Acupuntura e Depressão

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Introdução

A idéia para a realização desta monografia para a conclusão do curso de especialização em Psicopatologia NAIPPE-USP coroa os motivos e razões que me levaram a participar do nosso curso. De fato, o que me incentivou a estudá-lo era conhecer, de maneira mais profunda, como uma Medicina tão Tradicional e antiga quanto a Chinesa – que existe há cerca de cinco mil anos – trata de patologias contemporâneas, sobretudo as psicológicas, de estudo e retratos bem mais recentes. Não haveria patologias similares na época antiga? Os métodos de diagnóstico e tratamento antigos podem ser utilizados nessas patologias? Eu sabia que patologias mais leves, caso da insônia ocasional, e mesmo as mais graves, também podem ser tratadas, com bons resultados, pela Medicina Chinesa, sobretudo pela Acupuntura. Mas e a depressão e os distúrbios de personalidade? E também com a esquizofrenia, o tratamento com agulhas, moxas e dietética podem surtir bons resultados? Isso de um lado. De outro, minha experiência clínica em alguns casos bem resolvidos e em outros com resultados que ainda não atingiram a meta desejada, sobretudo em casos de depressão mais profunda e dois de esquizofrenia, me motivou ainda mais a estudar o assunto. Munido dessas dúvidas fundamentais e ainda no decorrer do nosso curso deparei-me com o livro ´Psique e Medicina Tradicional Chinesa`, da Doutora Helena Campiglia, médica e acupunturista, pós-graduada em Psicologia Analítica. No entanto, profissionais tradicionalistas em Medicina Chinesa, como é minha pretensão, podem apresentar algumas críticas e sugerir alguns acréscimos à obra citada. Para entender o âmago dessas abordagens críticas, entretanto, é preciso conhecer alguns preâmbulos, já que o assunto é complexo e envolve uma série de fatos e abordagens que deverão ser tratados ao longo deste trabalho. Antes de tudo, porém, é preciso deixar claro aos leitores que existem, de fato, duas práticas de Acupuntura atualmente. Uma, que livremente denomino de ´tradicional`, da qual pretendo ser humilde servidor, e outra que chamo, igualmente de maneira livre, de ´moderna`.


7 Grosso modo – e diga-se, apenas a título introdutório – a acupuntura tradicional é aquela que não trata simplesmente das patologias. Trata de pessoas. Em outras palavras, cada pessoa é um paciente diferente e que, portanto, será tratado como indivíduo, independente de seus sintomas e patologia. É a ciência do particular, como tão bem aprendi com Spinoza no curso de Psicopatologia. Por outro lado, a Acupuntura que chamo de ´moderna`, também chamada sintomatológica, é mais preocupada em tratar e retirar sintomas e não em tratar o indivíduo. Em meu modo de entender, a Acupuntura sintomatológica – hoje amplamente praticada, inclusive nos hospitais públicos – é a mais fácil e popular, embora funcional e com bons resultados. Essa prática de Acupuntura surgiu após a revolução comunista na China, com o até louvável interesse de Mao Tsé Tung em popularizar a prática das agulhas a toda população chinesa. O lado sombrio dessa história, no entanto, situa-se no abandono das antigas tradições que encaravam o indivíduo como ser único e que, portanto, merece tratamento igualmente único. Como estudante de Acupuntura aprendi – e hoje como profissional o atesto na prática – o fato de que duas pessoas com a mesma patologia, uma gripe que seja, muito provavelmente serão tratadas com receitas de pontos diferentes. Por outro lado, duas pessoas com patologias totalmente diferentes – uma com gripe e outra com enxaqueca, ou sinusite, por exemplo, podem ser tratadas com a mesma receita de pontos. Em outras palavras, o tratamento é absolutamente individual e pessoal característico da Acupuntura Tradicional, enquanto algumas pessoas tendem a criar ´protocolos` ou receitas de pontos para praticar uma Acupuntura menor para, independente daquilo que é o mais importante em toda a nossa história terapêutica: o paciente. Dito isso, comecei a estudar o livro em questão e pude perceber que, embora em muitos casos a autora recorra às receitas, ela também levou, felizmente, em conta muito da tradição chinesa para explicar as analogias e as comparações necessárias entre a MTC e a Psicopatologia. Ou seja, muito do que eu pretendia estudar já havia sido feito em grande parte pela autora do livro em questão. Pude ver que, logo na introdução de seu livro, Helena Campiglia conta que teve a idéia de escrever seu livro depois da apresentação de sua monografia “Reich e a Medicina Tradicional Chinesa”. Foi quando a autora começou a estabelecer paralelos entre Reich e a MTC, uma vez que ambos – e os chineses há cinco mil anos, como já foi dito – não separam o corpo da mente.


8 Além disso, Campiglia se propôs a estudar e chegou a estabelecer importantes paralelos entre os tipos caractereológios e a compará-los com os estudos semânticos e básicos da MTC que conta, além da importância desses elementos básicos e constitutivos e de concepção do homem, com seus reflexos na psique, com linguagem e símbolos que lhe são bem próprios e característicos. Ela explica com destaque a filosofia do Yin e do Yang – as duas energias opostas, mas complementares e tão difíceis de serem entendidas com a nossa mente ocidental – que constroem o universo e as pessoas, bem como a interpretação dos elementos – Água, Terra, Metal, Fogo e Madeira – que apresentam, segundo a autora, uma ´dimensão ampla e simbólica`.

“Essa dimensão foi se tornando cada vez mais clara na prática clínica com meus pacientes e em minha posterior incursão no universo da Psicologia Analítica. Por intermédio de meus estudos de Jung, ficou claro, para mim, que o símbolo reunia em si, de uma só vez, a psique e o corpo”, escreve Campiglia.

Trata-se de relato, sem dúvida importante, uma vez que o conhecimento chamado ´tradicional` da cultura e da medicina chinesa é muito difícil de ser interpretado com fidelidade pelos ocidentais, ainda que médicos, caso da autora, e por outros profissionais da área da saúde que tiveram formação mais cartesiana e aristotélica em suas faculdades. Isto se dá principalmente porque a Acupuntura é um ramo da MTC que, por sua vez, faz parte de um arcabouço filosófico maior, e até religioso, que se baseia no Taoísmo, complexa estrutura de pensamento e de grande magnitude. Além disso, em seu próprio âmago, o conhecimento tradicional chinês traz em seus signos e linguagem próprios muito conteúdo a que nossas mentes ocidentais não estão acostumadas, nem com as informações pertinentes a tal sistema, nem com a metodologia de raciocínio, que acabam por penar para entender em sua profundidade e magnitude. É disso que pretendemos tratar, pontualmente, no decorrer desta monografia. Antes de qualquer crítica, é preciso deixar claro que acredito firmemente na formação filosófica e humanística da maioria dos médicos que formam uma categoria especial de pessoas. Felizmente exercitam sua atividade como tal e não se preocupam


9 apenas com uma atividade tecnicista e especializada em ministrar medicamentos. Entretanto, e infelizmente, existem algumas entidades de categorias médicas com interesses não muito claros que, muitas vezes, mais desinformam a população do que prestam bom serviço ao divulgar, por exemplo, conceitos como Acupuntura Médica. Ora, não existe Acupuntura Médica e a Acupuntura não Médica. Existe a Acupuntura. É bom ressaltar que se hoje a Acupuntura é reconhecida como uma especialidade médica (especialidade e não exclusividade, diga-se) – este conhecimento não foi gerado nas academias ocidentais. Convém lembrar que até 1995 o médico que a praticava era chamado de charlatão por essas mesmas entidades que hoje a defendem como especialidade. Nesse ponto, pode-se perguntar como a ciência ocidental pode dar tamanho salto – de charlatanismo à especialidade – em tão pouco tempo. E, muito embora a autora seja médica clínica geral e acupunturista, ela teve o mérito de reconhecer que existem grandes dificuldades de o conhecimento ocidental tentar unir o corpo físico e a mente, embora reconheça e cite os avanços da denominada medicina psicossomática, ponto de partida, na verdade, de toda a Medicina Tradicional Chinesa MTC. Em seus estudos de Reich e Jung, associados às técnicas corporais, a autora foi estabelecendo ligações entre um e outro e relacionou-os com a MTC. A Psicologia – estudo amplo e profundo – pode ser lida com os olhos orientais da MTC, para quem há uma total indivisibilidade corpo-mente. O que ela propõe, no entanto, ainda na introdução de sua obra, é uma releitura da MTC sob a ótica da Psicologia, fato, aliás, que orienta esta monografia. Para que possamos entender o traçado de cada paralelo realizado pela autora e comentados nesta monografia, no entanto, mister se faz explicar alguns conceitos básicos da Medicina Chinesa aos psicólogos e aos analistas que, mesmo ainda hoje muito divulgados e conhecidos no mundo ocidental, estão longe de ser totalmente compreendidos em sua essência pelos profissionais da área da saúde. Muito embora avançados os atuais estudos sobre holografia, física quântica, dos universos paralelos etc., onde se estabelece que uma parte – pequena que seja – sempre possui em si o Todo em potencial, em um quantum suficiente para auxiliar possível processo de reconstituição após um processo de fragmentação, a autora coloca que há uma


10 necessidade da uma visão poética do universo – fato que até me possibilita a liberdade de chamar a Acupuntura como Arte Terapêutica – com absoluta praticidade no tratamento dos males, inclusive de origem psíquica, mas unindo a visão da natureza, do cosmos e do homem, em um único organismo que é, a um só tempo, fisiológico e anímico – portanto psíquico – e também espiritual. Note-se que, diferente do que entendem e explicam as ciências ocidentais, os orientais colocam o homem como organização tríplice em sua formação: corpo, alma e espírito. Há uma separação, além da intenção didática e semântica de que a alma não é a mesma coisa que espírito. A Acupuntura estabelece diferenças entre o anímico e espiritual. Na alma, dizem os chineses antigos, é que se encontram a sede de duas funções importantes: emoção e pensamento. Geralmente contraditórias e com forças distintas – uma busca o prazer, enquanto a outra o raciocínio. Também podemos traçar um paralelo analítico com Pathos, enquanto emoção, sensações e sentimentos e Logos, enquanto raciocínio lógico e pensamentos. A patologia, então, pode ser um termo concebido a partir do desequilíbrio entre Pathos e Logos, a emoção e o pensamento, responsáveis pela vida anímica nesses dois campos de consciência do indivíduo. Segundo os chineses, a mente e a emoção estão em constante mutação, enquanto o campo espiritual permanece estável, já que faz parte de uma natureza ainda desconhecida da ciência e da própria consciência individual, resultado de uma busca incessante realizada pela própria alma. Na Mitologia Grega, o espírito é representado por Eros e a alma por Psique, assunto tratado por diversas religiões e mitologias que até motivou poetas iniciados nos mistérios, caso de Fernando Pessoa, na poesia de mesmo nome: Eros e Psique.

“Conta a lenda que dormia Uma Princesa encantada A quem só despertaria Um Infante, que viria De além do muro da estrada ....


11 Longe o Infante, esforçado, Sem saber que intuito tem, Rompe o caminho fadado. Ele dela é ignorado. Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre O Destino – Ela dormindo encantada, Ele buscando-a sem tino Pelo processo divino Que faz existir a estrada ... E, inda tonto do que houvera, À cabeça, em maresia, Ergue a mão, e encontra hera, E vê que ele mesmo era A Princesa que dormia.”

Fernando Pessoa demonstra nesta poesia a busca da Princesa pelo Herói e explica no final que “ele mesmo era a Princesa que dormia”, demonstrando claramente a busca da alma, psique, pelo seu amado, o espírito Eros. Trata-se de uma linguagem simbólica fundamental ao entendimento da Medicina Tradicional Chinesa que, como dito acima, tem o seu fundamento no Taoísmo, uma visão filosófica, além de poética, do Universo e do homem, como parte integrante do primeiro. Dessa forma, como se vê, surgem diversos caminhos para que se possa estabelecer paralelos entre a MTC e a Psicologia. Nesse sentido, a autora baseou-se no Livro das


12 Mutações (I Ching), um dos clássicos livros chineses escrito mediante a interpretação de hexagramas (seis linhas, inteiras ou interrompidas) – que se seguem à expansão dos chamados bigramas – modelo binário – conforme a lógica dos computadores, por exemplo, em energias Yin e Yang.

“Estas duas energias se transformam naquelas seis linhas de modo a formar códigos e padrões energéticos que estão em constante mutação”, conforme nos explica Campiglia.

Segundo os conceitos preconizados pelo I Ching, a obtenção e a manutenção da saúde devem levar em consideração, sobretudo, o equilíbrio e o respeito às constantes mutações e ao movimento energético, tanto do universo quanto de seu impacto no próprio homem. É por isso que eu costumo dizer que não basta aprender alguns pontos de Acupuntura e sua indicação para determinadas patologias para exercê-la em sua plenitude, ou decorar algumas fórmulas e aplicá-las como, aliás, diz literalmente a autora e reconhece esse mesmo fato:

“Quem a deseja praticar precisa da ‘presença’ e atenção para perceber os sutis movimentos e mudanças que ocorrem a todo o instante nos pacientes e no ambiente”

É por isso que a proposta desta monografia não tem um fim em si. Ao contrário, ela objetiva abrir e ampliar o assunto e a discussão futura dos objetivos da autora do livro em revisão e que parte do estabelecimento de paralelos entre a MTC e a Psicologia, assuntos que deverão ainda ser muito estudados e esmiuçados em um longo caminho, em futuro muito próximo.


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Capítulo I Ying, Yang e os Símbolos

Como a linguagem chinesa é absolutamente simbólica – basta lembrar que a escrita baseia-se em ideogramas, ou seja, em idéias que possuem interpretações igualmente pessoais – a autora começa a explicar, de uma maneira bem abrangente, o que significam os símbolos para nós, ocidentais. O símbolo, diz ela, abrange mais que o seu objeto palpável e visível, além de ter sentidos ocultos em uma só expressão. Trata-se, portanto, de uma gama de significados que podem implicar em uma série de associações que não podem ser definidas. Definição, aliás, em última análise, significa colocar um fim. E o símbolo caminha em sentido contrário, ou seja, amplia os significados. Neste momento toca-se em ponto nevrálgico do desenvolvimento da ciência ocidental cartesiana, já que se trata de um rompimento dos limites simplesmente ‘lógicos`. Uma pintura ou um desenho com a idéia de ´céu`, por exemplo, pode ter muitos sentidos como de ar, voar, nuvem, paraíso, oposição à terra, ao inferno, dar idéia de estrelas, sol etc. Seguindo nessa linha de raciocínio, a autora escreve sobre a idéia ´circular` do símbolo, que implica em um conceito de totalidade, abrangência e dinamismo. Aliás, em contrapartida à palavra denotativa, que achata os significados em um plano linear e redutivo que, por esse mesmo motivo, impossibilita e dificulta a proposta original de transcender, proposta original do símbolo. Logo depois disso, Campiglia reconhece que os símbolos trazem em si, e invariavelmente, a polaridade Yin e Yang, luz e sombra, bem e mal.

