como nĂŁo aprender a nadar
Copyright © Jozias Benedicto Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada, reproduzida — em qualquer meio ou fórmula, seja mecânico ou eletrônico, por fotocópia, por gravação etc. —, apropriada ou estocada em sistema de bancos de dados sem a expressa autorização da editora. Como não aprender a nadar existe apenas na imaginação do autor e dos leitores. Personagens e situações foram inventados e, mesmo quando levemente baseados em pessoas ou fatos reais, possuem total autonomia ficcional. Não há intenção de crítica ou opinião. Este livro foi revisado segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Diretora Editorial: Rosangela Dias Revisão: William Oliveira Capa : Clara Silva sobre foto de Jozias Benedicto Projeto Gráfico: Clara Silva Imagens da capa, foto do autor e miolo: Jozias Benedicto, da série “Piscinas” CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B399c Benedicto, Jozias Como não aprender a nadar / Jozias Benedicto. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Apicuri, 2016. 220 p. : il. ; 21 cm. ISBN 978-85-8317-047-1 1. Ficção brasileira. I. Título. 16-31040 CDD: 869.09 CDU: 821.134.3(81).09 08/03/2016
08/03/2016
[2016] Todos os direitos desta edição reservados à Moreira Dias Editora Ltda. — Editora Apicuri Rua Senador Dantas, 75/505, Centro Rio de Janeiro, RJ — 20031-204 Telefone (21) 2524 7625 contato@apicuri.com.br | www.apicuri.com.br
como não aprender a nadar Jozias Benedicto
1ª edição
Rio de Janeiro 2016
[sumário]
1./ Geografia
11
2./ A casa com piscina
17
3./ Aprender a nadar
25
4./ A rainha do lar
29
5./ Vizinhos
39
6./ De um caderno de capa rosa
47
7./ A peste
59
8./ Retrato de família na borda da piscina
65
9./ Respirando
81
10./ No início das noites
87
11./ O fim dos dias
95
12./ A engrenagem noturna
103
13./ No topo do mundo
109
14./ Nas mãos
115
15./ Quatro histórias que os cisnes contaram
123
16./ De um caderno de capa marrom
145
17./ Vingança
155
18./ Estação Paraíso
161
19./ De pavões
169
20./ Arrumando os altares
177
21./ Como não aprender a nadar
211
Para Esther Williams, Johnny Weissmuller e Greg Louganis, criaturas das águas para Maria Lenk, que tentou mas não conseguiu me ensinar a nadar e para os que aprenderam e mais ainda para os que (como eu) ainda não aprenderam
“(...) a psicanálise e a literatura têm muito a ver com a natação. A psicanálise é em certo sentido uma arte da natação, uma arte de manter à tona no mar da linguagem pessoas que estão sempre fazendo força para afundar. E um artista é aquele que nunca sabe se vai poder nadar: pôde nadar antes, mas não sabe se vai poder nadar da próxima vez em que entrar na linguagem.” Ricardo Piglia. “Formas Breves”
“A Alemanha declarou guerra à Rússia. – À tarde, fui nadar.” Franz Kafka. “Diário, 21 de agosto de 1914”
1./ Geografia
como nĂŁo aprender a nadar
-11-
“(...) andão em bando estes passaros, e se lhe dá o sol nas praias, ou indo pelo ar he coisa formosa de ver.” Fernão Cardim. “Tratados da terra e gente do Brasil”
Voo dos guarás, rubros sobre o azul-celeste. Estou na praia, na restinga cercada de dunas, de falésias, de arrecifes; me deito na areia úmida e olho para cima e vejo o voo das aves encantadas que são como contas de um colar de coral e eu sou um guará do bando que voa, pequenas manchas escarlates, sou um deles batendo as asas no ritmo do bando seguindo alto alto e então olho para baixo e vejo: a cidade. Ao sobrevoar a cidade que tão bem conheci e desconheço, voando perto do edifício mais alto, o topo do mundo, vejo duas grandes manchas verdes que se destacam entre o marrom o ocre o cinza o pardo dos telhados das casas dos ricos e dos pobres e as pedras com luzes de mica das ruas estreitas onde passa um bonde que em seu percurso infinito desenha um oito deitado e o centro de tudo o Cruzeiro e mais longe as invasões as favelas os mocambos as palafitas e mais longe ainda os manguezais e os braços dobrados dos rios que se encontram em seu lento caminho para o mar e eu sou um guará e me separo do meu bando para sobrevoar sozinho a cidade e vejo as duas manchas verdejantes – a Quinta do Lebrão e o Outeiro dos Prazeres, oeste e leste, e minha memória de pássaro que guarda uma memória de criança me
como não aprender a nadar
-13-
conta dos dois colégios, a oeste o Colégio dos Padres e a leste o Colégio das Freiras, e me conta das lendas de túneis secretos que ligavam as duas clausuras e as igrejas e o palácio e um escondido porto no braço de rio e me conta de noturnas cerimônias secretas e iniciações e rituais macabros. O guará voa rasante pelos colégios que não mais existem, na memória de criança a algazarra das brincadeiras, a harmonia dos coros nas missas, o cheiro do incenso, o sussurro das confissões e o gosto-sem-gosto das hóstias, e então o guará sobe cor de rubi alto mais alto mais alto e olha de novo para baixo para a cidade e consegue ver no meio dos telhados cor de terra um retângulo azul-turquesa e ouve baixinho a música de jovens que dançam e de cima, do alto, compreende que daquela piscina sai um filete de água um pequeno riacho subterrâneo que passa pelas outras piscinas, cheias ou vazias, e que vai engordando rumo às lagoas onde aflora e ao rio e ao delta e ao mar e finalmente chega ao longe ao muito longe longe longe para onde vão todos os guarás e para onde também vou, um dia, agora, por fim, descansar
-14-
jozias benedicto
2./ A casa com piscina
como nĂŁo aprender a nadar
-17-
“A piscina não tem sal. Eu não boio. É lento o caminho para baixo” Elvira Vigna. “Deixei ele lá e vim”
A casa a mais bonita de toda a cidade. O que talvez não fosse grande coisa, era uma cidade pequena há muitos muitos anos, quando os ricos eram bem ricos e os pobres miseráveis e ainda humildes. Em uma cidade de ruas estreitas de um passado colonial decadente e de pobreza em bairros de invasões e palafitas, a casa era uma construção “moderna”, talvez um arquiteto ou um construtor que copiou de uma revista. Tinha tudo o que se podia desejar naquele tempo: uma piscina enorme; colunas em V em concreto armado, telhas e piso de cerâmica avermelhada, um espelho d’água em forma de ameba que circulava a varanda frontal refletindo um painel de pastilhas; pisos de parquet paulista bem encerado, quadros abstratos, luminárias em formato de tulipa, bandejas com asas de borboleta, vasos de murano com pó de ouro; um sótão e um porão; no quintal, para as crianças, uma casa de bonecas imitava um chalé, completo com cozinha e quarto e água corrente na pequena pia; um jardineiro e um motorista fixos; empregadas sempre de uniforme preto com avental de rendas; e se erguia majestosa bem acima da rua, no bairro onde vivia a vizinhança em casas e sobrados com modestos quintais acimentados ou nem isso.
como não aprender a nadar
-19-