Comentário: A SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS - Ano B

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FAMÍLIA HUMANA, FAMÍLIA DE DEUS BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulus, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: SAGRADA FAMÍLIA - COR: BRANCO

I. INTRODUÇÃO GERAL 1. O mundo é a família de Deus, pois Jesus se encarnou em nossa realidade, experimentando o drama de todas as famílias humanas, conduzindo seu povo para a vida em plenitude. Toda celebração eucarística é catequese permanente da ação de Deus em nossa vida. Por isso, com a festa da Sagrada Família, celebramos não só o sofrimento das famílias brasileiras, mas sobretudo a certeza de que estamos sendo guiados por Deus no caminho que conduz à liberdade e vida para todos.

sistema de sociedade do consumo e do descartável, que só valoriza as pessoas enquanto capazes de produzir.

Encerramos mais um ano de caminhada. Agradecemos a Deus a alegria das esperanças realizadas. E celebramos desde já as expectativas, pois a maioria das comunidades e famílias ainda não viu brilhar no horizonte o êxodo ao qual Deus nos conduz.

Lucas nos mostra Maria e José cumprindo o que a Lei do Senhor prescrevia: "Todo primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor" (cf. Ex 13,2.12). Os pais de Jesus cumprem o que estava prescrito, demonstrando assim que ele assume a realidade do seu povo. Há, contudo, uma diferença: o primogênito de sexo masculino, consagrado ao Senhor, devia ser resgatado mediante o sacrifício de um animal: "Os primogênitos humanos você os resgatará sempre" (Ex 13,13b). Jesus não foi resgatado, conforme previa a Lei. Aqui reside um dos pontos importantes do evangelho de Lucas: Jesus permanece, para sempre, o consagrado de Deus. Não é resgatado porque será ele quem irá resgatar Israel e a humanidade toda: "Meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel" (vv. 30-32). Jesus é consagrado ao Pai e este o oferece à humanidade. Nesse sentido, é oportuno recordar as primeiras palavras que Lucas faz Jesus pronunciar em seu evangelho e que constituem uma espécie de "programa de vida": "Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?" (2,49b)

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II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Evangelho (Lc 2,22-40): Os pobres são a família de Deus O longo trecho escolhido para este dia pertence às narrativas da infância de Jesus (Lc 1-2). Lucas nos ajuda a entender, em primeiro lugar, que Jesus encarnou a realidade do seu povo, particularmente a dos empobrecidos; em seguida mostra, no cântico de Simeão e nas palavras de Ana, a missão de Jesus.

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a. Jesus encarnou a realidade dos empobrecidos (vv. 22-24) 8.

1ª leitura (Eclo 3,2-6.12-14): Experimentar Deus em família 3. O livro do Eclesiástico é uma tradução de um original hebraico, de autoria de Jesus Ben Sirac. Seu neto empreendeu a obra de tradução com o objetivo de mostrar, aos judeus que moravam fora do país, a riqueza da tradição do seu povo. É, portanto, um livro que ajuda a recuperar as raízes e identidade de um povo ameaçado de perder o sentido da vida. Vivendo em terra estranha, facilmente os judeus assimilavam a cultura e ideologia do país em que estavam, perdendo de vista a herança cultural e espiritual dos antepassados, baseada na experiência de Deus em família. De fato, o Deus de Israel foi se revelando na vida das 9. José e Maria são pobres. O sacrifício que oferecem a pessoas, e essa revelação passou de boca em boca, de pai Deus é tudo o que os pobres têm para ofertar: um par de rolas para filho, desde os tempos mais antigos. ou dois pombinhos (v. 24; cf. Lv 12,8). Na pessoa dos pais, 4. Os versículos que compõem a leitura de hoje são uma explicação de Ex 20,12: “Honre seu pai e sua mãe: de modo que você prolongará sua vida, na terra que Javé seu Deus dá a você”. O mandamento está ligado à promessa de vida longa. O Eclesiástico vai mais longe, acrescentando à vida longa (v. 6) mais duas promessas: a de ver atendidas as orações (v. 5) e o perdão dos pecados (vv. 3.14).

Jesus se apresenta à humanidade e a Deus como pobre. E nas palavras e gestos de Simeão e Ana — uma espécie de "avós" do menino — as esperanças e anseios de todos os sofredores encontraram, finalmente, resposta. b. Jesus realiza a esperança dos pobres (vv. 24-38) Simeão e Ana representam todas as pessoas que, no passado e no presente, aguardam dias de consolação (v. 25) e libertação (v. 38). Os dois estão no fim da vida. Ambos se encontram no Templo no momento em que Jesus é oferecido a Deus, e os dois sentem que esse menino representa para eles a realização de suas esperanças de liberdade e de vida. Simeão é movido pelo Espírito Santo (vv. 25-26), e esse é mais um detalhe no evangelho de Lucas. De fato, desde o início nota-se em Lucas uma ação intensa do Espírito: ele toma posse de Zacarias, João Batista, Isabel, Maria, Simeão e, finalmente, está em Jesus que proclama, na sinagoga de Nazaré, seu programa libertador (cf. 4,18s).

