Comentário: 2º Domingo de Pascoa - Ano B

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O RESSUSCITADO: VIDA DA COMUNIDADE CRISTÃ BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulus, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 2º DOMINGO DA PASCOA– COR: ROXO

são atos concretos decorrentes dessa opção. Fundamentalmente, a tarefa da comunidade é mostrar, em palavras e ações, que quem 1. Jesus ressuscitado está presente na comunidade, dando início se fechou ao projeto de Deus permanece em seus pecados (cf. à nova criação. Os cristãos sentem sua presença na ação do Espí- 9,41: “O pecado de vocês permanece”). rito que os move à implantação do projeto de Deus na história. A comunidade é chamada a ter fé madura que não exige sinais ex- 9. Jesus sopra sobre os discípulos e lhes comunica sua própria traordinários para perceber Jesus presente nela (Evangelho Jo missão. O sopro recorda Gn 2,7, o sopro vital do Deus que comu20,19-31). nica a vida. Recordando o Gênesis, João quer dizer que aqui, no dia da ressurreição, nasce a comunidade dos seguidores de Jesus, 2. Só o amor é extraordinário. Ele nasce de Deus, cuja paterni- aos quais ele confia sua própria missão. dade é universal e se encarna nas relações fraternas entre as pessoas. Nesse clima a comunidade vence “o mundo”, o anti-projeto, 10. “Os discípulos continuam a ação de Jesus, pois ele lhes conpara criar o mundo novo (2ª leitura 1Jo 5,1-6). fere a sua missão (20,21). Pelo Espírito que recebem dele, são suas testemunhas perante o mundo (15,26s). Sua atividade, como 3. O mundo novo já esteve presente na primeira comunidade a de Jesus, é a manifestação por atos e obras do amor gratuito e cristã. O retrato mais bonito dessa comunidade ficou gravado generoso do Pai (9,4). Diante deste testemunho, sucederá o mesnestas palavras: “eram um só coração e uma só alma… tinham mo que sucedeu a Jesus: haverá os que o aceitarão e darão sua tudo em comum… entre eles não havia necessitados” (1ª leitura adesão a Jesus e os que se endurecerão em sua atitude hostil ao At 4,32-35). homem, rejeitarão o amor e se voltarão contra ele, chegando inclusive a dar a morte aos discípulos em nome de Deus (15,18II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 21; 16,1-4). Não é missão da comunidade, como também não o era a de Jesus, julgar os homens (3,17; 12,47). O seu julgamento, Evangelho (Jo 20,19-31): A nova criação como o de Jesus, não faz senão constatar e confirmar o julgamen4. O texto de Jo 20,19-31 pode ser dividido em duas cenas to que o homem dá sobre si mesmo” diante do projeto de Deus (J. distintas: vv. 19-23 e vv. 24-29. Segue-se um epílogo (vv. 30-31) Mateos-J. Barreto, O Evangelho de São João, Paulus, São Paulo, que, originariamente, era a conclusão do 4º Evangelho. Na pri- p. 836s). meira cena enfatiza-se a criação da comunidade messiânica que, a mandato de Cristo ressuscitado, dá seqüência ao projeto de Deus. b. A fé amadurecida (vv. 24-19) A segunda cena reflete, por contraste com a atitude de Tomé, o amadurecimento na fé dos que, apesar de não terem visto Jesus, 11. Muito provavelmente o episódio de Tomé foi lembrado pelo aderiram a ele plenamente. O epílogo sintetiza a finalidade pela autor do 4º Evangelho para eliminar mal-entendidos na comunidade, segundo os quais as testemunhas oculares estariam num qual o 4º Evangelho foi escrito. plano superior em relação aos que não viram pessoalmente o Senhor ressuscitado. Esse era um conflito presente nas comunidaa. A criação da comunidade messiânica (vv. 19-23) des do fim do 1º século. 5. O texto inicia situando a cena no tempo. É a tarde do domingo da Páscoa. Para os judeus, já havia iniciado um novo dia. Para 12. Tomé era um dos Doze (v. 24) que estivera com Jesus antes João, contudo, é ainda o dia da ressurreição, a nova era inaugura- da Paixão. O evangelista quer salientar que o importante não é ter da pela vitória de Jesus sobre a morte. A referência à tarde do estado com Jesus antes de sua morte, e sim viver a vida que nasce domingo reflete a práxis cristã de celebrar a Eucaristia no Dia do da ressurreição, assumindo o projeto de Deus como opção pessoSenhor, à tardinha. Estamos, portanto, num contexto eucarístico. al. De fato, não obstante a boa vontade de Tomé (cf. 11,16: “VaAs portas fechadas denotam um aspecto negativo (o medo dos mos também nós, para morrermos com ele”), ele não fizera a discípulos) e um aspecto positivo (o novo estado de Jesus ressus- experiência do Cristo vivo, nem recebera o Espírito (cf. v. 24). Contrariamente a quanto faziam os convertidos, ele não aceita o citado, para o qual não há barreiras). testemunho dos discípulos. Sua fé ainda é fraca: não nasce da 6. Jesus apresenta-se no meio da comunidade (mais uma refe- experiência de amor da comunidade, mas depende de sinais exrência ao contexto eucarístico) e saúda os discípulos com a sauda- traordinários. ção da plenitude dos bens messiânicos: “A paz (shalom) esteja com vocês”. É a mesma saudação da despedida (cf. 14,27). Por 13. A referência ao oitavo dia denota mais uma vez o contexto sua morte e ressurreição ele se tornou aquele que venceu o “mun- eucarístico do texto. É o dia da nova criação, da plenitude, “oitavo do” e a morte. É a saudação do Cordeiro vencedor que ainda traz dia por sua plenitude e primeiro por sua novidade”. Para o 4º em si os sinais de vitória, as marcas nas mãos e no lado (v. 20a). Evangelho, a ressurreição de Jesus se prolonga por todos os dias da história. Dele a comunidade se alimentará. I. INTRODUÇÃO GERAL

