho uma moça na mira, dessas que são tipo difícil, metida a intelectual. Por onde eu começo a conquista? Sei que vocês são as pessoas certas pra me ajudar. Abrassssssss! Luis Alberto, nosso “bróder” Lulu! Que supimpa que tu é fã das nossas seções, ein. Então, nossa “dica de verão” pra conquistar uma Residir dentro de uma carta: moça “difícil” do tipo “intelectual” saudade como substantivo concreto. é: nascer de novo. É sempre uma Kaue 2288, Construtor de boa opção e a galera descarta, né... cúpulas Geodésicas Tu vê! Nunca entendêmo muito bem esses negócio de gramática, mas Tabaré, só tenho uma coisa a dizer: achâmo lindo. Bjs! vocês não estão dando valor que o Jader encanador merece! Tava Tabaré, meu bróder! Curto pra falando com uns amigos esses dias, caramba os manuais e as cartas, e todos concordamos - esse cara eles sempre me ajudaram de devia ter uma coluna mensal (no
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site e no impresso), pelo menos! A gente pensou em algo do tipo: “Jader te ensina sobre construção” ou só “Jader”. Acho que seria sensacional, fica dica aí de quem acompanha vocês desde sempre! Grande Abraço. Gustavo Carvalho, Presidente do Sindicato de Encanadores POA Pô, como é que a gente não pensou nisso antes, né? Esse Jader é um agitador... Cê viu o jornal do meu sobrinhoalternativo/quase que anárquico? KKK. Grande e velha veia boa da família... Angela Piccinini, Gênia Grande, Tia! O jornal é lindo, né? Sempre soubemos que nosso disainer era tendência, e agora ele vai ficar ainda mais com a criação do teu slogan! 3
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da minha geração, porque as instituições eram contra tudo, aprisionavam literalmente a arte. Tu fala no passado por que os museus não são mais assim? Não, continua, pouca coisa mudou. Os museus continuam, grande parte, mumificados. Não existe uma política cultural, nem do Ministério, quanto mais dos museus. A questão da cultura no Brasil sempre foi levada à margem, sem recursos e pessoas capacitadas. Se o Paulo Bruscky tivesse inventado os museus, como eles seriam? Como diz o Umberto Eco, seria uma Obra Aberta [a obra não só possibilita interpretações variadas, como apresenta-se de várias formas dependendo do espectador, tornando-o co-autor e fazendo com que uma obra seja, na verdade, muitas obras]. É difícil para mim falar sobre museu porque é uma instituição que eu sempre trabalhei contra, da forma como se comporta. Mas seria mais ou menos uma obra aberta.
não se pode prender a arte por Paola Kremer
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odo museu tem algo de prisão e toda tela tem algo de cela. Negar as formas tradicionais de arte e desconstruir suas verdades é ver de forma revolucionária o próprio canal da revolução. Assim como todo sistema penitenciário tem suas vítimas favoritas, os museus obedecem a um circuito que seleciona artistas de formas muitas vezes pouco democráticas. Quando, em 1978, Paulo Bruscky pixou num muro “não se pode prender a arte”, ele se referia aos cárceres que conhecemos como museus (que muito combateu levando arte às ruas), ao pequeno círculo de crítica e imprensa que detém o poder de legitimar ou não um artista, e à ditadura militar. No mesmo ano, pendurou em si uma placa com as perguntas "O que é arte? Para que serve?" e instalou-se em frente a uma grande loja, provocando quem passava e aqueles que definem o que é aceito no circuito. Ele questiona tudo que envolve a arte e, principalmente, ela mesma. Em 1981, décadas antes de Banksy ficar famoso por sua arte urbana, Bruscky idealizou uma exposição coletiva que substituiu a propaganda de 200 outdoors com obras vindas de aproximadamente 40 países. Seu compromisso em desconstruir conceitos políticos e estéticos o levou a escrever o Manifesto Nadaísta, apresentado numa galeria com coquetel, imprensa, curadoria, sem obra alguma. Paulo Bruscky foi funcionário público a vida inteira, para que nenhuma dependência financeira pudesse interferir na sua arte. Em vez da rotina castradora domar sua imaginação, o trabalho diário virou fonte de inspiração. Quase cem anos depois do urinol de Duchamp, muita gente
ainda se refere à arte como “pintura”, ou resistem à ideia de que este pedaço de jornal, ou o banco no qual te sentas a ler, colocado em determinado ou indeterminado ponto de vista, pode ser tão arte quanto a Mona Lisa. Entrevistamos o artista pernambucano depois de uma oficina do 26° Festival de Arte de Porto Alegre. Paulo Bruscky experimenta há mais de cinquenta anos através da fotografia, da poesia visual, do cinema, do correio, das ruas, do fax, dos óculos, do Xerox, dos restaurantes, do seu corpo e de qualquer elemento que seu olhar artístico alcance. Na obra “Atitude do Artista/Atitude do Museu”, tu pixou no muro do Museu do Estado de Pernambuco “A arte não pode ser presa” e o museu, ao tentar apagar, destacou mais as letras, chamando ainda mais atenção. O que prende a arte? Aquele trabalho é de 78. Eu fiz um pouco antes da abertura do Salão Oficial de Pernambuco, do Estado. Eles tentaram apagar raspando a tinta das letras e isso tornou a frase mais viva. Fiz uma série de fotos e publiquei um livro de artista chamado “Atitude do Artista/Atitude do Museu”. Hoje, nas instituições, você tem pessoas mais abertas e com formação especializada, apesar da política ainda estar envolvida em seus trabalhos. Então é um processo muito complicado essa coisa da arte e as instituições, essa dualidade. Meu trabalho tem muito a ver com a crítica às instituições, inclusive, acho que de alguns artistas
