JESUS E OS MARGINALIZADOS BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 6° DOM. COMUM - COR: VERDE
nação e marginalização, não só em relação aos portadores de hanseníase, mas sobretudo em relação aos aidéti1. Jesus quebrou o rígido código do puro/impuro e foi cos e doentes de modo geral. Escandalizar-se seria simmorar entre os marginalizados. Esse mesmo Jesus é o plesmente acobertar nossa hipocrisia. eixo em torno do qual os que crêem nele se reúnem para celebrar sua fé. Ele não marginaliza ninguém, nem dis- Evangelho (Mc 1,40-45): Jesus cura o marginalizado crimina. E os que se reúnem em torno dele para celebrar, 8. Pouco a pouco o Evangelho de Marcos vai moso que fazem? como agem? trando quem é Jesus. O episódio de hoje é o terceiro 2. Na celebração das comunidades devem estar pre- milagre recordado em vista desse objetivo. sentes todos os marginalizados e banidos da sociedade. 9. Já vimos, na 1ª leitura, a situação de marginalidade Só assim nossas celebrações serão verdadeira comunhão em que se encontrava o leproso. Essa situação era mais com a Palavra e com o Corpo de Jesus. grave no tempo de Jesus, pois tudo girava em torno do puro/impuro. Quem controlava esse rígido código de II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS pureza eram os sacerdotes. Cabia a eles declarar o que 1ª leitura (Lv 13,1-2.44-46): O marginalizado podia ou não podia ter acesso a Deus. Deus estaria sob o 3. O capítulo 13 do Levítico trata de doenças da pele a controle dos sacerdotes e do código de pureza. serem diagnosticadas pelos sacerdotes. Entre essas do10. O leproso certamente sabia disso. Sabia também enças de pele está a lepra. Não há, no livro do Levítico, que sua vida – e sua libertação da marginalidade – não nenhuma preocupação com a cura dessas doenças. Simdependiam do Templo e dos sacerdotes, pois estes só plesmente traçam-se normas higiênicas. A preocupação constatavam a cura ou a permanência da doença em seu fundamental diz respeito à preservação da pureza da corpo. Diante disso, o leproso toma uma decisão radical: comunidade. não vai ao sacerdote, e sim a Jesus. Ajoelha-se diante 4. Algum tempo depois, os rabinos de Israel passaram dele e pede: “Se quiseres, podes curar-me” (v. 40). Rea considerar o leproso como um vivo-morto, pois a lepra conhece que o poder da cura que o tira da marginalidade constituía a mais grave forma de impureza ritual. Por não vem da religião dos sacerdotes, e sim de Jesus. Noserem os sacerdotes os responsáveis pelo diagnóstico temos outro aspecto importante: ao invés de ficar à dissobre a pureza ou impureza de uma pessoa, deduz-se tância e gritar sua marginalização (cf. 1ª leitura), aprofacilmente que a lepra estava intimamente ligada com a xima-se e manifesta sua adesão a Jesus enquanto fonte impureza ritual. O aspecto religioso era mais importante de libertação e vida: “Se quiseres, podes curar-me”. do que o aspecto médico-sanitário. O leproso era uma Viola a lei para ser curado. espécie de excomungado, banido da sociedade. Essa 11. Jesus quer curar o leproso de sua marginalização, pessoa não tinha acesso a Deus. Quem fechava ou abria devolvendo-lhe a vida (naquele tempo, curar um leproso a porta do acesso a Deus eram os sacerdotes, mediante o era sinônimo de ressuscitar um morto). Mas a ação de diagnóstico puro/impuro. Jesus é precedida por uma reação. De acordo com a 5. O complicado e misterioso sacrifício previsto para maioria das traduções (e do Lecionário também), a reaas pessoas que eventualmente sarassem da lepra (cf. Lv ção de Jesus se traduz em compaixão (v. 41a). Algumas 14,2-32) demonstra