JESUS É A LUZ PARA A ALEGRIA DOS POBRES BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 3° DOMINGO DO ADVENTO – COR: ROXO / LILAS
I. INTRODUÇÃO GERAL
privilégios pessoais. O profeta é o ungido de Deus para agir e falar em seu nome, e tal unção divina não conseguirá ser anulada por ne1. A missão profética nos é apresentada, também neste tempo de nhuma outra autoridade humana. preparação à chegada do Salvador, como algo fundamental. Ser profeta é fazer valer os direitos dos pobres e anunciar-lhes uma boa notí- 6. Jesus aplica a si essa mesma missão profética, quando, no início cia, é denunciar as estruturas que estão distorcendo os caminhos de de sua atividade pública na sinagoga de Nazaré, em Lc 4,18-19, lê esDeus e propor uma atitude de mudança, na liberdade de quem cresce ses versículos de Isaías e os toma como programa para a sua vida: Jea cada dia e respeita a vocação profética característica de cada cristão. sus é o profeta ungido e enviado para trazer libertação aos pobres, e A proximidade do Natal não nos convida a lamentar os desafios e di- com ele todos os seus seguidores, que herdam a mesma missão proféficuldades da missão, mas a nos alegrar sempre, pois Deus, em seu tica. Filho, continua vindo sempre a nós, caminhando conosco e dando 7. Os vv. 10-11 concluem o capítulo com um agradecimento do forças na construção da liberdade e da alegria dos pobres. povo, que reconhece as ações de Deus em seu favor. O povo dos poII. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS bres está unido e se expressa em primeira pessoa, usando a imagem dos noivos que se preparam para o casamento para manifestar a pró1ª leitura (Is 61,1-2a.10-11): Ungidos por Deus para dar a boa no- pria alegria: como o turbante e as jóias dos noivos, a salvação e a justícia aos pobres tiça são as vestes que preparam o povo para o casamento com Deus. E as imagens da terra que faz brotar uma nova planta e do jardim que 2. Os quatro versículos propostos pela liturgia são o início e o final faz germinar suas sementes servem para manifestar o favor de Deus do cap. 61 de Isaías, considerado por muitos como o centro de todo o pelo seu povo, mediante a justiça. terceiro livro de Isaías. Nesse terceiro livro (Is 56-66), originário do período pós-exílico, encontramos a profecia num tempo de tensões: 8. Deus doa seu espírito aos profetas e, por meio deles, alimenta a os que tinham voltado do exílio estavam entusiasmados com as novas esperança no seu povo. Se, na mentalidade bíblica, gerar filhos e ter possibilidades de reconstruir a vida em Israel, mas esse entusiasmo descendência era o bem mais precioso, agora o que conta é gerar jusvai cedendo às desilusões e conflitos entre os que voltaram do exílio tiça, para que os filhos vivam, de fato, livres. Para tanto, também a e os que permaneceram na terra; a situação, como sempre, é de injus- esperança e a capacidade de transformar as relações de injustiça são o tiça — rejeição do domínio persa e esperança de uma libertação por grande presente de Deus. parte de Javé, de um lado, e subserviência ao domínio estrangeiro e conformismo por parte das autoridades políticas e religiosas judaicas, Evangelho (Jo 1,6-8.19-28): João é a testemunha da luz de outro. O cap. 66, apresentando a missão do profeta dirigida aos pobres e alimentando a esperança, anuncia a libertação desse povo in- 9. O início da pregação de João Batista coincide com uma grande expectativa messiânica por parte dos judeus. Esperava-se a vinda do justiçado. Messias a qualquer hora, o Messias que iria restaurar a Aliança e des3. Os vv. 1-2a apresentam a missão profética com os dois traços tituir as autoridades por sua infidelidade. Não é de estranhar, portanfundamentais: o profeta é enviado para proclamar a palavra de Deus, to, que as autoridades judaicas de Jerusalém enviem sacerdotes e leviou seja, evangelizar, anunciar a boa notícia, que não é boa notícia ge- tas para saber notícias a respeito de João Batista e sua atividade. nérica dirigida a todos, mas aos pobres. Deus envia o profeta para proclamar aos pobres que coisas boas estão acontecendo em favor de- 10. Os vv. 6-8, que pertencem ao prólogo do