Comentário: 20º Domingo do Tempo Comum - Ano B

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O BANQUETE DA VIDA BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 20° DOM. COMUM - COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. A celebração da Eucaristia é o centro da vida cristã. A Eucaristia nos faz Igreja. Todavia, não é certo comer a carne e beber o sangue do Filho do Homem e depois se descomprometer com aquilo que ele realizou em palavras e ações. Comer é assimilar, ou seja, fazer que esse alimento se torne vida para si e para os outros (Evangelho: Jo 6,51-58). Em palavras sapienciais, deixar de ser ingênuo e sem juízo, deixar de ser insensato para ter vida (1ª leitura: Pr 9,1-6). Nesta celebração agradecemos sempre e por tudo a Deus Pai em nome do Senhor Jesus, cantando salmos, hinos e cânticos espirituais (2ª leitura: Ef 5,15-20), mas não esquecemos que a Eucaristia é comunhão com Deus e com muitos irmãos e que ela nos alerta sobre o nosso modo de viver. Quem participa dela não pode não se diferenciar de quem não participa. II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1ª leitura (Pr 9,1-6): O banquete da Sabedoria 2. Pr 1-9 é a primeira das 9 coleções que compõem o livro, e é chamada de "Provérbios de Salomão, filho de Davi e rei de Israel" (11). É a parte mais nova do livro, surgida por volta de 400 a.c. Salomão, evidentemente, entra nessa história como patrono dos textos sapienciais, não como seu autor. 3. "Se abstraímos a cunha dos versículos 7-12, o capítulo 9 está construído como perfeito dístico de duas personificações com contraposições marcadas. A Sensatez é diligente e ativa. A Insensatez está sentada sem se ocupar de nada. A Sensatez toma a iniciativa para convidar, envia seus criados. A Insensatez espera que os transeuntes passem para abordá-los. Uma oferece carne e vinho, um banquete; a outra, pão e água, fórmula proverbial. Uma é explícita e pública; a outra, camuflada e escondida. A Sensatez conduz à vida, a Insensatez à morte" (Bíblia do Peregrino, Paulus, 2002, p. 1433). 4. A Sabedoria ou Sensatez "é como que o artesanato do espírito, que dá sentido e acerto à vida humana. É universal pelos campos que abrange, é internacional porque transcende as nações, transcende as gerações, transmite-se por tradição. É fruto de capacidade natural, e depois de aprendizagem, experiência e reflexão" (Idem, p. 3044). 5. Os versículos que compõem a 1ª leitura deste domingo mostram a Sabedoria personificada numa importante e influente anfitriã, arquiteta que construiu a própria casa, levantando sete colunas – uma mansão perfeita (v. 1). Além de arquiteta, é excelente e generosa gourmet, pois imola vítimas (animais), mistura vinho e faz pão (vv. 2.5). É servidora, preparando a mesa (v. 2). Quando tudo está preparado, faz um con-

vite aberto (dos pontos mais altos da cidade), proclamado a viva voz pelas empregadas/mensageiras (vv. 3-4). Ela própria convida os ingênuos e os que não têm juízo. Participando do banquete da Sabedoria eles deixam de ser ingênuos, terão entendimento e, sobretudo, vida (v. 6). 6. Vários livros do Novo Testamento (Jo, 1Cor, Cl etc.) identificaram Jesus com a Sabedoria, como sua perfeita e definitiva personificação. A Liturgia segue esse mesmo critério, pondo lado a lado o convite da Sabedoria e o convite de Jesus a comer sua carne e beber o seu sangue. Evangelho (Jo 6,51-58): "Quem come deste pão viverá para sempre" 7. O Evangelho de João não tem, como os sinóticos, a instituição da Eucaristia. Na última ceia de Jesus – que de acordo com esse evangelho não celebra a Páscoa judaica – narra-se apenas o episódio do lava-pés. Esse detalhe é significativo e nos leva à constatação que as comunidades joaninas, nas primeiras décadas de sua existência, não celebravam como as outras a Ceia do Senhor. O motivo parece ser este: Quem permanece unido à videira e produz frutos (Jo 15) não precisa de um sinal externo e visível de comunhão com Jesus. 8. Com o passar do tempo, contudo, as comunidades joaninas viram-se às voltas com conflitos internos (explicitados na 1Jo), sem ter como resolvê-los adequadamente. Foi então que pediram socorro às comunidades hierarquizadas (ligadas a Pedro), que as socorreram, mas fizeram exigências, entre elas, a questão da Eucaristia. Note-se que nesse tempo (final do 1° século), o Evangelho de João ainda está em fase de redação (que durou décadas). Além disso, notava-se já certo desleixo quanto à Ceia do Senhor, a Eucaristia. É nessas condições que surge o trecho proposto para a liturgia de hoje. Sem falar da instituição da Eucaristia, mas supondo-a, o 4° Evangelho aprofunda, na metáfora do comer a carne e beber o sangue, o sentido inalienável da Eucaristia. a. Jesus é o pão vivo descido do céu (v. 51) 9. O v. 51 funciona como eixo entre o discurso do pão da vida (6,31-50) e o discurso eucarístico (6,52-58). Mistura temas já abordados anteriormente ("Eu sou o pão vivo que desceu do céu" e "Quem come deste pão viverá para sempre": cf. evangelho do 19° Domingo Comum) com o tema que será desenvolvido a seguir (a identificação do pão com a carne). A expressão "Quem come deste pão viverá para sempre" se encontra no começo e no fim do discurso eucarístico (vv. 51 e 58), formando aquilo que os especialistas chamam de inclusão. Nunca é demais recordar que pão é si-


