A UNICAP desafiada a reinventar-se

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REFLEXÕES SOBRE O PRESENTE E INSIGHTS SOBRE O FUTURO

Por

Tania Bacelar de Araújo



A UNICAP desaf iada a reinventar-se REFLEXÕES SOBRE O PRESENTE E INSIGHTS SOBRE O FUTURO


FICHA TÉCNICA Autoria Tania Bacelar de Araújo Revisão técnica Valdeci Monteiro Revisão de língua portuguesa Antonio Henrique Coutelo de Moraes Flávia Tavares da Costa Ramos Comissão Editorial Carolina Monteiro Clarissa Duarte Verônica Brayner Valdeci Monteiro Carlos Alberto Jahn Editoração e Diagramação do Livro João Bosco Silva Transcrição de áudio Isadora Cavalcanti Júlia Farias Projeto gráfico Semana Docente (arte da capa) UNICAP Digital Créditos Institucionais Pedro Rubens (Reitor) Lúcio Cirne (Pró-Reitor Comunitário | PROCOM) Degislando Nóbrega (Pró-Reitor de Graduação| PROGRADE) Valdenice Raimundo (Pró-Reitora de Pesquisa I PROPESP) Márcio Waked (Pró-Reitor Administrativo| PRAD) Editora Fundação Antônio Abranches | FASA

FICHA CATALOGRÁFICA

B117u

Araújo, Tania B. A UNICAP desafiada a reinventar-se [recurso eletrônico] : reflexões sobre o presente e insights sobre o futuro / Tania Bacelar de Araújo. – Recife : FASA, 2020 . 65 p. : il. Originalmente palestra proferida no Fórum de Funcionários e Encontro Docente da UNICAP 2020.2 ISBN 978-65-86359-05-3 (E-Book) 1. Ensino Superior - Brasil. 2. Inovações educacionais. 3. Universidade Católica de Pernambuco. I. Título.

CDU 378 (81) Luciana Vidal CRB-4/1338


POR TANIA BACELAR DE ARAÚJO

Recife • 2020



Dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada problema. É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Papa Francisco, Carta Encíclica Laudato Si



APRESENTAÇÃO

A

UNICAP, por sua natureza de universidade comunitária, realiza semestralmente, no início de cada período letivo, eventos de planejamento e construção coletiva das suas práticas acadêmica, administrativa e comunitária, com efetiva participação de professores, funcionários e gestores. Nesses espaços participativos, reflete-se o presente e lança-se ao futuro, ancorada em um legado reconhecido pela sociedade e confirmado nos processos avaliativos internos e externos. Norteada pela missão de “preservar, elaborar e transmitir o conhecimento, de modo a formar seres humanos capazes de desempenhar uma atitude construtiva e contribuir para a transformação de sua comunidade, do país e do mundo, inspirados nos valores do humanismo cristão e na tradição jesuíta”, a UNICAP se faz e se refaz na parceria e na colaboração da sua comunidade interna, mas, também, com a sociedade local, nacional e internacional.

No segundo semestre de 2020, após um período letivo desafiador de aulas remotas, em função da pandemia do Covid-19, os eventos que historicamente reúnem professores, funcionários e gestores em torno da participação e da


integração, também experimentaram da nossa capacidade de superação e de reinvenção, mantendo a essência de um espaço construído e conquistado pelo princípio da corresponsabilidade coletiva que nos conduz. A Pró-reitoria Comunitária (PROCOM) e a Pró-reitoria de Graduação e de Extensão (PROGRADE), com o apoio da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (PROPESQ) e da Pró-reitoria Administrativa (PRAD), planejaram e coordenaram, por meios digitais, a Jornada UNICAP Comunitária 2020.2 (Fórum de Funcionários e o Encontro Docente). No período de 03 a 14 de agosto, sob a temática central “A UNICAP desafiada a reinventar-se”, onze palestras interativas, realizadas nas mídias oficiais da UNICAP, Youtube, Instagram, Google Meeting, ministradas por professores, pesquisadores, funcionários e profissionais da UNICAP e de instituições locais e nacionais, envolveram a comunidade universitária na reflexão e no debate sobre o contexto da pandemia e suas repercussões no âmbito profissional e pessoal do corpo docente e funcional, bem como na vida dos estudantes e de seus familiares. As reflexões objetivaram o compartilhamento de experiências e a busca de soluções criativas, inovadoras, humanísticas, capazes de promover a superação dos obstáculos que ora se impõem e que ensejam a reinvenção do cotidiano, de nós mesmos e de nossas relações com os outros, com o trabalho, com a sociedade, que nos fortalece no caminho da qualidade acadêmica que visa à excelência humana. O Fórum e o Encontro, ao serem realizados via meios digitais, adaptaram-se à virtualidade e, firmados nas suas diretrizes de participação e de integração, foram constituídos, também, de momentos culturais, de capacitações e de reuniões específicas, entre pares, no sentido de planejar o semestre 2020.2.


É dos resultados exitosos dos eventos, a partir da adesão e percepção dos participantes, que esta publicação faz registro da palestra “Ambiente pós pandemia e os desafios da UNICAP”, da Professora Doutora Tania Bacelar, ocorrida no dia 04 de agosto, na pessoa de quem agradecemos a todas e todos que colaboraram e que participaram de mais uma edição dos eventos que agregam semestralmente a nossa comunidade universitária, e que, neste ano, sente-se revigorada ao aceitar o desafio de reinventar-se e celebrar, com gratidão e esperança, os 77 anos da UNICAP. Prof. Dr. Pe. Lúcio Flávio Ribeiro Cirne, SJ Pró-reitor Comunitário

Prof. Dr. Degislando Nóbrega Pró-reitor de Graduação e Extensão



ÍNDICE

(RE)INVENTAR-SE 15

1. PALAVRAS INICIAIS

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2. O CONTEXTO MUNDIAL

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2.1 O contexto geral: crise e mudanças

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2.2 O contexto específico de mudanças no Sistema Universitário Mundial 3. CONTEXTO BRASILEIRO

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3.1 O contexto nacional de mudanças socioeconômicas e políticas, com destaque para o momento da Pandemia

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3.2. Mudanças no ambiente do ensino superior do Brasil

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4. Lições sobre e para a UNICAP

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(RE)INVENTAR-SE

A

Universidade Católica de Pernambuco está recomeçando um novo semestre e está desafiada não somente a adaptar-se, mas a reinventar-se como comunidade acadêmica, retomando a dinâmica do Planejamento Estratégico e redimensionando sua missão histórica, dentro de uma nova conjuntura. A pandemia do novo coronavírus, praticamente, parou o mundo globalizado, totalmente interconectado: solidários nos problemas, precisamos ser solidários na busca de soluções. De fato, o mundo estava em um processo acelerado de mudanças e, de repente, a crise sanitária revelou as fragilidades dos sistemas de saúde, evidenciou o enfraquecimento das políticas de estado, colocou à prova os laços familiares e as relações sociais e, pôs em questão o descuido com os mais vulneráveis e os abusos de exploração do meio ambiente. Por fim, essa justaposição de crises interligadas coloca em xeque o nosso próprio estilo de vida, pessoal e institucional. Como diz a canção de Milton Nascimento: “Nada será como antes, amanhã...”

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Nesse contexto, a UNICAP, querendo abraçar os novos desafios e oportunidades, convidou Tania Bacelar para contextualizar a missão universitária nesse novo cenário do Brasil e do mundo, ajudando-nos, assim, a relançar o nosso Planejamento Estratégico rumo a 2025, processo que contou com a consultoria da CEPLAN e de sua equipe, notadamente nosso colega prof. Valdeci Monteiro. Sabemos que as instituições tradicionais, normalmente, resistem às mudanças, mas, paradoxalmente, somente as universidades enraizadas em uma verdadeira tradição e fundada em valores humanísticos poderão ousar reinventarse, garantindo qualidade acadêmica e excelência humana, como perspectivas de uma sociedade sustentável e um mundo melhor. A hora da UNICAP reinventar-se chegou! Prof. Dr. Pe. Pedro Rubens, SJ Reitor

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1. PALAVRAS INICIAIS

B

om dia a todos e a todas. Cumprimento, em especial professores, dirigentes, alunos e funcionários da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Começo agradecendo o convite para conversar com vocês, em particular à professora Clarissa Duarte e à coordenação deste XIII Encontro Docente. Vamos conversar sobre o “Ambiente Pós-Pandemia e Desafios para UNICAP. Como se pode olhar a universidade no Pós Pandemia?. Para isso, vou dividir minha exposição em três partes. Começo pelo contexto mundial, porque a pandemia situa-se nesse universo. E porque o Brasil engatou no mundo há muito tempo, portanto, o que acontece em escala global tem muito reflexo aqui. Em termos específicos também serão observadas tendências do ambiente universitário mundial. Em um segundo momento, é feito um exame do contexto nacional atual, incluindo as reflexões sobre os tempos mais recentes de Pandemia. Nesta parte também é examinado o

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ambiente e as tendências do ensino superior no Brasil. Tanto na análise do ambiente mundial quanto nacional faz-se um recuo temporal para um pouco antes da pandemia, porque acho que já vinham ocorrendo mudanças importantes antes da pandemia e gostaria de destacar isso. Com esse plano de fundo faz-se, em um terceiro momento, a tentativa de reflexão sobre os desafios para UNICAP. É sempre um prazer retornar à Universidade Católica. Tenho uma relação muito especial com esta Instituição, na qual tive a oportunidade de ser aluna e me formar em Ciências Econômicas, ter iniciado minha carreira docente atuando como professora neste mesmo curso, ajudar na elaboração do seu último Plano Estratégico e ter sido agraciada, no ano passado, com a honrosa autorga de Doutor Honoris Causa. Ser convidada para lhes falar sobre o contexto que estamos vivendo e, sobretudo, fazer uma reflexão sobre os desafios que a UNICAP tem no cenário Pós-Pandemia é gratificante e me sinto muito à vontade para conversar com vocês sobre o futuro. Ele é de fato desafiante, mas, ao mesmo tempo, portador de grandes oportunidades.