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Para quem vivia longe do templo, lugar onde eram feitos os sacrifícios (de animais) pelas culpas cometidas, há agora um horizonte novo: o perdão dos pecados acontece não através de um rito externo, mas de uma atitude traduzida em amor pelos pais, sobretudo quando estes se encontram em estado de carência, como a perda do uso da razão (v. 13). O texto se aproxima bastante da mensagem trazida por Jesus de Nazaré, que disse, citando Oséias 6,6: “O que eu quero é a misericórdia, e não o sacrifício” (cf. Mt 9,13), e que afirmou que o Pai rejeita as ofertas sagradas que deveriam ser empregadas na preservação da vida dos pais 11. O povo pobre e sofrido, representado por Simeão, já pode tocar e tomar nos braços a esperança de consolação e liberta(cf. Mc 7,8-13).

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Amar, obedecer e respeitar a fonte da vida que são os pais é amar, respeitar e obedecer a Deus, origem de toda vida. Os pais reproduzem, em parte, o ser de Deus que é doação. Eles não produziram para si, mas para os outros. Os filhos, por sua vez, chegados à fase adulta da vida, são convocados a não produzir para si, mas para outros, perpetuando a vida e amparando a dos pais na velhice (v. 12). Essa proposta quebra o

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ção (v. 28). Jesus é realização da esperança de todos os empobrecidos do mundo. Nas palavras de Simeão aparece claramente a missão de Jesus. Em primeiro lugar, ele é o Messias do Senhor (v. 26), o que recorda o Servo de Javé anunciado por Isaías 42,1. Ao afirmar que o menino é "luz para iluminar as nações" (v. 32), Simeão reconhece que Jesus vai cumprir a missão do Servo descrita em Is 42,6; 49,6 e 52,10. Em segundo lugar, Jesus "vai ser causa tanto de queda, como de reer-


guimento para muitos em Israel, pois ele será um alvo de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações" (vv. 34-35). Novamente a missão de Jesus sintoniza com a ação dos profetas passados (cf. Is 8,14; 28,16). A expressão "pensamentos de muitos corações" remete à missão de Jesus que conhece o que se passa no íntimo das pessoas (cf. Jo 2,24-25). Com sua prática irá desmascarar a hipocrisia (cf. Lc 16,15: "Vocês gostam de parecer justos diante dos homens, mas Deus conhece o coração de vocês. De fato, o que é importante para os homens é detestável para Deus"; cf. 1Cor 1,2728). Em outras palavras, Simeão repete o que Maria disse no seu cântico: "Ele realiza proezas com seu braço: dispersa os soberbos de coração, derruba do trono os poderosos e eleva os humildes" (Lc 1,51-52). Jesus vai provocar divisões, como os profetas do Antigo Testamento. Isso causará sofrimento, porque diante dele as pessoas terão que se decidir. É um alvo de contradição, porque contra ele se chocarão os interesses dos que mantêm uma sociedade dividida entre ricos e pobres, exploradores e explorados.

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não separa o convívio familiar da vida em comunidade. Para ele são dois momentos de uma única realidade. E por isso trata das relações dentro da família e da comunidade ao mesmo tempo. 17. O texto de hoje começa mostrando a identidade cristã: “Vocês são o povo santo de Deus, escolhido e amado” (v. 12a). A seguir, especifica o que isso significa em termos de relações sociais: “Por isso, procurem revestir-se de misericórdia” (v. 12b). As virtudes que seguem esclarecem o sentido da misericórdia: ela se traduz em bondade, humildade, mansidão, tolerância, paciência e perdão (vv. 12c13a). Paulo emprega a imagem da veste (“procurem revestir-se”) para caracterizar as novas relações e valores que ajudam a construir sociedade nova. O ponto de referência para acabar com as discriminações é a prática de Jesus, sua morte e ressurreição: “Como o Senhor lhes perdoou, façam vocês o mesmo” (v. 13b). E conclui: “Acima de tudo tenham amor, que faz a união perfeita” (v. 14). O que torna uma comunidade perfeita não é a ausência de falhas e limites em seus membros, e sim a capacidade de amar sem medidas, apesar dos limites e falhas de cada pessoa (cf. 1Pd 4,8: “O amor cobre uma multidão de pecados”). O amor gera a paz e torna as pessoas membros do mesmo corpo (v. 15a).

