Homens-Caranguejo
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Homens-Caranguejo Chico Gomes Henrique Cláudio Sérgio Carvalho Sérgio Nóbrega
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Grande parte do discurso artístico contemporâneo transformou-se em obstáculo para se ver o que há na foto e muitos autores repetem, ad infinitum, o que consideram uma “fadiga da imagem”, parando, simplesmente, de olhar. Sempre que escrevemos sobre fotografias temos a (quase) impossível missão de transformá-las em palavras e fazer o silêncio vibrar. É preciso ver o ato fotográfico não como um gesto abstrato de distanciamento e transcendência, mas como maneira de atuar na vida, produzir variabilidades e fissuras, gerar deslocamentos. Quando pensamos num trabalho de pesquisa, seja ele de qualquer ordem, fazemos uma série de perguntas de partida. São questões facilitadoras que podem nos ajudar no recorte do objeto e possibilitar a finalização do projeto num tempo adequado. Howard Becker, sociólogo americano, inverteu o processo ao pedir a diversos profissionais e/ou artistas que respondessem à seguinte indagação: “Qual o momento em que acredita que o seu trabalho está pronto?” As respostas foram múltiplas, mas com um ponto em comum – a eterna incompletude de qualquer projeto nas artes visuais. É possível finalizar um trabalho, apresentá-lo com consistência e qualidade, mas novas perguntas surgirão, demonstrando que todo processo é fluido e contínuo. Outros projetos, inacabados, farão parte de um conjunto de imagens como fragmentos de histórias deixadas para descansar. O arquivo do fotógrafo é o guardião da incompletude desses sonhos possíveis à espera do desejo de retorno daquela avalanche de sentidos experimentada no momento do clique. Imagens recuperáveis, fragmentos de vida que descansam, esperando que o inconformismo com sonhos guardados transforme o que é incompleto numa unidade de caminhos possíveis. Um mergulho na diversidade, nas diferenças e semelhanças de locais e culturas, no mistério das imagens que possibilitam uma [re]significação do que é global e sua relação com a pertença geográfica. Olhares sempre complexos na diversidade, mas que compartilham o mesmo espaço subjetivo da vida vivida com a procura cotidiana de qualquer povo pela vida sonhada. A união de diversos fotógrafos, ao abrir seus arquivos, demonstra esse processo nas imagens impactantes dos Homens Caranguejo; fotografias que trazem, além dos homens, crianças, jovens e mulheres de uma comunidade de sonhos em suspensão. O trabalho permite reunir e compartilhar não só o olhar de quem clica, mas o dos sujeitos fotografados que, na incompletude de qualquer projeto, permite a unidade necessária ao trabalho. Unidade entendida aqui como dimensão proliferadora de possibilidades que o gesto de fotografar inscreve no mundo – a fotografia como maneira de pensar e a imagem como o que pensa lugares, corpos e posturas no mundo.
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Impossível não fazer uma relação desta obra com Homens e Caranguejos, em cujo prefácio Josué de Castro afirma que a história a ser contada é magra e seca. Por isso, escreveu uma introdução, para engordar o livro e enganar a fome do leitor. Sigo a mesma ironia do escritor pernambucano: estas palavras impressas só servem para tapear o leitor e retardar seu encontro com os seres humanos e não humanos que o livro carrega no ventre. Aparentemente, as fotografias relatam histórias em que a pobreza é a personagem central. As imagens, despidas de qualquer ornato e artificialismo, remetem a vidas simples, ásperos ofícios e lugarejos esquecidos, entre os braços do rio e a solidão. Luz vigorosa e diáfana brota entre os seres e as coisas capturados pelas lentes sensíveis de Chico Gomes, Henrique Claudio, Sergio Carvalho e Sergio Nóbrega. Ante a opção ética e estética pela fotografia em preto e branco, não douram a realidade, matéria-prima iniludível, nem se aprisionam em suas teias, pois os homens, mulheres e crianças retratados são muito maiores do que aquilo que os olhos conseguem ver. Os seres humanos presentes nas imagens conspiram contra a sentença fatalista que os rotula de miseráveis, condenados a baixos índices de desenvolvimento humano, e revelam a intencionalidade dos fotógrafos, que fizeram a mesma opção consciente do poeta: onde existir o humano, aí estará meu reino vivo. Carnaubeira, Tutoia, Morro do Meio, Poções, Canárias são lugares eleitos para a garimpagem de “momentos decisivos” do cotidiano de pessoas cujos nomes não sabemos. Não fosse o olhar atento dos autores, desconheceríamos a dura lida, os sulcos nas faces dos vividos, o olhar espesso da moça, os folguedos das crianças, a desolação e a beleza dessa gente, que vive junto ao rio, perto do encontro fatal com o oceano. Ao invés de um projeto para redenção dos humanos que vivem na companhia dos caranguejos e de outros bichos esquecidos, os autores deste livro apresentam uma arte cheia de lama e de luz.