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A arte urbana tem ganhado bastante atenção nos últimos anos, mas tu faz isso há muito tempo. O que evoluiu nesse aspecto? Minha geração trabalhou bastante a questão urbana. Eu sempre gostei do trabalho na rua pela participação do público. E isso tem crescido, o Brasil hoje é um grande centro de intervenções urbanas. Tem não só grupos, como pessoas individualmente trabalhando sobre a questão da geografia da cidade e a cidade como obra, como suporte. Acho que tem artistas, até aqui em Porto Alegre, trabalhando nesse aspecto. Como foi a transição de formas tradicionais para formas diferentes de fazer arte? Embora minha formação seja essa, nunca fui desenhista dentro de uma linha mais convencional. Fiz muito bico de pena, obras conceituais com desenho. Para saber deformar, você tem que saber formar. Sei desenho básico, sei fazer instalação, etc. Isso é uma sequência lógica, você domina uma técnica, vai passando para outras experiências, essa busca eterna é inerente ao ser humano. Muitos artistas não estão dispostos a deformar os próprios conceitos sobre arte. Como disse o Bukowski “O jeito de criar arte é queimar e destruir conceitos comuns e substituí-los por novas verdades”. Mas essa disposição é visível nas tuas obras. Sim, porque quando você termina uma obra, ela morreu. Acabou. Eu estou sempre pensando em outras coisas, analiso minhas obras para não me repetir. Quando você não tem repertório pra fazer a leitura de alguma coisa, há uma tendência que
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da dificuldade de leitura da minha obra. Sempre fui muito atacado pela imprensa, pelo governo.
você ria, brinque, por não ter conhecimento para fazer a leitura de uma obra contemporânea. O que é o Manifesto Nadaísta? Eu tinha sido preso e quando o exército me soltou ameaçou “causar um acidente” se eu voltasse a fazer qualquer coisa na rua. Eles tinham gente especializada nisso. Passei seis meses com medo, com dois caras me seguindo manhã, tarde e noite para me deixar com os estados de nervos abalados. Depois desse tempo organizei uma exposição, chamada Nadaísta, para a qual eu fiz o manifesto. Convidei artistas, o que me permitiu ver a coragem dos amigos que tinha. Muitos correram, outros me deixaram botar seus nomes só porque concordavam. Então pedi uma galeria bem tradicional de Recife, a Nega Fulô, e no dia não tinha obra, não tinha nada. Subi num banco, que era a única coisa que tinha, li o manifesto, e contei o que estava acontecendo, e que os dois canalhas estavam lá presentes, adestrados como cães para ver subversão em tudo. Disse que a partir dali voltaria a fazer minhas obras e que se eu morresse, não seria um acidente. O manifesto não era só político, era estético. Se você quebrasse a estética, incomodava a ditadura por fazer trabalhos não convencionais. Se você quebra a estética, provoca uma nova, as pessoas começam a refletir e para qualquer regime totalitário autoritário não é interessante nenhum tipo de reflexão. Além de romper padrões estéticos, teus trabalhos são conhecidos por serem críticos à ditadura e ao circuito da arte. Como essas questões se renovaram na tua obra? Ela ainda é política? Em relação a que? Sempre é política. Hoje você tem inimigos ocultos, tão perigosos quanto. Continuo sempre crítico. Educação, saúde precária, o que eu vejo na rua, sou ser humano. E ser artista já é uma atitude política. A gente absorve o que a gente vê e sofre, isso reflete no meu trabalho. Ninguém foi feito pra passar miséria. Isso me incomoda. Bem antes da arte urbana se popularizar no Brasil, tu idealizou uma exposição coletiva em outdoors no Recife. O que inspirou a ideia? Eu tinha feito experiências isoladas, mas em 1981 eu fiz uma grande mostra internacional de arte no Recife e em 1982 fiz de novo. Inclusive eu fiz uma pesquisa grande sobre o outdoor, o artdoor, vai sair no livro que eu vou publicar no fim do ano. Eu não sou crítico, mas justamente pela ausência da crítica nos anos 70, a gente teorizou sobre o nosso trabalho e sobre os movimentos dos quais participou, sobre as mídias. Isso deu um livro de 300 páginas. O artista tem um texto mais real que o do critico, porque o artista faz. E quem faz sabe mais do que quem só pensa sobre. O artista faz e pensa. O jornal dizia que eu era louco, os próprios artistas diziam que eu não tinha obra. Mas isso não me incomodou. Eu sempre tive consciência
que é mentira e acabam acreditando na própria mentira. E a imprensa tem culpa porque acompanha essa mentira. É feito, se inventa super herói.