“Um leão pode ser símbolo de força e coragem, mas também de orgulho e soberba. A cruz é o símbolo da morte de Jesus para os cristãos, redenção dos pecados e também vida eterna. A água que dá a vida, que fecunda o solo como chuva pode matar em enchentes e dilúvios”


14 Em outras palavras, a interpretação do símbolo depende de quem o interpreta, em qual contexto e em qual momento. Inclusive em um sonho, história, diante de um quadro, escultura, ou mesmo de um mito que pode trazer informações parciais e subjetivas que irão depender da visão e do modo de interpretar do observador, segundo explica a autora. Além disso, eu diria, depende também das informações e dos referenciais do observador. E aqui o universo é bem generoso e amplo em suas possibilidades. Qual nacionalidade, educação, valores e vivência interior de cada um? Quais são as características genéticas? Aspectos da educação? Valores morais e estéticos apreendidos durante a infância e adolescência? Tudo isso irá implicar na interpretação do símbolo que não depende apenas da razão. São valores e dados que poderiam ser melhores explicitados pela autora na avaliação de cada paciente, dados importantes para auxiliar no tratamento de psicopatologias por intermédio da Medicina Chinesa, sobretudo pela Acupuntura. Segundo Campiglia, o símbolo pode representar e proporcionar um insight e promover um salto evolutivo na vida psíquica do indivíduo. Por isso é tão importante a interpretação dos sonhos, onde a vida interior e psíquica do indivíduo se manifesta por intermédio dos símbolos expressos em sonhos.

“O símbolo não é algo estanque, parado, e sim tem movimento e vida, expressando emoções ou sensações criadas a partir de associações reais”, escreve a autora.

Com essa leitura clara sobre o símbolo, também a autora ressalta com propriedade que, embora atemporal, o símbolo pode ter uma conotação cultural associada ao seu significado e nunca ser totalmente abstrato, isto é, apresenta aspectos vivos e presentes no corpo e na psique. Em outras palavras, ele abarca e reúne, em si, a totalidade do que representa, mesmo sendo um fragmento do todo. Podem-se citar aqui os atuais estudos que convergem nesse sentido dos hologramas e também a teoria dos fractais, pela qual nem o caos é desordenado, ou seja, se um copo cai e se espatifa no chão, seus cacos vão desenhar algo que segue uma determinada lógica.


15 Diz literalmente a autora: Holismo – raiz de holístico – quer dizer a capacidade de sintetizar unidades em totalidades organizadas. A filosofia oriental reza que o homem é um todo indivisível,

cujos

componentes

distintos

não

podem

ser

considerados

separadamente. Assim como no holograma, qualquer parte de uma imagem é capaz de reconstruir a imagem inteira. Karl Pribam, neurocientista norteamericano, faz interessante associação analógica do holograma com os estudos de imagens do cérebro, o que explica que não se pode determinar uma região exata para a memória, já que a mesma pode estar espalhada por diferentes regiões do cérebro e que, ao se reconstituir, seria possível reconstituir o todo. O símbolo funciona como um holograma ao evocar imagens diversas para reconstituir o todo original, levando em conta pólos opostos e conceitos diversos.

Seguindo essa linha de raciocínio, então, pode-se afirmar que o homem representa simbolicamente todo o universo e a natureza. Ainda que cada parte representada (pessoa) seja única e individual, a soma delas é sempre diferente do total inicial, acrescida das características – e experiências, e eu diria, principalmente vivências absolutamente individuais que irão auxiliar na interpretação dos fatos e da própria vida na história de um indivíduo, aliás, segundo Soares Amora, na 6ª. Edição atualizada de seu Dicionário da Língua Portuguesa, indivíduo quer dizer: indiviso; o que não se pode dividir. Whitmont em seu livro, A Busca do Símbolo – Conceitos Básicos de Psicologia Analítica, escreve que “as imagens surgem como portadoras de mensagens que estão faltando – às vezes, perigosamente faltando – em conseqüência de opiniões e convicções unilaterais do consciente”.


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Capítulo II Pensamento Ocidental e Oriental

Campiglia reconhece em seu livro que para nós ocidentais é muito difícil pensar simbolicamente. Segundo ela, estamos mais acostumados ao pensamento lógico e cartesiano, com base em modelos científicos e práticos que utilizam poucas variáveis e “a teorias lineares e em caminhos retos, isolando os componentes da equação”. Segundo essa interpretação, esses caminhos retos promovem o isolamento, embora eu acredite que eles foram absolutamente importantes e necessários em determinados momentos históricos até mesmo para o seu desenvolvimento. É o que chamo de ´verticalização` do conhecimento, e que hoje isso precisa ser transcendido e ultrapassado pela necessidade presente, ou seja, de uma visão global e holística do indivíduo enquanto paciente. Retomando o I Ching, o Livro das Mutações, os ideogramas sugerem a imagem simbólica da própria escrita e da comunicação chinesa, egípcia antiga e a japonesa, por exemplo, que são, sobretudo, simbólicas.

“São palavras-função já que indicam uma função além de qualidades quando se descreve com multiplicidade de significados e comunicando-se diretamente à intuição e ao inconsciente”, explica a autora.

De fato, muitos ideogramas têm radicais antiqüíssimos que nos remetem às raízes da existência do homem – mistério da vida em diferentes épocas cheia de matizes, gradações e detalhes, escreve a autora. Em chinês, por exemplo, o ideograma para símbolo é Xiang, o que sugere a imagem de uma pegada de um elefante.

“– A pegada supõe o elefante, mas ele não está lá”, escreve a autora.


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Desta forma, pode-se realizar várias perguntas a partir do símbolo. - Como é esse elefante ? Grande, pequeno, azul, laranja, verde? - É simpático ou constrangedor ? Caminha rápido ou lento?

Tudo isso são sugestões que possuem interpretações individuais...

Segundo Jung, o símbolo – que não pode ser reduzido a interpretações simples ou com meras palavras – faz uma ponte entre o consciente e o inconsciente. E como faz parte do inconsciente, o símbolo representa algo desconhecido que representa uma maneira de algo que não se pode definir, delinear, palpar. Uma revisão crítica a essa parte do livro de Campiglia indica que faltaram maiores referências e interpretações desses símbolos, bem como de sua importância, tanto para o diagnóstico como para a terapêutica chinesa. Como interpretar e avaliar o valor de cada símbolo e como ele pode causar impactos importantes na vida do paciente, segundo sua própria história, são fatos importantes levantados durante a anamnese. Embora aparentemente livre, e não por questões técnicas que não cabem neste momento do trabalho explicar, é possível identificar determinados símbolos e sonhos e estabelecer paralelos com a filosofia dos cinco elementos (ver caso retratado de MLXL), uma das bases teóricas da Acupuntura e da Medicina Chinesa. É possível avaliar a importância de um símbolo e o histórico de um paciente, segundo o valor e sua importância em determinada fase de sua vida. É possível associar e interpretar símbolos citados ou vivenciados pelo paciente com os elementos – Água, Madeira, Fogo, Terra e Metal – importantes dados para a anamnese e verificados como ocorrem os excessos ou insuficiências de órgãos, vísceras e emoções, fatos que faltaram ser mais bem explicados no livro de Campiglia. Continuarei a tratar deste assunto no capítulo ´Patologias Psicológicas`, adiante.


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Capítulo III Tchi ou Qi

A linguagem chinesa utiliza ideogramas que, como o próprio nome diz, transmitem ´idéias` e eu diria até mesmo pensamentos, diferente das palavras que geralmente possuem sentido único como as conhecemos no ocidente. O próprio ideograma que representa Tchi tem diversas representações. De “respiração”, “sopro” até de “arroz cru” ou “não cozido”. Embora a autora faça essas referências, faltou especificar melhor a filosofia chinesa sobre o que representa o ´sopro` de fato, ainda que seja um conceito filosófico. Para melhor entendermos isso, é preciso recorrer à Cosmogênese, ou seja, a explicação do surgimento do mundo, segundo os chineses. Veremos isso mais adiante, mas, neste ponto, além do ´arroz cru` ou `não cozido`, com representação do alimento ainda a ser preparado, vale a pena lembrar que faltou a explicação no livro de que o ´sopro` tem uma representação bastante profunda e ampla que ali além do processo mecânico de exalar o ar e busca atingir a essência o que está por trás do ato em si. Para não nos perdemos nessa explicação – neste momento do trabalho – gostaria de ressaltar o fato de que da polaridade original na criação do Universo – Yin e Yang – surgem os cinco sopros primordiais que irão, depois, ´engendrar` (no conceito filosófico de criar e manter), os cinco órgãos, as cinco vísceras e, por conseguinte, as cinco matrizes das emoções que veremos oportunamente. Por isso é que, quando se trata de Medicina Chinesa, o símbolo de sua escrita é de fundamental importância, cuja leitura e interpretação dos ideogramas dependem dos indivíduos e dos leitores em determinada época, fato que pode levar a leituras variadas com características de vivacidade, dinâmica e compreensão do mundo de maneira própria de cada indivíduo que, essencialmente, são mutáveis. Assim, diferentes pessoas podem ler um texto chinês de maneira diversa, com diferentes leituras e significados distintos. Ainda mais em se tratando de conceitos tão filosóficos como os abrigados pelo Taoísmo.


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Alguns deles, por exemplo:

Chen representa espírito e os sopros universais. O sopro como energia celeste, sopro divino, força transformadora, força vital que engendra cada órgão do ser humano, segundo suas especificidades. Um outro conceito, ainda nesta linha ampla de raciocínio, é o Tchi, ou Chi que penetra todas as funções do ser vivo e é responsável pela formação e a transformação de toda a vida. Segundo preconiza a Medicina Chinesa, os padrões de funcionamento do corpo devem ser interpretados segundo um agrupamento realizado em torno dos cinco elementos – Água, Madeira, Fogo, Terra e Metal. Deve-se destacar que, mais que apenas um simples elemento, eles representam um símbolo que – como todo símbolo, conforme já dito anteriormente – possui vários significados e diferentes interpretações.

Além dos cinco elementos, a MTC dispõe de oito princípios:

Yin Yang Profundo Superficial Deficiente (Vazio) Plenitude (Excesso) Frio Calor


20 É a partir das inter-relações desses elementos e dos princípios que resulta a compreensão das determinações da etiologia das doenças, síndromes e também a formulação de diagnósticos que são bem próprios, diga-se, segundo explica a MTC e que iremos tratar nesta monografia, incluindo-se aí também as patologias psicológicas. Destaco, com ênfase, ao contrário do que algumas correntes cientificistas atuais querem fazer acreditar, que não se trata de uma linguagem nem ultrapassada, ou simplesmente mística, principalmente porque, e felizmente, a ciência, paulatinamente, vai provando a eficácia e sua verdadeira acepção. Senão, vejamos:

A Eritropoietina, por exemplo, hormônio responsável pela maturação dos glóbulos vermelhos, é produzida pelos rins. Pode-se fazer uma analogia bastante interessante já que há muito tempo os chineses falam que os rins produzem a medula óssea, uma ligação bastante possível com a atual ciência, sem contar a formação do cérebro. Para se pensar analogicamente, segundo o axioma chinês, não bastam as evidências chamadas científicas e, sim, comparações que vão além do que aprendemos nos bancos escolares para estabelecer conceitos e suas distinções. A analogia no modo chinês envolve funções, pensamento abstrato, intuição e informações filosóficas. Aliás, voltando à filosofia chinesa, vamos falar do conceito filosófico básico do Yin e do Yang, as duas forças que permeiam toda a filosofia e a MTC. É preciso analisar esses aspectos segundo a Filosofia, Religião e a Medicina. Diz o Taoísmo, base filosófica e com braço religioso, que todo Yang tem o Yin em si e todo Yin tem o Yang em si, uma visão integradora e de combate amistoso, ou seja, holística e não dicotômica. Yin e Yang são polaridades do universo, o conjunto de tudo o que existe. Em outras palavras, etimologicamente, o Universo está em um, unir, tornando Um. Assim, o Universo dividiu-se em dois e depois em milhões e bilhões de partes, originando a diversidade dos seres.


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Capítulo IV Opostos sim, mas complementares

O Yin é feminino, passivo, interno, sombra, mal, obscuro, terra, útero, inconsciente, analogicamente a Eros, emoção. Já o Yang é masculino, ativo, externo, vida, luz, bem, claro, céu, o falo, o consciente, o Logos, a razão. Nem um nem outro tem conceito ou valor de bem ou mal no sentido de avaliação moral ou estética, por exemplo. Ambos são pólos geradores do Universo que, aliás, não existiriam sem o outro, seu oposto. E é justamente do conflito gerado por estes opostos que surge a fonte de vida e da diversidade dela. Ou das doenças, da morte e destruição. É assim que os chineses propõem a resolução dos conflitos mediante análises de todas as possibilidades criativas de ambos os pólos. Quando o Yin e o Yang se unem, formam o universo – diferente do estágio inicial e a exemplo do que ocorre com os gametas masculinos e femininos que geram uma criança diferente dos pais.

Diz o Su Wen, um dos mais antigos livros sobre MTC:

“O Yin corresponde à falta de movimento e sua energia simboliza a terra. O Yang corresponde ao movimento e a sua energia simboliza o céu; portanto, o Yin e o Yang são caminhos da terra e do céu. Como o nascimento,

o

crescimento,

o

desenvolvimento,

a

colheita

e

o

armazenamento são levados a efeito de acordo com a regra de crescimento e declínio do Yin e do Yang, então o Yin e o Yang são os norteiam todas as coisas”, escreve Campiglia.

princípios

que


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Notável no símbolo do TAO ou do Tai Chi (acima), é que não há só a presença da polaridade, mas nele encerra também a idéia de que um pólo está contido no outro, em seu opositor. Além disso, o símbolo do Yin e Yang dá uma clara idéia de movimento e de transformação, portanto, não se trata de algo estático, conforme reza o estabelecido pelo livro I Ching. No máximo do Yin, (extremidade inferior), há a semente do Yang, e no ponto máximo do Yang (extremidade superior), está a semente do Yin. Em outras palavras, e em clara alusão à analogia citada há pouco, à meia-noite ocorre o início de um novo dia. E, ao meio dia, há o início de uma nova noite.


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Capítulo V Conceitos importantes

A autora do livro em questão destaca alguns conceitos importantes adotados pela MTC e de suma importância à sua interpretação segundo os conceitos psicológicos. Entre eles:

Oposição – um se opõe a outro, entretanto por intermédio de uma visão que visa o seu próprio complemento – masculino e feminino, terra e céu, lua e sol, quietude e movimento, calor e frio etc. – complementado pelo princípio da interdependência. Interdependência – um não vive sem o outro. Não há dia sem noite, nem sombra sem luz etc. Consumo – excesso de um consome o outro. Exemplo. Fogueira – fogo é yang, mas a lenha é yin. Um aumenta, o outro diminui. Transformação – Yin transforma-se em Yang e vice-versa – tempestade e calmaria.

Nesse sentido, em Medicina Chinesa é importante ressaltar que um pólo não existe sem o outro, e um consome o outro, ao mesmo tempo em que o estimula a existir e crescer.

“Em MTC fala-se que um pólo obscuro é comparável à imagem do médico que age como a pessoa que sabe tudo, tem orgulho e autoconfiança excessiva o que pode denotar a falta de interesse real pelo outro”, reconhece a autora.


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Ao se tratar de psicologia, de uma maneira geral – aspectos conscientes são yang e inconscientes são yin – como a luz gerando a sombra, que é inconsciente. “É preciso acolher com amor e humildade as fraquezas, o orgulho, sede de poder, inveja e outras características pessoais da condição humana que possui limites e aspectos negativos”, escreve a autora.

Outro ponto importante nesse sentido destacado por Campiglia é que quem acolhe suas diversas polaridades evolui, tornando-se mais sensível ao sofrimento alheio.