7. A reação da comunidade é a alegria (cf. 16,20) que ninguém, 14. Digna de nota é a resposta de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”. É a maior profissão de fé do 4º Evangelho. Ele reconhece de agora em diante, poderá suprimir (cf. 16,22). em Jesus o servo glorificado (Senhor), em pé de igualdade com o 8. Assim fortalecida, a comunidade está pronta para a missão Pai (Deus). Descobre em Jesus o projeto acabado de Deus e o que o próprio Jesus recebeu: “Como o Pai me enviou, assim tam- toma como modelo para si (meu Senhor e meu Deus). É a primeibém eu envio vocês” (v. 21b). Quem garante a missão da comu- ra vez, fora o prólogo, em que Jesus é chamado de Deus. Note-se nidade será o Espírito Santo. Para João, o Pentecostes acontece que, para os judeus, a prova cabal de que Jesus devia morrer foi o aqui, na tarde do dia da ressurreição. De agora em diante, batiza- fato de se ter proclamado igual a Deus (5,18), ou de fazer-se Deus dos no Espírito Santo (cf. 1,33), os cristãos têm o encargo de (10,33). continuar o projeto de Deus. Esse projeto é sintetizado assim: “Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados; os 15. A cena se conclui com a única bem-aventurança explícita no pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados” Evangelho de João (cf. 13,17). Ela privilegia os que irão crer sem (vv. 22b-23). O que é pecado para João? Consiste essencialmente ter visto. O evangelho é desafio e abertura para o futuro: aceitá-lo em aderir à ordem injusta que levou Jesus à morte. Os pecados ou não, aí se joga a sorte do ser humano e do ser cristão.


c. Epílogo (vv. 30-31)

sobre a morte, e se concretiza na partilha dos bens. A partilha pressupõe o discernimento: detectar as necessidades, destruir os 16. A maioria dos estudiosos admite que aqui se encerrava o contrastes sociais para que a comunhão se torne realidade (v. 35). Evangelho de João. O cap. 21, que se segue, foi acrescentado mais tarde. O epílogo sintetiza a atividade de Jesus, marcada por 2ª Leitura (1Jo 5,1-6): De onde nasce a comunhão entre os sinais, cuja função é o próprio objetivo do evangelho: suscitar a fé cristãos? e adesão ao projeto de Jesus, o Cristo, levado a cabo em sua morte e ressurreição. Esse projeto é o mesmo do Pai, do qual o Filho é 21. A primeira carta de João foi “dirigida às comunidades cristãs da Ásia Menor, que passavam por séria crise, provocada por um a expressão fiel. Aderindo a ele, as pessoas têm a vida. grupo de dissidentes carismáticos. Estes propunham uma doutrina 1ª leitura (At 4,32-35): Retrato da comunidade cristã gnóstica, que afirmava que o homem se salva graças a um conhecimento religioso especial e pessoal. Eles negavam que Jesus era 17. Nos primeiros cinco capítulos de Atos encontram-se três o Messias e se gloriavam de conhecer a Deus, de amá-lo e de sumários que são como que retratos da comunidade de Jerusalém estar em íntima comunhão com ele; afirmavam ser iluminados, (2,42-47; 4,32-35; 5,12-16). O texto deste domingo – o segundo livres do pecado e da baixeza do mundo: não davam importância retrato – faz parte de uma seção maior (4,32-5,11). Essa seção ao amor ao próximo e talvez até odiassem e hostilizassem a copode ser dividida em três partes: vv. 32-35: retrato da comunida- munidade… A carta mostra que é vazio e sem valor qualquer de; vv. 36-37: exemplo positivo (Barnabé vende seu terreno e põe espiritualismo que não se traduz em comportamento prático. Não o dinheiro à disposição da comunidade); 5,1-11: exemplo negati- é possível amar a Deus sem amar ao próximo e sem formar covo (mentira de Ananias e Safira). munidade: se Deus é Pai, os homens são filhos e família de Deus, e conseqüentemente todos devem amar-se como irmãos” (Bíblia 18. Lucas escreveu os Atos dos apóstolos para despertar comunidades paradas, chamando-lhes a atenção para a ousadia da Sagrada – Edição Pastoral, Paulus, p. 1578). novidade de vida das primeiras comunidades cristãs. Tem sido comum, ao longo da história, a acomodação das comunidades aos sistemas fundados na desigualdade e exploração de um sobre o outro. Reagindo a essa acomodação – já presente nas comunidades do final do primeiro século da era cristã – Lucas pinta a primeira comunidade fundada na união e na fé, apesar de serem muitos: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum” (v. 32). A razão dessa união é a fé em Cristo ressuscitado (v. 33). É à luz da vitória de Cristo sobre a morte que a comunidade se sente livre para partilhar tudo como expressão da única fé que possuem. Para Lucas, a posse e o acúmulo são sintomas do medo e da morte, ao passo que a comunhão dos bens é sinal de vitória sobre a morte.