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1. PALAVRAS INICIAIS

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2. O CONTEXTO MUNDIAL

2.1 O contexto geral: crise e mudanças

N

o ambiente mundial, a Pandemia surpreende o mundo em um momento no qual a crise de 2008-2009 ainda deixava resquícios na dinâmica econômica mundial e já vinham ocorrendo mudanças muito importantes. Destaco, assim, de saída, uma ideiaforça: mudança. E, olhando para frente, a pandemia deve acelerar algumas mudanças que já vinham em curso; e, talvez, outras mudanças também possam ocorrer.

Do ponto de vista da economia capitalista mundial, uma mudança muito relevante, vem da década de 70. E é o que nós economistas chamamos de “financeirização da riqueza”, que é uma etapa do desenvolvimento do capitalismo mundial, onde a riqueza consegue se gerar mais rapidamente na esfera financeira, do que na esfera produtiva da vida econômica. Isso tem consequências muito importantes para vida social, porque uma das resultantes desta tendência é o processo crescente de concentração da riqueza e, em paralelo, a dificuldade, cada vez maior, de inserção das pessoas na vida econômica. O esquema a seguir tenta ilustrar a dimensão e intensidade da financeirização. 23


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Segundo levantamento anual da consultoria McKinsey de 2008, a relação entre os ativos financeiros e os resultados da economia real se equivaliam em 1980; já, em 2000, esses ativos representavam o triplo do PIB mundial; e, em 2006, atingem 3,5 vezes. Ambiente Econômico Pré-Pandemia e a Financeirização

Ativos Financeiros Mundiais em 2006 US$ 167 Tri ( 3,5 vezes o PIB). PIB Mundial em 2006 US$ 48,3 Tri. Fonte: Esquema próprio. Dados com base McKinsey Global Institute, 2008

Portanto, essa não é uma mudança irrelevante, ao contrário é muito significativa. E o Brasil engatou também nesse contexto de financeirização desde final do século passado. E o fez, com a conta do Governo deficitária, com financiamento do déficit através do endividamento interno (portanto, com crescente dívida pública). Mas, na esfera produtiva da economia, também ocorreram transformações relevantes da década de 1980 em diante, com um movimento geral de reestruturação produtiva, embalado por um novo ciclo de desenvolvimento 24


2. O CONTEXTO MUNDIAL

tecnológico, crescente processo de concentração e centralização de capitais e uma maior integração dos mercados. A economia mundial experimentou, ao longo nas duas últimas décadas do século XX e anos iniciais do século XXI, mudanças importantes: i) no “o que produzir”, com a oferta de novos produtos e o surgimento de novos setores dinâmicos, como dos complexos eletrônicos, os segmentos da TIC, a nova logística, a agricultura dos transgênicos e dos orgânicos, etc.; ii) no “como se produzir e comercializar”, como a incorporação crescente da robótica nas indústrias e a ascensão do e-commerce; iii) no “como se organiza a produção”, com novos modelos gerenciais adaptados à produção flexível e novas relações entre empresas e entre elas e o consumidor; e iv) no “como se organiza o Mercado de Trabalho”, com os modelos mais flexíveis de contratação (a exemplo da uberização), expansão das ocupações do setor de serviços, novos requisitos de qualificação e de habilidades. As mudanças que alicerçaram as transformações econômicas desde os anos 80 vêm assistindo, nos últimos anos, a um novo e extraordinário ciclo de expansão, com uma maior intensifi cação das alterações no paradigma tecnológico, o que chamamos, hoje, de “Revolução científico-tecnológica” e usamos em alguns momentos da palavra “Era”, que não é palavra das ciências sociais, é uma palavra da geologia. Assim, nós estaríamos experimentando, por exemplo, a passagem da Era Analógica para a Era Digital, processo que já vem repercutindo fortemente na socioeconomia mundial. Assiste-se, assim, ao desenvolvimento e uso de tecnologias que no seu conjunto carreiam grande pontencial disruptivo (internet das coisas, análise de big data, inteligência artificial, impressão 3D, blockchain, aplicações da neurotecnologia, da nanotecnologia, avanço da bioeconomia, etc), com 25


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impacto em inúmeros campos de aplicação. Na indústria, observa-se a emergência da denominada Indústria 4.0, um termo recente que explicita a aplicação das novas tecnologias nos principais processos industriais. Entre as características mais marcantes desse conceito, estão a automação de tarefas e o controle de dados e informações. Temos um exemplo próximo em Pernambuco, que é o chão da fábrica FCA – Fiat Chrysler Automobiles, em Goiana, que é uma das montadoras mais automatizadas do mundo. No setor de serviços, a Era Digital vem indicando a ampliação cada vez mais evidente de atividades que incorporam a aplicação de automação, da inteligência artificial e do mundo virtual. Um exemplo é a expansão do e-commerce e da logística inteligente. No âmbito dos serviços educacionais, como será detalhado mais adiante, o uso de novas tecnologias e modelos de aprendizagem, com a incorporação crescente das chamadas metodologias ativas e do ensino na modalidade a distância, que já é uma realidade. Na Pandemia, essa passagem, nitidamente, acelerou; e a UNICAP está vivenciando isso neste momento, a exemplo do desafio das aulas on-line. Também no Setor Primário, as mudanças na base técnica da economia mundial vêm tendo importantes impactos. A agricultura mundial vem passando por uma fase de transformações relevantes, inclusive no seu padrão técnico. A agricultura do século XX era baseada na química; e a agricultura do século XXI vem se desenvolvendo a partir de duas vertentes técnicas centrais: a agricultura que vem da genética, com os transgênicos, e a agricultura que vem da biologia, principalmente, com os produtos orgânicos. Essas frentes vêm resultando em importantes impactos 26


2. O CONTEXTO MUNDIAL

no aumento da produtividade e escala de produção; mas, também, tem gerado a tendência a um contraponto, com a ampliação da discussão associada à sustentabilidade agroecológica e sobre a qualidade dos alimentos produzidos; em paralelo, a mudança no lado do consumidor: busca de alimentação saudável. Por sua vez, o mercado de trabalho de uma maneira geral já vinha em ebulição no mundo todo, como já destacamos anteriormente. E na Pandemia muitas mudanças se aceleraram. Observa-se, por exemplo, como o Brasil está em um momento de desemprego alto, com o mercado de trabalho desregulado e muito informalizado. Momento de baixa do ciclo econômico desde 2015 em paralelo a mudanças antes referidas na organização da vida econômica atingem fortemente o mercado de trabalho do país. Isso teve peso na dinâmica de expansão da pandemia, e ainda está tendo. Estão mudando, também, os padrões de consumo e as formas de consumir. O consumo via e-commerce, acelerou na Pandemia, mas é um fato anterior e veio para ficar. Em paralelo, os padrões tradicionais de consumo capitalista foram postos à prova no contexto da Pandemia; porque ao praticar o isolamento social, as pessoas puderam perceber que é possível viver consumindo menos. O supérfluo ficou mais evidente e o essencial à vida, mais nítido. Então, a pergunta que fica: será que isso vai ter como desdobramentos uma alteração nos padrões exagerados de consumo de uma parte da sociedade? Essa é uma mudança relevante que estamos discutindo e sobre a qual se deve refletir. E ela pode ter impactos muito importantes no debate sobre a crise ecológica que o mundo enfrenta. Assim como as mudanças relativas à organização da sociedade, ao jeito das pessoas se relacionarem... Ou seja, 27


