DEUS NÃO ABANDONA SEU POVO BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulus, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 4º DOMINGO DA QUARESMA – COR: ROXO
tada sem medida por causa da ganância (de acordo com Ex 23,10-11, o que a terra produzir no ano de descanso pertence 1. O povo se reúne para celebrar a fé no Deus rico em mise- aos pobres). ricórdia que em Cristo nos fez reviver e nos salvou pela graça (2ª leitura Ef 2,4-10). O centro da celebração é a pessoa de 6. O texto de hoje revela que a terra jamais teve seu sábado, Cristo, expressão máxima do amor do Deus que enviou seu isto é, seu ano de descanso a cada sete anos. Isso só veio aconFilho ao mundo para que o mundo seja salvo por ele. Mas tecer de modo forçado, depois que o povo foi expulso de seu Jesus, que revela o amor extraordinário de Deus, provoca em chão, tornado escravo do rei da Babilônia. nós e em nossas comunidades o julgamento. Ele desmascara as trevas da nossa sociedade, mostrando que não é possível aderir 7. O povo foi infiel ao projeto de Javé, mas nem tudo está a ele e, ao mesmo tempo, ser opressor do ser humano (Evan- perdido. Deus continua sendo fiel às suas promessas, sobretudo às que fez a Davi (cf. 2Sm 7,15-16). É daí que nasce novagelho Jo 3,14-21). mente a esperança para o povo reconstruir o templo outrora 2. Lendo nossa história, percebemos que está marcada pelo profanado (v. 14). Na reconstrução do templo o autor das sofrimento e opressão. Deus não nos abandona, mesmo quan- Crônicas vê a síntese de tudo o que precisa ser refeito a fim de do vivemos situações de morte e escravidão, pois ele é o Deus que o povo possa, novamente, ter liberdade e vida. Ele encerra fiel às suas promessas de liberdade e vida para todos (1ª leitu- seu relato apontando para a esperança e a comunhão com o ra 2Cr 36,14-16.19-23). Deus que não abandona seu povo. I. INTRODUÇÃO GERAL
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1ª leitura (2Cr 36,14-16.19-23): Deus não abandona seu povo O trecho é o final do segundo livro das Crônicas e também o final da Bíblia Hebraica. O objetivo do cronista é fazer uma síntese da história do povo de Deus. Em poucas palavras ele consegue pôr juntos os dois grandes temas que atravessam toda sua obra: o tema da infidelidade do povo ao projeto de Deus de um lado e, do outro, o tema do Deus que, apesar disso, permanece fiel à aliança, a seu projeto e, conseqüentemente, ao povo que escolheu. O final do texto deste domingo (vv. 22-23) aponta para a esperança, sinal de que nem tudo está perdido por causa das traições do povo. O Deus fiel é capaz de criar coisas novas e inesperadas – como o surgimento de Ciro, rei dos persas – para que seu povo volte a ter esperança de vida e liberdade. Os versículos que compõem a 1ª leitura deste domingo, portanto, são uma chave de leitura teológica para ler a história de Israel.
3.
Evangelho (Jo 3,14-21): Jesus é a maior revelação do amor de Deus Os versículos deste domingo fazem parte do diálogo de Jesus com Nicodemos (cap. 3). Nicodemos é figura de todos nós que pretendemos ser fiéis ao projeto de Deus, mas nem sempre sabemos como fazer ou quais são os desdobramentos da fidelidade. De fato, esse homem ilustre pertence à elite do judaísmo. É membro do Sinédrio (cf. 7,50), o supremo tribunal que condenará Jesus à morte. Dentro e fora do Sinédrio Nicodemos é considerado o mestre em Israel (cf. 3,9), mas ignora uma porção de coisas. Será necessário que defenda Jesus publicamente (cf. 7,50). Permanecendo no Sinédrio, ele se tornará cúmplice da morte de Jesus. Nicodemos custou a entender isso, e parece que chegou tarde, pois se encontra novamente com Jesus quando este já estava morto (19,39). É por isso que ele representa cada um de nós diante dos desafios e conflitos que se nos apresentam.
8.
O texto de hoje inicia com a memória da serpente que Moisés, no deserto, levantou sobre um poste. Quem fosse mordido por uma cobra venenosa, ao olhar para a serpente de bronze, ficava curado (Nm 21,8-9). Para o povo da Nova Aliança, Jesus é a fonte de vida e salvação: "Do mesmo modo que Moisés levantou a serpente no deserto, assim é preciso que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que crerem tenham nele a vida eterna" (vv. 14-15).
