Comentário: 12° Domingo do Tempo Comum - Ano B

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DEUS ESTÁ PRESENTE NAS TEMPESTADES DA COMUNIDADE BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulus, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 12º DOMINGO COMUM– COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL As comunidades cristãs e as pessoas que ainda sonham com um país justo, igualitário, fraterno, sentem-se perplexas diante do panorama social que se lhes apresenta: miséria, doença, fome, corrupção, injustiça, impunidade, mortes no campo e na cidade, crise moral e social, descompromisso dos políticos, poderosos e falsos cristãos. Tudo isso é mar tempestuoso que ameaça engolir os anseios de vida e liberdade. E Deus, como entra nesses dramas? Será que está dormindo? Teria abandonado as comunidades à mercê dos caprichos dos grandes? Estaria sendo omisso? Tudo isso é um grande teste para as pessoas de boa vontade: acreditar em Deus e praticar a fé que transforma em vida situações de morte, porque a força que anima as comunidades cristãs é o amor de Cristo. 1

usaria de violência comigo? Não importa. Ele ao menos teria que me escutar” (23,3-6). Podemos afirmar que a grande vitória de Jó em seu drama é ter recebido resposta de Deus. De fato, nos caps. 38-41 Deus responde a Jó, sem violência e sem acusá-lo de pecados ou delitos. Através de longo discurso sobre as maravilhas da criação, Deus mostra que Jó sofre de “arrogância atrevida”; contudo, sua contestação no sofrimento tem razão de ser. 5

Assim, chegamos ao texto de hoje, onde Deus responde a Jó na tempestade (38,1). O trecho (vv. 8-11) mostra que Deus é soberano sobre as forças que geram o mal, aqui simbolizadas pelo mar. O Autor do livro crê que o mar nasceu do seio da terra (portanto, é criatura que obedece a alguém). Ao nascer, Deus lhe deu as nuII. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS vens como roupas e a neblina como fraldas (v. 9). Apesar de impetuoso e assustador, sua força é quebrada pela 1ª leitura (Jó 38,1.8-11): Deus é soberano sobre as areia das praias (vv. 10-11). Deus, portanto, não permite forças que geram o mal que o mal avassale o mundo e as pessoas. 2 Este trecho foi escolhido para servir de suporte vete7 Depois de apresentados outros argumentos, Jó recorotestamentário ao evangelho deste domingo. Antes de nhece sua arrogância atrevida: “Eu falei, sem entender, entrar no texto, convém fazer breve síntese do livro. Jó – de maravilhas que superam a minha compreensão” erroneamente tido como tipo de pessoa paciente – foi en(42,3); “eu te conhecia só de ouvir. Agora, porém, os volvido, sem o saber, numa aposta entre Deus e Satanás meus olhos te vêem” (42,5). Deus é maior e mais forte (1,6-2,10). Deus reconhece que Jó é íntegro e reto (1,8). que todas as tragédias humanas! Satanás afirma que a integridade e retidão desse homem são interesseiras: se Deus