que ela era vista como sinal do pe- traduções, porém, em vez de ler “compaixão”, lêem cado contra Deus. É a partir disso que o leproso se torna “ira” (Bíblia Sagrada – Edição Pastoral). Jesus teria símbolo da maior marginalização possível: castigado por ficado furioso. Não certamente contra o leproso, mas Deus por causa do pecado (marginalização religiosa), contra o código de pureza que, em nome de Deus, marera declarado impuro pelo sacerdote e banido da comu- ginaliza as pessoas, considerando-as como mortas. É nidade (marginalização social): “O homem atingido por contra esse sistema religioso que Jesus se revolta. E o esse mal andará com as vestes rasgadas, os cabelos sol- transgride também. tos e a barba coberta, gritando: ‘Impuro! Impuro!’… 12. De fato, acreditava-se que a lepra fosse contagiosa. Deve ficar isolado e morar fora do acampamento” (vv. Jesus quebra o código de pureza, tocando o leproso (v. 45-46). 41b; cf. Lv 5,3). Com isso, de acordo com o sistema 6. O modo como o leproso deve se portar demonstra religioso vigente, torna-se impuro: torna-se leproso e que ele se tornou perigosa fonte de contaminação: rou- fonte de contaminação. (Note-se que, de acordo com Lv pas rasgadas, cabelo solto, lenço sobre a barba (acredi- 5,5-6, além de ficar impuro Jesus deveria oferecer um tava-se que a saliva poderia transmitir a doença). Um sacrifício!). Torna-se marginalizado e não poderá mais verdadeiro espantalho vivo, devia ser reconhecido de entrar publicamente numa cidade: deverá ficar fora, em longe. Pior ainda, devia viver gritando a todos sua mar- lugares desertos (cf. v. 45a), como os marginalizados. O ginalidade e periculosidade. Filho de Deus foi morar com os marginalizados. Aqui o 7. Podemos nos escandalizar com isso tudo. Mas seria Evangelho de Marcos mostra quem é Jesus: é aquele que pura hipocrisia. Em nossa sociedade há igual discrimi- rompe os esquemas fechados de uma religião elitista e I. INTRODUÇÃO GERAL
segregadora, indo habitar entre os banidos do convívio do. Nisso a comunidade cristã se afastava da mentalidasocial. de estreita do judaísmo. 13. Curado o leproso, Jesus o expulsa. É esse o sentido da expressão “o mandou logo embora”. A expressão é forte e, ao mesmo tempo, estranha. Mas não é estranha se a lermos na ótica da ira de Jesus contra o código de pureza que marginaliza as pessoas: ele não quer que elas continuem vítimas de um sistema social e religioso que rouba a vida.
17. Todavia, se pessoas da comunidade fossem convidadas a participar de uma refeição na casa de um pagão, e este lhes dissesse: “Esta carne foi oferecida aos ídolos”, o que fazer? Paulo se preocupa com os “fracos”, ou seja, aquelas pessoas que não têm fé esclarecida. Elas poderiam estar sendo induzidas à idolatria. Nesse ponto Paulo se afasta da opinião dos “fortes”: é melhor evitar para não perder o irmão “fraco” na fé. Isso não significa 14. Jesus dá uma ordem ao curado: “Não conte isso a podar a liberdade do “forte”, e sim entender e viver a ninguém! Vá, mostre-se ao sacerdote e ofereça o sacrifíliberdade responsavelmente. cio que Moisés mandou, como prova para eles!” (v. 44). Tudo leva a crer que a tarefa da pessoa curada consiste 18. A orientação básica de Paulo é esta: “Quer vocês não em divulgar o milagre, mas em colaborar para que o comam, quer bebam, quer façam qualquer outra coisa, código de pureza seja abolido. De fato, ele deverá se tudo façam para a glória de Deus!” (v. 31). Em outras mostrar ao sacerdote para que este constate sua cura. palavras, Deus transparece, se manifesta e se torna preSinal de que a cura não depende