JESUS, O MESSIAS, VEM POR MEIO DOS POBRES Pe. José Bortoline - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 4° DOMINGO DO ADVENTO – COR: ROXO / LILAS
mão, que construirá para Deus uma “casa”. Logo se vê que aqui, com esse texto, se procura justificar e preservar o poder 1. A liturgia, na proximidade do Natal, apresenta-nos o de Salomão. Ele continuará o poder do seu pai Davi e levará a Filho de Deus que virá como o verdadeiro Messias, o descen- termo sua vontade de construir um Templo para Deus. dente de Davi, ungido por Deus para restituir a justiça e encaminhar o povo à liberdade e à vida. Quando a vontade de Deus 6. Em que pesem a ideologia da dinastia davídica e a reação e a vontade humana coincidem, então a palavra de Deus, pala- crítica a ela em prol de um retorno à experiência da igualdade vra eficaz, torna-se realidade e vida para o mundo, como se das tribos, o povo de Israel sempre será animado pela esperantornou para a jovem Maria, modelo dos que sabem confiar-se ça de um rei, ungido (Messias), que restabeleça a glória dos plenamente nas mãos de Deus, para quem nada é impossível. tempos de Davi. Até que, na época de grande expectativa messiânica como era a do tempo de Jesus, nasce um Messias II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS diferente, descendente de Davi sim, mas para reunir toda a humanidade, não somente um povo, em torno de um mesmo 1ª leitura (2Sm 7,1-5.8b-12.14a.16): Deus é que constrói e projeto de liberdade e vida. Porque Deus não habita e não se liberta, não se deixando aprisionar deixa aprisionar em templos de pedra, mas se encontra na vida 2. A profecia que Natã dirige ao rei Davi constitui, na pro- de cada ser humano que habita o universo. I. INTRODUÇÃO GERAL
posta dos livros de Samuel, o ponto alto da história da monarquia davídica. Davi reunira todo o povo e conquistara a simpatia geral das tribos. Além disso, conquistara Jerusalém e a tornara centro político e religioso do reino, mediante um provável pacto com a dinastia da cidade habitada pelos jebuseus (cf. 2Sm 5,6-16). O profeta anuncia que o trono de Davi em Jerusalém será eterno, ocupado sempre por um descendente seu, um ungido (Messias) que continuará estabelecendo para Deus um reino de justiça. Tem início, então, a ideologia messiânica, que marcará a história de Israel e permitirá aos israelitas superar as vicissitudes na esperança do Messias sucessor de Davi que restabeleceria o seu reinado. O que provoca a profecia de Natã é o fato de Davi querer construir um Templo para Javé em Jerusalém (v. 2). O profeta, que sem demora havia apoiado a decisão de Davi no v. 3, vêse obrigado, porém, a transmitir ao rei a revelação que Deus lhe dirigira durante a noite.
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4. O início da profecia (vv. 5-7; somente o v. 5 entra na liturgia) demonstra claramente a reação de grupos contrários à construção de um templo para Javé. A pergunta torna-se assim irônica: “Você vai me construir uma moradia?”. Nos vv. 8b-9 Deus mostra como a iniciativa nunca partiu do rei: o próprio Javé tirou Davi do pastoreio e, caminhando com ele, o fez conquistar a terra e vencer os inimigos, tornando o nome do rei célebre como os mais famosos da terra. Trata-se, portanto, de uma crítica à tentativa de aprisionar Deus. E por dois motivos básicos: a) é sempre Deus quem toma a iniciativa na história, e sem ele o povo nada pode — o povo é que segue o Deus fiel, não é Deus que deve seguir o povo nem sempre fiel; b) ninguém, nem sequer ou sobretudo o rei, pode ter a pretensão de aprisionar Deus numa construção de pedras — Javé é o Deus que caminha com o povo e realiza com ele a dinâmica da história em vista da libertação. O que se rejeita aqui, portanto, é toda e qualquer tentativa de usar o culto a Deus como simples sustentação para uma monarquia. Hoje, diríamos, qualquer pretensão de usar a Deus para justificar interesses imperialistas... 5. Na visão de Natã, por isso, fala-se de “lugar” e de “casa”. Deus mesmo, e não Davi, estabelecerá um “lugar” para o seu povo Israel, para que esse mesmo povo (não Deus) habite no seu lugar próprio (v. 10). E construirá uma “casa” também para o rei Davi (v. 13), garantindo-lhe que seu filho o sucederá e sua dinastia será eterna (vv. 12.14a.16). O v. 13, que não entra na liturgia, diz que é o sucessor de Davi, seu filho Salo-
Evangelho (Lc 1,26-38): O Messias vem da periferia Logo após o anúncio do nascimento do precursor João Batista ao sacerdote Zacarias em Lc 1,5-25, o evangelho apresenta o anúncio do anjo Gabriel a Maria. Somos transportados da solenidade do templo a uma pequena cidade da Galiléia chamada Nazaré, tão insignificante, que nunca aparece no Antigo Testamento, e tão menosprezada ou de má fama, que encontramos em Jo 1,46: “De Nazaré pode vir algo de bom?”. Pois é na periferia, longe do centro religioso e político, que se dá o anúncio do nascimento daquele que “será grande”, o “Filho do Altíssimo”.
