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17 anos de mudanças nos vinhos do Dão – Carlos Silva

17 anos de mudanças nos vinhos do Dão

* Carlos Silva, Enólogo

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Ao longo destes 17 anos, que comtempla o tempo de existência da Gazeta Rural, podemos assistir a um interessante percurso de modificações no rosto dos vinhos da Região.

No início deste período, o setor dos vinhos estava em plena fase de aposta na profissionalização, contratando novos técnicos para as áreas da viticultura e enologia, com o objetivo de melhorar o potencial da região e dos seus vinhos. Nessa época, o desafio era transformar o setor no sentido de melhorar a qualidade do vinho produzido. A atenção técnica focava-se na otimização da aplicação da tecnologia vitícola e enológica com efeitos bem profissionais.

Era necessário melhorar as vinhas, ter mais eficiência nas operações e maior precisão vitícola. Por outro lado, nos vinhos, o desafio era aplicar uma enologia preventiva e bem planeada, onde era necessário produzir tudo com a máxima correção, sem defeitos e com a melhoria constante da qualidade do produto, numa procura incessante da tipicidade.

Os perfis dos vinhos, no início, não tinham uma tendência sensorial padrão ou orientada. A diversidade produzida era interessante, mas necessitava de melhoramento para serem vinhos mais conhecidos e respeitados. Com o decorrer dos anos a aposta na profissionalização da viticultura e da enologia promoveram a melhoria crescente da qualidade e do reconhecimento.

A implementação de novas técnicas vitícolas e a renovação tecnológica das adegas, coordenada por novos técnicos, permitiram criar um novo perfil de vinhos do Dão. Este assentava na estima da revelação da melhor expressão de cada casta. Foi possível demonstrar que há potencial vitícola e enológico, o qual estava escondido. Esta transformação permitiu levar o Dão para outros mercados e ser reconhecido internacionalmente.

Neste reconhecimento de potencial, o vinho do Dão passou a ter uma imagem de maior respeito e notoriedade. Pelo decorrer dos anos, claramente que o perfil dos seus vinhos era conduzido para o mercado, numa ótica de globalização, onde o mesmo teria de competir com qualquer vinho no palco internacional.

Durante este período, há a confluência de duas formas de produção, uma com estilo de Novo Mundo, procurando ser competitivo ao lado dos mesmos do seu estilo, a outra, com estilo de Velho Mundo, a querer respeitar mais a autenticidade da sua matriz. Estes dois estilos ainda se encontram hoje no mercado, pois há consumidores com diretrizes bem definidas para ambos os estilos.

Assistiu-se a uma transformação na composição dos agentes económicos. Alguns deles despareceram, dando lugar ao surgimento de novos projetos inova-

dores e desafiantes. Com esta modificação apareceram novas marcas de vinhos, novas imagens, novas atitudes, onde o convite é estendido aos produtores mais jovens e irreverentes.

Contudo, as transformações foram-se sucedendo. A preocupação crescente com as alterações climáticas, a sua consequência na vinha e na qualidade dos vinhos, são temas que têm vinho sucessivamente, cada vez mais, a preocupar o setor. Por outro lado, assistimos à falta de mão-de-obra, principalmente para os trabalhos vitícolas, o que promove um investimento crescente na mecanização da vinha. Para além disso, assistimos a um abandono consecutivo da vinha.

Uma outra preocupação, é a procura de castas dos antigos encepamentos do Dão com o objetivo de alterar o perfil sensorial, tornando-o mais rico de complexidade evitando a monotonia das castas habituais. A par desta preocupação, surge também a necessidade de encontras plantas mais resistentes a doenças e às alterações climáticas.

Continuando o nosso percurso pelo tempo, vamos encontrar o crescimento da produção de vinhos produzidos em proteção integrada, vinhos biológicos e alguns biodinâmicos. Estes vinhos, assim produzidos, permitem registar um percurso de mudança no sentido de criar produtos mais amigos do ambiente, permitindo diminuir a pegada ecológica. Por último, chegamos ao assunto da sustentabilidade vitivinícola, que é o tema mais recente e que preocupa todo setor.

Com todo este processo continuo, durante estes anos, chegamos a um perfil sensorial desafiante que o tempo, e os mercados criaram, que por sua vez têm de ser a marca incontornável do Dão, que é produzir vinhos com extrema elegância, respeitando o perfil das castas e inovando na sua complexidade. Ao mesmo tempo criar vinhos com frescura e equilíbrio absoluto, onde não pode existir sobre maturação e onde a evidência do terroir do Dão tem de ser bem explicita. Na realidade, é um desafio encontrar esta relação, mas é a forma concreta de definirmos a nossa identidade e carácter enquanto região detentora de uma denominação de origem com 113 anos.

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