Comentário: 3° Domingo do Tempo Comum - Ano B

"QUEM SABE FAZ A HORA NÃO ESPERA ACONTECER" BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 3° DOM. COMUM - COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Em Jesus o tempo chegou à sua plenitude, e é isto que queremos celebrar em comunidade: a proximidade do Reino que se manifesta nas ações de Jesus e em nosso compromisso com a transformação da sociedade.

A celebração da Eucaristia é um espaço que Deus nos concede para a conversão. Não somos mais santos do que os outros pelo fato de nos reunirmos para celebrar. Fora de nossas igrejas pode haver gente que crê mais do que nós no Deus vivo e verdadeiro, e mais do que nós colabora com ele por meio do inconformismo profético.

2.

que percorre todo o livrinho está na comparação entre os habitantes de Nínive e o povo de Deus. Israel sempre teve profetas e sacerdotes que lhe mostravam o projeto de Deus.

Apesar disso, nunca se converteu. Os ninivitas, ao contrário, mudam rapidamente de atitude ao primeiro anúncio de um profeta estrangeiro, e crêem em Deus. Aqui residem as ironias da história: os ninivitas crêem como Abraão acreditou (cf. Gn 15,6), e se convertem, ao passo que o povo de Deus jamais foi capaz de gesto semelhante. Eles são mais obedientes a Javé que os israelitas. São mais solícitos, abertos, espontâneos e amigos de Deus que o povo resgatado pelo Senhor.

O apóstolo Paulo nos ajuda a discernir o momento pre- Evangelho (Mc 1,14-20): "O tempo já se cumpriu" sente. Para quem crê em Jesus, o Reino é o valor absoluto e insubstituível, mesmo que não estejamos vivendo momen- 8. Nos domingos do Tempo Comum deste ano vamos refletir sobre o evangelho de Marcos. Ele o escreveu com a tos de expectativa em torno do fim do mundo. preocupação de mostrar quem é Jesus aos que se preparaII. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS vam para receber o batismo. A cada passo essa obra revela I leitura (Jn 3,1-5.10): Nós e os prazos que Deus concede quem é Jesus. Ao mesmo tempo vamos conhecendo o que significa ser cristão. (Os que derem atenção a esse aspecto 4. O livro de Jonas é uma espécie de novela surgida depois terão, ao longo do ano, excelente oportunidade de promoque o povo de Deus retornou do exílio na Babilônia (538 ver uma catequese (ensino) contínua e libertadora.) a.C.). Nessa época o povo começou a assumir um nacionalismo radical. Com isso cresceram o desprezo e o ódio por a. As primeiras palavras de Jesus em Marcos (vv. 14-15) outras nações. O mais grave de tudo isso é que o próprio 9. Marcos situa rapidamente o contexto em que aparece o Deus acabou enquadrado nesse esquema, como se ele apoi- programa de Jesus, sintetizado pela primeira declaração do asse e sustentasse esse nacionalismo exclusivista.

Mestre nesse evangelho. Temos uma vaga indicação de 5. O livrinho de Jonas vai arrebentar esse esquema fecha- tempo ("Depois que João Batista foi preso") e de lugar do, mostrando que Deus se preocupa também com o desti- ("Jesus foi para a Galiléia", v. 14). O mensageiro de Jesus no das outras nações. Nínive, cidade para a qual Jonas é foi preso. Marcos dirá mais adiante quais os motivos da enviado, representa o que há de mais detestável e odioso prisão do Batista e as razões que o levaram à morte (cf. para um judeu, pois é capital da Assíria, nação-tipo do po- 6,17ss). Esse dado é importante. O mensageiro de Jesus der opressor. É por isso que Jonas procura fugir de Deus. mexeu com os interesses e privilégios dos poderosos. O que Ele não admite a possibilidade de Nínive, símbolo do impe- irá acontecer com Jesus? Aos poucos o evangelho mostrará rialismo, receber atenção de Javé. Se os judeus odeiam essa que Jesus, "o forte" (1,7), não se deixa amedrontar pelos poderosos, vencendo os mecanismos que geram morte para cidade, por que Deus deveria se interessar por ela? o povo. A Galiléia é o lugar social onde Jesus inicia sua 6. Os versículos que lemos na liturgia deste domingo vêm atividade. Essa região era sinônimo de marginalidade, lugar depois do episódio que tornou famoso o livrinho de Jonas, de gente sem valor e impura. É no meio dessa gente e a ou seja, após ter sido vomitado na praia pelo peixe (pura partir dela que Jesus anuncia seu programa de vida: "O ironia: nem o peixe consegue "digerir" tamanha mesquitempo já se cumpriu e o Reino de Deus está próximo. Connhez!). Desta vez, o "profeta" obedece à ordem de Deus e vertam-se e creiam no Evangelho" (v. 15). Depois que resvai a Nínive, a fim de proclamar aí a mensagem de Deus suscitou, o Mestre convida os discípulos a descobri-lo vivo (vv. 1-2). O v. 3 descreve a cidade com dimensões fantástina Galiléia (cf. 16,7), sinal de que a prática de Jesus em cas: são necessários três dias para atravessá-la! É aí que nada difere da dos que o desejam seguir.