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são mudanças muito importantes que estão emergindo no ambiente no qual a Pandemia se instalou. Por sua vez, o mundo experimenta uma crise ambiental, cujo sinal mais evidente é o aquecimento global. A pandemia pode, também nesse campo, acelerar transformações e desafios que vinham ganhando força desde as últimas décadas do século passado. E a crise ambiental falou alto na Pandemia, e um diagnóstico importante é que a Pandemia tem uma relação forte com os padrões humanos de uso da natureza. Então, não é algo alheio à pandemia. A destruição das florestas e dos habitats de alguns animais facilitam a transmissão de vírus para os humanos, como dizem os cientistas. E, portanto, tem-se um debate sobre a questão ambiental, que na Pandemia passou a chamar cada vez mais a atenção. Provavelmente, a discussão sobre novos conceitos de desenvolvimento e o debate sobre a relação homem x natureza vai se intensificar daqui para frente pelo impacto do que se experimentou em tempos de Pandemia. Se não bastasse, temos uma reorganização Geopolítica mundial. No Pós-Guerra, gerou-se um padrão de organização, capitaneado pelos Estados Unidos, potência vencedora e única entre as grandes da época que podia se armar. O contexto de hegemonia americana foi dando lugar, a partir de meados da década de 1990, à multipolaridade em meio a conflitos econômicos, étnicos, religiosos que se acentuaram no inicio do século XXI. E, mais recentemente, os Estados Unidos perdem força. A Ásia ganha protagonismo, comandada pela China. Então, temos reorganização nos padrões geopolíticos mundiais e a Pandemia também mostrou, de forma mais intensa, a disputa de poder econômico e político, em alguns momentos... Alguns produtos faltaram e se viu, nitidamente, a disputa pelos novos lugares no mundo.

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2. O CONTEXTO MUNDIAL

Essas mudanças têm deixado, mundo afora, marcas profundas, expressas no aumento da concentração de renda e na desorganização da vida social. A concentração de renda já existia, mas ela foi exacerbada nas últimas décadas e a dificuldade de inserir as pessoas na vida econômica, na Era da Financeirização, se revela com grande nitidez. Ao lado de mudanças técnicas que desorganizam o mercado de trabalho, observa-se também a desorganização da vida das pessoas. Vários países, por exemplo, hoje têm processos de pauperização acelerados, migração em massa... fenômenos que não se via com essa força há muito tempo. Em paralelo, outra mudança pode ser observada no plano político-institucional, com o avanço da visão liberal no mundo. Depois da Segunda Guerra Mundial e no âmbito da guerra fria, destacadamente na Europa, emergiu o que se chamou de “Consenso Keynesiano”, que entre outras características introduziu a concepção do Estado protetor (que desenvolveu uma importante rede de proteção social). A partir da década de 1980, como uma das respostas à crise econômica mundial dos anos 70, irá se expandir o Neoliberalismo e com ele a perspectiva de diminuição do papel do Estado, com desmonte claro do Estado do Bem-estar. Um movimento muito nítido na Europa, que se espalhou pelo mundo e chegou ao Brasil a partir da década de 1990. Essa é uma mudança muito relevante, que também ficou clara na Pandemia, quando as pessoas mais frágeis da sociedade precisam ter algum apoio para sobreviver. Além disso, está em curso mais outra crise: a da democracia representativa, no campo da política, como analisou Manuel Castells no livro “A ruptura: crise da democracia liberal”, de 2018. E iria até mais longe, quando observo o Brasil 29


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hoje: acho que temos uma perda de espaço dos valores humanistas. E o Papa Francisco tem refletido sobre isso. Portanto, estamos em uma fase pandêmica, mas que se dá em um contexto de grandes mudanças. Assim, proponho que vocês fiquem atentos a esse ambiente de mudanças profundas.

2.2. O contexto específ ico de mudanças no Sistema Universitário Mundial Quando olhamos para o sistema universitário mundial, vemos que ele também vinha mudando. Uma primeira constatação é a de que o ensino superior vinha crescendo em acessibilidade para as pessoas, nas últimas décadas, liderados pela China e pela Índia. Mas, o Brasil, embora um pouco distante, acompanhou a mesma tendência, como atesta gráfico a seguir.

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2. O CONTEXTO MUNDIAL

O interesse por acesso à universidade tem crescido e a oferta tem buscado corresponder a esse interesse, é o que estou querendo destacar. E além dessa trajetória de maior abertura para a sociedade ingressar na universidade, mudanças estruturais também vêm ocorrendo no sistema universitário, e que não são de pequena monta. Uma significativa mudança que a educação superior vivencia é a crescente presença de uma visão de negócio nessa área. Essa é uma mudança muito forte e que vem tendo um predomínio grande mundo afora. E o Brasil também engatou nela. Mas destaquemos outras mudanças relevantes: Mudanças do modelo organizacional: de um sistema de faculdades e universidades, voltadas apenas às comunidades locais, transita-se para instituições de ensino superior (IES) que operam em um mercado global, altamente competitivo e cada vez mais desregulamentado. Aqui vale lembrar a presença crescente de IES privadas em escala global, muitas nucleadas por bancos de investimentos ou patrocinadas por fundos de investimento, a exemplo dos grupos como o DeVry, Laureate International Universities e Apollo Internacional, que se fazem presentes no Brasil, incluindo Pernambuco; Significativa reestruturação do sistema: com desaparecimento, fusão e incorporação de Universidades e maior interação entre as IES, visando o intercâmbio de atividades e o desenvolvimento de projetos comuns; Surgimento de instituições mais especializadas, algumas mais centradas nos alunos e no geral uma crescente transformação no padrão de inovação; 31


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Crescente profissionalização e inovação na gestão, com a busca de novos modelos de governança. Além disso, observa-se o surgimento de instituições concorrentes, complementares e parceiras as Universidades tradicionais, como: •

as Universidades Corporativas, empresas de grande porte;

as Empresas Institucionais, que são instituições terceirizadas que prestam serviços às universidades, através de contratos com metas de resultados;

as Entidades de Intermediação, ponte entre IES e os alunos visando apoiar, inclusive financeiramente, o alunato;

as chamadas Organizações Não Tradicionais, oriundas de outros segmentos da economia, tais como, empresas de TI, ONGs e do “terceiro setor” que adentram nesse ambiente. Em Pernambuco temos, por exemplo, as empresas de TIC, que, no ecossistema que eles montaram, também estão atuando no ensino superior.

Portanto, vive-se transformações.

em

um

que

ambiente

de

integram

grandes

Queria destacar, ainda, processo de internacionalização, que foi por onde eu comecei a análise do contexto mundial e que se aplica ao ambiente universitário. Em paralelo, e acompanhando a sociedade da Era Digital, uma tendência a formação de redes entre instituições é característica importante que esse novo ambiente vem estimulando. E a UNICAP está dentro dele, pois está 32


2. O CONTEXTO MUNDIAL

vinculada a importantes redes internacionais, uma vez que integra a Federação Internacional de Universidades Católicas – FIUC e, no âmbito da Latinoamericano, a Associação de Universidades Confiadas à Companhia de Jesus na América Latina – AUSJA. Não estou falando, portanto, de algo que vocês não conheçam. Lembro, no entanto, que as mudanças associadas à internacionalização no sistema de ensino superior também se expressam no maior potencial de definição de atividades de pesquisa, extensão e formação em rede, através de termos de cooperação internacional para iniciativas de projetos e pesquisas, bem como de cursos em parceria. Por outro lado, eu vejo também uma ampliação das relações entre a universidade e a sociedade, porque o século XXI vai ser chamado: “século da sociedade conhecimento”. E, portanto, as universidades são chamadas a ter uma presença forte na vida social e econômica. Assim, as relações com a sociedade tendem a se ampliar e, ao lado disso, as IES passam a exercer outras funções, como a de prestação de serviço de saúde, de assistência social, de apoio ao desenvolvimento econômico, de promoção de cultura e entretenimento e de difusão de ciência e da tecnologia, com destaque na contribuição na evolução das iniciativas de inovação. Portanto, a universidade ganha protagonismo. Vejo a UNICAP atenta a isso e buscando aproveitar essa oportunidade, com base em seu potencial. Destaco ainda que o modo de executar as atividades acadêmicas também está em intenso e pleno processo de mudança, sobretudo no que se refere aos métodos 33


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de ensino e aprendizagem, reposicionando, inclusive, o papel de professor. Os especialistas em educação apontam para transição da “pedagogia do monólogo” para a “pedagogia do diálogo”. Uma transição complexa, que não está acontecendo apenas no ensino, mas também na pesquisa e tende a atingir a extensão. A gente sente, por exemplo, que a pesquisa se torna cada vez mais coletiva e executada em rede, e a pandemia é um exemplo incrível disso. Milhares de pesquisadores, dezenas, centenas de laboratórios e instituições de pesquisa atuando em escala mundial... A tentativa de entender que vírus é esse - como é que ele se desenvolve, como é que se combate - deflagrou um movimento muito rico e de caráter multidisciplinar, que atingiu o Brasil e o Nordeste. A gente foi buscar o pessoal de análise de dados, que se junta com cientistas da área de saúde, da biologia, da área econômica, das ciências humanas... Então foi muito interessante perceber como tendências que vinham de antes se intensificaram na Pandemia, que as exacerbou. Na extensão, a aplicação do conhecimento é ditada cada vez mais pelas demandas reais da sociedade e isso tornou a função universitária mais suscetível às mudanças sociais. Portanto, encerro esse bloco dizendo que mudanças não faltam e, portanto, estamos diante da necessidade de reposicionamento nesse mundo em transformação. Reposicionamento que demanda inovação como imperativo. Então, a gente precisa testar o novo, e precisa

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2. O CONTEXTO MUNDIAL

fazer as coisas antigas de um modo novo diferente. Esse não é um desafio simples. Daí a ideia-chave de a UNICAP estar diante da necessidade de se reinventar, mas mantendo sua gênese e seus valores fundantes.

