Comentário: 14° domingo do Tempo Comum - Ano B

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SER PROFETA É ENFRENTAR A REJEIÇÃO BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulus, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 14º DOMINGO COMUM – COR: VERDE

elites que constituem a “nação de rebeldes… filhos de cabeça dura e coração de pedra” de que fala o profeta. Elas se torna1. As comunidades celebram a fé naquele que se encarnou rão surdas aos apelos que Deus faz por meio de Ezequiel. no seio de Maria, se fez homem, sofreu, foi morto, sepultado e ressuscitou. Na celebração da Eucaristia recebemos aquele que 9. As pessoas ponderadas podem perguntar se vale a pena foi rejeitado por ser trabalhador, filho de Maria, uma pessoa tanto esforço para tão pouco resultado, isto é, por que o profecomo as demais do seu tempo, na aldeia de Nazaré. Em outras ta deve gastar tempo e palavras com quem não lhe dá crédito palavras, recebemos aquele que encarnou plenamente a reali- nem ouvidos? Não seria melhor deixar as coisas como estão? dade humana. Acontece que, mesmo sem ser ouvido, o profeta é um sinal de que Deus não abandona seu povo. Ninguém poderá acusá-lo 2. Estabelecer comunhão com ele é encarnar-se também e de omissão ou silêncio. Além disso, no futuro – infelizmente correr todos os riscos: indiferença e rejeição (1ª leitura e equase sempre no futuro – muitas pessoas descobrirão o valor vangelho), injúrias, perseguições e angústias por amor de do profeta que já se foi. E, desejando talvez que voltasse, proCristo (2ª leitura 2Cor 12,7-10). vavelmente estarão sendo surdas aos novos profetas que Deus 3. Se não nos escandalizamos com Jesus feito pão, por que constantemente envia… haveríamos de nos escandalizar quando pessoas ou comunidaEvangelho (Mc 6,1-6): Por que Jesus-profeta é rejeitado? des tentam encarnar a realidade do povo que sofre? 10. Segundo Marcos, esta é a última vez que Jesus vai a NaII. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS zaré. É também a última vez que entra numa sinagoga, lugar onde os judeus se reuniam aos sábados para ouvir a Palavra de 1ª leitura: (Ez 2,2-5): Por que os profetas são rejeitados? Deus e orar. 4. A atividade de Ezequiel pode ser situada entre 593-571 a.C., período de graves dificuldades e sofrimentos para o povo 11. A última visita de Jesus a uma sinagoga é marcada pela de Deus exilado na Babilônia. O profeta-sacerdote está lá, admiração. No início (cf. v. 2b), quem se admira são os ouvinjunto ao povo, mas o que ele deve dizer não são palavras agra- tes. Porém a admiração não os leva à fé em Jesus, e sim a dáveis. Ezequiel precisa manter aquela lucidez própria dos rejeitá-lo. No final desse evangelho é Jesus quem se admira profetas em tempo de crise. Por isso sua missão tem algo de com a falta de fé do povo daquele lugar (cf. v. 6a). Essa falta de fé no homem-Jesus impede a realização de milagres (cf. v. dramático, pois acontece em ambiente difícil e hostil. 5), isto é, o Reino acaba não acontecendo em Nazaré. 5. A primeira indicação importante que o texto nos fornece está no v. 2a: “Entrou em mim um espírito e me pôs de pé”. 12. Nas sinagogas daquele tempo, qualquer homem adulto Ezequiel estava caído no chão por ter visto a glória de Javé podia ler e interpretar para o povo as Escrituras. Contudo, na (capítulo 1). A visão de Deus o havia deixado prostrado. Isso maioria das vezes essa tarefa era considerada monopólio dos lembra a situação de prostração do povo exilado. Um espírito doutores da Lei e fariseus. Eles tinham estudado as Escrituras. põe Ezequiel novamente de pé: trata-se do espírito da lucidez Portanto, nada mais natural que fossem considerados os autênprofética que discerne, em meio a situações difíceis e obscu- ticos intérpretes da vontade de Deus manifesta nos textos ras, o que Deus fala através desses acontecimentos. Para ouvir sagrados. O povo era obrigado a ouvir e a pedir aos sabidões o o que Deus tem a dizer (cf. v. 2b), o profeta precisa deixar-se que era certo ou errado. Eles é que tinham a resposta para mover por aquele espírito que põe as pessoas novamente em tudo. pé, ou seja, o espírito da profecia. 13. Marcos dá a entender que o povo estava cansado com esse 6. Os vv. 3-5 falam da missão profética e sua rejeição. O costume. De fato, quando Jesus entra pela primeira vez numa profeta é enviado por Deus: “Filho do homem, eu envio você sinagoga e começa a ensinar libertando (cf. 1,21-28), o povo aos israelitas… a estes filhos de cabeça dura e coração de gosta desse novo ensinamento dado com autoridade (cf. 1,27). pedra, vou enviá-lo” (vv. 3a.4a). Além de ser mandado por 14. Em Nazaré, terra de Jesus, as coisas tomaram rumo difeDeus, o profeta terá que falar em nome de Javé: “Você lhes rente. É que Jesus não havia freqüentado nenhuma escola de dirá: ‘Assim diz o Senhor Deus’ ” (v. 4b). Porém, a previsão ensino das Escrituras, não fizera nenhuma especialização. do que irá acontecer é sombria: o profeta não será ouvido, pois Além disso, seu ensinamento é acompanhado de uma prática os israelitas formam uma “nação de rebeldes, que se rebelaram que liberta as pessoas de qualquer tipo de opressão ou margicontra Javé. Eles e seus antepassados se rebelaram contra nalização. Marcos não consegue mostrar Jesus ensinando sem Deus até o dia de hoje… pois são um bando de rebeldes” (cf. libertar. Mais ainda: seu ensinamento é uma prática que libervv. 3b.5a). ta. 7. Logo em seguida, no v. 6, Ezequiel fica sabendo que sua 15. Em Nazaré, num dia de sábado, Jesus está ensinando na missão será como estar rodeado de espinhos e sentado sobre sinagoga. Mais uma vez o evangelista não diz o que Jesus escorpiões. Isso significa que ser profeta é pôr em risco sem ensina. Nós não precisamos de explicações, pois conhecemos cessar a própria vida. Para o profeta não há previsão de elogique tipo de ensinamento é o de Jesus. os, adulações ou aplausos. 16. O povo que está na sinagoga manifesta sua perplexidade e 8. Por que Ezequiel é obrigado a dizer essas coisas aos exidescrédito em relação a Jesus. Isso está expresso nas perguntas lados? É porque o exílio que muitos amargavam não era fruto dos vv. 2-3. A primeira e a segunda levantam suspeita e cetido acaso (como não é fruto do acaso a miséria, dependência e cismo: “De onde ele recebeu tudo isto? Como conseguiu tanta opressão em que vive o nosso povo). O sofrimento de muitos sabedoria?” Por trás dessas objeções está o início da rejeição tinha responsáveis diretos, ou seja, as próprias elites, que tamde Jesus enquanto o Messias. Naquele tempo especulavam bém se encontravam na Babilônia. São provavelmente essas muito sobre a origem do Messias. E a conclusão a que chegaI. INTRODUÇÃO GERAL