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Capítulo VI Patologias psicológicas

Há cinco mil anos atrás não havia na China microscópios para detectar vírus e bactérias. No entanto, se falava em energias perversas. Elas podem ser o vento, calor, frio, umidade ou secura. De acordo com os cinco elementos, Água, Madeira, Fogo, Terra e Metal que, por sua vez, também agrupam doenças. Além disso, o conceito de saúde para os chineses tradicionais antigos parte da harmonia do Yin e do Yang e de seus movimentos, em cinco direções, em cinco elementos, ou cinco símbolos. Os cinco movimentos são chamados de Wu Xing, onde Xing significa o que se movimenta, os pés que se alternam – direita e esquerda – andar, caminhar, conduzir, agir. Esses movimentos implicam nos elementos, nas cores, sabores, sons e também nos órgãos, vísceras e suas funções no corpo e na mente do homem. Segundo a autora, há uma breve explicação de cada elemento com a sua respectiva emoção que é ´engendrada` em cada órgão e/ou víscera.=

Fogo Movimento: culminar, chegar ao máximo Direção: multidirecional Imagem: estouro, imagem de um raio Ideograma: Huo Dinâmica: explosão Órgão: Coração Víscera: ID – Intestino Delgado Estação: Verão


26 Manifestação externa: tez, cor do rosto Abertura: língua Aspecto mental/emocional: Shen – espírito, consciência Atitude: extroversão, comunicabilidade, sedução Emoção: Alegria Fatores de adoecimento: hiperexcitação, choques emocionais, bebidas alcoólicas, alimentos gordurosos, perda de sangue

Madeira Movimento: para cima, dirige-se ao alto Direção: brota e cresce. Evoca. Imagem: algo duro, fixo e linear Ideograma: Mu Dinâmica: direção ao alto Órgão: Fígado Víscera: VB – Vesícula Biliar Estação: Primavera Manifestação externa: unhas Abertura: olhos Aspecto mental/emocional: alma, inconsciente, força emocional Atitude: ação, conquista, planejamento Emoção: Raiva

Fatores de adoecimento: frustrações, alimentação gordurosa, álcool, raiva contida, irritação


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Fogo (C – Coração e ID – Intestino Delgado) e Madeira (F –Fígado e VB – Vesícula Biliar) são características Yang, portanto, com movimentos para cima e para fora. Água (R – Rim e B - Bexiga) e Metal (P - Pulmão e IG – Intestino Grosso) – características Yin – apresentam movimentos para baixo e para dentro.

Metal Movimento de uma superfície lisa e brilhante Direção: retorno Imagem: separação do puro e do impuro, estratificação Ideograma: Jin Dinâmica: retração e decantação Órgão: Pulmão Víscera: IG – Intestino Grosso Estação: Outono Respiração, nariz e intestinos Manifestação externa: pele e pêlos Abertura: nariz Atitude: introspecção, acúmulo, instinto, reflexo Emoção: Tristeza Fatores de adoecimento: cigarro, poluição, falta de líquidos, ambientes secos, luto, pesar, perdas importantes


28 Água Movimento que conduz à aproximação e à oscilação em torno de seu eixo Direção: para baixo Imagem: regeneração Ideograma: Shui Dinâmica: descida Órgão: Rins Víscera: B - Bexiga Estação: Inverno Clima: Frio Vitalidade e ancestralidade Ouvidos e força de vontade Manifestação externa: cabelos Abertura: ouvidos Aspecto mental/emocional: força de vontade e capacidade de adaptação Atitude: perseverança, coragem e autopreservação Emoção: Medo, adaptação Fatores de adoecimento: envelhecimento, doenças crônicas, excesso de atividade sexual, excesso de trabalho, deficiência de energia hereditária

Terra Movimento: alto, como um altar que fica no centro do Templo Direção: multidirecional Imagem: limite entre o Céu e a Terra – Mundo Interno e Mundo Externo


29 Ideograma: Tu Dinâmica: função transmutação, centrar e fixar Órgão: Baço e Pâncreas Víscera: E - Estômago Estação: Verão Manifestação externa: lábios Abertura: Boca Atitude: reflexão, introversão, comedimento Emoção: Pensamento, Reflexão Fatores de adoecimento: pensamentos repetitivos, excesso de trabalho, ambientes úmidos e frios, alimentos crus, alimentação desregrada


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Capítulo VII Ciclos de geração e dominância

Conhecidos os cinco elementos – cinco órgãos e cinco vísceras – é preciso citar e destacar a importância dos ciclos de geração e de dominância entre eles, fundamental para entender o conceito de saúde e de doença, segundo critérios chineses. É preciso entender que há os ciclos naturais de geração: água gera madeira, que gera fogo, que gera a terra, que gera o metal, que gera a água. Assim, temos: A água irriga a planta (madeira), que alimenta o fogo, que queima a madeira e deposita as cinzas – que alimenta a terra – que gera em seu interior os metais e também a água que brota da pedra e das fontes minerais. Já o ciclo de dominância implica não apenas o controle, mas, também, o domínio de um elemento sobre outro, o que, em última instância, impede o crescimento descontrolado de qualquer um deles. Dessa forma, a água controla o fogo, que controla o metal, que controla a madeira, que controla a terra, que controla a água. Simbolicamente: a água apaga o fogo, o fogo forja o metal, o metal corta a madeira, a madeira tira da terra seus nutrientes para crescer e a terra absorve a água. E é justamente o jogo e a correlação entre as forças dos ciclos de geração e de dominância que deve haver um equilíbrio – saúde – e, caso entre em desequilíbrio, ocorre a doença. Quer dizer, a patologia ocorre quando um elemento agride outro – a água agride a terra, a terra a madeira, a madeira o metal, o metal o fogo e o fogo agride a água. É o chamado ciclo de contra-geração e de desorganização interna.


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Capítulo VIII O número cinco e a sua simbologia

Em chinês, o ideograma para homem é o pentagrama, a estrela de cinco pontas, que significa um homem de braços e pernas abertos, o quinto ponto é justamente a cabeça. O número cinco indica dois movimentos e um retorno.

“O horizontal, o vertical e a interseção dos dois, no centro”, explica a autora.

As cinco posições são: a esquerda, a direita, o alto, o baixo e o centro.

Trata-se de uma interpretação simbólica das posições – e dos eixos – de respeitável importância para a interpretação do ponto de vista psicológico, principalmente quando tratarmos das fixações e no conceito de saúde, segundo esses princípios. No eixo horizontal podemos fazer uma associação com o mundo interno e o mundo externo do ser humano. O Eu e o Outro, o que é Self e o não-Self. No eixo vertical, a representação recai sobre o mundo da terra e do céu, raízes e de crescimento, bem e mal, corpo e espírito. Na intersecção dos dois, no centro, se encontra o homem que está entre o céu e a terra. Afora estes conceitos explicitados pela autora, acredito que faltou um aprofundamento maior sobre a importância da tríade, segundo a filosofia chinesa e a interpretação desse número na MTC. A tríade permite uma gama enorme de interpretações sintetizadas no corpo, alma e espírito no homem. Afinal, um grande número de religiões tem a tríade como base da sua filosofia e prática, a exemplo do catolicismo – Pai, Filho e Espírito Santo – os Egípcios – Osíris, Ísis e


32 Hórus –, Hindus – Brahma, Vishnu e Shiva –, e mesmo na Cabala judaica, na árvore sefirotal, onde a coroa é tríplice – Kether, Chokmah e Binah, entre outros tantos exemplos. Na filosofia chinesa dá-se importância ao número três, sobretudo para a interrelação Céu, Terra e Homem que, em minha opinião, poderia ser melhor explorada pela autora. A MTC e a Acupuntura preconizam que há energias celestes, provenientes do Céu e as energias telúricas, que vêm da Terra. Elas se movimentam e geram saúde ou, em desequilíbrio, a doença no homem. Simbolicamente podemos dizer que as energias celestes são captadas pela respiração, enquanto as telúricas pelos alimentos. É claro que esta é uma visão simplista desse posicionamento filosófico e prático como se verá adiante.


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Capítulo IX A importância do símbolo na concepção chinesa

Para associarmos ainda mais a Psicologia ocidental com a Medicina Tradicional Chinesa destaquemos, por exemplo, que a própria psique está sempre formando novos símbolos para fazer fluir a libido, a energia psíquica e física que, para os chineses, tem o nome de Tchi, ou Qi (na grafia maoísta). Segundo Campiglia orienta em seu livro, a interpretação dos símbolos deve ser feita paralelamente no âmbito pessoal e coletivo.

“No processo de individuação deve-se trilhar o caminho em que a pessoa se torna aquilo que ela realmente é. É um símbolo do mapa para descobrir o si mesmo”, escreve.

Particularmente, depois de formado em Acupuntura e fazendo pós-graduação em Ciências Clássicas Chinesas – para obter título necessário para ministrar aulas de Acupuntura – tenho claro que, para entendermos um pouco da Medicina Tradicional Chinesa – MTC –, é preciso entrar no mundo dos símbolos, sobretudo os orientais, razão pela qual muitas vezes a Medicina Ocidental não alcança os verdadeiros paradigmas da MTC e, por conseguinte, da Acupuntura. Vamos agora retomar alguns conceitos já explicados neste trabalho, traçar interrelações para aprofundarmos ainda mais nosso estudo.

O que nos diz o Taoísmo? – “No princípio era o Tao”, o Todo Indivisível, o uno, o caminho que dará origem ao Yin e ao Yang, a polaridade, os verdadeiros opostos que, na visão chinesa, são (e devem


34 ser) também complementares. Da polaridade original – masculino-feminino, luz-sombra etc. – surgem novas subdivisões que nos levam aos cinco elementos, ou símbolos – água, madeira, fogo, terra e metal – onde cada um deles se reflete no organismo humano de uma forma muito peculiar e particular. Ao mesmo passo em que se separam para classificar, também se inter-relacionam cada órgão e víscera, em sistemas e funções. Um depende do outro com ligações indispensáveis entre eles, de incentivo ou de repressão, que geram a saúde e a doença. Soma-se a tudo isso a criação do mundo com o que há de simbólico no ser humano. A harmonia, que gera a saúde, inclusive a psicológica. Pode-se ampliar o sentido de equilíbrio preconizado pela Acupuntura também aos aspectos simbólicos e oníricos dos pacientes.

“O símbolo é considerado um mapa, um caminho em direção ao Self. É vivo e ativo, causa sensações, sentimentos e associações. Em um sonho, doença, ou apreciando uma obra de arte pode surgir um símbolo que fica, em parte, imersa no inconsciente. Quando um símbolo é completamente revelado perde sua força”, explica Campiglia.

Segundo ainda explica a autora, a linguagem é simbólica e o conteúdo é então substituído por outro, capaz de atingir o mundo obscuro e profundo da psique.

“Por outro lado, quando o símbolo não é reconhecido como tal, adquire autonomia, tem poder e magia, dissocia-se do seu sentido original e adquire status de alucinação, delírio ou vivência psicótica”, diz ela.

Para estreitar ainda mais os pontos de intersecção entre a MTC – tradicional e antiga – com a moderna psicologia e a psicopatologia, alguns conceitos foram adequadamente colocados no livro, conforme se pode demonstrar abaixo:


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Quando virtual, a energia aparece nas aquisições, possibilidades, aptidões, atitudes etc.

A energia psíquica tem relação com a energia somática e os processos do corpo.

A MTC discorda da divisão da energia em tipos distintos como energia do prazer, da sensação e outras formas. Considera a energia como fenômeno quantitativo que reúne em si diversas forças e condições a que, estas sim, poderiam se atribuir determinadas qualidades.

A energia dos processos psíquicos pode passar do consciente para o inconsciente e vice-versa, podendo mudar sua forma de apresentação de acordo com o princípio da equivalência. Sintomas que desaparecem do consciente podem não ser eliminados e vão para o inconsciente.

“Na análise, isso pode ocorrer de maneira inversa, ou seja, pode haver a formação e assimilação de um complexo”, escreve Campiglia.

Como exemplo, nesse sentido, Jung cita os casos de projeção e transferência, lembrando que é comum se projetar fora os conteúdos inconscientes difíceis de serem vistos na própria pessoa.

A autora coloca o estabelecimento de dois fenômenos adaptativos da vida psíquica como progressão e regressão da libido, sendo que a progressão ocorre quando o movimento se dá em direção ao objeto de desejo e a satisfação das exigências das condições do mundo externo. A regressão é o oposto, o recolhimento que deixa um sentimento desagradável. Dessa forma, progressão e regressão ocorrem alternadamente em movimento pendular: quando se chega ao máximo em um dos pólos ocorre o movimento em sentido


36 contrário. A progressão indica uma adaptação ao mundo externo e a regressão ao mundo interno. O Ego está forte na progressão, mas, quando se esgota e não consegue lidar com as novas realidades, a pessoa volta a ativar sua função em busca de seu interior. É por isso que durante a regressão conteúdos excluídos durante a adaptação consciente voltam à tona, como as conotações infantis, sexuais etc., muitas vezes consideradas como “lixo inconsciente”, mas que no fundo são sementes de uma nova possibilidade de vida. Os dois processos são importantes para a evolução do indivíduo. Os movimentos da libido, introversão e extroversão, movem-se de dentro para fora e vice-versa, relacionando-se com a progressão e regressão. A saber: progressão extrovertida, progressão introvertida, regressão extrovertida, regressão introvertida. Em se tratando de crítica, é preciso destacar que os símbolos surgem em determinadas épocas de acordo com a evolução e a maturidade das pessoas. Então, se os símbolos funcionam como um mapa, como um guia para a evolução das pessoas – como foi dito pela autora e com o qual concordo plenamente – faltaram explicações teóricas, uma vez que a prática, o caso clínico e a consulta é muito individual. Varia muito de caso para caso – de como a Acupuntura facilita o aparecimento deles, ou mesmo acelera o processo de surgimento dos símbolos, na medida em que avança o tratamento. Nos casos citados no final desta monografia – e também em outros – é comum o surgimento de sonhos, com parentes próximos falecidos, com carros, com florestas, incêndios, quedas, montanhas etc. que, como já dito, podem ter interpretação segundo a teoria dos cinco elementos e auxiliar na prática clínica, em se tratando de Medicina Chinesa e Psicologia.


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Capítulo X Paralelo com a Física Quântica

Para a física quântica, o átomo e seus componentes ora são partículas sólidas, ora ondas. Portanto, não há uma representação única e estanque, pois sua natureza é a própria transformação, o movimento. Dessa forma, o modelo subatômico quântico, portanto, serve como um importante auxílio para a nossa compreensão, uma vez que não são, na sua totalidade, aquilo que representam. Também acredito ser muito justo ampliar a dimensão do mundo psíquico que exige uma transcendência do pensamento linear e racional e, ainda, ser capaz de promover a possibilidade de se entrar no mundo intuitivo e holográfico dos símbolos. A holografia é uma interpretação que demonstra – por intermédio de figuras e ‘projeções’ de imagens – que se pode partir de cada uma das partes e se chegar ao todo; no entanto, e ao mesmo tempo, o todo transcende a soma de suas partes individuais. Nesse sentido, a leitura crítica comporta elogios. Com muita propriedade, a autora associa o conceito chinês de Tchi ou Qi somado ao que nos dizem Freud, Jung e Reich, ao englobar o sentido de libido e energia psíquica. Ela vai além das teorias de energia sexual reprimida, como se prevê pela própria concepção da MTC; no entanto reconhece que ela também pode estar presente nos processos de adoecimento, embora afirme não haver relação direta das neuroses decorrentes da repressão da libido. Para os chineses, o Tchi é aquilo que movimenta o homem em direção ao mundo, mas é mais do que simplesmente a libido. O Tchi, segundo os chineses, molda o homem e pode torná-lo mais ou menos neurótico. Pode libertar ou prender. O Tchi proporciona também a formação da estrutura psíquica, por ser o homem o resultado de “impressões energéticas” ao longo da vida, como o amor, a atenção, o vazio, a falta de contato, a contenção da criatividade etc.