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3. CONTEXTO BRASILEIRO

3.1 O contexto nacional de mudanças socioeconômicas e políticas, com destaque para o momento da Pandemia

Q

uando eu chego ao Brasil, eu vejo que nosso país está sendo marcado fortemente pelas tendências e mudanças que já vinham em curso no mundo, e se intensificaram no ambiente da Pandemia, mas está tendo dificuldades para atuar com protagonismo frente às mudanças globais mais relevantes. E por quê? Porque nós já vínhamos de uma fase de dificuldades sociais, econômicas e políticas há alguns anos.

Nas duas décadas finais do século passado, o Brasil entrou, no ponto de vista da sua economia, em uma situação de grandes dificuldades. Nós chegamos, ao final da década de 1970, a ser a 8° economia no mundo. Quisemos industrializarnos, e nos industrializamos. Éramos também a oitava base industrial do mundo, uma base diversificada, poderosa... Mas, ainda no final dos anos 70, como já me referi, a crise mundial veio com força e nos afetou nas décadas seguintes, gerando um quadro de grandes dificuldades, inclusive 37


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pela maneira como as decisões internas foram tomadas, já na fase final de anos de ditadura. Com a crise do Estado desenvolvimentista, agora deficitário e endividandose externa e, depois, internamente, e uma hiperinflação como resposta a desajustes estruturais (esta com solução apenas em 1994, com o Plano Real, que a controla, mas deixa sequelas importan- tes, como a questão cambial e os juros altos). Um quadro de mais problemas a enfrentar que energias boas para jogar nas mudanças. A energia social foi jogada na redemocratização e na construção de uma Constituição Federal de base social democrata. No começo do século 21, o país vivenciou um momento de hiato de ciclo positivo da economia, resultado, em grande medida, do que nós economistas chamamos de “uma janela de oportunidades”, que foi o boom de commodities mundial, embalado, sobretudo, pela forte demanda por minérios e grãos pela China (e o Brasil havia se transformado também em um grande produtor de commodities), que ajudou a expandir significativamente as exportações. Além disso, ocorreu a ascensão ao poder federal de um governo progressista que usou esta janela de oportunidade para dinamizar o consumo interno, com repercussões especialmente fortes nas classes populares e expandiu as políticas sociais enfatizadas na CF/88. Também, efetuou relevantes investimentos no ensino superior, promovendo sua expansão e interiorização, tanto na oferta pública quanto na privada. O resultante desse momento é um Brasil com menos problemas sociais (mais emprego e renda e menos desigualdades sociais e territoriais) e dinamismo econômico com algumas mudanças importantes na base produtiva durante algum tempo. 38


3. CONTEXTO BRASILEIRO

Mas, a partir da crise mundial de 2008/09, a situação começa a dificultar-se, ocorrendo diminuição do ritmo médio de crescimento nos anos seguintes. E, sobretudo a partir de 2015, o país passa a apresentar um quadro de recessão profunda, em 2015 e 2016, com desemprego muito alto. Na sequência, verifica-se uma retomada muito pífia antes da pandemia: 1% de crescimento médio de 2017 a 2019, em meio a uma elevação significativa do desemprego e uma enorme precarização do mercado trabalho e perda de renda média. Portanto, a Pandemia atinge um Brasil com as famílias fragilizadas, muitas delas endividadas, porque muitas, para acessar o consumo, foram ao crédito. Muitas empresas que também já vinham encontrando dificuldades ficaram ainda mais fragilizadas na Pandemia. O próprio Estado (Governos Federal, Estaduais e Municipais), que vinha de um contexto de déficits fiscais crescentes, encontra-se com suas finanças ainda mais comprometidas. A Pandemia, portanto, surpreende o Brasil em meio a um quadro econômico e social de maior dificuldade para enfrentar a virulência do Covid-19. Uma doença de grande impacto, porque ela está matando muita gente. Como se não bastassem as dificuldades econômicas, o Brasil viveu mudanças políticas expressivas no período recente. Em meio a uma crise econômica e social, que se desenha ao longo da segunda década do século XXI, que, como foi salientado, veio a instabilidade e crise política, que resultou, em agosto de 2016, no impeachment da Presidente. E, após o impeachment, a sociedade brasileira elegeu um governo ultraliberal e muito conservador no ponto de vista dos valores, com agenda de desmonte do Estado, e muito forte.

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A UNICAP desafiada a reinventar-se

Assim, com dificuldade de acompanhar as mudanças mundiais, com a desindustrialização avançando, refletindo em crescente perda de competitividade, e uma crise social que agrava sua herança de fortes desigualdades sociais, o Brasil é surpreendido pela Pandemia. Embora existam, sementes de futuro, que foram plantadas e teimam em germinar os potenciais do Brasil, não desapareceram, mas a Pandemia, na verdade, surpreendenos em um momento muito complicado. O momento da Pandemia potencializa o quadro adverso ao qual já vínhamos assistindo, resultando no que eu chamo de “tripla crise”: a crise sanitária, a crise econômicosocial e a crise política. No caso da crise política, a principal evidência está no diálogo com a Pandemia, marcada pela ausência de uma coordenação estratégica em escala nacional. Infelizmente, o nosso presidente, representando o Estado brasileiro, não se propôs a fazer o seu papel de protagonista de uma concertação na condução de um processo de enfrentamento desta crise sanitária. Não se dispôs a construir um clima de entendimento, de coordenação com outros atores políticos estratégicos nesse momento, e isso dificultou muito a condução da política de enfrentamento da Pandemia no nosso país. Isso tem a ver com os resultados negativos que nós estamos colhendo. A própria discussão inicial sobre se deveria fazer o isolamento social, ou se não, nos fez perder um tempo precioso. Mas, finalmente, convenceu-se de que é o Estado nacional que precisa atuar nas horas de crise, mesmo em um quadro de crise fiscal. Foi assim no mundo inteiro, e, aí, superou-se, a duras penas, aquele debate inicial, e o auxílio federal veio para onde deveria vir. Veio para as famílias mais vulneráveis, para as empresas (embora o crédito não tenha chegado à 40


3. CONTEXTO BRASILEIRO

ampla maioria das pequenas e médias empresas) e veio para os Governos subnacionais. E isso está atenuando os impactos no curto prazo da Pandemia. Mas o balanço no Brasil é que os nossos resultados estão sendo desfavoráveis quando observamos o contexto mundial. Embora existam diferenciações locais, no geral, o país ainda continua em um momento delicado da crise sanitária, tendo, ainda, a ocorrência de muitas mortes por dia. Portanto, o resultado aqui não vai ser um resultado favorável. No curto prazo, vamos estar diante de grandes dificuldades para enfrentar a própria Pandemia. Meu receio é quando setembro chegar, ou seja, quando o pacote de auxílio for sendo desativado e não for prorrogado. Se não houver condições de retomar a economia, as dificuldades serão grandes, e as projeções apontam para um quadro grave de recessão em 2020. Recessão que a geração mais jovem não conhecia. Quem reclamou de 2015, 2016 pode, infelizmente, experimentar algo mais duro neste ano e no próximo. E vamos ver o reforço daquela tendência sobre a qual falei antes: a dificuldade brasileira de acompanhar as mudanças mundiais em curso e aqui inicialmente destacadas. O fato é que o Brasil está um pouco fora do debate mundial sobre aqueles temas de que eu falei, das mudanças que estão acontecendo e tendem a acelerarse no pós-Pandemia. Não nos esqueçamos que, além de ter que superar a crise econômica que se agravou com a Pandemia e a crise político-institucional, temos pela frente um cenário de disruptura tecnológica que já está acirrando a competitividade da economia mundial, e o Brasil está muito defasado.