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Os vv. 26-27 ambientam o episódio na periferia e apresentam os personagens: o anjo Gabriel, que anuncia, e a virgem Maria, que estava prometida em casamento a José, um descendente de Davi. Toda a cena se desenvolve em três momentos: três intervenções do anjo com três reações de Maria.
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O primeiro momento (vv. 28-29) consiste na saudação do anjo e no convite à alegria: “Alegre-se”, com o motivo: Deus concedeu a Maria todas as suas graças e está com ela. A reação de Maria é interna: não compreendeu a saudação e procurava compreender o seu significado.
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10. O segundo momento (vv. 30-33) é outro convite, agora à coragem: “Não tenha medo”, com o mesmo motivo: Maria foi agraciada por Deus. Segue, então, o anúncio da gravidez e da missão de Maria. Uma missão que não terminará no parto, mas continuará na educação daquele que deverá ser chamado “Jesus”. E a apresentação do Filho que nascerá é fundamental no episódio, pois Lucas quer mostrar que esse Filho é o Messias e, portanto, descendente de Davi. No v. 27, José havia sido apresentado como descendente de Davi; agora se fala que esse menino que vai nascer receberá “o trono do seu pai Davi” (v. 32); “ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim” (v. 33). Assim se realizarão, portanto, todas as expectativas do povo em relação à vinda do Messias, o enviado de Deus para trazer libertação e vida. E, apesar dessa identificação de Jesus como descendente de Davi, ele não será um Messias chefe de exército ou monarca que triunfará pelo poder: sua libertação passará, como sabemos, por outros caminhos... O que Lucas quer mostrar, aqui, é que Jesus é o verdadeiro Messias aguardado, o descendente de Davi que restabelecerá a justiça tão desejada. A segunda reação de Maria é uma objeção, como é comum nas narrativas de missão:
ela não entende como isso seja possível, já que não vive com nenhum homem. Maria tinha sido prometida a José, mas ainda não vivia com ele: segundo a tradição, o casamento só se realizava, em geral, depois de um ano dos esponsais, quando eram feitas as promessas e os noivos ficavam comprometidos por um acordo.
graça de Deus. Se Abraão é o pai dos que têm fé, Maria é a mãe do Messias e de todos os fiéis renovados pela vida do seu Filho.
À objeção de Maria segue o terceiro momento (vv. 3538), com a explicação por parte do anjo de que a gravidez dela será obra da intervenção de Deus. Uma intervenção frisada com o paralelismo: “O Espírito Santo / virá / sobre você”, e “a força do Altíssimo / estenderá sua sombra / sobre você”. O mesmo Deus que acompanhou com sua sombra o povo, na caminhada da libertação pelo deserto, intervém e, em Maria, continua realizando sua libertação, uma nova libertação aberta pela vinda do Messias. Mesmo que Maria não o tenha exigido, segue um sinal de que o anúncio é verdadeiro: também Isabel, em sua velhice e esterilidade, havia concebido um filho por obra de Deus. E a declaração de que para Deus nada é impossível abre a resposta de Maria, na sua terceira e definitiva reação ao anúncio: “Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Maria considera-se serva, pronta a obedecer e colaborar no plano divino. Reconhece, portanto, que a palavra de Deus, sendo sempre eficaz, por meio da ação humana torna-se realidade.