evangelho, apresentam les. Vêm, então, as outras características dessa missão, que não se li- João como o enviado por Deus para dar testemunho da luz. E, para mita ao anúncio com palavras, mas se expressa na prática: curar os desfazer as crenças existentes a respeito de João como Messias, dizcorações feridos e pôr em liberdade os prisioneiros. Que o anúncio se que “ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz”, Jesus, a profético só tem sentido com a prática profética vemos no paralelis- luz verdadeira que ilumina a todos e que estava chegando ao mundo. mo sinonímico do v. 1: “proclamar a libertação dos escravos” e “pôr em liberdade os prisioneiros”. Nesse sentido deve ser lida a missão de 11. As autoridades de Jerusalém, com medo de um movimento po“anunciar o ano da graça de Javé”. O verbo hebraico qara’, aliás, é pular que pusesse em risco seu poder, querem saber quem, de fato, é corretamente traduzido pela Bíblia Pastoral como “promulgar”, pois João. O evangelista, apresentando três respostas negativas de João, não se trata de simples anúncio, mas de fazer valer, com o anúncio e a afasta toda e qualquer identidade messiânica para o Batista. O v. 20, prática profética, o ano da graça, que na Bíblia se refere ao ano jubi- aliás, manifesta isso com a redundância: João “confessou e não negou lar (a cada 50 anos) e ao ano sabático (a cada sete anos), quando, en- e confessou”. João sabe muito bem das preocupações das autoridades tre outras coisas, deveriam ser perdoadas todas as dívidas e libertados de Jerusalém e nega de antemão: “Eu não sou o Messias”. Uma negação que desconcerta os enviados, que precisam encontrar uma justifitodos os escravos, para que a justiça fosse restabelecida. cativa para a missão de João. Daí a pergunta: “Quem é você? Elias?”. 4. A missão profética, em tempos de injustiça, consiste em fazer E a negação: “Não sou”. E por fim: “Você é o Profeta?”. E a última valer os direitos dos pobres, dos injustiçados, dos que são vítimas de negativa, rápida e seca: “Não”. uma estrutura social em que poucos são privilegiados e a grande maioria massacrada. Os pobres de Isaías são os judeus pobres que sofrem 12. No tempo de Jesus, acreditava-se que a vinda do Messias seria a exploração do império estrangeiro, escravos na própria terra, e que precedida pelo envio de Elias, que prepararia o povo para a chegada sofrem, ao mesmo tempo, a opressão por parte das autoridades judai- do Salvador, restaurando a Lei de Moisés (cf. Ml 3,22ss). João não é cas, que fazem o jogo do império persa. Opressão interna e externa, profeta como Elias, pois rompe completamente com a instituição juque continua ainda hoje, aumentando o número de miseráveis e ex- daica e se move fora dos círculos políticos e religiosos judaicos do cluídos, naquilo que chamamos de globalização: globalização da mi- seu tempo: ele vem preparar a chegada da Luz que libertará o povo da séria, não das riquezas, que estão sempre mais concentradas em pou- Lei, transmitindo a vida plena. cos países. 13. Acreditava-se também que um segundo Moisés apareceria nos 5. O que autoriza e sustenta a missão profética é o “espírito do Se- últimos tempos (cf. Dt 18,15-18: “Deus suscitará um profeta como eu nhor Javé”, que está sobre o profeta porque este foi ungido. Na Bí- no meio de ti”). João não é sucessor de Moisés, pois não olha para o blia, a unção era feita geralmente a reis e sumos sacerdotes, em vista passado da Lei e da tradição, mas para o futuro completamente novo de uma missão em nome de Deus. Agora, o profeta é o ungido, pois do Messias que inaugurará uma nova Aliança. tantas unções a reis e sacerdotes não se expressaram na prática como serviço ao povo de Deus, mas como autoridade e domínio em vista de
João nega, portanto, ser o Messias, Elias e o Profeta, sobretudo porque essas três figuras serão representadas por Jesus, a luz que ele veio testemunhar. De fato, ao longo do evangelho, as figuras de Elias e do Profeta se fundirão, e Jesus será apresentado como o Profeta que devia vir ao mundo, rejeitado pelos seus (cf. 4,4; 6,9.14). Como Elias/Profeta, Jesus não restaurará a Lei, mas doará o Espírito que criará uma nova humanidade. 14.