do código de pureza, sente em todos os gestos e ações da comunidade. Portannem da religião do Templo. A expressão “como prova to, a ação de cada pessoa deveria ser ação responsável. para eles” tem este sentido: o sacrifício serve como tes- Sabemos que Deus jamais pode ser confundido com os temunho contra o sistema que o declarava um punido ídolos. Todavia, nossas ações podem manipulá-lo e por Deus e banido do convívio social. O sacrifício tem, transformar-se em fonte de idolatria. pois, caráter de denúncia e de abolição do código de 19. A ação da comunidade tem a ver com todos: os pureza. judeus – que em tudo fazem distinção entre puro e impu15. Não sabemos se a pessoa curada teve a coragem de ro – estão de olho no modo como os cristãos agem; os testemunhar contra o sistema religioso que o mantinha pagãos também. A própria comunidade (Igreja de Deus), na marginalidade. Marcos diz que o curado “foi e come- dividida entre “fortes” e “fracos”, corre o risco de perder çou a contar e a divulgar muito o fato” (v. 45a). A rea- sua identidade de fermento na grande cidade. O que ção a esse anúncio é evidente: Jesus não pode mais en- fazer? Paulo recomenda que os cristãos de Corinto “não trar numa cidade, pois, segundo o código de pureza, está sejam motivo de escândalo, nem para os judeus, nem contaminado e é fonte de contaminação. Todavia, de para os pagãos, nem para a Igreja de Deus!” (v. 32). toda parte o povo vai procurá-lo (v. 45b), sinal de que Estaria Paulo aprovando o código de pureza dos judeus? está aberto um novo acesso a Deus. Deus, em seu Filho, Não. Prova disso é o fato de considerar todos – judeus e pode ser encontrado fora, na clandestinidade, entre os pagãos – como chamados a uma vocação única, a da que o sistema religioso e social discriminou. comunhão com o Deus vivo e verdadeiro. E isso se torna possível mediante a ação da comunidade: “Façam como 2ª leitura (1Cor 10,31-11,1): Buscar a glória de Deus eu, que em tudo procuro agradar a todos, não buscando 16. Os versículos lidos como segunda leitura deste o meu próprio interesse, mas o de todos, para que sejam domingo são a conclusão de uma longa reflexão sobre as salvos!” (v. 33). O “interesse de todos” não é o capricho carnes oferecidas aos ídolos (caps. 8-10). Em Corinto, de cada um em particular. Se assim fosse, o cristão perquase toda a carne vendida nos açougues havia sido deria sua identidade. O interesse de todos é o encontro oferecida nos templos dos deuses pagãos. Os “fortes” da de toda a humanidade com Deus, em Jesus Cristo. Essa comunidade afirmavam que os ídolos não existem. Por- é a glória de Deus. É isso que Paulo busca sem descantanto, não havia problema em consumir tais carnes. Não so. E é a isso que a comunidade é chamada: “Sejam era necessário averiguar sua origem. Paulo está de acor- meus imitadores, como eu também o sou de Cristo” (11,1).
III. PISTAS PARA REFLEXÃO A 1ª leitura (Lv 13,1-2.44-46) e o evangelho falam, respectivamente, da marginalização causada pela lepra e da ação de Jesus em favor dos marginalizados. A situação de muitas pessoas, hoje, é mais dramática que a dos leprosos da Bíblia. Quem são essas pessoas? Quem as marginalizou? Por quê? O código de pureza continua presente em nossas comunidades? De acordo com o evangelho de hoje, onde encontramos Jesus?
20.
A 2ª leitura (1Cor 10,31-11,1) ajuda a refletir sobre o tema da liberdade: O que é? Como se manifesta? É possível liberdade sem solidariedade? E o que dizer da maioria do povo que não tem o que comer? Não seria anacrônico falar de carne num país em que ela não chega à mesa da maioria?
21.