lhe tirar os bens (animais, ter- Evangelho (Mc 4,35-41): Quem é Jesus? ras, filhos e saúde), Jó amaldiçoará Deus. Os sofrimentos 8 No domingo passado refletíamos sobre a força do desse homem são fruto dessa aposta. Reino de Deus, expressa nas parábolas (4,1-34). Com 3 Ao longo de todo o livro, Jó reivindica sua inocên- elas os cristãos aprenderam que o projeto de Deus tem cia. Seus amigos (Elifaz, Baldad e Sofar), defensores da dinamismo irresistível. Isso deveria animar os catecúmeteologia da retribuição, querem levá-lo a reconhecer no nos (o Evangelho de Mc servia-lhes como texto-base sofrimento um castigo pelo mal cometido: ele pecou e para a catequese) e as comunidades cristãs de todos os está pagando por isso. O livro de Jó arrasa essa “teologia tempos. de alcova” e levanta a questão: se Jó é inocente, por que 9 Depois do discurso em parábolas, Marcos apresenta sofre? Se Deus é justo, por que faz sofrer ou permite que quatro milagres (4,35-5,43) que procuram desenvolver a sofram pessoas inocentes? Esse livro é proposta para expergunta fundamental desse evangelho: Quem é Jesus? perimentarmos Deus a partir das tragédias humanas. O episódio de hoje (4,35-41) é o primeiro dessa série e 4 Jó incrimina Deus. Basta ler alguns versículos para serve de teste para as comunidades cristãs. Se o Reino, percebermos que ele convoca o Senhor para um pleito como a semente, possui força irresistível, como repercuonde um será declarado inocente (no caso, Jó) e culpado te na prática dos cristãos? O evangelho de hoje, pois, é o o outro (na ótica de Jó, Deus): “Assegura-me, Deus, teste dessa energia nos conflitos enfrentados pelos que duas coisas apenas, e eu não me esconderei da tua pre- seguem Jesus. É bom salientar que não se trata de um sença: afasta de mim a tua mão e não me amedrontes teste individual, mas comunitário. É toda a comunidade com o teu terror. Depois, podes me acusar, e eu te res- que se encontra em alto-mar, batida pelo furacão. ponderei. Ou, então, falarei primeiro, e tu me responde10 Marcos inicia notando que o dia está para terminar rás depois. Quantas são as minhas culpas e os meus pe(v. 35a). “Passar à outra margem” do lago de Genesaré cados? Mostra-me as minhas transgressões e os meus pesignifica ir a outros povos (os pagãos) para levar-lhes a cados. Por que escondes o teu rosto, e me tratas como força da semente. Com isso fica evidente que ser comuteu inimigo?” (13,20-24). “Oxalá eu soubesse como ennidade cristã é estar a caminho, muitas vezes penoso e contrá-lo, como chegar até o seu tribunal! Diante dele eu assustador. apresentaria a minha causa, com a boca cheia de argumentos. Eu saberia finalmente com que palavras ele me 11 Jesus participa da travessia cheia de perigos e conflireplica, e compreenderia o que ele me diz. Será que ele tos: ”levaram Jesus naquela barca” (v. 36a). Mais ainda: tem-se a impressão de que Jesus, ao dar a ordem de pas6