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Capítulo XI O Tchi no diagnóstico Psi

Para se encarar um paciente psicológico – como todos os demais, diga-se – deve-se entendê-lo sob o ponto de vista energético e de seu equilíbrio. Dessa forma, se o Tchi for deficiente – pouca energia – pode indicar um estado de suscetibilidade à invasão de conteúdos externos que podem se transformar em ameaçadores, como na paranóia, por exemplo. Por outro lado, Tchi em excesso pode bloquear a energia circulante e tornar a pessoa indiferente à dor do próximo, como nas atitudes narcísicas patológicas. Assim, grosso modo, podemos entender que o Tchi circulando rapidamente pode gerar criatividade ou pode se perder em estados de hiperexcitação que, sem descarga, pode apresentar um quadro histérico. Assim, é importante conhecer a origem de um distúrbio psíquico para evitar que ele continue causando a doença. Do ponto de vista energético, é importante equilibrar o paciente para que ele seja capaz de mudar seus padrões de comportamento. Em outras palavras, é preciso estar aberto ao conceito intuitivo do Tchi para que o terapeuta possa verificar e esclarecer as discussões a respeito da origem das neuroses e da ligação das doenças psíquicas com as somáticas.


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Capítulo XII Reich e MTC

Reich, discípulo de Freud, descreveu de modo similar ao que reza a Medicina Chinesa quando se referiu às formas de a libido afetar o psiquismo e moldar a maneira de ser do indivíduo. Ele desenvolveu métodos não verbais de analisar conteúdos psíquicos e estabeleceu um paralelismo psicofísico que permite ao profissional tratar da mente usando o corpo e vice-versa. Em sua obra ‘Análise do Caráter’, Reich, baseado na teoria do desenvolvimento da criança de Freud, descreve as pessoas que tiveram traumas, ou um estresse muito grande, em determinada fase da vida e que se fixariam em atitudes típicas dessa fase. Elas adotariam ações mais ou menos previsíveis, seguindo uma estrutura de personalidade que ele chamou de estrutura de caráter, levando em consideração os paradigmas estabelecidos por Freud. Segundo Reich, essa estrutura de caráter provém de um encouraçamento do Ego frente aos perigos do mundo exterior e das exigências recalcadas do Id. Uma estrutura não só mental, segundo Reich, mas também mental que pode ser trabalhada por intermédio das couraças musculares no corpo.

“O caráter é o que determina uma forma de ser e estar no mundo mais ou menos enrijecida, já que o Ego tem uma função protetora, como uma casca que resguarda um interior frágil. O caráter depende de fases da vida, dos choques com a realidade externa e o mundo interior, freqüência e intensidade das frustrações, resistência e capacidade de resistir às frustrações, traumas, estresse etc.”, escreve Campiglia.

Couraças musculares no corpo representariam bloqueios energéticos, fixações que refletem os problemas ou complexos que, segundo a MTC, é uma estagnação de energia. É


40 fato que hoje em dia muitas linhas terapêuticas trabalham com a abordagem e leitura corporal, no entanto é preciso destacar que Reich foi o pioneiro nesse sentido. Diferente de Freud, Reich acreditava que, mesmo que se trouxesse os conflitos psicológicos para a consciência, conforme prega a psicanálise, eles continuariam a existir, com alívio do paciente apenas momentâneo, e que tenderiam a ordenar-se de modo mais econômico – e menos traumático – na estrutura mental. É como se um fio de água fosse buscando seu próprio caminho na descida da montanha. Além disso, Reich utilizava o conceito da libido, ou seja, a forma mais fácil, ´natural` e rápida de o indivíduo se organizar psiquicamente – e energeticamente – para que pudesse haver uma reorganização de sua vida psíquica. Foi assim que Reich passou a utilizar o conceito de bioenergia, que é a energia que circula entre o corpo e a mente para descrever a unidade funcional do indivíduo. Segundo aponta a autora, a bioenergia concebida por Reich pode ser comparada ao Tchi da medicina chinesa que circula nos campos corporal e mental. Para Reich, havia uma dicotomia entre postura/estrutura e o movimento. Quanto mais rígida a postura, a atitude mental ou física, menor o movimento da energia. Entretanto, como a energia precisa de um corpo para transitar, pode-se dizer que o sujeito saudável é então, para Reich, aquele que pode se movimentar e se estruturar, que não é rígido e nem totalmente maleável. Algo parecido com um famoso ditado chinês que indica que as pessoas devem ter um caráter com a dureza de um carvalho e a maleabilidade do bambu que dança conforme a força do vento. Como se vê, os chineses já pensavam nessa forma ´reichiana` de encarar o indivíduo e o mundo. Outro ponto que poderia ser melhor tratado pela autora, em meu modo de entender, é de como a Acupuntura e os métodos de massagem chineses – Tui Na, especialmente – podem trabalhar, de forma sutil, técnicas de dissolver couraças e mobilizar a energia estagnada, que representa não só a dureza de caráter, mas, também as dificuldades de encarar e lidar com o mundo, já que representam estagnações da energia que deve fluir livremente em seu próprio ritmo e intensidade.


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Capítulo XIII Fases da Libido – Freud

Para Freud, o desenvolvimento individual do homem começa na infância. E é de Freud a definição das pulsões – equivalente aos instintos dos animais, segundo afirma a autora – que informa, ainda, que essas pulsões dirigem-se em direção ao objeto desejado ou afastam-se do indesejado. Citando-a, textualmente:

“Freud estudou o desenvolvimento individual do homem a partir da sua infância. Definiu que o homem tem pulsões, que equivalem ao instinto presente nos animais, e que essas pulsões movem-no em direção ao objeto desejado ou afastamno do indesejado... ...Freud acreditava que diversas impressões recebidas durante a vida não eram usadas pela mente consciente, permanecendo ativas no inconsciente. Muitas dessas impressões, rejeitadas pelo consciente e armazenadas no inconsciente, são de natureza sexual. Funcionam como impulsos que orientam em direção a algo que os satisfaça. São impulsos de natureza energética, pois mobilizam de algum lugar em direção a outro, ou de um objeto a outro. A esses impulsos ou instintos próprios da espécie humana dá-se o nome de “pulsões”. * *Na terminologia psicanalítica, o termo instinto é reservado somente para os animais, usando-se para o homem o termo pulsão. A pulsão origina-se de uma excitação corporal e orienta o indivíduo a um objetivo, que poderá suprimir o estado de tensão que gerou a pulsão.


42 Em teoria, as pulsões pertencem ao Id, a camada mais antiga e primitiva do psiquismo, que impulsiona o indivíduo a satisfazer as suas necessidades inatas e a descobrir o mundo sem, no entanto, conhecer os limites.

“O Id é o ser na sua forma mais bruta e pura”, escreve Campiglia. Depois, o contato com o mundo externo possibilita o desenvolvimento do Ego que irá realizar a interface entre os instintos e a realidade. Segundo Freud, é o Ego que proporciona o meio de satisfazer as necessidades do Id de maneira mais segura possível, ao protegê-lo dos estímulos externos e modular as respostas que a pessoa dá às diversas situações que, em última análise, determinam a identidade das pessoas. O indivíduo não é só o seu Ego, mas identifica-se e se expressa por seu intermédio.

“O Ego gera o movimento voluntário e pode proporcionar respostas de confronto, fuga e adaptação, dependendo do estímulo externo. Ele se ajusta, ainda, às exigências internas do Id e decide quais desejos e instintos devem ou não ser satisfeitos. Além do Ego, há o Superego, que armazena as exigências e condutas dos pais e internaliza certos padrões que servirão de guias para as tomadas de postura durante a vida”, escreve a autora.

De fato, o Superego dá uma série de limites ao ID e em conseqüência também às tensões e frustrações diárias que geram o estresse e a sensação de desprazer. O oposto disso é o relaxamento. Para Freud, o homem é impulsionado ao prazer em oposição ao instinto de morte. Para o pai da psicanálise, a libido é a energia inerente ao prazer, não só do ato sexual, mas também aquele relacionado à estimulação das zonas erógenas.

“A libido surge, pois, na primeira infância e estimula a criança a explorar a zona erógena ativada em cada fase de sua vida”, escreve Campiglia.


43 É daí que se distinguem as fases oral – “quando a libido se concentra na boca, no ato de mamar e, posteriormente, na mastigação; na fase sádico-anal – a libido concentra-se “na região anal e a criança sente prazer com a possibilidade de reter as fezes e de eliminálas; a fálica – quando a criança passa pela erotização dos órgãos genitais e pela diferenciação do masculino e do feminino, embora o contato com os genitais ainda não seja total; a fase de latência – que começa ao torno dos cinco anos e se estende até a puberdade e a fase genital – que é o contato definitivo com a sexualidade, “marcando o início da vida adulta” . O desenvolvimento saudável possibilita a ativação das zonas erógenas, levando o indivíduo a desenvolver-se bem física e psiquicamente. Quando há traumas, dificuldades ou ausência de contato em uma determinada fase, a criança pode fixar-se em uma dessas fases (fixação da libido), escreve Campiglia.

Tipo Fóbico ou temperamento Fóbico

Acredita-se hoje que o núcleo fóbico forma-se ainda na fase intra-uterina e nos primeiros dias de vida, quando o bebê ainda está muito desprotegido e qualquer falta de segurança pode servir como sensação de ameaça à sua vida. Segundo Ferri e Cimini (Psicopatologia e Carattere. Una Lettura Reichiana – Roma: Anicia, 1992), um estresse intra-uterino pode gerar uma estrutura psicótica (quando falta uma defesa psíquica e o indivíduo é tomado por conteúdos do inconsciente e do meio externo sem conseguir separar-se deles), embora aqueles autores admitam que isso só seja verdade quando o feto não tem energia suficiente para proteger-se. Caso tenha energia e o estresse não seja tão profundo, há o desenvolvimento da personalidade fóbica, em maior ou menor grau. Trata-se de um indivíduo com média ou alta quantidade de energia que passou por um grande estresse. Pode ser uma tentativa de aborto, falta de contato entre mãe e filho, rejeição materna, problema físico da mãe etc.


44 “Outro momento que pode ser muito significativo para a formação de um núcleo fóbico é o do parto. Um parto estressante que não possibilite a passagem tranqüila do mundo protegido intra-uterino para o mundo externo, tão intenso e cheio de estímulos – luzes, sons, tato, dor, fome etc. –, pode determinar uma fixação fóbica. Os partos estressantes vão desde aqueles em que ocorre risco à vida do feto, como eclampsia, descolamento prematuro da placenta, circular de cordão, distocia, como também, em outro plano, o uso de fórceps e a cesariana”, escreve a autora.

Na vida adulta são pessoas extremamente sensíveis que percebem rapidamente se o ambiente em que se encontram é acolhedor ou não. Saem de cena se a situação fica difícil ou pesada.

“O indivíduo fóbico ou com um núcleo fóbico é capaz de inibir a agressividade dos outros com sinais infantis de desproteção e chamados de acolhimento e aceitação. Por estarem sempre com uma sensação de ameaça de vida, são extremamente atentos e móveis, sabem estudar a distância perigosa entre si e o outro”, escreve Campiglia.

Nas suas relações sempre confiam desconfiando e, apesar de precisarem do outro, ao menor sinal de falta de movimento ou liberdade, sentem-se desconfortáveis e procuram uma saída. Fisicamente são muito leves e têm pouca estrutura muscular de defesa. São ágeis, têm o olhar atento e estão sempre ligados no que estão acontecendo. Note-se que Freud não comenta nos Três Ensaios sobre esta fase e dirige-se diretamente à fase oral. Sucintamente, para Freud, a fase oral ocorre entre zero e dois anos. Na obra “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, o sugar e o morder o seio da mãe é erotizado. Aliás, o seio materno é a fonte de nutrição, de prazer e proteção. Os traços de caráter desta fase são: dependência, ganância, intolerância e comportamentos aditivos.

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45 Tipo Oral ou temperamento oral

Para a autora, diferente do que nos diz Freud, a fase do tipo oral vai do nascimento aos dez meses, também chamada de período do desmame fisiológico. É quando a criança começa a mastigar. O bebê ainda depende da mãe, que o alimenta de leite e amor. O ser é ainda desprotegido e frágil. A mãe entra no mundo do bebê e algumas chegam até a identificar o tipo de choro, de fome, cólica, sono etc. Há uma sintonia entre os dois. Quando a criança não é devidamente amamentada, uma realidade comum nos dias atuais, ou a criança passa por um desmame precoce, ocorre um estresse na fase oral. Com um relacionamento de má qualidade, face às mães dispersas ou preocupadas com outras coisas além da tarefa de amamentar, o contato e a comunicação que deveria servir de modelo para o bebê expressar-se posteriormente com as outras pessoas pode ocasionar problemas futuros. Como o bebê ainda não desenvolveu nessa fase a musculatura suficiente e seus sistemas de defesa ainda são precários – crianças próximas ao desmame são capazes de morder, mas bebês de dois a três meses não – isso fará diferença entre os tipos orais adultos: o insatisfeito e o reprimido. A filosofia entende o desmame como ponto importante na evolução do bebê, independente da data cronológica de sua vida. No insatisfeito o indivíduo tende a se sentir oco, necessita que a vida ou os outros lhe completem. Uma sensação de vazio interior manifesta-se como depressão na vida adulta ou há tendência da busca de relacionamentos simbióticos, em que o parceiro oferece um preenchimento da sua lacuna e ocupa o lugar da mãe que “adivinha” as suas necessidades. O outro tipo, o reprimido, recebeu de sua mãe o que necessitava, mas cedo demais ela sai de cena. Volta a trabalhar ou ausenta-se da relação e do contato com o bebê. Há introdução de alimentos sólidos precocemente. Ele passa a morder sem estar preparado para tal. Assim, o bebê se sente vazio pela ausência precoce da mãe. Como defesa cerra os dentes e a boca. Ocorre uma situação oral em que a mãe não consegue deixar o filho crescer, sair da dependência onde o pai está emocionalmente ausente, a criança sente a necessidade de ter a mãe sempre próxima de si.


46 “A pessoa que não teve uma relação oral equilibrada com a mãe, fica impedida de ir em frente, de explorar o mundo e buscar sua mobilidade e independência. Ou seja, tanto a deficiência na fase oral, quanto o excesso, levarão a uma dificuldade em entrar nas fases seguintes”, escreve Campiglia.

Quando adulto, esse indivíduo apresentará sentimentos de menos valia e insegurança, um eu frágil e sugestionável.

“Torna-se dependente do parceiro e teme a separação como algo insuportável. Por não ter desenvolvido suficientemente a capacidade de contenção (característica da fase anal, em que se contém as fezes), o tipo oral freqüentemente tende a extravasar sua intimidade, falando a todos de si mesmo, esperando que alguém o contenha e o faça sentir-se preenchido”, diz a autora.