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Archive images an incompleteness of possible dreams
Silas de Paula Professor and Photographer
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A great part of the contemporaneous artistic discourse has become an obstacle to see what is in the picture, and many authors repeat ad infinitum what they consider an “image fatigue” which simply makes them stop seeing. Whenever we write about photography, we undertake the (almost) impossible task of putting images into words and making the silence vibrate. We should regard the photographic act not as an abstract gesture of estrangement and transcendence, but as a way of acting in life, of producing variability and fissures, and of generating displacement. When we undertake research in any area, we always begin by asking a set of questions to help us delimit our research object and ensure we will finish the project on time. Howard Becker, an American sociologist, reversed the process by asking professionals and/or artists the following question: “When do you start believing that your work is ready?” The answers were quite different, but they shared one trait - the neverending incompleteness of any project concerning the visual arts. We may finish a project and present it with quality and consistency, but new questions will arise, showing that any process is fluid and continuous. Other unfinished projects will be part of a set of images as fragments of stories left aside to rest. The photographer’s archive is the guardian of the incompleteness of those possible dreams awaiting the desire of experiencing again the avalanche of the senses felt when capturing an image. Retrievable images are resting fragments of life awaiting the nonconformism of unfulfilled dreams to transform what is incomplete into a unity of possible paths. A dive into diversity, into differences and similarities of places and cultures, into the mystery of images that enable the [re]signification of what is global and its relation to the geographical belonging. Looking at diversity is always a complex process, but it shares the same subjective space of life spent by any people in constant search of their dreams. The reunion of various photographers to open their archives together reveals that process in the powerful images of the Crab Men; photos that show not only men, but also children, youths and women of a community of suspended dreams. The work gathers and shares the photographer’s look and the photographed subjects which, in the incompleteness of any project, allow for the necessary unity. By unity we mean the spread of dimensions of possibilities that the gesture of photographing inscribes in the world – photography as a way of thinking and the image as the way of thinking about places, bodies and attitudes in the world.
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Mud and Light RogĂŠrio Newton Oeiras, Piaui, Brazil. Poet and chronicler.
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It is impossible not to relate this work to Men and Crabs, in which the foreword by Josué de Castro states that the story to be told is meager and dry. That is why he wrote an introduction, to fatten the book and to kill the reader’s hunger. With the same irony of the Pernambucan writer, I claim that these words intend to cheat the reader and delay his/her contact with the human and inhuman creatures the book carries in its womb. Apparently, the pictures tell stories in which the main character represents poverty. The images, without any ornaments or artificiality, show us plain lives, rough trades and forgotten places between the river arms and loneliness. The lenses of Chico Gomes, Henrique Claudio, Sergio Carvalho and Sergio Nobrega capture a vigorous and diaphanous light that flows among the beings and things. Facing the ethic and esthetic option of black and white photography, the authors don’t embellish reality - unavoidable raw material- and do not get entangled in its web, because the men, women and children pictured are much bigger than what the eye allows us to see. The human beings portrayed in these images conspire against the fatalistic statement that labels them as wretched people condemned to low rate human development, and reveal the photographers’ intention, which is the same conscious choice as the poet: where humanity exists, my living kingdom will be. Carnaubeira, Tutoia, Morro do Meio, Poções and Canárias are the places selected to pan the “decisive moments” of the daily routine of people whose names we don’t know. Were it not for the attentive look of the authors, we would have never known the hard life, the deep face lines, the thick eyes of the girl, the games of the kids, the desolation and beauty of this people that live by the river, close to the place where it fatally meets the ocean. Instead of a project to redeem human beings who live in the company of crabs and other forgotten animals, the authors of this book present an art full of mud and light.
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Agradecimentos acknowledgements A André Salles, Joseane R. de Oliveira, C. Eduardo Almeida S, Ayrton Queiroz, Pedro Leite, Paulo Cesar Lima (Curicaca) e toda Comunidade do Delta do Parnaiba, Chico do Caranguejo, Bryan, José Wagner, Celso Oliveira, Elton Gomes, Glícia Gadelha, Tibico Brasil, Silas de Paula, Rogério Newton, Henilton Menezes, Odecir Costa.
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Sérgio Carvalho, Chico Gomes, Sérgio Nóbrega e Henrique Cláudio
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Ficha Catalográfica Bibliotecária: Aparecida Porto CRB-3/770 ________________________________________________________ H765h Homens-caranguejo / Chico Gomes...[et al.]. - Fortaleza : Local Foto, 2013. 147 p.: il.
1. Fotografia-Brasil-Nordeste. I. Título. CDU 77.039 ________________________________________________________
ISBN 978-85-62464-08-9
Este livro foi impresso no parque gráfico da gráfica Santa Marta em João Pessoa na Paraíba.
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