vida comunitária. Os versículos da liturgia de hoje são parte desses conselhos para que a comunidade permaneça firme e continue crescendo.
Antes de tudo, é preciso notar que Paulo não exerce poder autoritário sobre as comunidades: ele não ordena, mas aconselha; não olha o negativo e insiste sobre ele, mas considera o positivo e anima a melhorar e continuar progredindo. Uma metodologia válida sobrema15. Depois de três negações, vem a afirmação sobre a identidade de neira para nossos tempos e nossas lideranças na pastoral... João. Ele não usa a expressão “eu sou”, que, na Bíblia, tem fortes atributos divinos. No grego, temos a expressão ego phoné, ou seja: 21. A comunidade é convidada a viver em contínua alegria e oração “eu voz”. João responde: “Eu, voz que grita no deserto”, e, citando Is (vv. 16-17). A oração, que é relacionamento constante da comunidade 40,3, denuncia e critica as autoridades judaicas por terem distorcido o com Deus, e a alegria, que é consciência de estar vivendo uma nova caminho do Senhor. João chama a atenção das autoridades não para a dinâmica, que é histórica e transcende a história, são as novas relasua pessoa, mas para a sua pregação, que é séria crítica aos podero- ções do evangelho. Estar sempre alegres, portanto, não tem nada que ver com atitudes abobadas, românticas ou resignadas, tal como ser o sos. “inocente útil” da história... 16. Os fariseus querem saber com qual autoridade ou por qual motivo João, portanto, batiza. Também aqui se estabelece uma distinção, 22. Paulo e seus colaboradores convidam a comunidade a agradecer agora entre o batismo de João e o de Jesus. O batismo de João, com sempre a Deus, não somente nos momentos bons, mas “em todas as água (v. 26a), usando um elemento da natureza, atinge somente o físi- circunstâncias”, também nos momentos difíceis (v. 18). A comunidaco das pessoas. É o batismo que procura levar à consciência das tre - de que constrói novas relações enfrenta oposições e tribulações, e esvas e sujeiras presentes na ordem social injusta e suscitar o desejo de tar consciente disso, sabendo que seguir fielmente a Jesus é o que imrenovação, limpeza, mudança. Porém, João anuncia alguém que che- porta, leva a agradecer a Deus também pelas tribulações que demonsga depois dele e que já está presente (vv. 26b-27). Jesus batizará com tram a fidelidade a essa mesma missão. o Espírito, um elemento novo que só ele pode transmitir e que atingirá a intimidade das pessoas e, transmitindo-lhes a vida, as tornará ca- 23. Os vv. 19-22 deixam entrever como Paulo, o fariseu “convertido”, não admitia nas comunidades nenhum legalismo. E não é para pazes de construir novas relações, de liberdade e vida. menos: basta considerar seu árduo trabalho de libertar os seguidores 17. Por fim, João diz não ser digno de “desamarrar as correias das de Jesus da Lei judaica e de todo e qualquer legalismo, para que os sandálias” daquele que vem depois dele. Essa expressão, muitas ve- cristãos vivessem de fato a liberdade para a qual Jesus os libertara. zes interpretada como um gesto de humildade de João Batista, alude Numa cidade como Tessalônica, importante pelo comércio e local de no entanto, claramente, à lei judaica do levirato. Segundo essa lei, encontro de tantos pensadores com as filosofias e doutrinas as mais quando alguém morria sem deixar filhos, um parente próximo devia diversas, Paulo enuncia o princípio ético fundamental: “Examinem casar-se com a viúva para dar filhos ao falecido e garantir-lhe, assim, tudo e fiquem com o que é bom” (v. 21). A comunidade que não se uma descendência. Se quem tinha o direito e a obrigação de fazê-lo deixa escravizar pelo legalismo, que não está aprisionada pela rotina, não o fazia, um outro podia ocupar o seu lugar, numa cerimônia em pelas regras e pelo que está estabelecido, pode crescer, ser espontânea que se declarava a perda desse direito e que consistia em desamarrar e criativa. Quando os cristãos são adultos, têm a capacidade de exaas sandálias (cf. Dt 25,5-10; Rt 4,6-7). João está afirmando que Jesus minar tudo e ficar somente com o que é bom, ou seja, com aquilo que é quem tem o direito de tomar a humanidade como esposa e garantir- é bom para a comunidade e constrói fraternidade. Quando os cristãos lhe uma herança de filhos. João tem consciência de ser a testemunha são adultos, não precisam que tudo seja decidido pelos outros, pelos da luz, e não a luz: não pode tomar o lugar daquele que, por direito, que são chamados, sim, a animar e servir a comunidade, mas não a dar respostas prontas. será o esposo da humanidade. 20.