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A UNICAP desafiada a reinventar-se

3.2. Mudanças no ambiente do ensino superior do Brasil Para chegar ao ensino superior, começo pela leitura de que o país vem passando por uma fase de significativas mudanças nesse campo nos últimos anos. Mas a conjuntura, também, é de crise. Inicialmente, queria destacar que o Brasil tem uma boa concepção estruturante do Sistema Universitário, que se baseia no tripé ensino, pesquisa e extensão integrados – e destaco, desde logo, a importância do protagonismo na extensão no caso da UNICAP, como nas Comunitárias da região sul do país. Outro aspecto do caso brasileiro diz respeito à institucionalidade inovadora do Sistema de Ensino Superior, expressa na existência de subsistemas de Universidades Governamentais, de Universidades Privadas e de Universidades Comunitárias. A Universidade Católica de Pernambuco, que é comunitária, destaca-se em Pernambuco e no Nordeste. Considero essa modelagem institucional um potencial no Brasil para a funcionalidade de seu Sistema de Ensino Superior. A rede de IES Comunitárias é muito relevante no Sul do País, e a origem principal é o próprio processo de imigração europeu, que plantou as sementes desse tipo de educação não governamental e não privada com fim lucrativo. Sua expansão no Brasil tem a ver com o papel das instituições religiosas, principalmente as instituições associadas à Igreja Católica, como é o caso da Universidade Católica de Pernambuco. Mas também, das IEs ligadas a igrejas

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3. CONTEXTO BRASILEIRO

protestantes, como a Mackenzie, que agora está na vitrine, pelo protagonismo de seus quadros na gestão universitária federal. As Comunitárias são IES muito interessantes, que, na minha visão, digo e reafirmo “o MEC classifica errado”, porque se guia pelo formalismo que coloca as comunitárias do lado das privadas. Devido ao fato de elas serem instituições do ambiente não governamental, são consideradas privadas, mas, não buscam lucro. Isso faz uma diferença fantástica. Isso muda a sua missão. A missão não é gerar lucro para remunerar seus acionistas. A missão é prestar um serviço de educação, de difusão de conhecimento, e de cultura à sociedade. Assim, diria que seria melhor o MEC usar um outro critério, o que valoriza a diferença entre a noção de público e governamental. Na minha visão, público é maior que governamental. A UNICAP, por exemplo, não é governamental, na minha visão ela é pública, porque ela presta um serviço que é público. Mesmo quando ela cobra a mensalidade dos alunos, ela usa isso para devolver à sociedade sob a forma de novos investimentos em ensino, pesquisa e extensão, não para distribuir dividendos entre inexistentes acionistas. As mantenedoras das unidades do sistema comunitário não visam lucro nem repartem resultados entre inexistentes acionistas, o que faz uma grande diferença entre esse sistema e o privado com fins lucrativos. E, do ponto de vista da estrutura básica, esse tripé - ensino, pesquisa e extensão - também tem nuances no sistema brasileiro, onde o sistema que eu chamo de governamental (instituições federais, estaduais, municipais) é muito mais forte na pesquisa, posto que a pesquisa é mais cara; e, aí,

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A UNICAP desafiada a reinventar-se

quem financia mesmo é o Estado no mundo inteiro. No Sistema brasileiro de IES, é interessante observar onde cada rede é forte. A rede governamental responde 90% da pesquisa no país. O setor privado de ensino superior é muito forte no ensino, e tem a “vocação” para o ensino pela característica da finalidade dele. O ensino é a mais rentável, digamos assim, dentre as três funções. É por isso que eles focam no ensino. Já as IES comunitárias, que são as públicas não-governamentais, como eu chamo, são fortes na extensão, como demonstra também a UNICAP. A UNICAP tem uma tradição antiga de atuar na extensão, que chama atenção e revela uma de suas especificidades. O Brasil, em tempos de luta pela redemocratização, avançou muito no debate sobre a organização da sociedade civil, e valorizamos muito a institucionalidade do que enfatizo aqui: os entes públicos não governamentais. Depois regredimos... o governamental voltou a ganhar protagonismo e a ter hegemonia no espaço público... No ambiente das IES, no entanto, as Comunitárias avançaram com a aprovação da Lei 12.881/13. Essa norma considera comunitária a instituição que cumpre alguns requisitos, como constituição sob a forma de associação ou fundação, tem atuação sem fins lucrativos e patrimônio próprio. Um avanço rumo a sua afirmação como ente que merece o reconhecimento do Estado pelo seu caráter e sua missão, podendo receber financiamento governamental. E que se distingue, pela sua natureza e missão, dos entes privados. Outra mudança do Sistema de Ensino Superior brasileiro refere-se ao perfil e trajetória de elevada expansão das matrículas dos alunos. O sistema no Brasil também vem de um momento de expansão, acompanhando aquela 44


3. CONTEXTO BRASILEIRO

tendência mundial na oferta de matrículas que apresentei anteriormente. Nesta expansão, uma característica importante, que se apresenta do final do século passado para cá, refere-se ao crescimento muito mais intenso das matrículas na oferta das IES Privadas (que inclui, nas estatísticas do MEC, as IES Comunitárias, como já destaquei) que na oferta de IES Governamentais. O chamado segmento privado participava em meados dos anos 90 do século XX com 60,2% do total de alunos matriculados no ensino superior do Brasil, e em 2013 já registravam 73% de participação (INEP-Ministério da Educação). Mas vale lembrar que, mesmo assim, a nossa oferta ainda é muito insuficiente quando a gente olha para os padrões mundiais. Brasil: Evolução do número de matrículas no Ensino Superior | 1995-2013

Fonte: Ministério da Educação/ INEP,Censo do Ensino Superior

Quando se desagrega a expansão do chamado pelo MEC ensino privado, vê-se que as Comunitárias não foram as que mais se expandiram. Tomo aqui o exemplo do Estado de Santa Catarina, posto que, como já falei, o sistema Comunitário lá era muito forte, como também ocorre nos demais estados da região Sul.

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A UNICAP desafiada a reinventar-se

O gráfico abaixo mostra que a liderança comunitária foi perdida e que a matricula nas privadas com fins lucrativos se expande fortemente nos anos recentes. Alerta para as comunitárias. Santa Catarina: evolução das matriculas no ensino superior por tipo de instituição | 2010 -1028

Fonte: MEC/INEP, Censo do Ensino Superior

Nós vivenciamos aquela fase do hiato da “janela de oportunidades”, que eu falei, do final do século passado e, sobretudo, no começo do século XXI. Uma fase muito positiva porque o Estado havia começado a financiar também os alunos para acessar o ensino pago (via PROUNI e FIES), além de financiar a expansão da rede governamental (via REUNI). Ele financiava, também, crescentemente, a pesquisa no segmento governamental. A expansão do sistema universitário foi nítida, e, aqui, gostaria de destacar, especialmente, a interiorização como um fato novo. Para se ter uma ideia, em 2002, o número de campi das Universidades Federais do Brasil era 34 e, em 2010, esse número se ampliou para 230. A busca de 46


3. CONTEXTO BRASILEIRO

levar essas estruturas para o interior do país aconteceu com mais força ainda no Nordeste, e considero que essa foi uma mudança muito positiva que aconteceu entre nós. Outro fato novo foi a abertura do sistema universitário para pessoas vindas das camadas mais pobres da população, pela via do financiamento público, já referido, e pelo impacto da legislação nova sobre “quotas”. A democratização do acesso é desafio central em todos os aspectos da vida brasileira, e na educação superior não é diferente. A UNICAP tem tido postura muito proativa nessa direção. Mas aconteceram outras mudanças. Uma eu já falei, o que eu chamo da mercantilização da educação. Não é brasileira essa tendência de fazer da educação um grande negócio, mas é mundial. Mas ela vem se manifestando de forma muito intensa no Brasil. Dentro da mercantilização, tendeu a acentuar-se o processo de oligopolização, porque passou a ser um negócio muito lucrativo paras os grandes conglomerados que passam a ter controle de parte considerável do mercado de educação superior do Brasil. Atualmente no país, quatro ou cinco grupos empresariais se destacam como grandes empreendimentos privados de educação superior. Observa-se, por outro lado, uma relação estreita, na maior parte dos casos, dessa educação mais mercantil com o mercado financeiro, como já foi comentado antes. Parte desses conglomerados tem banco ou financeira dentro deles, bem como tem grupos empresariais com capital aberto financiados em fundos de investimento. É a “financeirização” chegando à rede de educação superior. Então, realmente, tem-se, hoje, um perfil bem diferente do que era a educação tradicional do país. A presença de grandes grupos fez aumentar o grau de internacionalização das empresa e consequente desnacionalização. 47


A UNICAP desafiada a reinventar-se

O ambiente em que a UNICAP atua não é, nem de longe, aquele que eu conheci nos meus tempos de aluna e de início de carreira docente. Hoje, a Universidade convive com um ambiente completamente novo e desafiador, muito mais competitivo, com a presença de concorrentes que fazem parte de grandes grupos educacionais globais e que têm um braço forte financeiro. Em um ambiente de crise fiscal e, portanto, de dificuldades do financiamento público. Outra mudança emerge atrelada à que já havíamos antes referido: da passagem da Era Analógica para a Era Digital, e a emergência, com força, do ensino na modalidade à distância - a EaD. Mais que isso, a construção de novas modalidades de ensino – aprendizagem. A própria modalidade EaD está sub judice com a tendência a combinar o ensino presencial com o ensino à distância: o ensino híbrido com novas formas de ensino-aprendizagem. E as novas formas de organizar a oferta não só do ensino, mas da pesquisa e da extensão. As mudanças no mercado de trabalho iluminam novos desafios para a qualificação das pessoas: novos cursos, novas maneiras de desenvolver habilidades e competências... Mudanças e desafios não faltam aos educadores. No Brasil, esse tipo de aprendizado à distância tinha começado pela esfera pública. O ensino à distância, principalmente na graduação, era oferecido no setor público, mas de 2013 em diante avançou fortemente no setor privado. O número de matrículas rapidamente deslancha e esse aumento se dá, sobretudo, no setor privado e, mais especificamente, através das IES privadas mercantis, que nas indevidamente chamadas IES privadas (comunitárias). Então, essa é uma mudança que está acontecendo e, nesse caso, o Brasil estava tentando engatar em uma tendência que não é nossa: é mundial.

