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JOSÉ BEZERRA
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JOSÉ BEZERRA
MARÇO Terça-feira, 03, 2015
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hega um momento na vida em que temos que fazer planos e decidir o nosso futuro. Eu sabia que esse momento chegaria e que eu não teria nenhuma dificuldade em traçar
as minhas metas. Eu sempre soube o que eu queria. O que eu quero. Infelizmente, ninguém me avisou que haveria perdas. Quando eu estava no Ensino Médio e conversava com os meus amigos – e estes se resumem em dois –, nós sempre riamos da ideia de estrarmos numa universidade. Não tínhamos noção de como era ser um aluno do Ensino Superior, só sabíamos que além dos muros existia um paraíso. Ou assim nós pensávamos. Nada de festas (como se eu me importasse) ou armários individuais (isso,
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sim, era o que eu mais idealizava). Nada, na verdade, do que se parecia com os filmes estrangeiros que a gente assistia. Oh, doce ilusão. Mas isso não foi o pior. O pior veio depois. Cada pessoa traça o seu caminho e nem sempre a escolha de um vai coincidir com a escolha do outro. Foi a partir disso que eu percebi que os planos que eu fiz no passado eram apenas um sonho. Estou muito feliz por ter entrado para o curso de Produção Editorial, mas estou principalmente triste porque não verei os meus amigos. Pelo menos, não como eu gostaria. Miguel foi cursar Arquitetura e estará a quilômetros de distância. Já Bianca decidiu por Publicidade, e isso não é de todo mal, pois ela estará na mesma universidade que eu. Infelizmente, não na mesma sala. Okay, eu pareço estar querendo que tudo gire ao meu redor e sei que não tenho direito nenhum de decidir o que os meus amigos devem ou não fazer de suas vidas. No entanto, quando alguém tem uma vida como a minha, querer um pouco mais do pouco que tem não é ruim, e pensar assim é quase inevitável. Entendo que terei a Bia ali, a poucas salas de distância, e que Miguel pode nos visitar, contudo, quando escolhemos um novo caminho, novas coisas vêm a fazer parte dele e isso é mais do que o suficiente para nos fazer esquecer o caminho antigo. 6
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Não estou a fazer um drama, estou apenas constatando o que eu já sei. Não faz nem dois meses que saiu o resultado do vestibular e eu já não vejo Miguel com frequência, muito menos a Bia. Esta, ao menos, liga para conversar comigo, como se soubesse do meu estado atual. Infelizmente, conversar com ela não é o mesmo que com Miguel, o qual estudou comigo desde os primeiros anos do Ensino Fundamental e que se tornou aquele amigo inseparável. Até agora. Na verdade, antes de encerramos o último ano de escola das nossas vidas, eu percebi que Miguel estava ficando distante, e me pergunto se, naquele momento, ele tinha alguma ideia do que aconteceria com a gente. Agora já é tarde demais para algo ser feito e o máximo que eu posso fazer é tentar não parecer um idiota no meu primeiro dia de aula na universidade. Passei anos da minha vida sendo o garoto que era xingado pelos colegas, não por eu fazer algo de errado, mas por ser, na visão deles, uma pessoa diferente. E talvez eu seja. Ninguém lê os mesmos livros que eu ou se empenha nos trabalhos tanto quanto, ou muito menos escuta o meu estilo musical. Sei que isso não é motivo para tratar mal alguém, mas era para aqueles garotos que ficavam no fundo de minha sala. Eles também caçoavam da minha roupa, que eu não via tão diferente da deles. Okay, talvez o meu moletom fosse 7
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a grande diferenรงa. Mas o que eu posso fazer? Meu moletom sempre foi a minha capa da invisilidade. ร nele que eu sempre me escondo.
CONTINUA...
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JOSÉ BEZERRA
SOBRE O AUTOR José Bezerra é antes de tudo um bookaholic assumido, que reside na cidade Pau dos Ferros/RN. Graduando em Letras Inglês, na Universidade do Estado Rio Grande do Norte (UERN), escolheu o curso por amor à arte de ler e escrever. Desde de muito cedo escreve pequenos textos, e em 2010 deteve-se a produzir o seu primeiro livro de uma trilogia, Filho da Morte, publicado dois anos depois pela Multifoco Editora. Enquanto trabalhava no segundo volume, José criou Nebulosa, texto que será publicado pela editora Literata, hoje, selo da Editora Arwen. Em parceria com outros autores, José também publicou os contos “Meu professor”, “Capitu” e “Nunca estarei sozinha”, respectivamente nas antologias Coletânea Contos Eróticos, Ponto G e Conte uma canção.
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