9.
O autor sintetiza o que se passou sob o reinado de Sedecias, último rei de Judá. Depois de relatar a má conduta desse rei, mostra que todo o povo, por causa dos desmandos dos líderes religiosos e políticos, acabou deportado para Babilônia, tornando-se escravo do rei Nabucodonosor. Trata-se da segunda deportação (586 a.C.), maior que a primeira. Por que o povo de Deus chegou a essa situação? O autor dos livros das Crônicas aponta como causa principal o abandono do projeto 10. A 1ª leitura (2Cr 36,14-16.19-23) nos mostrava que Deus de Deus (vv. 14-15) e o conseqüente desprezo pelos mensagei- não abandona seu povo. O evangelho de hoje vai além, pois ros (profetas) que constantemente denunciavam os desmandos nos mostra Deus superando e vencendo inclusive aqueles dos dirigentes do povo (v. 16). limites próprios da condição humana, como a morte.
4.
Jeremias é mencionado como um dos profetas não ouvidos e desprezados (vv. 21-22). E através de duas passagens deste (cf. Jr 25,11; 29,10), citadas pelo autor de Crônicas, ficamos sabendo em que consistia o abandono do projeto de Javé: depois que o povo foi levado para o cativeiro, "o país desfrutou o seu descanso sabático e repousou por todo o tempo de sua desolação, até se completarem setenta anos" (v. 21). O projeto de Javé foi violado, entre outras coisas, na questão da terra. O repouso da terra era uma lei prevista pelo Levítico (cf. Lv 26,34-35). Essa lei pretendia basicamente duas coisas: manter a consciência de que a terra é de Deus e evitar que ela se tornasse objeto de especulação, para que não fosse desfru-
5.
Deus ama a todos, indistintamente. Não só um povo particular. Ele ama o mundo (v. 16). No Evangelho de João, "mundo" tem pelo menos dois sentidos. Às vezes é sinônimo de sociedade injusta, um arranjo social fundado na desigualdade, na opressão e exploração. Às vezes, como no nosso caso, significa a humanidade toda, capaz de aceitar ou rejeitar o amor de Deus. Ora, o amor de Deus é oferta gratuita que atinge o ser humano em profundidade, antecipando-se à sua capacidade de amar. Ele não nos ama porque sejamos bons, mas porque ele é bom, quer salvar, quer comunicar vida em plenitude.
11.
A vida em plenitude se realizou na encarnação e morte de Jesus. O v. 16 mostra Deus desprendendo-se do Filho único, a ponto de entregá-lo em vista da salvação de quem crê. Jesus é a personificação do amor do Pai levado às últimas conseqüências: a entrega do Filho único. A salvação de Jesus não discrimina as pessoas: todos necessitam dela e todos têm acesso a ela, mediante a fé em Jesus, a fonte da vida: "Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele" (v. 17). Deus não deseja que as pessoas se percam, nem sente satisfação em condenar alguém. O prazer de Deus é salvar a todos, é desarmar a todos com a lógica do amor. Portanto, o sofrimento, a injustiça, o pecado, a opressão, tudo o que gera dor e morte é contrário ao projeto de Deus. Esse projeto visa a erradicar essas forças de morte para criar canais que comuniquem vida em plenitude. É isso que Jesus veio revelar com sua vida e palavra. É isso que deseja criar com a força de sua morte e ressurreição, presentes e atuantes na comunidade cristã. 12.
A vida de Jesus provoca as pessoas à decisão. A mentalidade judaica daquele tempo achava que o julgamento se daria no final dos tempos, quando os vivos e os mortos teriam de se apresentar diante do tribunal de Deus. Para João, o julgamento se dá aqui e agora no confronto das pessoas e da sociedade como um todo com a pessoa e a prática de Jesus. O tempo de julgamento é o momento em que vivemos. Estar a favor da vida é estar com Jesus. Não estar com ele é patrocinar a morte (o risco de Nicodemos e de todos nós). Para João, Jesus não julga, nem condena. Ele simplesmente provoca o julgamento de Deus. Quem se julga são as pessoas, confrontando-se com a prática de Jesus e tomando partido a favor ou contra. Quem se posiciona a favor não é julgado, nem condenado; quem se decide contra já está julgado e condenou a si próprio, porque não acreditou, isto é, não aderiu ao Nome do Filho único de Deus (cf. v. 18). O nome revela o que a pessoa é e faz. No Antigo Testamento (Ex 3,14), Javé se mostrou o Deus libertador que caminha com o povo rumo à libertação e à vida. No Novo Testamento ele se mostrou libertador em Jesus (cujo nome significa Javé salva). Acreditar nesse nome é ser a favor da vida em todas as suas expressões, aproximando-se da luz e fazendo a verdade (v. 21). Esse é o significado da proposta de "nascer do alto" (cf. 3,3.7) que Jesus faz a Nicodemos e a todos nós. No texto de João, o "alto" ou "elevado" é o próprio Jesus elevado na cruz. Nascer do alto significa ser como Jesus nas palavras e nas ações. Mas o próprio Jesus constata que "os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más" (v. 19). É o caso de Nicodemos: ele está envolvido com o Sinédrio, o supremo tribunal daquele tempo. E o Sinédrio 13.