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3. CONTEXTO BRASILEIRO

Mas tem uma tendência boa no mundo, sobre a qual eu já havia falado, ou seja: o conhecimento tende a ser mais valorizado, tanto no mercado, que precisa engatar nas novas formas de produzir, como pela própria sociedade, que precisa engatar nesse novo mundo. Nesse contexto, o sistema de ensino superior está sendo revisitado aqui, também. Como eu falei ao tratar da escala mundial, estamos tentando fazer isso no Brasil; por exemplo, tentando o dialogar com o mercado e isso é um desafio para as universidades públicas governamentais que não tinham tradição muito forte nesse diálogo, mas vários avanços interessantes já aconteceram. Um deles é o novo Marco Legal de C,T&I (Lei nº 13.243/2016), regulamentada pelo Decreto nº 9.283/2018. E que interessa, também, às Comunitárias. Acho que as repercussões da Pandemia precisam ser refletidas, também, no Brasil. Para mim, a Pandemia deu destaque enorme à demanda que a sociedade faz em cima do seu sistema universitário e, no meu entender, a resposta foi positiva. Acho que o ambiente universitário percebeu que aquela era uma oportunidade para também apresentarse à sociedade com o seu capital de conhecimento para ajudar a enfrentar a Pandemia, mesmo naquele contexto de dificuldades que eu destaquei no Brasil, em especial para a rede Federal. No Nordeste, aliás, as iniciativas frente à Pandemia ainda foram mais interessantes porque não se teve coordenação estratégica de nível nacional, mas se teve coordenação estratégica em nível regional. O Nordeste vinha experimentando a criação do Consórcio Nordeste, que é um consórcio entre os governadores da região. E o

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A UNICAP desafiada a reinventar-se

consórcio, na Pandemia, tomou a iniciativa de criar um Comitê Científico para que a Academia dialogasse com os decisores políticos e trouxessem o conhecimento científico para iluminar as suas decisões. Nem sempre os gestores do Consórcio ouviram 100% os cientistas, porque quem está na política precisa negociar vários interesses, mas o Comitê Científico teve um peso relevante, com certeza, nas tomadas de decisão e nos desdobramentos da Pandemia no Nordeste. Quem conhece a realidade da região Nordeste esperava que, aqui, o impacto fosse chamar negativamente a atenção no Brasil. Eu acho que a região está chamando a atenção positivamente. E a Academia tem uma contribuição importante nessa trajetória que nós estamos vivendo. Não obstante, penso que, mais recentemente, vivenciamos uma crise também na Academia. O sistema universitário melhorou, avançou, estava se transformando, mas nos últimos tempos vem sofrendo um forte ataque. Acho que, nesse caso, vale a palavra “crise” que eu usei para o Brasil, porque, quando se observa a trajetória recente e momento atual, o ambiente mudou. Temos um rol de dificuldades a enfrentar, inclusive, o do financiamento aos alunos que foi muito importante para ampliar o acesso através do FIES e do PROUNI: instrumentos que fizeram “bombar” a demanda privada, e que ajudaram, também, as universidades comunitárias a se expandirem. Esse padrão de financiamento entrou em crise pelo aguçamento da crise fiscal e pela própria visão do governo que valoriza muito o corte de gastos, está trazendo outro contexto. Aí, começa a prevalecer o financiamento privado, e favorece àquele modelo de entidades que tem bancos ou Fundos associados, o que pode fazer diferença.

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3. CONTEXTO BRASILEIRO

Fico por aqui na análise do ensino superior no Brasil nos anos recentes, para chegar à reflexão sobre a conjuntura atual. A conjuntura é desfavorável e o Brasil está enfrentando a Pandemia, em paralelo a um ambiente desfavorável, também, para o sistema universitário brasileiro. Claro que o ambiente mais desfavorável vem em especial da esfera e da gestão governamental. O próprio sentido que verificamos nas iniciativas do Ministério da Educação formam quadro, muitas vezes, surpreendente. Como é que em um país, no mundo onde a educação e os sistemas universitários ganham protagonismo, a gente vê o MEC com ministro que muda em poucos meses, que não valoriza o sistema e ataca com muita força, principalmente o ensino público governamental, lastro da produção do conhecimento novo, na era da sociedade do conhecimento? Portanto, não é uma conjuntura fácil, a vivida pela Academia no presente. Como se não bastassem as adversidades trazidas pela Pandemia, com efeitos em perdas humanas e no aprofundamento da crise econômica, como já falei. Conjuntura que tende a agravar a crise fiscal, e isso vai recolocar em questão mecanismos de apoio ao sistema universitário. Assim, é preciso ter estratégia para o curto prazo, sem per- der de vista os desafios e oportunidades de médio e longo prazos. E os acúmulos e conquistas obtidos. Afinal, a UNICAP é instituição septuagenária e já experimentou outros momentos desafiadores.

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4. LIÇÕES SOBRE E PARA A UNICAP

O

curto prazo não é muito favorável para repensarmos a UNICAP, mas acho que, observando a trajetória recente, ela tem enfrentado a crise bastante bem.

Por exemplo, em número de matrículas, quando apoiei o planejamento estratégico da universidade, em 2016, a instituição vinha de trajetória de queda de matrículas muito rápida e muito acentuada. Nos últimos anos, observa-se uma reação da Universidade. Apesar do contexto de crise do Brasil, a UNICAP conseguiu manter-se razoavelmente bem do lado da oferta de oportunidades e sintonia com demandas da sociedade. Penso que essa reação tem a ver com o tipo e o padrão de ensino que a instituição oferece e pelas outras atividades que ela realiza, e, de forma particular, as mudanças importantes que ocorreram na sua gestão que estimularam iniciativas inovadoras e ousadas. Vejo a UNICAP como um exemplo de sucesso no enfrentamento de ambiente de crise. Acho que a instituição conseguiu atuar bastante bem em um contexto adverso. Concentrar-se nas suas forças, identificar boas oportunidades e não ter receio de ousar e de inovar, parece 53


A UNICAP desafiada a reinventar-se

ter sido a escolha estratégica. Mas as crises econômica e pandêmica, como vimos, impactam com muita força o ensino superior. As matrículas gerais no ensino superior do Brasil vêm caindo, impactando inclusive a rede governamental, onde alunos mais pobres perdem apoio assistencial que lhes mantinha nos estudos. E observa-se aquela mudança estrutural relativa à queda forte da participação dos cursos presenciais e um aumento muito grande das matrículas em EAD, concentrada no setor privado como eu já falei. No caso de Pernambuco, acompanhamos a dinâmica tanto no crescimento quanto no ambiente de dificuldade da dinâmica nacional. A trajetória das matrículas, aqui, é semelhante. No caso da UNICAP, observa-se uma perda de espaço no total do mercado, mas o número de alunos se estabilizou recentemente. A perda foi em um certo momento, mas depois ela estabilizou. Com base nesse background, chego à minha reflexão sobre a UNICAP. Como eu disse, o cenário econômico e político do país, e mais recentemente o contexto da Pandemia, não são favoráveis, isso tem impactado o sistema universitário e a UNICAP não ficou imune. A reação da UNICAP na Pandemia foi favorável e percebo que ela se cacifou para uma defesa pela sociedade da sua existência e da sua prioridade. Seus alunos, suas famílias e a sociedade perceberam a proatividade que guiou a UNICAP nesse semestre tão especial. Mas a crise veio para valer e vai bater na renda da população e isso vai afetar as matrículas. Então, a curto prazo, o momento é de grandes dificuldades, porque o ambiente socioeconômico socioeconômico também afeta as fontes de financiamento para outras atividades que a Universidade realiza. 54