Maria é, no evangelho de Lucas, a primeira discípula e a figura de toda pessoa que se decide pelo projeto de Deus. Ela põe fé na Palavra, e isso a torna bem-aventurada (cf. 1,45); deixa-se guiar pelo Espírito, permitindo que esteja sobre ela (cf. 1,35). Simeão lhe garante que isso lhe trará sofrimento: "uma espada lhe atravessará a alma" (2,35), e isso pode ser 18. A seguir, Paulo mostra algumas ferramentas para que a dito de toda pessoa que, como Maria, assume em sua vida o comunidade atinja esse objetivo. A mais importante delas é projeto de Deus e a missão de Jesus. a celebração da Santa Ceia. De fato, a expressão “sejam 14. Ana é profetisa e mora no Templo, servindo a Deus dia e agradecidos, eucharistos” (v. 15b) recorda a celebração da noite com jejuns e orações (v. 38). Aos oitenta e quatro anos Ceia do Senhor do modo como era celebrada pelos primeiainda exerce seu papel profético de mulher a serviço do Se- ros cristãos: a escuta da palavra de Cristo, a partilha da nhor. Ela também é pobre como os profetas do Antigo Testa- palavra e o louvor, feito de salmos, hinos e cânticos inspimento. Lucas não registra as palavras de Ana. Mas a gente se rados (v. 16). pergunta: Não são a idade, viuvez e serviço constante (dia e noite) e, sobretudo, a esperança na libertação de Jerusalém os 19. Paulo, porém, procura alargar os espaços, fazendo a sinais vivos de sua profecia? De fato, Ana consegue despertar celebração da Santa Ceia incidir em qualquer atividade, o povo e mobilizá-lo: ela falava do menino a todos os que palavra ou ação, para que tudo seja feito em nome do Senhor Jesus, de modo que a vida inteira se transforme em esperavam a libertação de Jerusalém (v. 38). 13.

Lucas encerra as narrativas da infância de Jesus mostrando-o presente no meio do seu povo, em Nazaré, na Galiléia, lugar de gente pobre e sofredora. É aí que ele cresce e se torna forte, cheio de sabedoria e da graça de Deus (v. 40). Não havia outro lugar melhor para ele crescer senão no meio do seu povo ao qual, como adulto, anunciará seu programa de vida e liberdade para os empobrecidos, presos e cegos (cf. 4,18-19), proclamando que, com sua prática, está acontecendo o "hoje" das esperanças sonhadas. 15.

2ª leitura (Cl 3,12-21): Se somos bons, nossas comunidades e famílias serão ótimas 16. Os versículos propostos como segunda leitura deste domingo são parte das conclusões que Paulo tira do fato de, pelo batismo, nos tornarmos pessoas novas. Em outras palavras, o que hoje se lê é a tentativa de traduzir na prática o que significa ressuscitar com Cristo (cf. Cl 3,1). Paulo

ação de graças a Deus Pai (v. 17). 20. Em seguida, vêm as instruções para as famílias, com recomendações para as esposas, a fim de que sejam dóceis a seus maridos (v. 18); aos maridos, para que amem suas esposas e não sejam grosseiros com elas (v. 20); aos filhos, para que obedeçam aos pais (v. 20); e aos pais, para que usem uma pedagogia capaz de encorajar, e não desanimem os filhos (v. 22). Numa sociedade que privilegiava o pai de família como único responsável pelo bom andamento das coisas, Paulo apresenta, para todos, deveres recíprocos fundados no amor, o laço da perfeição. De fato, essas instruções não privilegiam uns em prejuízo dos outros. O ponto de confronto, para todos, é o modo como o Senhor Jesus agiu em relação ao Pai e às pessoas (cf. vv. 18.20).

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Experimentar Deus em família. O livro do Eclesiástico sugere que façamos com os pais, fonte de nossa vida, o que eles fizeram um dia conosco: "tomá-los no colo". O que isso significa para nós, freqüentemente habituados a agir como a sociedade do consumo e do descartável, que valoriza as pessoas somente enquanto capazes de produzir? 21.

Os pobres são a família de Deus. Jesus se encarnou na realidade dos pobres. Simeão e Ana representam as esperanças de todos os que sonham com consolação e libertação. Quais são as esperanças do nosso povo?

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23. Se somos bons, nossas comunidades e famílias serão ótimas. O texto da carta aos Colossenses ajuda a iluminar as relações na comunidade e família. Quais são os fatores de união e quais os de desunião?


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