ram era esta: “Nós sabemos de onde vem esse Jesus, mas, quando chegar o Messias, ninguém saberá de onde ele vem” (Jo 7,27). Jesus, portanto, não poderia ser o Messias, pois sua origem era conhecida por todos. Além disso, para os conterrâneos de Jesus é impossível “fazer teologia” sem passar pela escola dos doutores da Lei e fariseus.

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A terceira pergunta levanta suspeitas sobre quem age por meio de Jesus: “E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos?” Um pouco antes, alguns doutores da Lei afirmavam que o chefe dos demônios agia em Jesus, levando-o a expulsar demônios (cf. Mc 3,22). O povo de Nazaré deixa transparecer essa mentalidade.

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Paulo prefere abrir mão desses argumentos. Até as experiências extraordinárias de Deus podem ser usadas para fomentar a soberba e o orgulho (cf. v. 7). Ele afirma que “para eu não me encher de soberba – em razão da grandeza das revelações – foi-me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás para me esbofetear, a fim de que eu não me torne orgulhoso”.

Muito se especulou sobre a questão do “espinho na carne”. E as respostas encontradas são muitas. Parece que o v. 10 dá a resposta a essa questão. “Espinho na carne” é isto: fraquezas, injúrias, necessidades, perseguições e angústias sofridas por amor de Cristo. Em outras palavras, trata-se dos conflitos que o agente de pastoral encontra e enfrenta dentro e ao redor de si mesmo. Por dentro a pessoa se sente cheia de fraqueza e de necessidades. Hoje poderíamos afirmar, por exemplo, que medo, insegurança, despreparo, falta de recursos materiais e humanos etc. são parte das fraquezas e necessidades que batem à porta do agente de pastoral.