Segundo Campiglia, o adulto fixado na fase oral, quando tem algum problema emocional maior apresenta muita dificuldade em guardar para si os problemas e ainda pede ajuda para quem não pode socorrer. Isso, sem contar que nem escuta as respostas, além de ficar ainda mais vazio de si. Em geral, ele é pessimista e acredita que o mundo lhe deve. O adulto reprimido pode reagir a esse vazio interior tornando-se crítico mordaz como uma reação e não como possibilidade de escolhas.

“O oral reprimido tem muita raiva pela privação de afeto e atenção a que foi submetido, mas pouco consegue fazer a respeito, pois ainda não é capaz de se suprir energeticamente. Ele depende do outro, porém, não gosta dessa dependência. Também reativamente, o tipo oral pode tentar a acumular demais. Acredita que possuir bens, títulos, diplomas, casamento e filhos “apresentáveis” será suficiente para a satisfação que tanto busca. Contudo, continua sempre vazio, pois ele tem, mas não é”, diz Campiglia.


47 De estrutura física muito fraca e sensível, pois não consegue atingir plenamente a muscularidade, neste tipo ocorre a formação das couraças mais fortes.

Tipo Anal ou Caráter Compulsivo

A fase anal vai dos dez meses aos dois anos, quando se inicia a fase do desmame, ou fim da fase oral. Com alimentos mais sólidos, a criança passa a formar bolo fecal e o contém em seu organismo. Tem a sensação de conteúdo e forma, de continência, coordenação motora e muscularidade. Nessa fase, a criança começa a andar. Pode passar por períodos sem precisar comer e sentir-se vazio. Capaz de sentir-se pleno e de conter a energia, característica muito importante no desenvolvimento psíquico do indivíduo. Enquanto o tipo oral não vive sem o outro, no período anal, da neuromuscularidade da continência, a pessoa passa a ser capaz de agüentar períodos maiores sem ser alimentado pela mãe ou pelo outro. O tipo anal percebe que tem algo dentro de si e isso causa uma sensação de potência. Defecar torna-se sua ´obra` prima. Normalmente é um indivíduo sólido, concreto e independente. A fixação na fase anal ocorre por conta de uma mãe presente, mas dominadora. O bebê controla as evacuações, treina o controle esfincteriano, fase que deixa marcas profundas na criança. Por isso, percebe-se que o indivíduo do tipo anal é mais contido do que expansivo. Se o pai for castrador e ameaçar a criança pelo fato de tomar conhecimento de seu falo e de sua potência genital a criança fica presa nessa fase. Segundo Freud, a neurose de castração dá origem aos tipos anais ou compulsivos. Embora hoje menos freqüente, graças ao avanço da psicologia – muitos pais sabem que punir severamente uma criança pode atrapalhar seu desenvolvimento – há uma certa confusão com ausência de limites e a criança, sem exemplos, quer experimentar de tudo para descobrir quais são os seus próprios limites. O risco possível é que esta pessoa passe a vida brigando com a impossibilidade de ter tudo o que quer. Já crianças que têm de controlar o esfíncter precocemente mantêm a musculatura rígida e precisa fazer força para segurar as fezes. Se as contêm, lhes dá a sensação de


48 potência e prazer. O adulto normalmente é reservado, inibido algumas vezes, depressivo e tem uma agressividade latente, pouco expressa, e pode apresentar traços compulsivos e obsessivos. São características que revelam um indivíduo metódico, perfeccionista, racional e excessivamente organizado. Apresenta estar preso a estruturas e não é afeto a mudanças na programação que podem lhe causar angústia. Tem pensamentos minuciosos, repetitivos, lineares, sem a noção de prioridades. É assolado por dúvidas porque não consegue priorizar. Tende a ruminar e a gastar muito tempo com pensamentos e idéias, como se estivesse mastigando e digerindo lentamente tudo o que acontece. Tem dificuldade para expressar a agressividade e, quando o faz, é tomado por sentimentos de culpa. O anal tem medo da castração e recolhe seus impulsos agressivos, bem como os criativos com receio dos enfrentamentos. Corporalmente são pessoas rígidas, com o corpo tenso e ´socado` ou atarracado, têm pouca mobilidade e apresentam tensões na região perianal, pelve, lábios, maxilares e cervical. São, em geral, retraídos e pouco espontâneos. Apresentam o que Reich definiu, inicialmente, como couraça muscular, por ser sólido e ter uma defesa, muitas vezes impenetrável, diz a autora. No entanto, faltou explicação mais detalhada sobre os tipos de couraça apresentados por Reich. Segundo ele, a couraça está organizada em sete principais segmentos de armadura compostos de músculos e órgãos. Estes segmentos formam uma série de sete anéis mais ou menos horizontais, em ângulos retos com a espinha e o dorso. Os principais segmentos da couraça estão centrados nos olhos, boca, pescoço, tórax, diafragma, abdome e pelve. De acordo com Reich, a Energia Orgônica flui naturalmente por todo o corpo, de cima a baixo, paralela à espinha. Os anéis da couraça formam-se em ângulo reto com este fluxo e operam para rompê-lo. Reich afirma que não é por acaso que na cultura ocidental aprendemos a dizer sim movendo a cabeça para cima e para baixo, na direção do fluxo de energia do corpo, enquanto que aprendemos a dizer não movendo a cabeça de um lado para o outro, na direção transversa da couraça. A couraça, ainda segundo Reich, serve para restringir tanto o livre fluxo de energia como a livre expressão de emoções do indivíduo. O que começa inicialmente como defesa contra sentimentos de tensão e ansiedade excessivos, torna-se


49 uma camisa-de-força física e emocional. No organismo humano encouraçado, a Energia Orgônica é presa nos espasmos musculares crônicos. Para a Medicina Chinesa, na coluna vertebral – e área próxima – passam três meridianos, não necessariamente de cima para baixo, como afirma Reich. Há o Vaso Governador que sobe da pelve para a cabeça. Lateral, e paralelamente ao centro da coluna, passa duas vezes o meridiano da Bexiga, estes sim, de cima para baixo. Os olhos e se não a boca, mas a língua, são considerados como microssistemas – regiões do corpo em que se pode fazer uma leitura do todo (conforme a teoria dos fractais). Ainda a título crítico, podese lembrar que a cabeça é a região mais Yang do homem, portanto ligada ao céu, ´assentada` sobre o pescoço e nuca que fazem a ligação dessa região sagrada – que tem o cérebro e pensa – com a terra – tronco e membros.

Retomando o tipo Anal, trata-se de indivíduos que apresentam movimentos pouco naturais e sem ritmo. Embora haja boa quantidade de energia, ela não circula. Não há boa comunicação entre as vísceras e nem com seus impulsos sexuais. Como defesa, passa a ser morno afetivamente, separa os afetos das idéias, é reservado e apresenta marcado autocontrole. Não sente muito prazer, mas também não sente dor. Relaciona-se com os outros com austeridade, crítica e senso de dever. Muito focado em si mesmo e em seus esforços. Raramente sente o outro. Tem dificuldade em demonstrar raiva que fica contida e volta para dentro. É pessoa econômica e não gosta de gastar dinheiro. Também economiza elogios, carinho e afeto. Para Freud, no livro “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, a fase sádicoanal ocorre na faixa etária entre dois e três anos, também conhecida como a idade do “não”. A erotização ocorre no controle dos esfíncteres (expulsão ou retenção) e o objeto são as funções corporais, pelas quais se testam limites perante o conflito entre dar e recusar. Os traços de caráter são: neurose obsessivo-compulsiva, teimosia, perfeccionismo e sentido de ordem das coisas.


50 Tipo fálico ou caráter fálico-narcisista

Em geral, a fase fálica vai dos dois aos cinco anos, quando a criança percebe seus órgãos sexuais. A criança passa a explorar o mundo que a cerca, se expressa melhor e vai em busca do que quer. Relaciona-se com outras crianças e sai da esfera que envolve apenas os pais. Inicia a fase criativa e expansiva. A fase fálica caracteriza-se pelas descobertas que a criança pode fazer. Pais e mães castradores podem reprimir a potência das crianças. Não se trata de limite, mas algumas vezes de competição pela conquista do próprio espaço. A criança pode ser podada violentamente e a criança, que ama profundamente a mãe, esconde a ferida da rejeição, tentando provar que pode, quando se verifica um jogo de poder entre mãe e filho ou entre pai e filha, de quem conquista e de quem rejeita, de quem detém o poder. Podem surgir problemas quando a criança ainda está experimentando o mundo e os pais exigem resultados, quando o sentimento é colocado de lado e cobra-se muito o fazer. Excesso de aulas, lições, comportamento para amigos dos pais, a imagem é mais importante do que o ser. Quando adulto, apresenta-se ativo, autoconfiante, objetivo, enérgico, ousado e marcante. Pode ser arrogante e agir com superioridade, cortante destrutivo e agressivo. Não tem medo de ´falar na cara`, de magoar ou humilhar alguém. Quando ofendido, parte para o ataque. Mas é franco e não dissimulado. Sério, tenaz, objetivo e prático. Não gosta de ficar parado, sem fazer nada. Fisicamente é atlético, imponente, tem ombros largos e postura altiva. Seu corpo mostra fragilidade nas regiões abdominal, diafragmática e da boca. O resto do corpo é firme e denso, compensa a fragilidade com enrijecimento do pescoço. Parece que não tem o direito de relaxar, ter prazer e sentir. O fazer domina o tempo todo, que é uma fuga do sentir, sentimento que o torna mais humano, mais suave. Pode abusar do poder, de drogas ou de conquistas amorosas, agindo como um colecionador. Tem dificuldade de entrega e de ter prazer que se opõem ao envolvimento profundo. A conquista é sempre um jogo de poder, atitude tipicamente narcísica, conforme a figura mítica daquele que se afogou no lago por enamorar-se pela própria imagem. Aliás, a imagem é ponto


51 central, não só física, mas social, de status e de poder das pessoas fixadas nesta fase que não costumam mostrar suas fraquezas e feridas. Quando adoece, não revela à família e mantém sua imagem de líder, que é forte e está acima da vida e da morte. Seu grande medo é precisar de alguém, depender emocionalmente, por isso sempre se coloca numa posição de superioridade e força. Despreza profundamente quem se coloca numa posição oral. Tem dificuldade de receber e de se entregar. Diante de qualquer ameaça ataca, não retrocede. Não tem medo do confronto e, sim, da entrega. Outro ponto importante de um indivíduo fálico é a paranóia. Por não confiar e não se entregar a ninguém está sempre alerta e desconfiado. Provavelmente, o homem fálico-narcisista teve forte admiração pela mãe, sedutora, mas rígida. Aqui podemos citar duas situações. Primeira: a mãe é o elemento castrador da relação, enquanto o pai é ausente ou fraco. Há, então, identificação com a força materna e durante seu desenvolvimento a criança não encontra impedimentos para tornar-se forte e decidida. Contudo, por não ter tido confronto real com um pai na infância, o tipo fálico terá maior dificuldade ao se deparar com uma figura autoritária masculina. Na vida adulta poderá identificar-se com correntes alternativas de poder, em oposição ao sistema vigente. Na segunda, o pai é, como a mãe, igualmente forte, líder e exigente. O pai é fálico, mas não castrador o suficiente para que o menino se retraia e volte à fase anal. A criança é, então, estimulada a adotar atitude também fálica, desafiante, de líder. Socialmente assume posições de poder e liderança. Como a sociedade vê com bons olhos a produtividade, competitividade, há um reforço positivo de sua atitude perante a vida. São homens de destaque, estadistas e líderes. Já a mulher narcisista tem um pai sedutor que normalmente a abandona no momento da genitalidade. A mãe costuma ser crítica, moralista e não faz aliança com a filha. A mulher narcisista despreza as outras e tem facilidade de fazer aliança com os homens, mas em nível profundo compete com eles. Se ela for forte demais pode tornar-se o homem da casa e deixar o marido em uma posição impotente. Pacientes fálico-narcisistas raramente procuram terapia, pois têm imagem ideal de si mesmos e não admitem que outros apontem seus erros. É igualmente importante saber que


52 o mercado de trabalho o atrai por ser competitivo. O fálico narcisista é bem adaptado ao sistema social.

“O desenvolvimento de um tipo fálico ocorre quando ele pode ser, sem ter de fazer. Aceitar seus erros e aprender que a imagem não é tudo. Confiar nas próprias emoções e ser capaz de entregar-se em uma relação sem precisar ficar em posição de superioridade”, escreve Campiglia.

Freud coloca o início da fase fálica aos três anos, contra os dois apontados pela autora, e vai, igualmente em ambas opiniões, até os cinco anos. Nessa fase, Freud destaca que a erotização ocorre no pênis e no clitóris, sendo que os objetos principais são as figuras parentais podendo um pai ser desejado e outro vivido como rival; as fantasias de castração – nos meninos – e de ter um bebê – nas meninas. Os principais traços de caráter dessa fase são a ambição, perturbações do funcionamento sexual como pedofilia e fetichismo.

Tipo histérico Esta fase é marcada por descobertas de diversas possibilidades de expressão. É a última fase antes de se atingir a plena potência genital. Ocorre logo após a descoberta da potência fálica. Alguns autores acreditam que a fase fálica é mais proeminente no homem e a histérica na mulher. Na fase histérica há uma exploração ampliada das possibilidades do ambiente, de maneira circular em diversas direções. A criança é estimulada pelos pais e responde tornando-se ligada, alegre e ativa. Fixar-se nesta fase pode causar superexcitação sem descarga energética. Chega à fase edípica – do enamoramento do pai para a filha ou da mãe para o filho. É uma criança cheia de vitalidade, de energia, mas o seu foco de amor não é passível de ser concretamente realizado porque o pai ou a mãe não pode corresponder sexualmente a esse amor. Os pais reconhecem a excitação da criança e ajudam-na a canalizá-la para uma expressão criativa ou a ensinam a esperar – fase de latência – até que surja um parceiro na adolescência a quem possa dirigir sua energia sexual.