4. Lições sobre e para a UNICAP

Nesse sentido, o complexo quadro de dificuldades que a UNICAP enfrenta, resulta na tarefa de superar alguns importantes desafios. Considero que o primeiro é o desafio de acompanhar as tendências mundiais e as tendências brasileiras. Para se posicionar diante delas. Portanto, um desafio é estar sintonizado, não tirar o olhar do que vai acontecer no imediato Pós-Pandemia. Vejo que muitas mudanças vão se acelerar, mas que outras mudanças são mais difíceis de serem implementadas e vão enfrentar mais resistência... Ainda não temos uma visão clara, por exemplo, sobre se vai haver mesmo uma mudança no padrão de consumo na sociedade capitalista. Por outro lado, será que vai haver, mesmo, uma mudança nos padrões na relação da sociedade com a natureza... Iniciativas de comércio justo, de empreendedorismo social, de economia solidária... encontrarão ambiente mais favorável para se expandir? A respeito da relação com a natureza, há sinais em algumas partes do mundo de que vai haver. Por exemplo, a Alemanha está com um programa de recuperação econômica chamado de “Recuperação Verde”... Bem ou mal, é uma tentativa de dialogar com a crise ambiental. Quando vejo debates sobre a renda mínima universal, que já estão sendo feitos agora na Pandemia mundo a fora, identifico avanço na discussão sobre o que falei lá no começo: a dificuldade de as pessoas se inserirem na vida produtiva e necessitarem de apoio para sua sobrevivência. No meio de tanta mudança e de tanta adversidade, o conjunto da sociedade através do Estado tem que dar um apoio aos que não conseguem, sozinhos, superar os efeitos drásticos 55


A UNICAP desafiada a reinventar-se

da crise. Pelo menos, um mínimo para que as pessoas não morram à míngua. A solidariedade prevalecerá? Assim, acho que a primeira coisa que poderia ser definida é a criação de uma espécie de Observatório. Enfrentar a crise mantendo um observatório sobre tendências PósPandemia, multidisciplinar, organizado em rede, articulado à escala mundial – pelo menos na rede das Universidades Jesuítas - para capturar não só trajetórias dominantes e resistências mais agudas, mas, também, captar exemplos de experiências positivas que dialogam com os valores da Universidade Católica de Pernambuco. Considero importante, também, observar o que acontece Brasil a fora. Brasil é um país muito diferenciado. A pandemia se deu em ambientes diferenciados, e eu já falei da especificidade do Nordeste. E nós precisamos estar atentos, e uma recomendação dos cientistas: essa Pandemia não vai acabar logo, portanto vai continuar sendo agenda... Assim, é preciso observar o que está acontecendo do lado da crise sanitária, mas, também, do lado da dinâmica da economia, da dinâmica social e dos valores, e dos sistemas universitários mundo a fora e no Brasil... Essa é uma primeira ideia. A UNICAP, por outro lado, já vinha mudando, e esse é o meu segundo ponto. Eu acho que o desafio futuro é mais forte para quem não estava convencido da mudança. Estou querendo reafirmar que o mundo já vinha mudando... A Pandemia não vai ser o início de tudo, apesar do impacto que está provocando! Ela vai estimular algumas mudanças, talvez refrear outras e propor outras, mas a realidade social, econômica, cultural e política já vinham mudando, sim. Quando observo, de fora, a Universidade Católica, a minha conclusão é a mesma: a UNICAP não se acomodou e vinha procurando mudar.

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4. Lições sobre e para a UNICAP

Aquela minha experiência de apoio ao planejamento estratégico me estimulou a olhar mais de perto a UNICAP. E venho vendo, por exemplo, aquelas colunas que vocês fazem nos jornais... A mudança no padrão de comunicação é visível da Universidade Católica de Pernambuco. Lembrome que a comunicação era considerada um ponto fraco no diagnóstico de 2016 do planejamento estratégico. Minha conclusão é que: se a Pandemia estimula mudança, eu acho que ela estimula mais quem já estava mais propenso à mudança e, para mim, a UNICAP é um exemplo de quem já estava mais propenso à mudança. Porque não vai precisar perder energia nesse estímulo. Porque mesmo as atividades antigas podem ser feitas de uma maneira nova. Não é que se vai trocar tudo, mas refletir: como é que a gente pode fazer melhor? O que vale a pena fazer diferente? Quando e com quem a gente pode fazer diferente? Essa é também uma pergunta importante. E aí eu vejo o trunfo na UNICAP: o fato de ela, nos últimos anos, ter tomado iniciativas, ousando fazer diferente. Quando eu olho o ensino, eu vejo a Universidade tomando iniciativas. Diante daquela curva de matrículas caindo, resolve-se implantar um curso de medicina, apostando na área de saúde... Isso é ousar fazer diferente. E o fez antes da Pandemia que vai acelerar o protagonismo da saúde. Está, inclusive, ampliando a visão sobre o chamado setor saúde: serviços de saúde, mas, também, produção de insumos e equipamentos (que fizeram tanta falta no auge da expansão do vírus...). É o conceito de “complexo industrial da saúde”. Ele articula a turma da medicina, da enfermagem... com a turma da economia, da gestão... Portanto, aquela opção da UNICAP de investir na saúde das pessoas, pensando em uma concepção de saúde mais ampla que possa ser 57


A UNICAP desafiada a reinventar-se

adotada, é um gesto de ousadia. Não é fácil fazer um curso nessa área, muito menos de medicina, como vocês fizeram.. Então, acho que isso demonstra disposição para a ousadia e é muito positivo. Quando eu olho para a parceria com o Institut Catholique d’Arts et Métiers – Icam, da França, uma das mais renomadas instituições de Engenharia da Europa, vejo outra ousadia. Trazer essa parceria para a criação de cursos em conjunto, que assimilam metodologias ativas, rediscutindo as engenharias, para pensar o mundo chamado 4.0, em parceria com instituição estrangeira, ou seja, recriando e criando modelos de internacionalização ativa... Porque me parece que vocês não fizeram uma internacionalização passiva: constroem um modelo de internacionalização ativa, no qual a UNICAP dialoga com o parceiro... Foi, de fato, uma iniciativa oportuna, ousada e visionária... Portanto, essa é uma semente de mudança e uma demonstração de que a UNICAP não está parada, e, sim, que está querendo sintonizar com as mudanças. Quando observo o avanço dos cursos ligados à área do novo paradigma digital é evidente também a sintonia da UNICAP com as novas demandas do mercado e da sociedade. As parcerias, nesse caso, com o Porto Digital e com empresas que fazem parte do ecossistema de inovação, é muito interessante. Vocês encontraram links com aquele ambiente. E acho que a decisão da UNICAP coincide com o momento também daquele ecossistema, que nasceu voltado para fora e já estava em uma trajetória de internalizar-se mais, de aproximar-se mais da realidade local, de fazer também parcerias locais. Acho que vocês perceberam essa oportunidade...

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4. Lições sobre e para a UNICAP

Engataram, também, na ideia da expansão no Nordeste. Quer dizer, aquele movimento de sair daquele lugar de conforto e sintonizar com tendência que, antes da crise, estava acontecendo na rede universitária brasileira... Ele começou a acontecer na UNICAP... Vejo vocês com iniciativas nessa direção, quando vou ao Ceará e vejo a UNICAP chegando no estado... Quando vou a João Pessoa e vejo a UNICAP marcando presença por lá. Sei que esse movimento está marcando chegada de forma presencial, mas há também o potencial de expansão da EaD que dialoga com o presencial, gerando o ensino híbrido... Isso sinaliza para outro importante desafio que a Universidade encarou - o de expandir sua atuação para além do Campus. Aliás, o slogan da UNICAP sintetiza, há tempo, esse olhar para fora, na perspectiva mais local: “Nosso Campus é a cidade”. A ideia das escolas de negócios também foi outra iniciativa que a UNICAP abraçou. A Católica Business School trouxe nova energia para os cursos de pós-graduação lato sensu, MBAs, LLMs e cursos de extensão, bem como possibilitou a maior aproximação com empresas e instituições parceiras, com o objetivo de desenvolver, nos seus alunos, competências essenciais ao novo ambiente do mercado de trabalho. Percebo que a escola de negócio trouxe germe de uma mudança muito importante e, com a perspectiva de expansão do aprendizado à distância, vejo grande potencial de sua expansão. O Nordeste e o Brasil são carentes desse tipo de iniciativa... Eu não conheço muito o que mudou na perspectiva do que ocorre dentro da UNICAP nos últimos anos, porque estou olhando mais de fora, mas eu sinto também que o padrão de gestão, que era uma questão, um ponto fraco identificado no planejamento estratégico de 2016, está 59