22. Os vv. 1-5 foram muito bem elaborados pelo autor. Uma de suas características é a concatenação de temas, um puxando o outro. Procurando salientar as palavras ou expressões que nesse texto ocorrem com maior freqüência, chegamos à seguinte seqüência de temas: fé, nascer-ser gerado, amor ao próximo-amor a Deus, nascer de Deus, fé enquanto vitória sobre o mundo. No centro dessa seqüência está o amor ao próximo como expressão do amor a Deus. Isso demonstra que o autor quer conferir-lhe cuidado especial dentro de todo o discurso. 23. Esses versículos salientam alguns temas importantes: 1. A fé em Jesus Messias é o verdadeiro nascimento para os cristãos (cf. Jo 1,12; 3,1-7). Eles nascem de Deus, a fonte comum (v. 1); 2. Deus é Pai de todos. Seu amor é o mesmo para todos os seus filhos. Nascer de Deus, portanto, é discernir o alcance da paternidade de Deus e o alcance da fraternidade dos filhos dele (v. 1b); 3. Viver nessa perspectiva é praticar os mandamentos, cuja síntese é o amor ao próximo na mesma medida do amor de Jesus para conosco (vv. 2-3; cf. Jo 13,34); 4. Ter nascido de Deus, discernindo o alcance da paternidade divina e o da fraternidade de seus filhos é vencer “o mundo” (aqui entendido em sentido negativo: o anti-projeto, o projeto de morte, oposto ao da vida, v. 4a); 5. A arma que vence “o mundo” é a fé em Jesus, Filho de Deus (vv. 4b-5).

Os primeiros cristãos tinham consciência de ser a comunidade messiânica nascida do Espírito do ressuscitado. De fato, jamais no Antigo Testamento se realizara o que previra o Deuteronômio: “É verdade que em teu meio não haverá nenhum pobre, porque Javé vai te abençoar…” (15,4). Esse ideal messiânico só se concretizou na comunidade cristã: “Entre eles ninguém passava necessidade” (At 4,34a), sendo Cristo o motor dessa forma nova de viver (cf. Lc 12,33; 18,22). As relações de gratuidade espontânea em nível do econômico e social (diferentemente do que acontecia, por exemplo, em Qumrã, onde a comunhão de bens era forçada), é sinal de que os primeiros cristãos venceram a obsessão do acú- 24. O v. 6 explica o que é a fé em Jesus. É adesão total desde o mulo para se abrirem ao modo de ser apresentado por Jesus. O encontro com ele (Batismo = água), até a entrega da própria vida sistema de partilha que Jesus encontrou nas aldeias da Galiléia é (martírio = sangue). O testemunho do cristão é sustentado pelo agora implantado na cidade grande. Espírito, aqui chamado de “a verdade”. É que, na Bíblia, a palavra verdade significa fidelidade: o Pai sempre foi fiel ao seu projeto; 20. O retrato da comunidade tem um ideal: acabar com a miséria, o Filho, a Verdade (cf. Jo 14,6), é a expressão concreta dessa suprimindo para sempre o acúmulo do latifúndio e a especulação fidelidade, e o Espírito, enquanto memória do que Jesus ensinou e imobiliária, a fim de que todos tenham o necessário para viver fez, é o fermento que leva os cristãos à prática de Jesus, a “fazer a com dignidade. Esse ideal se fundamenta na vitória de Cristo verdade”. 19.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO O ressuscitado faz a comunidade cristã ser igreja de portas abertas, responsável pela criação do mundo novo. A vivência da comunidade cristã acusa o mundo de pecado: o pecado de estar contra o projeto de vida querido por Deus (Evangelho Jo 20,19-31).

25.

26. Ver com a comunidade se estamos vivendo a comunhão do amor, ou se estamos vivendo à moda das comunidades da Ásia Menor (2ª leitura 1Jo 5,1-6).

O retrato da nossa comunidade já se assemelha ao da primeira comunidade cristã? Já conseguimos criar relações de gratuidade? Ainda há necessitados entre nós? (1ª leitura At 4,32-35).

27.


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