Jonas anuncia: "Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída" (v. 4). Bastou um dia de pregação para que toda a popu- 10. O programa de Jesus (v. 15) consta de três momentos. lação acreditasse em Deus, proclamasse um jejum e vestis- Em primeiro lugar, ele anuncia que "o tempo já se cumse roupas de penitência, obtendo assim o perdão de Deus priu". A espera da libertação chegou ao fim. Deus está presente em Jesus, atuando seu projeto de liberdade e vida. (vv. 5.10).

O caminho de Deus e o caminho dos marginalizados são 7. Neste relato, os três dias necessários para atravessar a uma coisa só (cf., acima, o evangelho da festa do batismo cidade, um dia de anúncio de Jonas e os quarenta dias de do Senhor). O desejo expresso em Is 63,19 ("Quem dera prazo possuem um caráter simbólico, estabelecendo surprerasgasses o céu para descer!") se cumpriu, pois com Jesus o sas e ironias. A primeira surpresa reside nisto: foi suficiente céu se rasgou (cf. Mc 1,10) e o Deus invisível se tornou um terço da atividade de Jonas para que a cidade inteira se gente no meio dos empobrecidos. Fez-se pobre como eles. convertesse a Deus. A gente se pergunta: como foi que a cidade inteira aderiu tão depressa ao anúncio? A segunda 11. Em segundo lugar, Jesus anuncia que "o Reino de Deus surpresa é esta: a cidade tem prazo de quarenta dias para se está próximo". Deus tomou a decisão de reinar. Por que o converter a fim de não ser destruída. Mas, no primeiro dia Reino de Deus está próximo? Porque a realeza de Deus vai de anúncio, todos já se converteram a Deus. O contraste tomando corpo através dos atos libertadores que Jesus rea3.

liza ao longo do evangelho. Está sempre próximo também mediante a prática dos seus discípulos, aos quais confiou a continuação daquilo que anunciou e fez. O Reino é uma realidade dinâmica. Refazendo a prática de Jesus no tempo, as pessoas e as comunidades vão abrindo espaços para que o Reino se torne realidade.

II leitura (1Cor 7,29-31): Só o Reino é valor absoluto

Em 1Cor 7 Paulo procura responder a várias questões levantadas pela comunidade de Corinto. Uma dessas questões dizia respeito às pessoas não-casadas e viúvas. No tempo em que a carta foi escrita acreditava-se que o fim do mundo estaria próximo. O que fazer diante disso? As opi12. Em terceiro lugar, Jesus diz: "Convertam-se e creiam no niões populares eram as mais variadas. Alguns afirmavam Evangelho!" Conversão é sinônimo de adesão à prática de que a única coisa por fazer era gozar a vida antes que ela Jesus. A libertação esperada, o céu rasgado, de nada adian- terminasse. tariam se as pessoas que anseiam pela libertação continuas- 17. Alguns líderes da comunidade achavam melhor não sem amarradas aos esquemas que mantêm uma sociedade casar. Outros queriam casar. Paulo se pergunta: "O que desigual e discriminadora. O evangelho de Marcos é apenas Jesus disse a esse respeito?" E constata não ter nenhum o início da Boa Notícia da libertação trazida por Jesus (cf. preceito do Senhor para comunicar à comunidade (v. 25).

