No Quintal da Solidão
JOSÉ MARCOS RAMOS
NO QUINTAL DA SOLIDÃO
Belo Horizonte 1983
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José Marcos Ramos
Dedicatória Para os amigos que navegam comigo no mar da solidão.
No Quintal da Solidão
Loucura E aí Eu comecei a cometer loucuras Era um verdadeiro inferno Uma tortura O que eu sofri por aquele amor Milhões de diabinhos martelando Meu pobre coração que agonizando Já não podia mais de tanta dor E aí Eu comecei a cantar verso triste O mesmo verso que até hoje existe Na boca triste de alguém Que ainda tem coragem de dizer Que os meus versos não contem Mensagem Lupicínio Rodrigues
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Acordando em minas Quando em minas, O dia amanhece E o sol começa A nascer Os meus sonhos dourados Vêm renascer, E tudo acontece entre nós A brisa leve Junto com o alvorecer Reclamam baixinho Do sol que demora a nascer. Clareia por sobre as montanhas O sol não demora a aparecer. O rio, as montanhas E não sei mais o quê Trazem uma saudade imensa De ainda nos seus braços Te Ter...
No Quintal da Solidão
Reflexos Refletem em mim os movimentos suaves Dos corpos no assoalho Refletem em mim o abraço O amor em qualquer contato. Refletem em mim as dores Os dissabores Refletem em mim os sonhos Alimento da criação Refletem em mim Os meus amores...
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Alvorecendo Primeiro tudo negro Com alguns pontos brancos - estrelas Era noite Depois, um vermelho forte E o s pontos brancos Logo depois, o vermelho é tinto De azul e os pontos brancos permanecem. Mais tarde, surge o amarelo Sobre o vermelho, fazendo os pontos Brancos apagarem... A cidade ainda está escura Com as luzes ainda acesas Fazendo um céu estrelado de cabeça Para baixo. O amarelo ganha espaço Sobre o vermelho E o azul surge mais forte. A linha do horizonte, Vermelha, alaranjada, O firmamento azul E a terra vista do décimo andar Resplandecendo estrelas.
No Quintal da Solidão
Posse Ele me possui Com tanto amor Que eu abro A casa A porta A janela Os armários As gavetas As caixas As feridas Os olhos A boca Os braços As pernas E ele penetra em mim Até saciar o animal Que ele carrega dentro de si Depois, Trôpegos Olhamos as estrelas...
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Recado Você não vem E os meus olhos procuram Pelas ruas o seu sorriso. Me enganam os óculos Os passos Os sorrisos E você não vem... Já me enganei De bolsa De rosto De sorriso Os rostos se confundem Nos rostos da cidade Os meus sonhos Me chamam E você não vem...
No Quintal da Solidão
Silêncio A palavra, Ara Vara o meu peito Invade o corpo De poesia Impregna minha alma De amor. É de manhã Que meu corpo Cala o silêncio
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Mãe Mãe... Para você Que no gozo do amor Me semeou No ventre quente Me alimentou No contato comigo Me amou E me vendo crescer Me ensinou a viver.
No Quintal da Solidão
Para o Noé Saí abençoado por deus Foi assim que eu percorri O caminho traçado para mim. Segui ereto Pisando os pedaços Entre os espaços das nuvens Meu corpo floria os jardins Da estrada Meu hálito perfumava o ar Desta vez não segui trôpego Sereno, caminhei entre as pedra Desviei-me das barreiras E dos buracos. Ainda há caminhos Mas seguirei abençoado por Deus.
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Havia um arco-íris no céu E como fotografia Os seus olhos Me espreitavam....
No Quintal da SolidĂŁo
Os seus olhos Navegam nos meus olhos E o sol caminha em direção ao mar E do mar surgem estrelas Navegando no meu amanhecer. Que o porto Te seja seguro Que o sonho Te seja alegria E a aventura Brilhe nos olhos Dos olhos Que olho.
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Corre um cheiro de Laranja serra d'água No ar... A primavera Brota no corpo De cada moça Que passa pela calçada E encanta O sorriso Das cores Que embalam O canto dos pássaros E o pássaro cativo, que sou Não cantarei esta primavera.
No Quintal da Solidão
Ao clênio Hoje escrevo em amarelo O gosto amargo da tristeza Que brota na primavera De quimeras podadas no frio Do último agosto. O frio de agosto Me trousse desgosto Perdi um amigo Que por poucas noites tive E com ele Compartilhei alegrias E por ele Bebi alegrias E dele (Filante que sou) Fumei alegrias Dos sonhos Não sei qual Herdei Ainda não consegui chorar Mas quando o seu olhar Me vem à memória Eu engulo seco A náusea Que a vida às vezes me da!
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Ao edy Alguém pulou antes de mim Agora já não é possível Abandonar esta emoção de viver Agora fecham as janelas E vigiam os meus passos E marcam cada compasso Do samba que eu não criei. Alguém pulou antes de mim E me mostrou que não é fácil partir Sair Fugir Sem deixar marcas profundas Alguém pulou antes de mim Agora, eu já não tenho Mais coragem
No Quintal da Solidão
Ainda me sobra emoções Ainda sei chorar Quando a dor me bate Seja lá como for. Ainda me emociono Com os pássaros cantando E as borboletas sobrevoando As poucas flores do meu jardim Em qualquer Sábado pela manhã. Ainda me sobra emoções Para chorar a perda de um amigo Que morreu Ou apenas Deixou de cruzar o meu caminho.