53 Mas, como os pais são sedutores, entram no jogo de excitação da criança. Mas como não podem ser os depositários de tanta libido, eles recuam e deixam a criança só e perdida. Uma atitude que deixa uma marca, que é a dificuldade de dirigir sua energia para um objetivo. No período edípico a criança entra em contato com o sexo oposto e faz fantasias do tipo incestuoso. Como ela não as pode realizar, a energia fica estagnada nessa fase da evolução e cria angústia e dificuldade de descarga. Quando adulto, o tipo histérico revela ser uma pessoa sedutora, desfocada, superexcitada, dramática, ansiosa e pouco centrada. Tem capacidade de pressentir o que esperam dele e se adapta rapidamente, como um camaleão. Gosta de ser o centro das atenções. É mais fácil de se encontrar entre as mulheres, mas podem aparecer em homens que apresentam delicadeza e cortesia. São emocionalmente pessoas instáveis, sonhadoras, sugestionáveis e que, facilmente, se perdem em fantasias. O comportamento sexual é o de sedução sem envolvimento. No último instante esquiva-se e foge da relação, em uma espécie de jogo de contato e fuga. Na relação sexual podem ter dificuldade de descarga energética, apesar de atingirem alto grau de excitação. Envolvem-se em múltiplas atividades, pois têm muita energia, e têm medo de entrar em depressão. Daí a agitação e excitação, para não precisar entrar em contato com as questões internas. Facilmente mudam de opinião e apresentam comumente instabilidade de reações. Desapontam-se com facilidade, pois idealizam as situações e parceiros. Gostam de fantasiar e muitas vezes acreditam em suas próprias fantasias de maneira infantil, pois têm dificuldade de lidar com a realidade tal como ela é. Também costumam recusar-se a admitir que são sedutores e ficam chocadas com insinuações feitas pelo sexo oposto, pois na iminência de exercer a sexualidade retraem-se, adotando um comportamento passivo ou apreensivo. Podem representar papéis, sem, no entanto, chegar a expressar o que estão realmente sentindo. Uma análise do ponto de vista corporal mostra que os adultos do tipo histérico têm agilidade pélvica – rebolam, dançam – têm cintura fina, linhas curvas e formas sinuosas. Somatizam facilmente, têm andar leve, macio e flexível e não impõem sua presença no ambiente, mas insinuam-se nele. São sexualmente provocantes e sensuais. Não são pesados, porque dissipam sua energia sem foco preciso. Seu bloqueio energético encontra-se


54 geralmente nos olhos e pelve. O indivíduo do tipo histérico não costuma racionalizar, elaborar profundamente ou intelectualizar. Sua energia está mais disponível para ação e atuação. Embora possua bastante energia, nem sempre sabe usá-la por não conseguir focar seus objetivos facilmente e por dificuldade em organizar-se. Nesta fase – histérico ou caráter histérico – a autora parece somar as fases que Freud distinguiu em duas fases distintas: edipiana e genital. No livro “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, Freud destaca que a fase edipiana – ou período de latência – ocorre entre os seis e 12 anos, quando deve ocorrer a dissolução do complexo de Édipo, amnésia dos conflitos do período infantil e a identificação com os pais. Já na fase genital, Freud estabelece que ocorre entre a adolescência e a vida adulta sendo que no psiquismo ocorre o desenvolvimento da capacidade de adiar, substituir ou transferir o desejo para outros objetos (princípio da realidade) e alcance da maturidade, através do estabelecimento e fortalecimento do Ego.


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Capítulo XIV Caracterologia e Medicina Chinesa

No sistema chinês, os cinco elementos agrupam órgãos, funções fisiológicas, aspectos mentais, fatores de adoecimento etc. Ou seja, personalidades segundo os elementos como pano de fundo para o entendimento de certas tendências e caminhos possíveis. Todo indivíduo Yin é mais retraído e o Yang mais expansivo, essa é uma máxima chinesa, também apontada pela autora. Segundo Helena Campiglia, os elementos e os tipos associam-se desta forma:

Elemento Água

Tipo Fóbico

Madeira

Fálico narcisista

Fogo

Histérico

Terra

Oral

Metal

Anal

Fases, tipos e nós

A MTC reconhece que o homem passa por todas as fases de desenvolvimento, seja de um jeito ou de outro. Histórias de gestação difícil, mas com parto tranqüilo e infância alegre para uns, e gestação tranqüila, parto traumático e amamentação satisfatória para outros. São diversas combinações possíveis e inúmeras que, segundo a caracterologia


56 reichiana, fala-se de quantidade e de qualidade. Quanta energia tem uma determinada pessoa? Quanto tempo de estresse sofreu aquele bebê? A ameaça de aborto foi passageira ou esteve presente durante toda a gravidez? Qual a qualidade do afeto e da ligação entre a criança e seus pais? O fato é que todos passamos por traumas, frustrações e desamparos e, ao mesmo tempo, estamos em contato com o amor e com boas relações que amenizam e cicatrizam nossas feridas.

“Quando um adulto se submete à leitura e ao trabalho corporal, deve fazêlo no intuito de autoconhecer-se, para a apreciação do seu modo ótimo de funcionamento. A palavra-chave é funcionalidade: ´Se tenho dificuldades orais, como posso funcionar melhor? Se minhas respostas são histéricas o que esperar das minhas fantasias? O que posso fazer para sair das minhas dificuldades, em vez de desesperar-me?`”, escreve Campiglia.

Em se tratando do modo chinês de ver o mundo e as pessoas, diz-se que todos os temperamentos e tipos característicos coexistem. Ao longo da vida, pode-se inclusive passar por vários temperamentos. Os próprios tipos característicos, apesar da couraça que prende o indivíduo a uma determinada conduta, não estão 100% presentes durante toda a vida de uma pessoa.

“Há situações que geram uma resposta oral e, outras, uma resposta narcisista: uma terceira provoca uma atitude funcional. Isso é muito bem traduzido na Medicina Chinesa pelo movimento incessante observado em Yin e Yang. O Yin, ao chegar ao seu apogeu, transforma-se em Yang e o Yang, no seu clímax, transforma-se em Yin”, alerta a autora.

Também se reconhece que as tipologias são limitadas e falhas diante da complexidade humana. Dessa forma, os tipos são um modo de agrupar algumas


57 características mais ou menos marcantes ou prevalentes em uma pessoa. É raro encontrar um temperamento Madeira, por exemplo, sempre expansivo, corajoso, ativo, teimoso e agitado. Esse mesmo indivíduo pode apresentar momentos de reflexão, introversão, racionalização que não lhe são característicos. Ou seja, reconhece-se que só as pessoas que têm a possibilidade de achar caminhos funcionais e mutáveis, quando está em equilíbrio, uma vez que a estase e a fixação trazem a doença. Há dois movimentos importantes a serem destacados. O natural, que determina mudanças nos padrões de comportamento e, segundo, as mudanças proporcionadas pelo autoconhecimento.

“A evolução da espécie humana reside na sua capacidade de observar-se, de observar a natureza, de fazer associações e de tirar suas próprias conclusões. Trata-se de um processo natural que inclui todo tipo de descobertas a respeito de si mesmo e do ambiente. Essas descobertas começam na mais tenra idade, com a exploração, inicialmente visual e, depois, oral do bebê, continuando por toda a vida, assimilando vivências diversas – estudos, casamento, filhos, envelhecimento etc.”, escreve a autora.

Para que possamos transitar nos diversos temperamentos, no caminho do autoconhecimento, mudando o enfoque da vida e evoluir, podemos utilizar diversos recursos e métodos, entre eles, apresentados por Campiglia, como a meditação, análise, terapias corporais e a Medicina Chinesa, entre outros.


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Capítulo XV Os cinco elementos e sua Simbologia Psi

Segundo explica a Medicina Tradicional Chinesa, todos temos uma característica forte e marcante na formação de caráter – segundo um determinado elemento em seu pólo Yin ou Yang – no entanto é preciso lembrar, que a MTC explica que todos nós temos os cinco elementos – Terra, Fogo, Água, Madeira e Metal – e que todos precisam ser equilibrados.

Água É como o temperamento ´nervoso´ de Morange, com reações de hipersensibilidade, hiperemotividade, retração e disponibilidade. Na polaridade Yang é empreendedor, audaz, decidido, corajoso, ativo, criativo, explorador e eficiente, por vezes impulsivo e inconseqüente, desafiando situações difíceis e sempre se expondo em situações limítrofes. Na polaridade Yin, tem noção do perigo e sabe buscar situações em que se adapte melhor. Pode manifestar-se reservado, introspectivo, atento e calar, prefere observar a agir, não gasta sua energia à toa e não se expõe facilmente. Pode ser esquivo e medroso. Segundo Freud e Reich, o caráter marcado pelo alarme ou alerta, pelo medo profundo mobilizado por uma resposta adaptativa tem o caráter do tipo fóbico. Segundo a autora, ele está associado à personalidade Água com tônica Yin. Sua característica principal é o medo, portanto procura ambientes nos quais possa se sentir livre e pouco ameaçado. Trata-se de um indivíduo sensível e que descarrega sua bateria muito facilmente. Tem deficiência de energia do rim. Já o caráter do tipo Água Yang corresponde ser uma pessoa criativa, exploradora, desafiadora e bem adaptada. Que completou o ciclo de desenvolvimento sem fixações de caráter. É o que Freud e Reich chamam de caráter genital, em contraposição ao neurótico. Trata-se de alguém que pode lançar mão de todo o seu potencial, tem ótima quantidade de energia e é capaz de ir além, de se superar sem gastar o que não tem, de evoluir


59 intimamente e ajudar na evolução da espécie. São pessoas empreendedoras e criativas. O que caracteriza sua personalidade é adaptabilidade em harmonia com seu potencial individual. Um incentivo ao caráter Água Yang se dá, tecnicamente falando, em estimular os meridianos ligados ao elemento, sobretudo Bexiga (Yang), mas também o Rim (Yin).

Madeira Representa o crescimento, a árvore que cresce em direção ao sol aproveitando a energia da terra e da água. Ligado ao movimento e à ação, este elemento, do ponto de vista psíquico, está aliado à capacidade de tomar decisões, fazer planos, olhar para o futuro e crescer conjuntamente com o tempo. Representa a capacidade de expressão, como a semente que carrega consigo o potencial da árvore. Contém a sabedoria dos ritmos e armazena a experiência do passado. São pessoas decididas, expansivas, competitivas, independentes, ousadas, combativas e inflexíveis.

Podem ser curiosos, espirituosos,

joviais, agitados, sem medo de arriscar, são confiantes e impulsivos. Bons planejadores, tomam a dianteira nas decisões. Normalmente são pessoas consideradas como líderes naturais, mas no seu pólo negativo poderão tornar-se autoritários, quando ocorre um descontrole dessa energia ligada à madeira. São pessoas que não gostam de ficar paradas e podem tornar-se irritados e nervosos, pois têm necessidade interna de agir e não suportam impedimentos ou frustrações. Em processos decisórios podem atropelar o sentimento das outras pessoas. Gostam de movimento, esportes, viagens e mudança de ambientes. Têm aversão à quietude e também não conseguem lidar com frustrações. Aliás, podem deprimir em algumas situações contrárias aos seus desejos nos mais diversos graus. Corresponde ao temperamento bilioso, que apresenta elasticidade, energia de ação e agressividade. Aqui é importante demonstrar que, diferente da justaposição entre potência e ato – e, sim, se referindo à polaridade “equilíbrio-desequilíbrio”, a MTC demonstra, na prática, como os processos orgânicos são correlativos e inter-relacionados com os procedimentos terapêuticos e funcionais promovidos, especialmente pela Acupuntura.


60 Nesse sentido, quando ocorrem desequilíbrios em pessoas que tenham o elemento Madeira como preponderante em seu caráter, os indivíduos podem apresentar paranóia, cólera, tendem a gastar muito, além de apresentar irritabilidade. Já o indivíduo bem equilibrado é capaz de ouvir sua própria intuição e segue seus ritmos internos sem atropelar o sentimento dos outros. Sabe como contrabalançar a liberdade e responsabilidade. Para equilibrar-se deve desenvolver a visão para compreender a si mesmo e ao ambiente.

Madeira Yang – podem tornar-se pessoas irritáveis, impacientes, desatentas, intolerantes, egoístas e agressivas, já que a necessidade de ação acaba impelindo-as ao movimento frenético, passando por cima de outras pessoas ou obstáculos. Madeira Yin – têm grande energia contida e costumam expressar-se abertamente, embora não realize tudo o que poderiam. É uma mistura perigosa, já que o indivíduo tende a jogar para dentro o que deveria jogar para fora, como em um curto-circuito. Podem acompanhar sintomas depressivos ligados à frustração e à raiva dissimulada. Pode ter explosões momentâneas ou implodir, além de poderem acarretar uma série de doenças de origem emocional. Na MTC, o Fígado – órgão da Madeira – é chamado de ´General`, que exerce seu comando e organiza os soldados – energia dos Rins – direcionando para ação e meta. As personalidades Madeira estão associadas ao caráter fálico e a diferença reside no direcionamento da energia. O Yang direciona sua energia para fora e o Yin para dentro. O indivíduo Madeira adapta-se bem às exigências do mundo atual já que a sociedade moderna valoriza o controle, a ação, autoconfiança e objetividade. Para se equilibrar, esse indivíduo precisa de outros elementos, mais suaves e flexíveis.

Fogo Representa o espírito e a mente. Elemento ligado à consciência de si e à força de vida. Sua expressão ocorre também pelas emoções, afetividade, alegria e amor. Caracterizase pela expansão, já que o fogo alastra-se com facilidade. Sua maior dificuldade talvez seja mesmo preservar limites ou poder queimar-se até extinguir-se. Personalidades Fogo são


61 comunicativos, gostam de expressar suas idéias e opiniões, podem ser alegres, otimistas, extrovertidos, idealistas, flexíveis, espontâneos, sociais e ativos. Costumam não conhecer limites aos seus projetos e, por isso, enfrentam dificuldades uma vez que a existência, por si só, envolve a existência deles. Têm dificuldades de focar seu pensamento e atitudes, expandindo sua energia para todas as direções. Em geral são pessoas cativantes, falantes e gostam de ser o centro das atenções. O temperamento é sanguíneo, ruidoso e potente e seus problemas psíquicos são insaciabilidade, egocentrismo, brutalidade, trivialidade e invasão. Bem equilibrado, tem grande afetividade e capacidade de amar. Desequilibrado, pode tornar-se maníaco ou cair em depressão, procurando o amor nos outros ao invés de encontrá-lo em si. No pólo Yang, são expansivos e comunicativos, hiperexcitados e podem ser irresponsáveis e impulsivos. Representa o máximo da ação e podem desenvolver patologias como mania, delírio, droga-adição. É essencial aprender e equilibrar seus próprios limites até mesmo para o (auto) diagnóstico e atos terapêuticos. Meditação, exercícios físicos moderados e contato com a natureza ajudam. No pólo Yin apresentam maior dificuldade em realizar e agir, podem ficar presos no mundo da imaginação e do sonho. Pode ter ansiedade crônica por não canalizar a energia. Podem ser associados ao caráter histérico e se apresentar em indivíduos alegres, criativos, interessados, porém pouco objetivos e hiperexcitados. Plenas de vitalidade, essas pessoas podem tornar-se desfocadas por não saberem direcionar a sua energia. Geralmente são falantes, sedutores e cativantes, uma vez que fogo é a energia da paixão. Processo de transformação interna e de muita criatividade, mas que queima sem consumir. Indicam-se para equilibrar pessoas com predomínio deste elemento os processos de introspecção, aprendizagem e equilíbrio.