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Os planos de Deus não seguem as formulações ou expectativas humanas. Deus envia seu mensageiro à periferia, a uma virgem desconhecida de uma cidadezinha desconhecida da periferia. Nada se fala a respeito das qualidades de Maria, exatamente porque nela age a gratuidade de Deus, a graça divina. Maria foi escolhida não por suas qualidades morais, mas porque Deus, em sua bondade, quer presentear uma virgem desconhecida da periferia com o dom do seu Filho, o Messias que trará a libertação e a vida a todos os povos. Como com o pai Abraão, que foi justificado porque acreditou e se pôs a caminho, não porque era justo ou seguia a Lei mosaica, que nem sequer existia. O anúncio a Maria fala da gratuidade total de Deus, e a resposta de Maria fala da disponibilidade total de uma mulher que compreende algo fundamental: o plano da salvação só se realiza quando o ser humano se confia plenamente à vontade de Deus, não porque mereçamos ou possamos algo por nossas próprias forças, mas porque Deus mesmo pode tudo e age com plena gratuidade.
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13. O anúncio do Messias não é feito aos sumos sacerdotes ou lideranças políticas de Jerusalém, mas se dá na periferia. O plano de Deus não passa pelo triunfalismo ou pelo poder, mas germina, ontem e hoje, na história dos pequenos, daqueles que como Maria, não têm nada a perder, mas tudo a ganhar pela
2ª leitura (Rm 16,25-27): O mistério é o projeto que Jesus realiza e estende a todos A leitura tirada da carta aos Romanos é constituída pelos três versículos finais da carta, uma doxologia provavelmente acrescentada como conclusão de todas as cartas de Paulo (o Fragmento Muratoriano, por exemplo, mostra que a carta aos Romanos aparecia como a última das cartas, e não a primeira, como em nossas Bíblias). Trata-se de um texto escrito no final do séc. I ou início do séc. II, por alguém que conhecia muito bem a teologia de Paulo, já que a consegue sintetizar tão bem em três versículos. (Notem-se, a respeito da datação, os elementos apocalípticos: mistério oculto desde a eternidade, sabedoria de Deus...) A glória que os cristãos são convidados a render a Deus baseia-se na própria ação divina: Deus tem o poder de conservar os cristãos firmes nas dificuldades, pois receberam a mensagem de Jesus por intermédio do anúncio (evangelho) de Paulo e podem atuar na sociedade, em comunidade, o projeto de Deus (v. 25). Somente Deus é sábio, e por meio de Jesus é que se lhe rende glória (v. 27).
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16. O anúncio (evangelho) de Paulo tem seu centro num “mistério”, como podemos ler sobretudo em Ef 3,1-13. Um “mistério” que estava envolvido em silêncio, mas agora foi manifestado pelos profetas e anunciado a todas as gentes, para conduzir todos à fé que liberta e salva (vv. 25-26). Contudo, para Paulo, esse “mistério” nada tem que ver com doutrinas ou ritos secretos próprios de religiões mistéricas ou seitas. O “mistério” é uma realidade, ou melhor, um projeto concreto: o projeto de Jesus Cristo, que o Filho de Deus vem começar e que continua, depois de sua morte e ressurreição, nas comunidades que se formam e se põem no seu seguimento, atuando o mesmo projeto de liberdade e vida. A partir de Jesus, portanto, aquele mistério/projeto que era desconhecido tornou-se visível num homem e, por meio dos escritos proféticos e de apóstolos como Paulo, que anunciam o evangelho de Jesus, vai chegando a todos os povos. O fundamental é que esse mistério, o projeto que Jesus realiza, não se circunscreve ao povo judeu ou a qualquer outro povo, mas chega a todos os povos: é um projeto universal, que nos empenha a todos numa missão universal. Não com teorias misteriosas a descobrir, mas com um projeto concreto a continuar, na fidelidade criativa, no profetismo que não deve ser abafado, em nossos tempos e nos lugares mais diversos.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO A tentação de aprisionar Deus é uma constante na história. Um olhar à história da Igreja levanos a um pedido de perdão, mas também a lutar para que a liberdade de Deus não continue sendo reduzida pela mesquinhez, pelo triunfalismo, pelo desejo de poder e privilégio e por tantas outras coisas. Qual orientação o Messias Jesus Cristo nos ensina a tomar? Que "lugar" somos chamados a preparar no mundo para o Messias que vem?
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Deus envia seu Filho ao mundo por intermédio de uma mulher desconhecida da periferia. O que a resposta de Maria tem que ver com o messianismo que Jesus exercerá? Que tipo de colaboração aquele que ocupa o trono de Davi pede de nós hoje?
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O mistério/projeto de Jesus foi manifestado pelos profetas e anunciado a todos; foi revelado e, hoje, pode ser conhecido e seguido por todos. Quais são os desafios para que esse projeto universal seja continuado fielmente nas diferentes culturas e realidades do nosso tempo?
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