Quando tu colocou arte nos outdoors, tinha referência de algo parecido? Eu já trabalhava na rua e um dia, trabalhando com o Daniel Santiago em umas obras enormes para concurso (elas tinham 3m por 90cm de largura) a gente parou para tomar uma cerveja e descansar e pensou que era uma pena que esses trabalhos nessas dimensões fossem expostos em lugares fechados. E na frente da gente tinha um outdoor. Isso em 1978. Aí eu disse “tá aí a solução cara”. E a gente decidiu que ia usar o outdoor como suporte, como obra. Recife tem uma geografia perfeita para isso porque é plana. Mas a gente não conseguiu patrocínio, até que um prefeito, que era um cara culto, se interessou. A exibição durou 15 dias, que é o tempo que dura uma publicidade. Então Recife virou uma grande galeria de arte, a céu aberto. Foram mais ou menos 200 trabalhos, 40 países, em vez de propaganda. O Monteiro Lobato foi o cara que revolucionou a editoração no Brasil. Existe antes e depois dele. Ele criou mais de mil pontos de vendas no Brasil onde tinha pouca livrarias
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at i t u d e p o l í t i c a antes de 1920. Ele criou o pocket book e criou o livro de duas edições em papel jornal. Ele disse que só não botava livro em frigorífico para não sujar de sangue. E na época da ditadura eu lancei um livro no frigorífico. Ele dizia que o povo não lê porque não lhe esfregam um livro na cara, porque não tem acesso. Um cara genial. A Cowparade é financiada por empresas. Cada obra tem a assinatura dos artistas e alguns logos de marcas. Vocês tiravam propaganda da cidade. A gente sorteava os espaços para os artistas não brigarem. Mas um trabalho do Daniel Santiago precisava ser entre dois outdoors e ele conseguiu. O outdoor dele, entre outros dois de propaganda, dizia: é mentira. Primeiro pintaram a obra dele de preto. Aí ele pintou de novo e serraram o outdoor, derrubaram. De um lado tinha uma propaganda do banco do estado, do outro uma firma que eu não lembro e "é mentira", entre os dois. Tiveram trabalhos com som. O Saburo Murakami mandou um trabalho que eram trouxas com tinta dentro pra eu pendurar e dar porrada, escorria pelo outdoor. Tinha todo tipo de trabalho, s em limite, sem restrição, era uma coisa bastante aberta. A gente conseguiu uma quadra numa universidade à disposição dos artistas com tinta, chope, lanche, tudo financiado pela prefeitura. Teve participação maciça a nível nacional e internacional e uma diversidade de trabalhos muito rica em todos os aspectos. Foi muito gratificante. E trabalhar essa questão da cidade como suporte, como obra, isso me fascina. E Recife é uma cidade propícia pra isso. Eu amo muito essa cidade.
Como ser funcionário público a vida inteira e manter a mente fértil mesmo com uma rotina castradora? Eu nunca me deixei aprisionar. E eu tinha minha liberdade porque o que um funcionário público fazia em uma semana eu fazia em dois dias. Então eu tinha tempo. Eu usava recursos do meu próprio trabalho, que era um hospital: radiografia, eletrocardiograma, formulários, milhares de coisas. Então até te inspirava? Me inspirava. Nunca me aprisionei. E eu sempre trabalhei porque precisava me sustentar e depois a minha família. Eu não quis depender da minha arte pra não submeter ela a nenhum tipo de julgamento, para poder fazer exatamente o que eu queria. Mas nunca precisei de muita coisa, muitas ambições de dinheiro. Então pra mim estava tudo bom. Eu faria tudo de novo. Trabalhei como datilógrafo, por isso tenho vários poemas visuais com datilografia. Então isso tudo para mim foi muito rico, eu penso muito no que eu fiz, sou meu próprio analista. Sempre lidei bem com isso. Minha família nunca teve condições, sempre tive que trabalhar, aprendi a trabalhar cedo e honrar meus compromissos. Eu recebi propostas de trabalhar para pessoas me pagando por mês, mas eu sei da dificuldade do meu trabalho. Se não vendesse eu ficaria devendo. Trabalhar foi uma forma de sempre viver livre. Tu vendeu tua primeira obra recentemente? É, faz pouco tempo. Agora tenho vendido bastante. A Tate Modern comprou, o MOMA, o Museu de Arte Moderna de Amsterdam, grandes colecionadores. Fiz um debate agora na universidade de Chelsea a convite deles em Londres e expus numa mostra na Frieze Masters, que é a maior feira da Europa. Escolheram 14 artistas pra homenagear na mostra Spotlight da feira e eu fui um deles, o que teve uma repercussão, fez algumas pessoas que não conheciam meu trabalho conhecerem. Minha obra tá sendo descoberta agora. Mas isso não me impressiona, porque eu sempre fiz arte em função de nada, além da necessidade de fazer arte.
