JESUS, MESTRE DA JUSTIÇA, REI E MESSIAS BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulus, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: DOMINGO DE RAMOS – COR: ROXO
I. INTRODUÇÃO GERAL Sentimo-nos desconcertados numa sociedade competitiva, que privilegia a concentração da liberdade (aspecto político) e dos bens (aspecto econômico), gerando violência e alienando as pessoas. O que é capaz de satisfazer os anseios mais profundos de dignidade e vida plena? Como realizar o projeto de Deus? O que significa ser cristão hoje?
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transmitir o que ouviu, e lhe dá proteção. Em outras palavras, prepara-o para a missão. O Servo, por sua vez, para não trair o conteúdo da mensagem, dá as costas aos que o torturam (= não oferece resistência); toma a iniciativa de oferecer a face aos que lhe arrancam os fios da barba (ter a barba arrancada é sinal de grande humilhação; o Servo não liga para a perda da honradez); não esconde o rosto à ofensa maior: injúrias e escarros. O rosto manifesta os sentimentos e desejos de uma pessoa. Torná-lo duro como pedra (v. 7) é não levar em conta toda e qualquer espécie de ofensa, em vista da opção assumida.
2. A 1ª leitura (Is 50,4-7) nos apresenta a missão do Servo Sofredor plenamente moldável nas mãos de Javé e suficientemente coerente na execução de sua missão, passando por cima Paixão de Jesus Cristo segundo Marcos (14,1 até capítulo do que é capaz de mexer com os brios de qualquer pessoa: 15,47): Jesus é o Messias, o Filho de Deus ofensas, violência, perda da honradez. 8. Os relatos da Paixão são pontos altos dentro da teologia 3. Lendo a Paixão de Jesus segundo Marcos (Mc 14,1– de cada evangelista. Uma explicação exaustiva exige muito 15,47) descobrimos as raízes da sociedade injusta que mata tempo e espaço. O que fazemos, aqui, é simplesmente oferecer inocentes e indefesos. É uma opção política pela morte, geranalguns tópicos para começar a reflexão. do a morte do povo. Os excluídos e os condenados de hoje são nossos juízes. Ao mesmo tempo, ficamos sabendo em que 9. O Evangelho de Marcos inicia afirmando: "Começo da sentido Jesus é o Messias, o Filho de Deus. Boa Notícia de Jesus, o Messias, o Filho de Deus" (1,1). No relato da paixão-morte-ressurreição de Jesus retornam com 4. Celebrando o dia de Ramos, Paulo pede que examinemos força os temas da Boa Notícia, de Jesus Messias e Filho de se o nosso projeto de vida coincide com o de Jesus, servo Deus. obediente até o fim, ou se pautamos nossa vida segundo as leis da sociedade injusta (2ª leitura, Fl 2,6-11). 10. A Boa Notícia que é a prática de Jesus provocou reações em cadeia desde os inícios do Evangelho de Marcos. De fato, II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS já em 3,6, os fariseus e alguns do partido de Herodes faziam um plano para matá-lo. A morte de Jesus, portanto, não acon1ª leitura (Is 50,4-7): A missão do Servo Sofredor teceu por acaso, mas é resultado de um plano de morte dos 5. Estamos diante de um texto do Segundo Isaías. O trecho líderes religiosos e políticos. Esse plano dá certo porque Judas, é chamado de "terceiro poema do Servo de Javé". Ao lermos um dos que andam com Jesus, rompe o cerco, permitindo que qualquer um desses poemas de Isaías, surge logo a mesma "os de fora" (cf. 4,11) executem seus projetos de morte. Judas pergunta feita pelo eunuco a Filipe: "De quem o profeta está é o traidor e Pedro, um dos que tinham sido chamados a "estar falando: de si mesmo ou de outro?" (At 8,34). A resposta não com Jesus" (cf. 3,14), reage com energia quando alguém lhe é fácil. Até o momento, as opiniões dos estudiosos podem ser diz: "Você também estava com ele" (14,67). Jesus vai até o sintetizadas em quatro tipos de interpretação de quem seja o fim. Ele é a semente que, jogada na terra (cf. 4,3ss), vai proServo Sofredor: a. Interpretação coletiva: tratar-se-ia do povo duzir frutos além da expectativa. Mas sentir-se-á abandonado de Israel; b. Interpretação individual: o Servo Sofredor seria por todos, pois um discípulo prefere fugir nu (14,52) a se uma pessoa anônima; c. Interpretação mista: ele seria ora Isra- comprometer com o Mestre. Este, na cruz, sente-se abandonael como um todo, ora um grupo de pessoas, ora uma pessoa só, do pelo próprio Deus (cf. 15,34). como, por exemplo, o próprio profeta; d. Interpretação messiânica: os poemas falariam de um messias do futuro ideal. 