Daí os conselhos: “não extingam o Espírito” e “não desprezem as profecias”. Extinguir o Espírito seria banir da comunidade a liberdade que Jesus nos conquistou, liberdade que nos dá o direito de errar e crescer aprendendo, em vez de ser eternos e infantis observantes de leis e regras fixadas que muitas vezes não nos permitem ser fiéis ao evangelho — exatamente porque fidelidade exige criatividade. Desprezar as profecias, a esse respeito, é rejeitar a voz da liberdade do Espírito. É rejeitar de antemão a insegurança da novidade para ficar 2ª leitura (1Ts 5,16-24): “Examinem tudo e fiquem com o que é na segurança do estabelecido. E aqui o critério é examinar as profecibom” as, para discernir quais delas contribuem para o bem da comunidade. Se não contribuem para o bem, não são verdadeiras profecias, e por 19. A primeira carta aos Tessalonicenses é o primeiro escrito do levarem ao mal devem ser afastadas (v. 22). Novo Testamento. De Atenas ou Corinto, no ano 50 ou 51, Paulo escreve à comunidade que teve de deixar às pressas, para escapar à per - 25. Paulo e os colaboradores expressam sua comunhão com a comuseguição. Quando Timóteo e Silas, que ele enviara para saber notícias nidade suplicando por ela a Deus, na confiança de que a santidade é da comunidade, retornam com boas notícias, Paulo e seus colabora- dom do Deus fiel que chama, conserva e realiza o prometido (vv. 23dores escrevem esta carta cheia de alegria pela perseverança dos cris- 24). tãos de Tessalônica e aproveitam para dar conselhos práticos para a João, batizando com água, manifesta o rompimento com as estruturas políticas e religiosas de seu tempo, que aprisionavam o povo numa situação de trevas e morte. Jesus, o Messias que vem, batizando com o Espírito, a partir do rompimento manifestado por João e respondendo aos anseios do povo, conduzindo-o para fora das estruturas de dominação e morte, construirá com a humanidade uma nova história, inaugurando uma nova criação. 18.
24.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO Em que medida a missão profética está transformando a sociedade e as relações dentro de nossas comunidades? Que libertação somos chamados a "promulgar" hoje? 26.
João Batista é a testemunha que não se põe no lugar do Messias, não chama a atenção para si, mas aponta para "aquele que vem". Isso é iluminador, ao pensarmos no papel das lideranças hoje. Testemunhar Jesus e preparar sua chegada, endireitando seus caminhos, significa romper com as estruturas de injustiça e de morte. Como é o nosso testemunho? 27.
O que seria hoje "extinguir o Espírito" e "desprezar as profecias"? O princípio ético: "examinem tudo e fiquem com o que é bom" exige maturidade — que desafios ele nos apresenta? Nossas relações nos levam a crescer na fé e ser res ponsáveis? 28.