E essa tua frase “A critica é como um táxi, você paga o que tem e diz a corrida que quer fazer”? Sim. Mas o tempo faz uma seleção parecida com a que Darwin fez das espécies. O tempo é implacável, ele faz sua seleção natural. Mitômano em psicanálise é uma expressão que define a pessoa que mente e acredita na própria mentira. Os artistas são mitômanos, a critica é mitômana. Porque sabem
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Alceu valençA: o rock que não é ROCK
por Gabriel Jacobsen & Jimmy Azevedo foto: Gabriel Jacobsen ilustrações: Frederico Stumpf Demin
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ala! - é o que diz Alceu Valença, um milésimo de segundo depois que os seus fãs nos deixam a sós na mesa do bar, rente à calçada da Lima e Silva, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, onde já bebíamos uns chopes, aguardando o pernambucano para a entrevista. O público aqui do Rio Grande do Sul gosta muito de ti por esse teu lado rocker... - começamos a conversa, mas Alceu nem espera a pergunta ser formulada. Esse lado rocker é muito mais na atitude, no sentido sonoro da atitude, e menos pelo rock. Eu fui fazer o Jazz Festival, nos Estados Unidos, e aí um repórter me falou que tinha ouvido o disco Vivo! e pirado. Aquilo é rock que não é rock, mas é rock! Manjou? É o que não é. Por exemplo, eu canto maracatu, mas eu boto uma guitarra distorcida, então você engole como outra coisa. É um novo som que ninguém faz no mundo. Eu inventei um som. O disco Espelho Cristalino (1977, terceiro solo de estúdio) é isso, né? Psicodelia e... Eu vou te mostrar uma coisa – interrompe Alceu, cantarolando uma música do álbum em questão: Um certo dia eu perguntei à Maria / Se hoje é noite de São João... Isso é um baião, porra! Mas o arranjo é rock, muito mais que a essência, que é brazuca total. Uma vez eu dei uma dica para um menino que tinha um grupo de rock: ‘Deixa de ouvir tudo isso agora e começa a ouvir as coisas do Brasil!’. Quando você já tem a referência na cabeça, você vai fazer uma coisa original. O cara que gosta de Led Zeppelin, se ficar ouvindo o tempo todo isso, vai virar um subproduto do Led. Eu nunca ouvi nada. Eu ouço pouquíssima música. Só ouço en passant. Eu não tenho disco, não vi os músicos. Todo mundo fala em Beatles... Eu vi os Beatles agora com o meu filho, que tem 11 anos, e achei uma coisa maravilhosa. Por que eu não ouvi Beatles? Porque quando eu era menino, meu pai não queria que eu fosse artista, porque todos da família dele se formaram, menos os dois que tocavam. Então ele tinha posses, mas nós não tínhamos som. Então me formei em Direito e depois trabalhei como jornalista no Jornal do Brasil. Alceu volta a cantarolar, agora o forró Cintura Fina, de Luiz Gonzaga. Eu ouvi a música que foi a base de Luiz Gonzaga, quando era menino. Porque no Nordeste existe uma cultura secular, que tá morrendo agora, das toadas e dos aboios. Luiz Gonzaga ouviu aquilo e fez o trabalho dele. E quando tu chegas com esta loucura toda para o teu produtor? Não tenho produtor, eu nunca tive. Mas já tentaram te...? - antes que disséssemos a palavra “podar”, Alceu começa a responder. Vê, meu primeiro disco, éramos só Geraldinho Azevedo e eu. O produtor era maravilhoso, mas deixava tudo na nossa mão. O segundo produtor adoeceu da perna e deixou o disco no meio. Os arranjos do meu disco sou eu que faço. A linha sonora, as frases musicais, eu vou dizendo como é que eu quero. Aí o terceiro disco foi ao vivo, era a gravação de um show que estava fazendo
sucesso. Zé Ramalho era músico da minha banda, tocava viola comigo. Aí vem esse, Espelho Cristalino (1977). No meio da mixagem, o Guto [Graça Mello, produtor] quis botar um efeito na minha voz que o John Lennon tinha usado na música Imagine [Alceu sussurra imitando um sintetizador]. Quando ele botou, eu disse: ‘Tá parecendo com o John Lennon, não quero isso aí!’. ‘Isso é Cooper Time’, ele disse. ‘Cooper Time para o John Lennon, para mim isso é uma bosta!’. Guto arretou-se e foi embora. Aí eu fui para a Europa. Morei em Paris e lá fiz o Saudade de Pernambuco (álbum de 1979). Outra história totalmente diferente. Eu e Paulinho passavámos o dia inteiro em casa tocando, fomos para o estúdio e fizemos o disco. Volto para cá, Coração Bobo (1980). Aí eu botei o produtor para ser sempre um músico meu ou um amigo e não ter que aguentar alguém que não entendia da minha música. Aí, no meu primeiro disco arranjado por Rogério Duprat, esse eu não me meti, só pus as cordas. Mas esse disco inicialmente iria ser arranjado por Hermeto
/ disse tu, tu poetas és / Por favor cante um poema / relativo ao meu dilema / nas portas dos cabarés. Essas toadas, por incrível que pareça, vêm da cantiga das pessoas que colhiam algodão e outras coisas no nordeste do (rio) São Francisco. Chama-se canto de adjunto, isto é, uma pessoa canta e outra responde.
A indústria
Ser músico é um trabalho? Não, para mim é um prazer. Tão grande que eu pagaria para as pessoas me assistirem.
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música verdadeira Pascoal. Olha que loucura! E perguntei para Hermeto, ‘Hermeto, você ouve o quê?’. Ele disse ‘Nada, para não me influenciar’. A partir daí, eu que já não ouvia nada... Gargalhadas. E o disco Paêbirú (clássico álbum de Zé Ramalho e Lula Côrtes, famoso pelo fato da maioria das cópias ter se perdido em um alagamento, restando poucos originais em vinil)? Paêbirú não tem nada a ver com a minha história. Eu só dei um apoio lá. Eu passava tempos no Recife e um dia eu fui lá no estúdio e dei uns gritos [para usar no Paêbirú]. Eu estava até deitado no chão. Eu não participei. O rock tem essa coisa do grito, não? Mas o grito não era de rock, não, era de aboio... O grande problema do Brasil é que o Brasil não conhece o Brasil. Tu conheces? Não, eu não conheço. Eu conheço a minha terra. Eu sou de São Bento do Una (PE), interior do sertão. Eu sou Luiz Gonzaga. Eu sou sertão. Eu sou toada. Eu morei dos 8 anos até os 20 em Recife, então eu também sou frevo, eu sou maracatu. Bem, existem as toadas, meu velho, que são lamentos, e o lamento é blues. Agora, olha só, tem o blues deles e o meu blues. É diferente. Alceu volta a cantarolar para se fazer entender. Andar, andar, nas ruas do Rio, esse é o blues no estilo americano. Agora tem o blues no estilo brasileiro, que é o blues das toadas, que você não sabe, que ninguém sabe. Eu tava cantando em Goiânia / na casa de um amigo / Quando uma mulher mundana pediu pra falar comigo / As lágrimas banhando o rosto
verão 12/13 #19
Alceu não resiste e volta a cantar. Juazeiro, Juazeiro, não responda, por favor / Juazeiro, velho amigo, onde anda meu amor? / Ai, Juazeiro / Ela ainda não voltou / Ein, Juazeiro, onde anda meu amor? Isso aí é uma música de Luiz Gonzaga, que talvez não seja nem dele, seja uma toada secular. A gente criou o blues? Não, o blues tem uma similitude sonora com a toada. Eles são um produto da música negra americana, africana, mais a anglicana, onde se cantava nas igrejas. A relação entre a música negra e a igreja católica.