Terra Este elemento tem como característica a capacidade de armazenar energia. A Terra detém a sabedoria do tempo e da vida. Associada ao movimento de prover alimento aos outros e à ligação de dependência dos filhotes mamíferos aos cuidados dos pais. A emoção do elemento Terra é a preocupação e o cuidado. Em excesso podem estagnar o fluxo de


62 energia de todo o corpo e desviar o foco de si mesmo para dar mais atenção aos outros. Eventualmente, esta atitude pode gerar insegurança e medo de rejeição que pode iniciar um ciclo de uma pessoa tornar-se apegada ao outro por medo de perder seu afeto e ficar só. Insegurança e receio podem ocorrer pelo excesso de atividade mental da Terra. De personalidade introvertida e reservada, geralmente são pessoas detalhistas, organizadas, passivas, pensativas, analíticas, metódicas, lógicas, cuidadosas, carinhosas, críticas e racionais. Podem tornar-se obcecadas e rígidas. Outro atributo importante deste elemento é a sabedoria, de quem gera e nutre em seu seio. A grande mãe, a fonte da vida, da serenidade da espera, do acúmulo de experiência. O aspecto negativo é a pessoa ficar apenas no estágio contemplativo e não ser capaz de pôr-se em movimento. O indivíduo rumina e perde energia com conjecturas. Muitas doenças mentais ocorrem por desequilíbrio simultâneo entre Terra (Baço) e Fogo (Coração – Fogo). O equilíbrio do elemento Terra reside no ato de nutrir a si próprio e livrar-se do medo e do apego para poder abrir-se para o mundo e a vida. O indivíduo Terra deve aprender a passar do pensamento à ação, como se fosse a continuação natural do outro. Terra Yin indica um indivíduo que passa muito tempo raciocinando. De certo modo, fica preso em seus pensamentos e não os consegue traduzir em ação. Pensamentos irreais ou repetitivos, uma ruminação mental que leva à estase de energia do Baço e de todo o organismo. Atividades de toques, massagens, dança, exercícios aeróbicos e outros hobbies que não necessitem do intelecto ou razão são importantes e benéficos para esses indivíduos. Já a personalidade Terra do tipo Yang ocorre em pessoas que cuidam ativamente de outras, preocupam-se com o bem-estar de outros. São as “mães eternas” que cuidam de tudo e de todos. Os aspectos negativos ocorrem quando exigem reconhecimento por sua generosidade ou impedem o crescimento e o amadurecimento das pessoas que as cercam, tornando-as dependentes de sua ajuda. Os laços de dependência que se formam são prejudiciais dos dois lados, pois o indivíduo Terra Yang, ao cuidar excessivamente dos outros, deixa de cuidar de si mesmo e estabelece uma relação de dívida e culpa com o mundo. Trata-se de uma atividade de força e dominação que esconde o medo de rejeição e


63 solidão. Para ela é importante, ao invés de cobrar do mundo a retribuição de seu amor, passar a cuidar de si. Pode-se dizer que a personalidade Terra corresponde ao tipo oral com suas relações de dependência, ligação e nutrição. A pessoa é capaz de adivinhar as necessidades do outro, é amável e cuidadosa, mas tem uma relação de dependência com seus parceiros, em eterno jogo de quem dá mais e quem recebe mais. O Terra Yin raramente toma a própria vida nas mãos, pois é passivo e receptivo. Gasta muitas horas pensando no que vai fazer, sem, no entanto, realizar. Tende a se sentir cansado e esvaziado de energia. A abertura é a boca, lugar da fixação da libido. Geralmente são pessoas que apreciam boa refeição, pois o prazer está presente sobretudo na boca. O cuidado com outras pessoas é de amor e afeto genuínos, pois são pessoas sensíveis e amorosas. Mas as relações de dependência são facilmente estabelecidas e o tipo oral pode ficar preso, esperando receber do outro aquilo que ele não consegue dar a si mesmo. Recomenda-se a essas pessoas aprender a se alimentar, tanto de comida como de afeto, para não se sentirem vazias e dependentes.

Metal Na psicologia analítica o Metal está associado ao processo de individuação que significa aproximação do eu verdadeiro, do Self, que contém aspectos bons e maus, sombra e luz, o que representa a totalidade da psique. O Metal é o símbolo alquímico da união de vários elementos e que tem a possibilidade de gerar o novo. Em MTC, o Metal manifesta-se pelo Pulmão, primeiro suspiro do homem, e a própria manifestação da respiração e da vida. Assimilação da energia do ar, do ter e do deixar ir, ritmo interno da vida, ligado ao apego e ao desapego, tristeza e pelo pesar. Sentimento que vem do fato de que na vida é necessário escolher caminhos e que, ao escolher um, abrimos mão do outro. Tristeza pela perda e pelos nossos limites, renovação pelo ar que entra nos pulmões. Espada da verdade que corta fora ilusões e o desnecessário para que haja confronto com a realidade. Um caminho escolhido deixa de seguir outro, aproximação da consciência


64 e da sabedoria. “Os verdadeiros sábios são aqueles que aceitam a vida como ela é, compreendem seu movimento sem criar apego desnecessário”, escreve a autora. São pessoas que sabem que a vida é impermanente e seguem sua intuição para seguir o fluxo de energia, o macrocosmo, do mundo externo, além de estarem conectados ao microcosmo, ou seu mundo interno. O indivíduo Metal é observador, introvertido, sensível, intuitivo, inteligente, desconfiado, teimoso, calculista e, às vezes, frio. Tem o hábito de economizar dinheiro e jamais se arrisca em atividades muito instáveis. É reservado, discreto e sabe analisar a situação. Equivale ao temperamento linfático, caracterizado pela passividade com tendência a acumular bens. Seus problemas psíquicos podem ser a falta de paixão e senso moral, segundo assinala a autora, o que tenho percebido ser uma verdade clínica, já que falta o entusiasmo do fogo e o ímpeto da madeira. Na polaridade Yin, são pessoas muito intuitivas, introvertidas, caladas e analíticas. Eventualmente têm dificuldade em formar laços duradouros com outras pessoas. Participam pouco da vida e têm medo de se envolver em atividades diversas ou arriscar novas situações, pois não querem gastar energia para manter essas situações ou relacionamentos. Podem viver perdidos em suas memórias ou sonhos, sem nunca chegar a realizá-los. Guardam mágoa com facilidade e não expressam seus sentimentos, com medo de não serem aceitos. Acabam, freqüentemente, por causa desse comportamento, gerando doenças físicas sérias. Em geral, após sofrerem algumas frustrações, ficam com medo de se envolver emocionalmente ou de se entregar mais profundamente. Na polaridade Yang, as pessoas de Metal podem ser bem estruturadas, mais ativas e de opiniões definidas. Eventualmente, tornam-se rígidas e apresentam dificuldade em abrir mão de suas posições, convicções ou bens materiais. Podem ser obstinadas e competentes, mas, em geral, não lidam bem com mudanças na sua rotina. São meticulosas e até obsessivas e não muito criativas. O tipo anal ou compulsivo é o que bem se relaciona com a personalidade Metal, não pela relação do Intestino Grosso com o elemento metal, mas também pelas funções de condensação de energia desse elemento. O indivíduo anal ou compulsivo é reservado, tem agressividade latente, é metódico e muito organizado. O pensamento é minucioso, linear e


65 repetitivo. É um elemento de acúmulo de energia, enquanto o Pulmão está relacionado ao ´abrir mão`, deixar ir, aceitar as perdas e a vulnerabilidade da vida. O pesar das perdas não está ligado somente às perdas materiais, mas também às separações de pessoas amadas, situações sociais e econômicas, mudanças de fase de vida – como perda da juventude – mudanças de atitude do parceiro etc. A perda da identidade pode advir de mudanças muito grandes na vida de uma pessoa, como uma lagarta que precisa transformar-se em crisálida e ´morrer` para virar borboleta. Assim, algumas mudanças na vida parecem verdadeiras mortes. Sem respirar fundo e ir em frente, para estas pessoas não é possível mudar ou transformar os valores de referência para tocar a vida. Como a tristeza e o pesar são sentimentos difíceis e dolorosos, muitas vezes a pessoa tenta esquivar-se deles, evitando situações de confronto que possam gerar perdas ou mudanças profundas e dolorosas. Tal atitude só contribui para maior fechamento do Pulmão, do peito, do sentir e do pulsar, resultando em estagnação da energia vital. Freqüentemente essa energia estagnada gera novas doenças e situações difíceis. O principal aprendizado para o tipo anal, ou da personalidade Metal, é aceitar as perdas, abrir mão de seus bens e de suas posições rigidamente estruturadas para seguir com mais naturalidade e flexibilidade o fluxo da vida. Aqui, como em todas outras observações sobre o aprendizado de cada tipo, são dados e informações que podem ser utilizados não apenas no diagnóstico, mas também como orientação terapêutica ao lado de dietoterapia e da Acupuntura que irão atuar nos órgãos e vísceras para atingir, além do equilíbrio bioenergético, o bem-estar também psíquico.


66

Capítulo XVI Fatores de adoecimento segundo a Medicina Tradicional Chinesa

A MTC aponta para duas direções para explicar os fatores de adoecimento: um interno e outro externo. As externas podem ocorrer tanto por deficiência de seu sistema de defesa ou por sofrer muitas agressões do ambiente em que vive. Não são excludentes e podem, inclusive, ser concomitantes. Varia muito, de caso para caso, de indivíduo para indivíduo. Explica a autora que há fatores internos, como a estrutura genética e hereditária, e outros pontos que devem ser levados em conta como o modo de vida e, principalmente, diria eu, os sentimentos. Os fatores externos dependem do clima, das estações e do meio ambiente. Deve-se considerar ainda que se pode adoecer no físico, na mente ou em ambos. Devemos lembrar também que a partir do surgimento da medicina psicossomática e das terapias com abordagem corporal, passou-se a acreditar que doenças físicas como gastrites, doenças articulares, cefaléia, doenças intestinais e até mesmo o câncer teriam como base alterações emocionais. Segundo a autora, houve até um exagero dessa visão o que pode levar a algumas colocações falsas como ´a pessoa tem gastrite porque é nervosa` etc., ou tal ´pessoa tem câncer porque é muito magoada`. O fato, segundo diz a autora, não é bem assim, já que muitas pessoas bem resolvidas emocionalmente também têm câncer, obesidade, gripe, dor etc. Consideração bastante ponderada, segundo pode-se avaliar pela sua própria experiência clínica. No entanto, a visão que a MTC propõe é a do todo, entre vários fatores causadores da doença e que podem agir em um corpo mais frágil ou mais fortalecido. Como essa abordagem mostra que a saúde depende de inúmeras interações possíveis entre o ambiente, emoções, alimentação, estilo de vida e inevitável vulnerabilidade do ser, pois a condição humana inclui a doença e a morte, a autora reconhece que “considerar que certos tipos de doentes têm apenas doenças mentais e outros, somente doenças físicas, pode-se cindir mais


67 uma vez o corpo e a mente”, fato que mostra, novamente, que corpo e mente são apenas dois aspectos de um mesmo organismo e que não podem ser divididos. Pode parecer uma contradição com o que já foi dito anteriormente – de que há pessoas bem resolvidas emocionalmente e que, entretanto, adoecem – mas, de fato, não se pode classificar e, sim, encarar, como preconiza a MTC, pré-disposições e tendências que podem tornar-se patológicas ou não, a depender da estrutura genética e do modus vivendi do indivíduo. Aliás, neste ponto convém lembrar que para a MTC saúde resulta do equilíbrio entre o Yin e o Yang.

“Quando estão em desequilíbrio, observa-se o processo de adoecimento. A doença não surge de uma hora para outra; é fruto de uma sucessão de experiências estressantes acompanhadas por uma fragilidade do mecanismo de proteção. Esse processo pode começar a ocorrer no adolescente e só se manifestar na idade adulta ou na velhice. Muitos eventos ficam internalizados e, em uma situação específica, podem ser reativados como um alarme, desencadeando uma reação em cascata que culmina com a doença”, escreve Campiglia.

Outro fato importante levado em conta pelos chineses é que o equilíbrio entre Yin e Yang, entre o indivíduo e o meio não é estático, mas dinâmico como a própria natureza. No processo de adoecimento leva-se em conta:

Redução da energia vital e do Tchi correto quando o corpo não possui resistência adequada para defender-se.

Excesso de agentes patogênicos – também chamados de energia perversa ou Xué.

O desequilíbrio que leva à doença depende da interação entre o ´correto` e o ´perverso`. O Tchi correto depende de alguns fatores como:


68

Alimentação.

Resistência adquirida por treinamento (exercícios).

Constituição física (hereditariedade).

Meio circunvizinho (estabilidade ambiental).

Estado mental.

Outro fato importante que merece ser destacado é que o estado atual do paciente não é, na grande maioria das vezes, indicativo da origem de sua doença. Em outras palavras, para seguir um exemplo da autora, um paciente com asma não necessariamente ficou doente por conta do Pulmão, mas, talvez, por deficiência crônica do Rim, que desequilibrou o Pulmão. Uma leitura crítica pode demonstrar que um distúrbio do Pulmão pode ocorrer por uma série de causas, além da deficiência de Rim, como insuficiência de Fígado, por exemplo, fraqueza do meridiano do Baço-Pâncreas ou, como chamamos tecnicamente de contra-dominância, excesso da função Coração que pode se rebelar contra o Rim e causar também um problema no Pulmão. Nesse ponto de vista, o livro abordou o assunto talvez de uma maneira simples demais. Todas estas possibilidades de avaliação podem ser chamadas como uma espécie, conforme o orientador Dr. David Calderoni, de “diagnóstico das complexões patogênicas”, ou “anamnese dos desequilíbrios transitórios”.

“Entender a raiz da doença possibilita tratar a verdadeira causa, seja ela psicológica ou física”, explica a autora.

Campiglia também ressalta que nem sempre o que leva a uma doença psíquica é um fator psicológico, como nem sempre o que leva a uma doença física é um fator externo.


69 “Um quadro de fadiga e obesidade pode desenvolver-se após longo período de estudos para o vestibular. Um estado depressivo pode ter como origem alimentação desregrada, hemorragias ou partos”, explica.

Nesse sentido, um tratamento via MTC implica, muitas vezes, em mudanças de hábitos de vida, que são cruciais para o restabelecimento da saúde.

Fatores de adoecimento externos Alterações no clima, estações do ano, vírus, bactérias e aos chamados seis excessos como Vento, Frio, Calor ou Fogo, Umidade, Secura e Canícula – que a autora coloca como calor do verão, mas na verdade significa é a Quinta Estação, período que surge entre as estações como uma preparação natural para a estação subseqüente. Sabe-se que, quando o homem é capaz de se adaptar às variações climáticas, os fatores externos não são considerados patogênicos. Caso contrário, ele adoece e, então, esses fatores passam a ser chamados de patogênicos externos. É por isso que, mais uma vez, destaca-se a importância de identificar cada doença em cada pessoa. Para tanto, deve-se examinar cada paciente como único, com sua história, que exige exame físico, de língua e pulso. Eu diria que o pulso é fundamental, além de avaliar a freqüência e o volume de urina/dia, funcionamento dos intestinos, como se dá a alimentação, qual a preferência por determinados sabores, a qualidade de sono, se a pessoa sonha, se há sonhos recorrentes etc. No livro O Físico, o autor, Noah Gordon, traça a história romanceada da medicina. No texto, cita Avicena – que alguns julgam como figura lendária, outros, entretanto, admitem e apostam que ele de fato existiu. O importante nesta monografia e destacar uma frase que li no livro de Gordon e que me marcou muito, então de autoria de Avicena, o ´Príncipe dos Médicos` dirigida aos estudantes de medicina: “Os pulsos não mentem jamais”, disse ele. Uma frase de efeito, curta, objetiva e absolutamente correta. Afinal, um paciente pode dissimular um sentimento, uma emoção, ocultar ou tentar esconder um sintoma do


70 terapeuta, disfarçar um sinal do médico, do analista etc. No entanto, quando se apalpam os pulsos, as batidas revelam até mesmo o indizível, o escondido, o oculto, e permite um diagnóstico próprio da Medicina Chinesa e especialmente para a Acupuntura. Quando me perguntam como reconhecer um bom acupunturista, costumo dizer para verificar como o colega faz o diagnóstico. Há várias maneiras: anamnese pelos cinco elementos, avaliação dos olhos, pavilhão auricular, avaliação emocional e alimentar, de sono, funcionamento das vísceras etc. No entanto, não vejo outro mais eficiente que o pulso. No curso de formação em Acupuntura tivemos várias aulas sobre os chamados ´Pulsos Reveladores`, por onde se pode avaliar o estado atual do paciente, pregresso recente e, em alguns casos, o que deverá ocorrer em breve. É a tomada de ambos os pulsos do paciente que irá determinar ao bom acupunturista qual a linha terapêutica a ser seguida. É a tomada dos pulsos que irá estabelecer os pontos que serão trabalhados em determinada sessão. Note-se que esta receita de pontos muda em cada sessão. Por isso, nós, acupunturistas tradicionais, rechaçamos determinadas linhas de Acupuntura que estabelecem uma receita única de pontos para determinada patologia e as mesmas receitas são repetidas uma série de vezes. Para se medir o pulso, com os três dedos – indicador, médio e anular – de ambas mãos – o médico/terapeuta/acupunturista ´mede` uma série de órgãos, avaliando se estão, basicamente, excitados ou enfraquecidos. O Acupunturista mais experiente é capaz de avaliar mais detalhes em cada um desses estágios. No entanto, para não sairmos do foco dessa questão, é importante citar os órgãos avaliados numa tomada de pulso que antecede a aplicação das agulhas. Ao todo são 12 funções avaliadas:

Intestino Grosso e Pulmão Estômago e Baço Pâncreas (para os chineses os dois órgãos formam um meridiano) Triplo Reaquecedor e Circulação e Sexualidade * Intestino Delgado e Coração Vesícula Biliar e Fígado


71 Bexiga e Rim

Há uma série de leituras possíveis – preconizadas pelo texto clássico os “24 pulsos patológicos” – que nos orientam para o processo terapêutico e que acabam comprovando a relação entre o corpo físico e as emoções (ver próximo item sobre as emoções levadas em conta no diagnóstico chinês).