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Soldados passeiam pelas ruas Com os cachorros de bocas abertas. Meu Chile morrendo está! A morte posa para fotografia E o mundo assiste passivamente. A Etiópia morrendo está! A fome corrói as nossa entranhas E os políticos vagueiam nos salões da corrupção A vergonha morrendo está! Um soldado revista a minha bolsa E eu permaneço petrificado. A liberdade morrendo está!
No Quintal da Solidรฃo
Mar... O meu mar Mergulha em mim Salpica meu corpo De esperanรงa Embebe minha alma De sonhos E me deixa tonto De amor... O meu mar me afoga Na areia Me descobre na cama Ou na grama Quando na relva Me ama... O meu mar Caminha comigo Invade represas Transborda os rios E me deixa nรกufrago.
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Mar II O meu mar secou Não haverá mais mergulho Nem sol para tingir A cor da minha pele
O meu mar Já não mais mergulha Em mim Não caminhará mais ao meu lado E nem terei a sua cor Nos meus olhos. Já não invadiremos represas Nem transbordaremos os rios Agora, Sou náufrago Das Lágrimas que choro.
No Quintal da Solidão
Liberdade ou mar III Fui eu que Abri as comportas. Fui eu quem deixou Ele entrar Fui eu que abri A porta As janelas As gavetas Os braços As pernas E ele penetrou em mim Como não coloquei Amarras, Ele é livre Para sair.
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Biscoitos de nata ou mar IV
Agora, que tudo acabou Vou para casa Fazer biscoitos de nata. Misturar todos os ingredientes Deixar no forno Até o ponto E junto com o sofrimento Vou ingeri-los Tomando chá Temperado com minhas lágrimas.
No Quintal da Solidão
Mar V Fui eu quem Abriu as comportas Fui eu quem deixou Ele entrar Fui eu que abri A porta Fui eu que convidei Para dança Foi ele que penetrou Em mim Fui eu que deixei Ele me amar Foi ele que foi embora Fui eu que fiquei a chorar É ele que faz rima rica Sou eu que não sei rimar.
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Mar VI
Deixou montes E montanhas em pedaços Seguiu trôpego Como o bêbado da esquina E eu fiquei Como num ponto de ônibus Num fim de noite qualquer Seguiu o espaço Entre pedaços de nuvens Deixou o rastro Nos concretos da avenida... E eu fiquei Como ficam os que choram.
No Quintal da Solidão
São Paulo
Navego na solidão Do meu ser Tenho sede De um líquido Que não encontro. O meu mundo não é este Navego no coração Da cidade. A cidade grita Os ecos da minha voz Muda. A retina das minhas pupilas Retém as imagens Do vento. A luz da cidade E este lago Me invadem...
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Não quero morrer Nem quero viver Nem me basta Ficar aqui Refletido no lago Cansado E menos amado. Navego na solidão Do meu ser E este lago Invade o meu mar E o meu mar Me invade também..
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O limite do canto É a voz E eu não sei cantar O limite da vida É o amor E eu não soube Amar. E na solidão Do meu ser Eu naufrago. Sem mar Eu não vivo Da solidão sobrevivo...
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E o canto Neste recanto Invade a solidão. Pássaros respondem Ao canto que não canto E sufocam o meu pranto... E o mar de Maria Não mais me sacia
No Quintal da Solidão
Não quero sofre Mas sofro Não quero sonhar Mas sonho Não quero viver Mas vivo Não quero morrer... Não quero navegar Mas navego na solidão Do meu ser.
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Quero chorar Mas não choro Quero gritar Mas não grito Quero lutar Mas não luto Quero viver Mas não sei.
No Quintal da Solidão
Nem pranto Nem canto Nem cidade Nem campo
Só esta dor Que arde Solidão que invade Nesta dura realidade...
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Ah! Parque do Ibirapuera Rins da cidade, Onde tento eliminar As escorias da minha SolidĂŁo.
No Quintal da Solidão
No quintal da solidão Quero cantar canções de amor Que façam brotar nas consciências A esperança. Quero cantar canções de amor Que façam brotar nas mãos Algo mais forte que a solidão. Quero cantar canções de amor Que façam brotar nos corações A alegria. Quero cantar canções Que façam brotar Amor no meu quintal.
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Quintal da infância Entre terra, água e árvores Eu crio a vida. Nas águas Do rego, navego À procura do mar; Na terra molhada de chuva, Construo caminhos E passeio em busca dos sonhos. Nos galhos das árvores, Espero a natureza: Brinco de circo Fazendo piruetas no ar.
No Quintal da Solidão
Quintal das paixões As paixões de Maria Me levam para o mar. E no mar Eu mergulho Sem saber nadar E no mar Eu naufrago Sem saber amar
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No quintal da solidão
No quintal da solidão Eu cultivo ervas. Quando alguém Me machuca, Me nega um olhar, Eu preparo as ervas, Faço cataplasmas, Bebo chás E fico no quintal Esperando você.
No Quintal da Solidão
E agora Não há mais ais; Ais não há mais; Ah! Não mais, ais. Mais ais, não há!
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