Já pagaste? Já paguei, sim. Quando fiz show para umas cinco pessoas em Paris. Mas no outro dia saiu a crítica no Le Monde e no La Libération dizendo, ‘Alceu Valença é o sol do inverno parisiense’. Quando aconteceu isso, porra, aí encheu tudo! E eu terminei um dia no Lion Folk Festival e, quando eu vou entrando, um jornalista de televisão perguntou para mim: ‘O que você acha de cantar depois de Joan Baez [ex-mulher de Bob Dylan]?’. Eu disse, ‘Não tem sentido essa pergunta. Ela é uma artista e eu sou um artista, nem eu sou maior do que ela, nem ela é maior do que eu. Vá perguntar a ela o que acha de cantar depois de um desconhecido!’. Como é cantar para cinco pessoas? Quando eu estou cantando, estou cantando. Pode ser para cinco ou mil, eu não me incomodo com a plateia. Não tenho medo nenhum de plateia. A primeira vez que eu cantei na minha vida para o público foi em São Bento do Una quando eu era pequeno e anos depois eu cantei no Festival Internacional da Canção, de 1979, no Maracanã... zinho. O meu canto é uma interiorização. Eu não quero ser melhor que ninguém, mas ninguém é melhor que eu. Porque eu sou eu. Ninguém manda em mim. Porque eu faço a música que eu quero. Uma música que vem de dentro, do meu coração. Eu deixei tudo para ser artista e ninguém manda em mim. Mandei diretor de gravadora pra puta que o pariu! E por isso que eu andei desaparecido, eu fui um dos primeiros caras a romper com a indústria do disco. À puta que o pariu! Tu te consideras único? Rapaz, existem artistas únicos, tipo o Mick Jagger, o Rod Stewart. No Rock in Rio (primeiro, em 1985), fui para a plateia e assisti ao show dele. Bom de palco para caralho! Aquela voz rouca, bonita. Eu não tinha o disco dele, mas agora vi no Youtube o Joe Cocker. Para mim é o maior. O rock and roll de lá [Inglaterra] é insuperável. A gente não chegou ao ponto ainda. Se você pegar a atitude rock, o instrumental, e fizer com o teu jeito, misturar a tua brasilidade, aí tudo bem. Como é a indústria do disco? Qual a podridão dela? Agora ela morreu! Acabou! Dançou! Viva a internet! Eles queriam me direcionar, mas não tem conversa. 7
Por que o improviso é uma arte tão própria? - improvisa o fã. O improviso é quando você não tem os meios para fazer a sua coisa. E também é um pulo, um salto imaginativo. Porque quando você está cantando de improviso, você não está seguindo parâmetro nenhum. Você está correndo perigo, e a arte é muito boa para correr perigo. Tem que correr perigo! Tem shows que eu canto uma música, não sei se vou cantar aqui hoje, chamada Juazeiro. Eu dou um agudo tão filho da puta que eu penso: ‘Eu não vou chegar [alcançar a nota]’. Eu não vou chegar, mas eu quero! Aí eu penso, ‘Agora eu vou botar para foder! 'Auuuuuuu [grita]!'. Chegou! Mas teve dias que não. Então, esse porrete vivo é uma questão do artista. O artista é doido, não pode estar muito ligado na grana. Queriam que eu gravasse uma música deles, que prepararam para eu gravar! Porra! Deram para mim uma música chamada Coração Besta [um dos sucessos de Alceu se chama Coração Bobo]. Aí o cara me mandou gravar a música e eu gravei Coração Bobo. Coração bobo é diferente de coração besta? Melodicamente, sim. E ele estava querendo me ganhar com besta. Mas eu não sou besta, bobo é ele. Eu digo o que eu quero. Eu não suporto jogadas. O artista do entretenimento é um ventríloco do dono dele que tem uma rádio. Isso tá acontecendo dentro desse nosso Brasil. A indústria do entretenimento tá fodendo a música verdadeira. Alceu, quando tu sobes no palco, encarnas ou desencarnas? Encarno. Personagens que talvez eu crie ou que talvez estejam dentro de mim. Mas não é uma questão espiritualista. É espiritual. É brincar com o menino de 4 anos que foi cantar lá em São Bento do Una e perdeu o concurso. Eu fui cantar e me fudi. Cantei um baião de um cara chamado Capiba. Como era esse baião? Pernambuco tem uma dança que nenhuma terra tem / Quando a gente cai na dança, não se lembra de ninguém / Será Maracatu? / Não, mas podia ser / Será coco de roda? / Não, mas podia ser / É uma dança que vai, que vem / Remexe com a gente, é frevo meu bem. Cantei. Mas nesse dia, um outro menino, chamado Miguelito, cantava para caralho! Cantou em espanhol e, como sempre o da gente é pior, eu me fudi. Aliás, ele cantava muito bem. Aí, enquanto ele recebia uma caixa de sabonete como prêmio, eu comecei a dar cambalhotas lá no fundo. Entrei dando pulos e a plateia vibrando. Eu não estava nem aí. Talvez seja desde então que esse menino gosta tanto de palco.
