Limitação que exclui, mas que também constrói

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Limitação que exclui, mas que também constrói Quando o pensar no próximo se torna tão importante quanto o cuidar de si mesmo Do dicionário Aurélio, isquemia cerebral é a “suspensão da circulação local do sangue”, uma condição que causa dano irreversível, podendo, em alguns casos, levar a morte cerebral. Dona Núbia Machado, ao longo dos seus 58 anos, conviveu com esse “acidente”, por assim dizer. Com problemas para se locomover, para falar e até para seguir uma linha de raciocínio, foi aprendendo a viver dentro de suas limitações. Afazeres comuns como ir ao mercado, cozinhar, varrer a casa e passear se tornaram tarefas mais complicadas na vida de dona Núbia. Mas engana-se quem pensa que este incidente moldou a história desta senhora. Há 30 anos moradora da Santa Marta, encontrou na vila motivos para ser feliz. “Eu nasci diferente, passei por muitos preconceitos. Mas foi aqui que me encontrei”, relata ela, ainda tímida. O que para muitos seria motivo de desânimo e desculpas, para ela foi o caminho da superação. Encontrou forças para seus afazeres diários. Buscou maneiras de se adaptar às diferenças que a acompanhariam por onde for e se descobriu mais forte do que todos disseram que ela seria. A mãe de Núbia contava para ela, quando criança, que foram os “mistérios da vida” que a salvaram, já que o diagnóstico inicial era de tetraplegia. Em um dos muitos sonhos que nos acompanham durante a caminhada, a mãe de Núbia sonhou que um anjo conversava com ela e disse que salvaria sua filha. Para muitos, sonhos são apenas vibrações do inconsciente. Para outros, são interpretações e sinais de outros planos. Deus foi muito comigo. Os planos Dele não foram só em sonho, eram reais. Eu tive a chance”, relata. Há quem pense que essa chance não tenha sido tão boa, já que, Núbia ainda tinha seus problemas. Mas, para ela, isso nunca foi empecilho. Fez por ela. E ainda mais pelos outros.


Quando menina, fazia trabalhos para a pastoral do bairro onde, à época, morava. Em uma de suas missões, conheceu a pequena Sabrina, de apenas nove anos. Espera-se que os pais deem educação, alimento e amor aos filhos. Mas o pai de Sabrina não seguiu como o esperado, criando a filha para furtar. Casos como esses não são raros em bairros humildes, em famílias de baixíssima renda. Algumas crianças são usadas como “aviõesinhos”, outras como informantes, e assim por diante. As funções são muitas. Algumas se perdem pelo caminho, são entregues ao conselho tutelar, outras têm a vida interrompida. Mas Sabrina teve a sorte de cruzar com alguém especial, que a ensinou a ser diferente. A menina criada para roubar teve que aprender a ser “gente de bem”, como disse dona Núbia Machado. “Somos criados para ser uma coisa, mas apenas nós podemos escolher o nosso caminho, o nosso futuro. Nossos passos dizem para onde vamos”. Sabrina acabou tendo o que chamam de cleptomania, que nada mais é do que o impulso de cometer pequenos roubos. Isso pode soar estranho para a maioria. Mas uma criança que é colocada nesta situação, talvez não consiga enxergar este ato como errado, já que para ela isso é normal e faz parte do seu dia a dia. Para salvar Sabrina, Núbia decidiu acolher a jovem em sua casa. A levou para morar consigo. Deu o que se espera de uma família: carinho, educação e alimento. Para o corpo e para a alma. A colocou em uma escola. A fez ter amigos. A ensinou a viver. “Uma vez a diretora da escola me chamou porque a Sabrina tinha roubado uma caneta do colega. Quando chegamos em casa conversei com ela, mas ela não via isso como errado. Expliquei que ela deveria deixar esses atos de lado. O psicólogo da escola explicou que pequenos furtos poderiam acontecer, já que os impulsos de um cleptomaníaco são involuntários. Contudo, se trabalhássemos isso, ela poderia melhorar. Não queria que ela fosse denunciada e eu tivesse que entregá-la ao Conselho Tutelar”, conta dona Núbia. Dos 30 anos como moradora da vila Santa Marta, 28 foram dedicados à comunidade. Foi catequista, de diversas pastorais, ajudou na creche comunitária. Esteve sempre presente, de uma maneira ou outra, na construção e consolidação do bairro. Mesmo tendo seus problemas, nunca se negou a ajudar o próximo. Ela bem que poderia apenas cuidar de si, da sua saúde, do seu cantinho. “As pessoas veem ao mundo com suas missões. Talvez a minha tenha sido a de ajudar os outros. A não deixar o egoísmo tomar conta. A de pensar mais no outro”. Preferiu ser incansável. Alguém que mesmo debilitada faz mais do que alguém visto como normal.


Normal, palavra com a qual, hoje, Núbia se identifica. Antes de se mudar para o local onde vive, não se sentia parte de lugar nenhum. Sentia-se sozinha, isolada. Conviveu com a depressão. Quando chegou na Santa Marta, encontrou seu lugar. É ali que ela se identifica. Foi ali que achou seu companheiro de vida. Uma vizinhança que a acolheu, que a ajudou. Uma vila para chamar de sua. “Eu amo esse lugar e não trocaria por nenhum outro”. Se ela pudesse pedir algo para o seu amado bairro, seriam apenas duas pequenas coisas, que são direitos de todo cidadão, mas que pouquíssimos têm: segurança e pavimentação. “Ajudaria a minha vida e a de todos que aqui moram. Um pouquinho que fizerem por nós, um pouquinho que olharem para nós de bom grado, sem ver apenas os males da vila, já nos ajudaria a ser um lugar ainda melhor.”


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