odeia a luz, não se aproximando dela para não ser desmascarado (cf. v. 20). O que resta a fazer, então? A resposta que o evangelho de hoje fornece é esta: agir conforme a verdade que é Jesus. E nós sabemos quem é Jesus-verdade: aquele que foi fiel ao projeto do Pai até o fim. Agir conforme a verdade (ou aproximar-se da luz) é fazer tudo o que ele fez para que a humanidade tenha vida em plenitude, pois "não se pode ser opressor do homem e dar adesão a Jesus" (J. Mateos).
14.
2ª leitura (Ef 2,4-10): A fé: nossa resposta ao amor misericordioso de Deus O texto que compõe a 2ª leitura deste domingo mostra dois modos contrastantes de ser e de viver: 1. sem Cristo e o oposto a ele; 2. viver em Cristo Jesus. O autor de Efésios afirma que os destinatários da carta viveram, no passado, longe de Cristo. É uma referência ao mundo pagão, a um tipo de sociedade marcada pela desigualdade e injustiça. O autor da carta também fez essa experiência, definida por ele como situação de morte: "estávamos mortos pelos pecados" (v. 4b). Mas o que marca o texto de hoje é a novidade de Deus trazida por Jesus. E o autor da carta salienta que essa obra é fruto do Deus rico em misericórdia (v. 4a), amoroso, gratuito e doador da graça. A riqueza da misericórdia e amor de Deus é explicada pelo texto: "levado pelo grande amor com que nos amou, nos fez reviver juntamente com Cristo… com ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus, em Cristo Jesus… tratando-nos com bondade em Cristo Jesus" (vv. 4-7). 15.
16. A morte e ressurreição de Jesus são a passagem da vida sem Cristo para a vida com Cristo. E o texto salienta duas vezes que isso é fruto da graça de Deus e não o resultado dos méritos das pessoas (vv. 5b.8-10). Em Cristo o cristão vive já uma situação de ressuscitado, salvo e glorificado ("…nos fez sentar nos céus"). Aqui aparece um dos temas desenvolvidos por Paulo em outros escritos: nós possuímos, desde já, a salvação e a glorificação. Mas ainda não se manifestou plenamente o que seremos de fato no futuro em Deus.
A fé é o compromisso que brota espontâneo em quem se descobre salvo e glorificado: "Mediante a fé, vocês são salvos pela graça" (v. 8a). Portanto, tarefa do cristão é viver entre o já e o ainda não, entre o que Deus fez por nós em Cristo, e o que nós devemos fazer, na fé, para os outros. A fé é nossa resposta ao amor misericordioso de Deus, e esta gera novas relações entre as pessoas: relações de vida nova e de esperanças renovadas.
17.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO 18. A 1ª leitura (2Cr 36,14-16.19-23) ajuda a ler a história do povo de Deus e a nossa história. Israel passou pela experiência da escravidão causada pela ganância dos grandes. E hoje, a história é diferente? De onde brota esperança? Há esperança para os excluídos? Quais são as vozes proféticas em favor da dignidade humana e contra todas as formas de exclusão?
Evangelho (Jo 3,14-21) Jesus provoca um confronto (julgamento). Neste Tempo da Quaresma somos chamados a "agir conforme a verdade" em relação à dura realidade das prisões. O que é fruto de trevas? "Não se pode ser opressor do homem e dar adesão a Jesus". O que isso representa para nós? Não somos nós também como Nicodemos que precisa "deixar o Sinédrio" para ser discípulo de Jesus? Infelizmente, religião também arrisca criar excluídos. É o caso da nossa?
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A 2ª leitura (Ef 2,4-10) aponta para as novas relações nascidas da fé. Como concretizar os objetivos da Campanha da Fraternidade?
20.