Por que o estado de Pernambuco é tão visceral? Ele foi, não é mais. A indústria do entretenimento está destruindo a cultura de Pernambuco. Os caras que fazem as coisas bacanas estão sendo substituídos pelas bandas dos donos das rádios. Agora a gente tem lá o forró eletrônico, que é uma bosta, mas eles são donos dos veículos, e quem tem um veículo tem uma plataforma. Mas e a cultura libertária do frevo? Olhe o Brasil o que é... E Alceu começa a falar com a boca cheia, tornando impossível compreender aquela mistura de petisco de boteco com sotaque genuinamente pernambucano. Resumidamente, o músico argumenta que falta amor do Brasil pelo próprio Brasil. Gil disse uma bobagem agora: ‘O Luiz Gonzaga era o Elvis Presley brasileiro’. Luiz Gonzaga cantou antes de Elvis Presley, como é que ele pode ser o Elvis Presley brasileiro? No máximo o oposto. É a mesma coisa que dizer que a fulana é a Madona brasileira. Já teve medo de entrar demais em si mesmo e se perder? Ah, eu sinto tristeza, às vezes depressões. Sinto. Com relação inclusive à existência.
O que eu estou fazendo aqui? Para quê? Claro que me incomoda, me aflige, todo mundo se incomoda. Já tomaste anti-depressivo? - arriscamos, após Alceu confessar que, na noite anterior, no hotel, estava tristíssimo. Não, sempre consegui controlar minha tristeza. Satanás e Deus existem? - perguntamos ao músico de 66 anos. Uma invenção do homem que não sabe explicar sua própria vida. Que não sabe explicar o mistério da vida. Tu nunca acreditaste nisso? Não, mas eu era católico e mordia a hóstia, porque diziam que a hóstia tinha sangue e eu não acreditava. Dei uma mordida e fui falar com minha mãe, com medo dela: ‘Mamãe, tenho que lhe contar uma história’. Eu era pequenininho, estava fazendo a primeira comunhão. Aí ela ficou arretada, porque eu repeti 500 vezes, e ela disse: ‘Desembuche!’. ‘Mamãe, olhe, eu mordi a hóstia e não saiu sangue. Era mentira do padre!’. Política te interessa? Me interessa, profundamente, sempre me interessou. Já fez campanha para alguém? Já fiz campanha de Brizola de graça. Sem ganhar nada, ein, velho? Cantei para Gil na época que ele foi candidato a vereador de Salvador (em 1989, quando Gilberto Gil se elegeu pelo PMDB). Quem mais? Apoiei Lula, apoiei dona Dilma. E ainda apoia? Apoio. Tem muito ‘nego’ que estava no meio, mas fugia das televisões para não se comprometer. Mas em matéria de política eu sou ‘arracionalista’ [pensamos em transcrever como 'irracional', mas de tão esquisito, resolvemos preservar]. Eu vou pela responsabilidade que eu tenho com o meu voto. Eu não vou pela cabeça das pessoas. Não vou pela moda.
A tarde começava a dar sinais de seu fim em Porto Alegre, mas os fãs não. De tanto em tanto, alguém interrompia nosso bate-papo para pedir um autógrafo, uma fotografia, ou simplesmente trocar umas palavras com o pernambucano. Sempre solícito, mas visivelmente cansado das interrupções de pensamento, Alceu, lá pelas tantas, sugeriu que um casal de fãs se sentasse à mesa conosco, evitando os cumprimentos formais e satisfazendo os dois recifenses. Percebendo espaço para interagir, Dênis, o fã, se mete na entrevista e pergunta:
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[Júlia Schwarz]
va m os à lu ta por Chico Guazzelli
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exta-feira, 21 de dezembro de 2012, no Ginásio Osmar Fortes Barcellos (ou Tesourinha) o mundo não acabou e aconteceu o Jungle Belt, a 47ª edição do Jungle Figth. O principal evento de MMA da América Latina pela primeira vez era sediado em Porto Alegre. Muita gente esperta e estudada acha essas lutinhas o próprio fim do mundo, mas eu não. Eu adoro assistir MMA (mistura de artes marciais) desde que um amigo me apresentou uma luta de um gordo de nome Roy Nelson derrotando um gigante holandês em forma. Aquilo me chamou a atenção para mais um esporte em que o pior, o desacreditado, pode vencer o favorito. Depois, passei a assistir as lutas do heroico e franzino brasileiro Royce Gracie, em que ele derrotava gigantes norte-americanos da luta Greco-romana nas primeiras edições do UFC, criado pelo seu irmão Rorion Gracie. Para os que acham que o UFC é um fenômeno moderno e fruto do imperialismo norte-americano ressalto que foi criado por um brasileiro, um dos inúmeros representantes da família Gracie, que obstinadamente há mais de cinquenta anos tentam provar que o Jiu-Jitsu gracie é a melhor arte marcial do mundo. Convencida a redação fui lá a trabalho. Um gonzo no Jungle Fight. Homens e mulheres sarados Tinha umas oito mil pessoas ali. O impressionante era ver os corpos sarados, tanto de mulheres quanto de homens. Nunca vi gente tão bonita e fisicamente esbelta, nem mesmo nas festas mais pomposas que frequentei nos idos dos meus 15 anos. Mas essa impressão inicial foi se modificando e atenuando ao ver se formar as faixas dos ‘Team’ preenchendo os espaços. As academias, como se fossem torcidas de um clube de futebol, iam enchendo o ginásio de vibração e cores de uma forma que não imaginava. Assim, me aproximei de um desses grupos, e logo me apontaram o mestre Sombra, faixa preta em Muay Thay e marrom em Jiu-Jitsu, que estava lá com o Team Sombra para apoiar o lutador de Porto Alegre Dimitry Zebroski: - Como é ter o evento do Jungle Figth aqui em porto alegre, pela primeira vez na cidade? - O Jungle Figth é um evento muito grande, mas na verdade aqui em Porto Alegre tem vários eventos muito bons. Os grandes atletas do Rio Grande do Sul estão