A UNICAP desafiada a reinventar-se

experimentando profundas transformações. Percebo muita energia aí colocada nas lideranças emergentes. Mudanças internas não são fáceis em instituições septuagenárias... mas são possíveis! Por outro lado, já falei da comunicação. Os alunos que eu conheço falam bem do endomarketing, mas os padrões de gestão relativos a processos administrativos, avançaram? Tenho relatos positivos do maior grau de informatização. Percebemos, em 2016, que era “muito papel” na UNICAP! Muita burocracia... às vezes, parecia setor público tradicional. Será que aí também tem novidades interessantes? Mudanças nessa direção ajudam a reduzir custo, ampliar eficiência, alocar melhor o potencial das pessoas... Por sua vez, o ensino à distância, que comentei do ponto de vista do Brasil, é outro desafio no qual observo grandes avanços. O EAD, na época que ajudamos a formular o Plano Estratégico, experimentava dificuldade, não tinha nem espaço adequado. Havia abnegados fazendo grande esforço e tentando dizer “opa, o momento é esse!” Parece que foram ouvidos... e que a criação da UNICAP Digital foi uma decisão estratégica nesse campo. Pelo que ouço, a UNICAP Digital tende a ser uma realidade muito interessante, e a prova quem me deu foi a Pandemia - daqui a pouco eu volto a isso. Na área da Extensão, também, eu vejo mudanças. Fico acompanhando de longe, por exemplo, o trabalho desenvolvido pelo Instituto Humanitas e vejo um Humanitas ativo, articulado... Ganhou protagonismo em um ambiente brasileiro muito difícil, pleno de desafios no campo democrático e social... Percebo que o Humanitas está maior do que era, com articulações crescentes e amplas. 60


4. Lições sobre e para a UNICAP

Também a atuação em rede, traço que destaquei na contemporaneidade , parece que cresceu bastante na UNICAP. Vejo isso na sua participação junto a redes internacionais a que já me referi, como a FIUC e a AUSJAL, mas também a nível nacional, como é o caso da sua participação na Associação Brasileira das Universidades Comunitárias ABRUC e no ambiente local, onde gostaria de destacar a sua contribuição na iniciativa chamada de Universitas Considero a criação do Consórcio Pernambuco Universitas como outra ousadia da UNICAP. A ideia do Universitas - que, no fundo, é a mesma ideia central do Consórcio Nordeste ( que articula os Governadores nordestinos), que é a ideia do compartilhamento. E a noção de compartilhamento veio para ficar e vai se ampliando... A Era Digital valoriza, também, isso. Não é à toa que, quando a gente entra na rede da internet, o recado frequente que a gente recebe é: compartilhe! Então, essa noção de que o espaço do compartilhamento é um espaço estratégico muito importante nos leva a pensar mais no que se pode e deve fazer junto e o que se deve fazer sozinho... (o que não se quer, nem pode fazer com alguém). É uma ideia muito inovadora, muito criativa. Eu vi o PE Universitas se consolidar na Pandemia e vi uma coisa muito interessante que foi a receptividade que as universidades governamentais tiveram com a presença da UNICAP no seu meio. Assim, o Universitas, para mim, é o “carimbo” daquela minha visão de que a UNICAP é do campo público. Não é governo, mas é da esfera pública. E acho que a Pandemia, através do Universitas, gerou oportunidades para a Universidade Católica de Pernambuco. Posso até estar otimista demais, mas é essa a minha leitura inicial. Nesta Pandemia vocês se diferenciaram por ter fechado o 61


A UNICAP desafiada a reinventar-se

semestre 2020.1 no prazo! As governamentais tiveram muito mais dificuldade. Perfil do aluno, crise fiscal... podemos achar explicações... Mas o fato é que a UNICAP se diferenciou no campo das “públicas” e mostrou novamente a marca da ousadia. A UNICAP foi um exemplo de que essa Era é nova e que vocês estão abertos ao desafio. A UNICAP deu seu recado nessa crise pandêmica: “Não vamos temer os desafios e vamos sair do outro lado. Claro que aprendendo, claro que ainda descobrindo”...arriscando errar! Isso é da vida... E o que a UNICAP demonstrou é que o importante é não deixar de atuar em um momento como esse! É minha leitura! Mas, por outro lado, tem um aspecto que eu não consegui perceber: uma maior adesão da UNICAP aos desafios da dimensão ambiental. Os cursos e iniciativas do lado do conhecimento e da relação com a natureza, aí talvez seja um viés meu, que eu olhe para isso de maneira insuficiente, mas eu acho que isso também valia uma discussão. A UNICAP faz parte da Igreja Católica, em particular, sendo uma instituição jesuíta, e o Papa Francisco, que originalmente é da ordem jesuíta, hoje, é o grande defensor de uma visão integral da dimensão ambiental. A Encíclica Laudato Si é um documento brilhante nesse tema. Ali, há um olhar sobre o que se está refletindo no mundo. Estou sugerindo mais protagonismo nessa área, até em homenagem ao esforço que o Papa está fazendo. Pode ser também desinformação minha. De todo modo, fica a dica de aprofundar esse desafio. Ele está sintonizado com um desafio que é global e no qual a Academia tem um papel muito importante. E um desafio que dialoga com a visão humanista da UNICAP. Porque considero que um diferencial da UNICAP é ser uma instituição do sistema universitário

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4. Lições sobre e para a UNICAP

nacional onde se formam profissionais competentes e com visão humanista. E o ser humano precisa cuidar de sua “casa comum”... A pandemia nos alertou para isso! Portanto, já procurando finalizar minha visão sobre desafios da UNICAP, destaco que o desafio de médio prazo é o de sintonizar com mudanças mundiais e ter consciência de que o ambiente Pós-Pandemia aportará para os humanos. Algumas forças e suas instituições puxarão para um lado, outras puxarão para outro. Uns querendo voltar ao “velho normal” e outros querendo superar o “velho normal”... E a UNICAP vai participar disso! Nesse contexto, uma diretriz básica seria a de aprofundar mudanças. Já que, de minha análise, destaquei que vocês estão procurando mudar, penso que agora é hora de aprofundar os processos de mudança, com o olhar estratégico e aberto para o mundo! Inciativas como a de aprofundar o investimento em novos modelos de ensino e aprendizagem, que não é só EAD, são um exemplo nesta linha de pensar estrategicamente. Esse debate, que é preciso ser feito, é muito importante! Formar pessoas, fazer florescer seu potencial, é uma missão muito desafiadora e relevante! Lembro que vocês estavam querendo dar ênfase aos cursos de formação de professores. Os seus e os do ensino básico! Parece que chegou a hora desse compromisso ganhar protagonismo também, porque são novas gerações que vão ser formadas para o século XXI e quem forma o cidadão, na base, são os professores. Acho que esse é um ponto que a Católica podia olhar com carinho também. Um olhar para a pesquisa, outro aspecto estratégico. 63


A UNICAP desafiada a reinventar-se

Precisa estar na agenda o jeito de fazer pesquisa, a sintonia com áreas que gerem maior impacto econômico e social, a abertura para parcerias, a internacionalização, o investimento em infraestrutura etc. Apesar das dificuldades do contexto institucional da área de pesquisa e desenvolvimento e da crise fiscal no Brasil, vejo a oportunidade do “Novo marco regulatório da ciência, tecnologia e inovação”! Nele, como falei, há um potencial de flexibilização importante. Então, ampliar a articulação nacional e internacional, usar esse ambiente que destaquei dos tempos de pandemia para o mundo científico e para agentes do mercado que querem mudar, são oportunidades muito estratégicas... O caráter de “comunitária” me parece que permite uma fértil interação com o “mercado”. Vejo a Católica se articulando com agentes locais, como o Porto Digital, com a Accenture, com a Fiat, mas também com instituições e parceiros nacionais e internacionais. E isso é outro elemento estratégico relevante para uma articulação consistente com o mercado. Tem que articular com o mercado, sim, mas tem que fazer coisas diferentes. Eu vejo a UNICAP avançando no empreendedorismo e na inovação social... E acho que a UNICAP tem potencial de ser uma referência em empreendedorismo e inovação social no Brasil! Por que não?! Então, acho que existem, germinando, sementes muito fecundas, na Católica... A interação com os movimentos sociais, no campo do diálogo social e no campo da extensão, as mudanças e novas articulações no campo do ensino e no campo da pesquisa... acho que é um diferencial, também! A Universidade Católica, pela sua cultura, pela tradição que abriga, pode fazer a diferença!

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Por sua vez, a UNICAP inserida no UNIVERSITAS é oportunidade para um reposicionamento muito mais agressivo do que vocês estavam realizando! Percebo, assim, que está em curso um projeto ousado e um movimento de continuidade de avanço nas mudanças... Mas, no médio prazo, o momento pós-Pandemia pede mais! Para concluir, gostaria de dizer a minha última frase, que aponta para uma síntese do que penso poderia ser uma diretriz para UNICAP nesse momento: “Reinventar-se sem descolar de suas raízes, de sua missão e de seus valores”. Para mim, isso é um grande desafio para todos nós, porque o mundo não está fácil! Muito obrigada pela oportunidade!



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