18. A última pergunta sintetiza todas as anteriores: “Esse homem não é o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?” É uma pergunta desmoralizante e debochada. Quando se queria desprezar alguém, bastava substituir o nome do pai pelo da mãe. Por isso, a expressão “filho de Maria” (a 24. Por outro lado há os conflitos que vêm de fora. O texto não ser que José já tivesse morrido), é altamente depreciativa. fala claramente de “injúrias, perseguições e angústias sofridas E a conclusão é muito simples: “Ficaram escandalizados por por amor de Cristo”. Paulo passou por essas situações de morcausa dele”, isto é, seus conterrâneos o rejeitaram. te provocadas pelas armas da palavra mentirosa (injúrias) e pelas armas propriamente ditas (perseguições). 19. Jesus, portanto, foi rejeitado porque se apresentou como um trabalhador que cresceu em Nazaré ao lado de parentes, 25. Se olharmos para dentro de nós e ao nosso redor, veremos amigos e conhecidos. Seus conterrâneos não descobriram nele que cada agente de pastoral possui um “espinho na carne”. É nada de extraordinário que pudesse indicá-lo como o Messias preciso saber conviver com ele. Paulo pediu, por três vezes, de Deus. Mas a extraordinariedade de Jesus-Messias está jus- que Deus o livrasse disso tudo (cf. v. 8). Trata-se de uma tamente aí, na encarnação, no fato de não ter nada que possa grande tentação à qual Deus não responde, ou seja, querer que diferir da condição humana comum. O Filho de Deus se fez Deus resolva por nós os problemas. Um tanto ingenuamente, como qualquer um de nós, e aqui está o nó da questão. Muitos Paulo gostaria que no caminho da evangelização não houvesse afirmam que não crêem porque não vêem. Os conterrâneos de nenhum obstáculo, nenhum conflito, nenhuma incerteza… Jesus não crêem justamente porque vêem Jesus trabalhador, o 26. Deus responde a Paulo: “A você, basta a minha graça, filho de Maria, um homem do povo, que não freqüentou nepois é na fraqueza que a força se mostra perfeita”. Nasce, nhuma escola superior, um homem que vem de Nazaré, lugaassim, uma espiritualidade do conflito, uma mística que desrejo insignificante (cf. Jo 1,46) etc. cobre Deus não no sucesso, mas justamente no aparente fra20. O escândalo da encarnação continua sendo um espinho casso de pessoas e projetos, pois o próprio Deus se manifestou atravessado na garganta de muito cristão de boa vontade. Por vitorioso no aparente fracasso de Jesus na cruz: “De bom grase encarnar nas realidades humanas, Jesus-Messias foi rejeita- do, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para do. Isso faz pensar no desafio que é a encarnação do evange- que a força de Cristo habite em mim. Por isso sinto alegria nas lho na realidade do povo. Ficaremos paralisados como os fraquezas… pois quando sou fraco, então é que sou forte” (vv. 9b.10b). conterrâneos de Jesus?

2ª leitura (2Cor 12,7-10): A mística que anima o agente de 27. Deus está presente nos conflitos internos e externos enfrentados pelos agentes de pastoral. Não se trata de uma prepastoral sença que dispensa as pessoas, e sim de uma presença que é 21. Paulo acabara de falar das grandes revelações que teve, graça, força, dinamismo. E por ser tal, ajudará os agentes de pois Deus o privilegiou com experiências extraordinárias. Ele pastoral a conviver com os próprios limites e a enfrentar os poderia se orgulhar dessas experiências, recorrendo a elas conflitos vindos de fora, sem que sejam engolidos por eles: como argumentos para aquelas ocasiões em que era contesta“Quando sou fraco, então é que sou forte” (12,10b). do, como os conflitos que transparecem nas cartas aos coríntios.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO 28. A primeira leitura e o evangelho abordam o tema da rejeição dos profetas. Ezequiel e Jesus foram rejeitados. Hoje, quais são os profetas não aceitos pela sociedade e pela religião? 29. Os conterrâneos de Jesus o rejeitam porque ele se encarnou. A encarnação continua sendo o espinho atravessado na garganta de muita gente, inclusive na Igreja. Por quê? Nossa comunidade tem medo de se encarnar na realidade do povo? 30. Paulo aponta para uma espiritualidade do conflito e para uma mística que nasce das limitações internas e dos conflitos externos. Como sentir-se forte na fraqueza, a ponto de ser nela que a força se mostra perfeita?


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