aqui, e vai ser um show pra galera que gosta de assistir. - Tu acha que o jungle em Porto Alegre vai aumentar o público do esporte? - Quanto mais eventos tiver, o esporte vai se fundir melhor, com regras, com respeito entre atletas. Acho que a tendência é o publico buscar as academias e praticar o Jiu-Jitsu, o boxe... O rei da Selva Pouco depois, ainda antes do evento começar, vi um careca conhecido subindo as escadas para ajeitar as câmeras que ficavam lá em cima do ginásio. Era Wallid Ismail, presidente do Jungle Fight, ex-lutador que ficou famoso ao derrotar Royce Gracie numa luta de JiuJitsu. Consegui alcançá-lo e entrevistá-lo brevemente: - No Rio Grande do Sul as pessoas vão ter que entender, tem duas fases no MMA: antes do Jungle Figth e depois do Jungle chegar no RS, fazendo dois eventos por ano. Dia de chuva, final de ano e tá lotando aqui, tô amarradão – confessou o ex-lutador. - O Werdum, aqui de Porto Alegre, que foi lançado pelo Jungle e hoje é um dos principais lutadores do mundo, vai tá num reality show da globo, tu acha que isso vai explodir mais ainda o esporte? - Vai, só alegria. O MMA vai ser o esporte numero 1 do mundo, e também do Brasil. Impressionante foi acompanhar o evento todo e ver Wallid se mexendo sem parar, arrumando, organizando as coisas. Era um chefe que mais parecia um produtor do evento. Durante as lutas e na agitação toda, reclamou da Júlia, nossa fotógrafa, que fotografava na grade, perto do octógono. Depois, mais calmo, pediu desculpas. O rei da selva trabalhava como um leão para o bom andamento do evento, com o perdão do péssimo trocadilho. Ih fudeu, Elite Thai apareceu Dois primos meus também estavam no Tesourinha junto com seus colegas da academia Elite Thai, equipe que teria dois lutadores no evento da noite do fim do mundo. Logo que apareceram meus primos ‘lutadores’, na hora da luta do colega deles, Douglas Del Rio, a imparcialidade do repórter foi para o espaço. Ao ver um deles sentado, nervoso, roendo as unhas, e o outro pulando e agitando na arquibancada, comecei a torcer loucamente pelos atletas da Elite Thai. Douglas foi o primeiro a nocautear, após
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uma bela joelhada e um soco que botou pra dormir o adversário ainda de pé. - Depois de um nocaute desses no Jungle aqui em Porto Alegre, o que tem a dizer? - Só tenho que agradecer a quem me ajudou, torcer aqui e na TV. - E como tu projeta a tua carreira agora? - Eu to procurando mais patrocínio, porque aqui em Porto Alegre é escasso, eu tenho um projeto. Pode ser convertido no imposto, o pessoal pode apoiar mais. Tudo é investimento, tem que ter quem invista. Na segunda luta, os cânticos da torcida se concretizaram e novamente a Elite Thai apareceu com a vitória de Wagner Noronha, que já tinha sido derrotado pelo adversário: - Qual a sensação de vencer esta revanche e vibrar com o pessoal que veio em peso aqui, o que tu pensou na hora? - Nem sei, foi muita felicidade. A gente só comemora ali, nem sei o que tava pensando. Depois que caiu a ficha que eu ganhei. - Há quanto tempo tu treina? - Treino Jiu-Jitsu há nove anos e MMA há três anos. Lutadores perdedores Talvez as melhores impressões que tive no evento não foram com os lutadores vencedores da Elite, e sim ao ver as reações dos lutadores vencidos. Como quando Mauro Chaulet, também de Porto Alegre, perdeu. Eu tava assistindo, casualmente ao lado de sua equipe, a Porão da Luta, junto com outro primo (este não luta). A namorada de Chaulet estava atrás de meu primo no corredor, onde estavam todos sentados. No momento do nocaute ela pulou por cima agilmente e correu em direção ao octógono para ver a condição física de Mauro, que parecia longamente desacordado. Depois, pelos corredores, tanto Mauro quanto Dimitry (que perdeu por decisão na única luta que foi para os critérios dos juízes contra o americano Sean “Cubby”) foram abraçados, consolados e reanimados enquanto pediam desculpas desoladamente. Fiquei pensando nas reações que temos, por exemplo, quando perdemos num jogo de futebol ou mesmo na torcida dos jogos dos nossos clubes, quando invariavelmente apelamos para a raiva e a contestação. Aqueles lutadores e as equipes que haviam perdido uma chance de ouro se preocupavam com as reações humanas dos outros. Me lembrei dum adesivo que ficava no meu antigo quarto: “os brutos também amam”. Quem sabe eles, sim, que amam. *** Depois disso ainda teve duas disputas de cinturão, o título das categorias. Mas, sinceramente, pouco importa nesta reportagem que Ildemar Marajó e Arinaldo da Silva ganharam os cinturões em suas respectivas categorias. O que importa é ressaltar que, sim, o MMA é um esporte de contato e visivelmente violento. Mas por trás disso, estão lutas profissionais que requerem dignidade, profissionalismo e muito mais coleguismo que diversas profissões. Entre elas, efetivamente, o jornalismo. As lutas estão nas mais diversas sociedades humanas há milhares de anos e o caráter esportivo e social é louvável. Por trás dos milhões ventilados pelo UFC e seus famosíssimos lutadores, estão personagens com histórias incríveis tentando seguir uma profissão como tantas outras. Para além do gosto pessoal temos que reconhecer as diferentes nuances humanas que em golpes e estratégias buscam, como nós, apenas sobreviver. 9
[Frederico Stumpf Demin]
As janelas, e a sua finalidade, teu corpo, e o suor, ainda quente. As roupas petrificadas em um só tamanho, de modo que caibam na memória, O tempo dentro do instante, de modo que caiba na lágrima.