1,1). Ela se tornará realidade mediante o compromisso das Estamos, portanto, diante de um desafio novo que exige pessoas e comunidades que dizem sim ao Mestre. respostas oportunas para o momento. (O mal disso tudo é 16.

b. Como dizer sim à Boa Notícia de Jesus (vv. 16-20)

que nós, hoje, tomamos como norma universal uma orientação particular dada por Paulo dentro de circunstâncias 13. Os vv. 16-20 mostram o sim de algumas pessoas à Boa Notícia trazida por Jesus. A vocação de Simão e André, concretas e limitadas.)

Tiago e João (bem como a de Levi em 2,13-14) é apenas 18. No Antigo Testamento a procriação tinha caráter priorium sinal do que acontece com todas as pessoas que, em tário: era preciso gerar filhos para o crescimento do povo qualquer tempo e lugar, sentem necessidade de mudança na de Deus, pois este dependia de uma raça. Quanto maior o sociedade. Marcos não se preocupou em detalhar a vocação número de nascimentos, mais numeroso se tornava o povo de todos os discípulos (e nisso foi imitado pelos evangelis- de Deus. A partir de Jesus, porém, as coisas mudaram. O tas que vieram depois dele). O que acontece com alguns povo de Deus não é uma raça, mas a união de muitos povos deles serve de medida para os demais. em torno do projeto de Deus anunciado em Jesus. Diante disso, e diante da possibilidade próxima do fim do mundo, 14. Jesus escolhe pessoas simples e as chama a partir da realidade do dia-a-dia. Simão e André, Tiago e João são o que fazer? A tarefa prioritária consiste no anúncio de trabalhadores que ganham a vida pescando. (Levi está sen- Jesus, pois é assim que o povo de Deus cresce. Paulo quer tado na coletoria de impostos, cf. 2,14.) Não importa se o que a comunidade se empenhe com todas as forças para que fazem é honesto ou desonesto. O apelo é igual para dilatar o Reino antes que o mundo termine, pois assim ela todos, e a resposta é imediata: "Eles deixaram imediata- imprime novo sentido à história. mente as redes e seguiram a Jesus… Eles deixaram seu pai 19. É nesse sentido que devemos entender o trecho em Zebedeu na barca com os empregados e partiram, seguindo questão. Os três versículos escolhidos como II leitura deste domingo são marcados pela afirmação de que o tempo é a Jesus… Levi se levantou e o seguiu" (1,18.20; 2,14). curto (v. 29a), na certeza de que "a figura deste mundo 15. O apelo feito a Simão e André vale para todos os discípulos: "Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de ho- passa" (v. 31b). Diante disso, "os que têm mulher vivam mens" (v. 17). A frase de Jesus recorda Jeremias 16,16 como se não tivessem, os que choram como se não choras("Enviarei numerosos pescadores para pescá-los"). Aí se sem, os que se alegram como se não se alegrassem, os que fala do julgamento de Javé sobre a sociedade idólatra. A compram como se não possuíssem, e os que usam deste frase recorda também o chamado de Eliseu (cf. 1Rs 19,19- mundo como se dele não aproveitassem" (vv. 29b-31a).

21). Ser "pescador de homens", portanto, é ser profeta do Reino à semelhança de Jeremias e Eliseu. Não é possível seguir a Jesus sem um mínimo daquele espírito profético inconformado com a situação vivida pelo povo. Os que não se conformam e lutam para mudar as situações, provocam o julgamento de Deus na história. São essas as pessoas que Jesus procura e chama.

20. Pressionado pela crença de que o mundo está para acabar e pela opinião popular de que é preciso gozar a vida antes que ela desapareça, Paulo ajuda os coríntios a descobrir nova escala de valores. O Reino de Deus se impõe como valor absoluto, e isso vale tanto para os que casam como para quem decidiu não casar.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO Nós e os prazos que Deus concede. Nós, mesmo participando freqüentemente da Eucaristia, podemos ser como Jonas. Quando isso acontece? A I leitura serve para os outros ou para nós?

21.

"O tempo já se cumpriu". Nossas celebrações traduzem a Boa Notícia trazida por Jesus? Nossa comunidade é uma Boa Notícia para os empobrecidos e marginalizados?

O que significa dizer sim a Jesus em nossa sociedade? Somos pessoas profeticamente inconformadas?

22.

23. Só o Reino é valor absoluto. A sociedade apresenta, hoje, muitas propostas de felicidade, mas só o Reino é o valor absoluto dos que se comprometem com Jesus. Isso acontece conosco? Qual a escala de valores de nossa vida?