nônimo de "dom/presente", a prova maiúscula do amor do Pai pela humanidade (cf. 3,16). b. Alimento de vida eterna (vv. 52-55) 10. A identificação do pão com a carne de Jesus arrepia as autoridades dos judeus. De fato, entendem materialmente o que foi dito, pensando tratar-se de canibalismo. Há várias passagens do Antigo Testamento referindo-se a esse tema (Jr 19,9; Is 9,9; Sl 27,2; Ez 39,17), bem como à proibição de consumir sangue (Gn 9,4; Lv 17,14). Jesus não atenua, mas reforça a exigência para se ter vida: "Se vocês não comem a carne do Filho do Homem e não bebem o seu sangue não terão a vida em vocês" (v. 53). Carne e sangue são na cultura semita polaridades que denotam totalidade, integralidade, como em nossa cultura usamos "carne e ossos" para expressar a totalidade da pessoa. Comer a carne e beber o sangue, portanto, significa alimentarse do Filho do Homem inteiro, sem divisões. 11. Sabemos que tudo o que comemos e bebemos se torna nossa carne, sangue, energias. É isso que as comunidades joaninas queriam recuperar numa época de descaso para com a Eucaristia. Comer a carne e beber o sangue de Jesus não é mero ato de piedade, mas é uma espécie de encarnação do Filho do Homem em nossa vida, de modo que nossas ações, palavras, sentimentos... se tornem suas ações, palavras, sentimentos... Ou, em outra perspectiva, ele aja, fale e sinta em nós e por meio de nós. 12. Nosso organismo assimila tudo o que comemos ou bebemos. Assimilar significa "converter em substância própria" e também "tornar-se semelhante". As duas acepções cabem aqui e confirmam o que acaba de ser exposto. É nesse sentido que Jesus afirma: "A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida" (v. 55). c. Comunhão com Jesus e o Pai (vv.56-58) 13. É conhecida no Evangelho de João a estreita comunhão entre Jesus e o Pai. Isso é salientado desde o começo (1,1), quando se diz que a Palavra estava junto de Deus e voltada para Deus, e também depois que se fez homem, ela continua voltada para o Pai (1,18). Esse Evangelho tem afirmações que não existem nos outros: "Eu e o Pai somos um" (10,30); "quem me viu, viu o Pai" (14,9) etc. Pois bem, essa comunhão estreita e forte entre Jesus e o Pai se estende aos que comem a carne e bebem o sangue do Filho do Homem. A vida que o Pai partilha com o Filho é partilhada também com quem adere ao Filho, formando uma trindade de comunhão: "Quem come a minha carne e bebe o meu

sangue vive em mim e eu vivo nele. E como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, aquele que me recebe como alimento viverá por mim" (vv. 56-57). 2ª leitura (Ef 5,15-20): "Estejam atentos para a maneira como vocês vivem" 14. Desde o 15° Domingo Comum temos como 2ª leitura os principais trechos de Efésios (pode-se conferir para uma visão de conjunto). Os versículos de hoje (15-20) pertencem a uma unidade maior, iniciada em 5,1 e comandada pela primeira frase "sejam imitadores de Deus': As exortações finais lidas neste domingo têm sabor sapiencial, ou seja, apontam para o bom senso que deveria reger a vida das pessoas (pode-se comparar com a 1ª leitura). As relações sociais seriam bem melhores se todos se deixassem guiar por essa sabedoria que produz luz para si próprio e também para os outros. 15. Começa-se chamando a atenção ao modo de viver (v. 15a). Esse alerta é importante porque para Paulo existe na vida do cristão um divisor de águas: é o momento em que o adulto se converte, deixando para trás os ídolos e o que eles representam, a sociedade injusta à qual pertencia e as relações desiguais que mantinha com as pessoas, para viver de modo novo sua relação com Deus e as pessoas, numa comunidade de iguais. Dessa forma, o cristão é massa sem fermento de corrupção e maldade, lavou-se (Batismo) para viver como nova criatura. Vivendo dias maus (v. 16), discerne o tempo que corre com equilíbrio e bom senso. Há várias palavras tiradas do âmbito sapiencial, estabelecendo oposições: não insensatez, mas sensatez; não sem juízo, mas compreender a vontade do Senhor (vv. 16-17). 16. Há um alerta contra o álcool (vinho), e em vez de estabelecer a oposição embriaguez x sobriedade, cria uma nova oposição: embriaguez x "repletos do Espírito" (v. 18). O texto parece dizer que o álcool priva a pessoa da presença do Espírito: enche-se de vinho e esvazia-se do Espírito. 17. As exortações transportam-se para o culto e, sem distinguir nitidamente o que representam os "salmos, hinos e cânticos inspirados", recomenda-se cantar "juntos" e que tudo seja feito "de todo o coração" (v. 19). A ação de graças a Deus Pai em nome de Jesus ocupa lugar especial: sempre e por todas as coisas (v. 20).

III. PISTAS PARA REFLEXÃO "Felizes os convidados para a Ceia do Senhor". A 1ª leitura (Pr 9,1-6) e o evangelho (Jo 6,51-58) falam de banquete que dá vida, de comer a carne e beber o sangue do Filho do Homem para ter vida para sempre. Esses textos são uma oportunidade extraordinária de catequese sobre a Eucaristia – o que é e o que pressupõe para quem dela participa. Para ser cristão será suficiente participar do culto/missa? Como são nossas celebrações eucarísticas? A 2ª leitura (Ef 5,15-20) tem alguns temas sintonizados com a 1ª leitura e o evangelho. Mas oferece também uma pista para a pastoral da sobriedade e para aprofundar o sentido da música litúrgica. Sendo por definição ação de graças, a Eucaristia nos abre para essa dimensão... 18.


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