e o verso ficou mudo e a poesia ficou surda e ainda há tantas noites numa noite (há tantas luas numa lua) disse o ribamar, o ribamar poeta que a noite é mansa e há poemas dentro de poemas. e que o quarteto já não serve o terceto, o soneto italiano, a rima rica, e a tonacidade da poesia livre já não serve (não há detergente que dê jeito na poesia) não há uma estratégia de marketing que venda a poesia nos seus mais longos sonhos não há o sabão em pó é caro e não há Rilke Shake nas escolas José de Alencar é só uma rua.
por Lucas Reis Gonçalves
Textículos Quotidianos
[Jonatan Tavares]
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não se vê eficiência na palavra exata qual a praticidade de se defender? humanizar o galo a galinha a pedra um galo é um galo galinha é galinha e é um ovo e a pedra é a pedra que se bate machuca. os versos perderam a chance que vem de bonde que nunca veio. meu tema poético continua (papel de parede).
Sem título
De bocas impolutas, dos movimentos incertos das línguas, Dos sóis, e dos dias, escorre gelada saliva, Destes dentes que não crescerão mais.
Neil Armstrong pisou no meu tema poético Li Po morreu abraçado, como essa e tantas noites, no meu tema poético
por Gustavo Rosa
DUAS FUMAÇAS
por Gustavo Rosa
E as coisas parecem intactas. Enquanto a saudade corrói as paredes, e a luz do poste, Come os olhos e o sono, e os teus cabelos.
Há 55 anos em Tabaré
(31 /12/1958)
COLUNA SOCIAL DE PANCHITO GUAGUA
contente com as potencialidades do povo cubano e ficou deliciado com as belezas deste paisinho harmonioso e atraente financeiramente.
Havana Club Estava fantástica a festa concedida pelos nossos amigos fraternos da alta cúpula da sociedade cubana no havana club na noite deste pré- réveillon. Muitas celebridades estiveram. A rumba proporcionada pelos anfitriões estava muito exótica e agradável. A nata dos states Estava prestigiando o evento o bussinesman ítaloamericano, o simpático e engraçado Bobby Maldini, acompanhado de seu amigo Tonio Albertini (com um discreto smoking) e da jovem estrela dos cinemas Martha Delovery que arriscou num vestido longo cor de rosa estrelado. Com elegantes ternos italianos customizados pelo excelente Fabrício Coppi, costumeiro alfaiate da famiglia Maldini. A agradável presença do capo com suas espirituosas piadas foi interrompida por um breve momento de tensão no encontro com o empresário do ramo do entertainment Pappi Luscescu, momento que foi atenuado por um longo baccio de Maldini no compatriota. Especula-se que a citada atriz ou uma disputa de negócios fosse a causa nicial do estranhamento. Alguma expectativa cercava o humor do excêntrico Bobby tendo em vista seu julgamento nos Estados Unidos, acusado de comércios ilegais e formação de quadrilha, mas o bom homem soube aproveitar o confortável ambiente que foi presenteado pelo ilustre e importante aspone cubano Salázar Cabrera. Também presente o magnata estadunidense Isaac Meyer com seu summer jacket sóbrio e estilo ponderado. Meyer confidenciou suas ambições no ardiloso ramo do cinema e pareceu extremamente
Estrelas Uma constelação de gente bonita e famosa encheu nossos olhos refrescados e descansados nesta maravilhosa ceia regada a atrações dos entusiastas locais. Camarões, lagostas, martinis e mojitos nos agraciaram. De fato a festa nos colocou a disposição o melhor do bom gosto da alta classe americana junto a uma pitada suave e moderada dos latinos.
cubano atualmente trabalhando no ministério das relações internacionais, confidenciou ao nos acomodar á tarde no nosso luxuoso hotel cassino Suite Havana (com belas instalações e acomodações perfeitas para executivos e turistas), uma pequena preocupação que as agitações populares pudessem de alguma forma atrapalhar o bom convívio dos turistas. Implorou que não levássemos em conta as inconformidades dos menos prestigiados e aproveitássemos a estadia. Em grande expectativa para este histórico e singelo reveillón.
Anfitriões preocupados O bom e risonho Cabrera, membro importante da cúpula do governo
[P.H.Lange]
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CONCURSO VOCE E ARTISTA
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TABARÉ
Vida
[Flo Wyss]