11. O Evangelho de Marcos é apenas o início da Boa Notícia Segundo os autores do Novo Testamento, esse ideal encontrou de Jesus. Depois que ressuscitou, precede os discípulos na perfeita realização em Jesus. Qualquer que seja a interpretação Galiléia (cf. 16,7), lugar de gente marginalizada, para a qual a que seguirmos, sempre aparece o ideal do homem político que prática de Jesus se tornou de fato notícia alegre, pois trazia, junto com as palavras, a libertação dos oprimidos. É lá, na faz de sua função um serviço para a vida do povo. Galiléia do dia-a-dia, que os discípulos se encontrarão com 6. O nosso texto – parte do terceiro poema – pertence a uma Jesus, desde que façam no hoje de sua história as mesmas seção maior, que abrange os capítulos 49-55, e cujo tema coisas que o Mestre fez para libertar os oprimidos. O Evangecentral é a restauração política de Jerusalém, a cidade-esposa lho de Marcos é sempre um início, a fim de que Jesus seja Boa de Javé, símbolo da reconstrução de todo o povo. Os exilados Notícia para quem sofre. – usando linguagem da esfera matrimonial – se queixam de que Deus rejeitou Jerusalém, sua esposa, e vendeu seus filhos 12. Jesus é o Messias e Filho de Deus. Comparecendo diante como escravos. A resposta de Javé precede imediatamente o do Sinédrio, o sumo sacerdote o interroga: "És tu o Messias, o terceiro poema do Servo Sofredor (50,1-3). Embora não se Filho do Deus Bendito?" (14,61). E Jesus confessa: "Eu sou. E saiba quem seja esse servo, podemos, pelo contexto que ante- vocês verão o Filho do Homem sentado à direita do Todocede, perceber claramente qual seja sua missão: mostrar, à poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu" (14,62). É a única vez, no Evangelho de Marcos, que Jesus afirma ser o Messias, custa das ofensas recebidas, que o amor de Javé é perene. o escolhido por Deus para realizar seu projeto de liberdade e 7. Os vv. 4-7 mostram o que Javé faz para o Servo em vista vida. O que soa como blasfêmia para a sociedade que mata do bem do povo, e a responsabilidade do Servo, plenamente (14,63) é a maior profissão de fé de quem nele crê e a ele obediente e fiel: o Senhor Javé (a expressão é repetida três adere. No relato da paixão seu messianismo adquire pleno vezes, vv. 4.5.7) dá ao Servo a capacidade de falar como al- significado: ele é o Filho ungido pelo Pai. Uma mulher unge a guém que aprende dele, para que possa levar conforto ao po- cabeça de Jesus (14,3), reconhecendo-o Messias. O Sinédrio o vo; abre-lhe os ouvidos para que aprenda, como discípulo, a rejeita e condena à morte. O oficial romano, um pagão, reco-
nhece nele o Filho de Deus: "De fato, esse homem era mesmo Filho de Deus" (15,39). Jesus é Messias-Rei, mas sua realeza se distancia dos padrões de poder e autoridade daquele tempo e de hoje. Quando os soldados o vestem com um manto vermelho, põem em sua cabeça uma coroa de espinhos e o saúdam, estão na verdade ridicularizando os poderes deste mundo que assim se vestem e oprimem. Jesus é Rei porque se despoja desse tipo de poder e se afasta do círculo dos poderosos (cf. 15,21), dando a vida pelos seus. De réu diante do Sinédrio, ele se torna juiz (o Filho do Homem sentado à direita do Todopoderoso e vindo sobre as nuvens de 14,62 recorda o juiz de Daniel 7,13), e juiz que desmascara todo tipo de poder que explora e oprime o povo. Jesus crucificado é o verdadeiro Rei. É o Messias da cruz. Tendo um bandido à direita e outro à esquerda (15,27), ele se apresenta nos moldes das aparições públicas dos reis daquele tempo, que se mostravam ao povo ladeados por seus auxiliares imediatos. Mas sua realeza é diferente, pois está a serviço dos condenados que a sociedade julga fora-da-lei (cf. 15,28). Quando Jesus foi batizado, o céu se rasgou (1,10), realizando o sonho de Isaías 63,19, traduzindo assim o fim do aparente silêncio de Deus. Quando morreu na cruz, a cortina do santuário se rasgou de alto a baixo (15,38), decretando o fim da sociedade e religião patrocinadoras de morte para o povo. Esta é a Boa Notícia que a morte e ressurreição de Jesus trazem às pessoas de todos os tempos e lugares.