sar à outra margem, toma a iniciativa e precede os discípulos no embarque (cf. v. 36b: “onde ele já se encontrava”). Marcos recorda que “havia ainda outras barcas para ele” (v. 36c), sinal de que não só a comunidade dos primeiros discípulos, mas as de todos os tempos e lugares são convocadas à travessia.

discípulos, ao contrário dos espíritos impuros aos quais Jesus impõe silêncio (cf. 1,25.34), com dificuldade conseguirão eliminar o medo e ver em Jesus o Messias (cf. 8,29-33). Só os que de fato aderem plenamente é que poderão reconhecê-lo como Filho de Deus (cf. 15,39).

2ª leitura (2Cor 5,14-17): Qual a força da comunida12 A travessia é difícil e perigosa. Denota-o o furacão de cristã? que se levanta no mar da Galiléia (v. 37). O mar sintetiza 15 O trecho que a liturgia nos apresenta pertence a uma as forças geradoras do mal e hostis ao projeto de Deus. seção maior (5,11-6,2), cujo tema central é o ministério Não se pode ler o episódio da tempestade no lago de Geda reconciliação que Deus confiou a Paulo. Nos versícunesaré como simples fenômeno natural freqüente nesse los que antecedem nosso texto, Paulo corrige a posição lago. A cena toda possui caráter simbólico e catequético, de alguns carismáticos coríntios, segundo os quais ele ajudando a buscar, descobrir e superar todos os conflitos não seria apóstolo pelo fato de não ter visto Jesus de Naque emperram ou tentam sufocar o projeto de vida e lizaré (vv. 11-13). Os missionários itinerantes que passaberdade, herança deixada por Jesus aos cristãos. vam por Corinto gostavam de se exibir mediante cenas 13 Em meio aos conflitos as comunidades têm a sensa- de êxtase. Paulo já afirmara em 1Cor 14,19: “Numa asção de que Jesus esteja alheio aos dramas e tempestades sembléia, prefiro dizer cinco palavras com a minha inteque as ameaçam: ele está na parte de trás da barca e dor- ligência para instruir também os outros, a dizer dez mil me sobre um travesseiro (v. 38a). Aos discípulos cabe a palavras em línguas”. Para ele, os que põem em dúvida o tarefa de remar, enfrentando o furacão. Daí a pergunta ministério que ele recebeu de Deus não são movidos um tanto irônica dos discípulos: “Mestre, não te importas pelo amor de Deus. Julgam pelas aparências e pertencem se vamos perecer?” (v. 38b). É um pouco a sensação dos ao velho mundo, sem estar em Cristo (2Cor 5,16-17). que não acreditam fortemente na força que levam consi16 A força de Paulo e da comunidade cristã é o amor de go no barco. De fato, as ordens de Jesus ao vento e ao Cristo (v. 14a). Esse amor é definido em termos de mormar: “Silêncio! Cale-se!” e a conseqüente bonança obtite por nós. Na morte de Cristo todos nós morremos a fim da (v. 39) revelam quem é Jesus. Aplacar o mar e amande vivermos para ele (cf. Rm 5,8; 1Ts 5,10). Tal é o obsar-lhe as ondas é, segundo o Antigo Testamento, prerrojetivo da morte de Cristo: resgatar a humanidade da degativa exclusiva de Deus (cf. 1ª leitura e Salmo responsobediência e da dívida, conduzindo-a novamente à vida sorial – 107,23-31). Em Jesus age Deus. As ordens dadas em Deus (v. 15). ao vento e ao mar fazem parte das narrativas de exorcismo. Jesus tem o mesmo poder de Deus, o poder de redu- 17 As conseqüências disso são bem claras: os adversárizir ao silêncio e ao nada o que impede às comunidades os de Paulo afirmavam que ele não era apóstolo por não cristãs a realização do projeto divino. Mais que um Jesus ter estado com Jesus de Nazaré. Paulo responde que pentaumaturgo, o evangelho nos fala de alguém ao qual os sar assim é agir segundo critérios humanos. O importancristãos precisam aderir plenamente, como condição úni- te não é ter caminhado com Jesus pelas estradas da Galica para realizar com sucesso a travessia: “Por que são léia, mas estar comprometido no anúncio e vivência de sua morte e ressurreição. Estes são pontos de partida da tão medrosos? Ainda não têm fé?” (v. 40). novidade de Deus: ”Se alguém está em Cristo, é nova 14 O evangelho de hoje termina com a referência ao criatura. Passou o que era velho, e já se fez uma nova remedo dos discípulos (v. 41a) que perguntam: “Quem é alidade” (v. 17). O mundo novo já foi inaugurado no este homem, a quem até o vento e o mar obedecem?” (v. evento pascal. E estar em Cristo significa participar, 41b). O medo denota que eles não foram aprovados no como Paulo, dessa nova realidade, superando rivalidades teste pelo fato de não terem ainda descoberto quem é Jee divisões, pois a força que impele a comunidade à vida sus, tema que permeia todo o Evangelho de Marcos. Os é o amor de Cristo levado às extremas conseqüências.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO O tema do mar, enquanto símbolo das forças hostis que oprimem as pessoas, domina a 1ª leitura (Jó 38,1.8-11) e o evangelho (Mc 4,35-41). Esses mesmos textos mostram que Deus é soberano sobre essas forças, conduzindo as comunidades cristãs “para a outra margem”. O “mar” é, hoje, o latifúndio, o desemprego, a violência, a falta de moradia, os salários de miséria, a corrupção, a impunidade, os desmandos do governo e dos poderosos, a falta de justiça, as discriminações, as mentiras que sustentam a estrutura social corrupta em que vivemos. Quem é Jesus dentro desta realidade de morte? Onde e como senti-lo presente nas tempestades e na difícil travessia? Qual a força que anima nossas comunidades? (2ª leitura 2Cor 5,14-17). 1.


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