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2ª leitura (Fl 2,6-11): O Evangelho de Jesus Cristo Ao escrever aos filipenses, Paulo está preso em Éfeso, mas tem em mãos um trunfo que lhe garantirá a liberdade: basta que prove ser cidadão romano. A decisão de fazer valer seus direitos de cidadão romano provocou grande mal-estar em Éfeso e também em Filipos. De fato, para os primeiros cristãos, o martírio era o momento mais nobre e mais propício para a propaganda do Evangelho. Declarar-se cristão e morrer violentamente por causa disso, provocava adesões à fé. Por que, então, Paulo foge desse momento? Estaria anunciando uma coisa e vivendo outra?
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sus. É como uma escada com vários degraus: Jesus não se apegou à sua igualdade com Deus, esvaziou-se, tornou-se servo, semelhante aos homens, humilhou-se, fez-se obediente até a morte de cruz. O sujeito dessas ações é o próprio Jesus que, consciente e livremente, despoja-se de tudo. Seu lugar social é junto aos escravos, sem privilégios, marginalizados e condenados. Para ele não há outra forma de revelar o projeto de Deus a não ser esvaziando-se daquelas realidades humanas das quais com dificuldade abrimos mão: prerrogativas, posição social, honra, dignidade, fama e, o que é mais precioso, a própria vida. Jesus perdeu todas essas coisas. Desceu no poço mais profundo da miséria e solidão humanas. De fato, o primeiro movimento desse hino não fala de Deus. Tem-se a impressão de que Jesus, despojado de tudo, tenha sido inclusive abandonado por Deus. O preço da encarnação foi a cruz. E o Evangelho de Paulo é exatamente o Evangelho de um crucificado. Nós estamos muito habituados a pensar na divindade de Jesus. Por isso nos perguntamos: onde foi parar sua divindade? Ficou escondida por um momento? Ou era justamente no fato de ser plenamente humano que ele revelava o ser de Deus? Imaginar que Deus seja um ser desencarnado e abstrato é a desculpa que algumas pessoas encontram para fugir à difícil tarefa de nos encarnarmos nas realidades humanas mais sofridas, pois, ao fazermos isso, teremos de nos despojar de uma série de coisas, exatamente aquelas coisas das quais Jesus se despojou: prerrogativas, status, fama, promoção pessoal etc.
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A primeira parte do hino tem seu ponto alto na maior baixeza: Jesus se fez servo e foi morto como um bandido, na cruz. Essa foi sua opção de vida consciente. Esse hino retoma um texto muito antigo de Isaías, aplicando-o a Jesus. Trata-se do quarto canto do Servo de Javé (Is 52,13-53,8).
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O segundo movimento do hino de Filipenses é de baixo para cima. Aqui o sujeito é Deus. É ele quem exalta Jesus, ressuscitando-o e colocando-o no posto mais elevado que possa existir. O Nome que ele recebeu do Pai é o título de Senhor, termo muito importante para os primeiros cristãos. Jesus é o Senhor do universo e da história. Diante dele toda a 15. Eis, então, que ele escreve aos filipenses. Para ele é vancriação se prostra em adoração (2,10). Também esta segunda tagem morrer, mas opta pela libertação em vista da possibiliparte se inspira no quarto canto do Servo de Javé (cf. Is 52,13dade de ainda continuar evangelizando (1,23-24). A seguir, 15; 53,10-12). passa a mostrar os conflitos que ameaçam a comunidade: conflitos de fora (os falsos missionários, cf. 1,27-30) e os 20. Deus Pai é glorificado quando as pessoas reconhecem em conflitos internos (divisões da comunidade, cf. 2,1-4). Por fim, Jesus o humano que passou pela encarnação das realidades convida para que todos tenham as mesmas disposições pesso- mais sofridas e humilhantes, culminando com a morte na cruz, ais (sentimentos) que havia em Jesus Cristo. condenação imposta a criminosos. Evangelho é, portanto, o anúncio daquele que se fez servo, obediente até a morte, e 16. O hino de Filipenses 2,6-11 tem dois movimentos. O morte de cruz. Esse anúncio não acontece sem que as pessoas primeiro é de cima para baixo, e fala do esvaziamento de Jetambém se encarnem, apostando a vida, como fez Paulo. 19.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO A Paixão de Jesus se prolonga em todos os sofredores de nossa sociedade, entre os quais estão muitas pessoas idosas. Quais os sinais que apontam para a presença de Deus ao lado dos marginalizados?
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Questionar os projetos políticos construídos sem levar em conta o projeto de Deus revelado em Jesus, plenamente humano, servo, obediente até o fim. Inspirar-se no quarto canto do Servo de Javé (cf. Is 52,13-15; 53,10-12).
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Deus Pai é glorificado quando as pessoas reconhecem em Jesus o humano que passou pela encarnação das realidades mais sofridas e humilhantes, culminando com a morte na cruz, condenação imposta a criminosos. Evangelho é, portanto, o anúncio daquele que se fez servo, obediente até a morte, e morte de cruz. Esse anúncio não acontece sem que as pessoas também se encarnem, apostando a vida, como fez Paulo.
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