Fatores de adoecimento internos Referem-se às emoções, que fazem parte integral da vida humana. Quando muito intensas ou porque permanecem por longo período, podem tornar-se fatores de adoecimento, já que podem gerar desarmonia nos órgãos e vísceras. Assim como as desarmonias nos órgãos e vísceras também geram emoções alteradas e distorções da realidade. Assim, um afeta o outro, assim como o Yin afeta o Yang e vice-versa. As principais emoções estudadas na MTC são: alegria, raiva, tristeza, pesar, preocupação, medo e choque.

Nem externos, nem internos Há uma gama variada que a MTC leva em conta como alimentação, ocupação, excessos em geral, de trabalho, de exercícios físicos, de relações sexuais, sem contar os traumas e epidemias.


72

Capítulo XVII Emoções são levadas em conta no diagnóstico e tratamento

Antes de tudo é importante ressaltar que nenhuma patologia é encarada pela MTC dissociada de seu componente emocional. A preponderância de um determinado elemento em detrimento de outro é sempre caracterizado como patológico e irá desembocar, necessariamente, em doença. Como cada emoção tem um chamado ´domicílio` - em um órgão e víscera (Yin e Yang) – a preponderância ou inexistência (ou fraqueza) de determinada emoção pode causar alterações fisiológicas e vice-versa, com a devida associação à psique individual. Dessa forma, vamos tratar cada uma delas, segundo reza a MTC.

Medo. Necessário à proteção em situações ameaçadoras e para identificar perigos, este sentimento tempera a impulsividade e aumenta o tempo entre a intenção e a ação. Quando em excesso podem ocorrer as situações de pavor ou pânico, quando o medo impede totalmente a ação, paralisando a pessoa e tirando a vontade de agir. Sintomas mais comuns: incontinências urinária e fecal. O medo altera diretamente os Rins e pode afetar o Coração – inclusive o Shen – causando desarmonia interior, auto-inibição e queda da auto-estima.

Alegria. Sinônimo de satisfação e felicidade, esse sentimento proporciona o equilíbrio do Shen e do Coração. Quando em excesso, cria um estado de superexcitação que consome o Tchi e pode afetar o Coração. O paciente perde sua base e não consegue se concentrar. Pode alternar estados de mania e depressão.


73 Tristeza. Junto com o pesar, este sentimento nos coloca em contato com a limitada condição humana e permite elaborar perdas pessoais e separações – de pessoas, de fases da vida, de objetos etc. Permite a introversão e aceitação das mudanças da vida e não deve ser considerada anormal ou indesejável. Na MTC, tristeza simboliza importante movimento para dentro, de recolhimento, devendo ser respeitada como tal. Como todo excesso faz mal, a tristeza profunda e prolongada leva o indivíduo ao estado depressivo. A incapacidade de realizar-se pode causar a sensação de impotência e desânimo permanentes. O pesar e a mágoa podem alterar o Pulmão e resultar na redução da respiração e da energia como um todo.

Preocupação e pensamentos. Pensamentos fixos levam à obsessão, às regras rígidas e perda da flexibilidade. Preocupação e excesso de idéias fixas alteram diretamente o Baço, órgão responsável pelo transporte e pela transformação de energia. Ocorre ´indigestão mental` ou ruminação de pensamentos. O paciente estagna a circulação de Tchi.

Raiva e Ira. A agressão é uma emoção altamente necessária para a sobrevivência e a adaptação do homem. Não a destrutiva, mas a construtiva, a que permite ao ser humano derrubar uma árvore para fazer uma casa. A agressividade que impulsiona as novas idéias e a vontade de construir e crescer. O indivíduo incapaz de expressar agressividade não consegue conquistar seu espaço pessoal e sucumbe perante a vontade dos outros e as adversidades da vida. Raiva e ira são manifestações extremas da agressividade e podem levar à desarmonia interna. Raiva explosiva gera alteração do Fígado e, como conseqüência, impede o fluxo de Tchi. Sintomas associados: irritação, opressão torácica, distensão abdominal, síncopes.


74 As alterações dos Zang Fu – ou órgãos e vísceras – também geram emoções ou padrões de comportamento alterados:

Rim Vazio – medo que leva à indecisão Plenitude – causa autoritarismo e extravagância

Pulmão Vazio – gera angústia e depressão Plenitude – provoca superexcitação

Fígado Vazio – produz indecisão Plenitude – cria raiva

Coração Vazio – leva ao choro Plenitude – gera mania

Baço-Pâncreas Vazio – gera astenia mental Plenitude – leva à obsessão


75 Os fatores externos também devem ser levados em conta em todo diagnóstico, segundo os ditames da MTC. O vento predomina na Primavera e é a entrada de outras energias perversas chamadas vento-frio, vento-calor etc. Como o vento é Yang e está relacionado às mudanças de estado, está ligado à parte superior do corpo. Tem o poder de abrir os poros, fazer escoar a energia e está sempre em transformação. O Frio é Yin e relaciona-se à diminuição da atividade Yang – que é aquecimento, movimento e transformação, retenção e proteção. Relaciona-se à contração e à estagnação, causando a redução de Tchi de defesa e alteração no Baço e redução no transporte e na transformação. O Frio externo penetra no corpo após a exposição à baixa temperatura. O Calor é o Tchi predominante do verão e se refere ao agente perverso externo, enquanto que o Fogo é um estado interno gerado pela hiperatividade ou por desequilíbrios dos Zang Fu. O Calor-Fogo é Yang e eleva-se à parte superior do corpo, tem capacidade de dispersar o Tchi e pode agredir o Shen (Espírito). A Umidade está relacionada ao clima úmido, é Yin, pesada, turva e impura. Responsável pela viscosidade e estagnação, obstruindo a circulação de Tchi. A Umidade externa atrapalha o bom funcionamento do Baço que não transporta e não transforma o alimento como deve. Já a Secura é o Tchi do outono, é Yang e consome os líquidos orgânicos, além de atacar principalmente o Pulmão, responsável pela purificação e descida do Tchi.

Alimentação Tanto irregular – quantidade e qualidade – como na regularidade de horários, a alimentação pode ocasionar distúrbios como:

Insuficiência de ingestão – fraqueza do Baço-Pâncreas e do Estômago – insuficiência de Yin e do Sangue.

Excesso de ingestão – altera os Intestinos e o Estômago – reduz o Tchi do BaçoPâncreas.

Alimentação gordurosa, muito condimentada e álcool – geram calor, umidade e mucosidade, podendo causar estase de Tchi.


76 •

Alimentação crua e fria – produz frio-umidade interno, enfraquece o Yang do BaçoPâncreas. Além disso, é preciso lembrar que o abuso de sabores específicos pode lesar um

Zang Fu determinado.


77

Capítulo XVIII Entidades Viscerais

Shen, Hun, Po, Yi e Zhi são consideradas, pela MTC, com o que denominamos aqui no ocidente de ´entidades viscerais`, assunto de grande importância para o entendimento da psicologia em relação ao que dizem os textos clássicos chineses. Em meu modo de entender, é possível não só utilizar esses conceitos (das entidades viscerais) para o diagnóstico, mas também para o tratamento de pacientes com queixas psicológicas. Pelas leituras de excesso ou insuficiência de determinado órgão (ou função e, conseqüentemente, ´entidade visceral`) e de sua representação psíquica. Não pretendo aprofundar este estudo aqui já que, sem dúvida, mereceria outra monografia. No entanto, explicarei sucintamente o que representa cada uma delas, lembrando que todas representam a consciência (Shen, que é o grande maestro) e os aspectos da alma, da intenção, do pensamento, dos instintos, vontade de viver, entre outras. Abaixo, um resumo das colocações, aspectos e características colocadas pela autora, onde não vejo motivo para críticas, apenas algumas adições (em tipo negrito):

Shen é o espírito, a consciência, ligado ao elemento Fogo, ao verão, também com a claridade e a expansão. Razão, poder de síntese, inteligência global com influência direta sobre as demais entidades viscerais. O Shen individual é o que a pessoa recebe no céu anterior (antes da concepção) Hun é a alma, Madeira, primavera, ascensão, abertura e crescimento. Imaginação e condicionamento. Memória rápida e não discriminativa como ocorre em Yi. Po é a alma corporal, Metal, outono, movimento de descida e recolhimento.


78 Autopreservação, preservação da espécie e sexualidade Yi, raciocínio e lógica, Terra, movimento de centrar ou dar referência. Intuição e memorização, aprendizado consciente necessário para o amadurecimento do ser humano. Zhi, elemento Água, inverno, força e vontade de viver. Determinação do prazer, vontade de realizar as tarefas. Disfunções – sentimento de culpa = destrutivo e autopunição

*

O Hun está ligado ao Fígado e tem características associadas ao movimento e ao fluxo de energia. Pode-se analisar como é a expressão do paciente (ou como está em determinada fase da vida) mediante a análise do funcionamento desse órgão e presença desse elemento em seu quadro geral. Ligado aos sonhos e a capacidade de planejamento e de traçar objetivos na vida. Essa entidade visceral também é responsável pelo inconsciente, pelos sonhos, arquétipos e fantasias. O Hun é o que separa e distingue o que é prazer de desprazer e nos mobiliza em função do primeiro. Ligado diretamente aos músculos e à tensão ou relaxamento, essa função/órgão (e entidade visceral) relaciona-se também às couraças de Reich. O Hun também está ligado com a agressividade e o olho é a sua expressão. Assim, o olhar do paciente deve ser analisado pelo médico/terapeuta para avaliar esse importante item durante a anamnese inicial e também em todas as sessões de tratamento.

*

Po é a camada mais primitiva da consciência. Instintiva, também chamada de alma corporal. Reações de luta e fuga, ataques de pânicos ou impulsivos, além dos controles esfincterianos são realizados por esta função. Aloja-se no Pulmão, fonte de energia do ar


79 (energia celestial) e que gera energia para a queima dos alimentos para sua distribuição pelo corpo todo. É o espírito estruturante que condensa a energia para a formação de cada ser. Dá a orientação para a manutenção da vida – alimento, sono, preservação de perigos (instintos) – e ajuda na estruturação também da consciência do Ego. Emoções como a tristeza e o pesar podem afetar o Po, ligado também à pele. A autora estabelece ligações do Po com o Id da psicanálise e ao cérebro reptiliano. Atitudes como explosões, sustos, sobressaltos, reações espontâneas, irracionais ou instintivas estão ligadas ao Po.

*

A entidade visceral Yi está ligada com a intenção e a ideação, sugestão, opinião, idéias e pensamentos. Relacionada ao meridiano Baço-Pâncreas, essa função dá lucidez ao pensamento e à consciência. É a compreensão, o julgamento e pode proporcionar a sabedoria. Não à toa, representa o centro. Doenças psicológicas como a bulimia e a anorexia estão relacionadas aos distúrbios do Baço-Pâncreas. Também as memórias corporais estão intimamente ligadas a essa função que guarda as imagens, ideais e as intenções. Inspiração e criatividade, pensamentos e a capacidade de decorar – memória – estão relacionadas ao Yi. Pensamentos obsessivos são desequilíbrios dessa função. Por excesso. Quando há deficiência, a pessoa não consegue se concentrar (ou tem dificuldades) de memorizar ou ter raciocínio lógico. A astenia mental também está inclusa nessa entidade visceral.

*

Zhi pode ser traduzido como a força de vontade ou a capacidade de realização. Gera o movimento do Tao, portanto é a base do funcionamento do Shen. Aloja-se nos Rins, como vimos, órgão responsável pela energia ancestral, também chamada de “bateria do corpo”. Pode-se, entre outras maneiras, avaliar como está a função de um indivíduo, analisando sua capacidade de realizar projetos e de concretizar idéias. Alterações do Zhi


80 podem gerar medo, sentimento de inferioridade, timidez, desconfiança e, no pólo oposto, sentimento de superioridade, autoritarismo e falta de limites. Também se relaciona aos objetivos, intensidade e direcionamento da atenção e energia nos projetos de vida.

A tabela abaixo retirei de meu curso de formação em Acupuntura na Associação Brasileira de Acupuntura – ABA que julgo importante nos tratamentos dos distúrbios psi.

Entidade Yi

Meridiano

Excesso

Insuficiência

Baço

Calma excessiva,

Falta de memória, esquecimento

Pâncreas

tranqüilidade exagerada,

freqüente, ansiedade crônica,

fixação no passado, idéias

falta de desejo e desgosto

fixas, pode virar obsessão Shen

Hun

Coração

Excitação mental, alegria

Abatimento, timidez, muitas

CS

exagerada, riso constante e

queixas, incapacidade de

exagerado

esforços físicos e mentais

Cólera, raiva, ira e

Falta de imaginação, de

irritabilidade

concentração, de coordenação de

Fígado

idéias, falta de iniciativa Zhi

Rins

Pulmão

Autoritarismo, temeridade,

Indecisão, medo, angústia,

pode gerar hiperplasia de

aperto no peito, ausência de

próstata

propósitos, fraqueza de caráter

Agressividade seguida de

Desinteresse total, perda do

tristeza, (bi-polar), obsessão

instinto de conservação, expõe-

pelo futuro, romântico nas

se a riscos desnecessários

artes


81

Capítulo XIX Shen – o Espírito

Segundo a MTC, o Shen forma-se no momento da união do óvulo com o espermatozóide, do encontro da energia da mãe com a do pai, quando se forma um novo ser, uma nova consciência. É da união da essência (Jing) dos pais que cada órgão formado terá uma parte do Shen. A força do Shen depende da força da essência dos pais, representada, sobretudo, no encontro primordial do Yang (pai) com o Yin (mãe). A autora explica que o Shen é responsável pela mente e por suas funções como vigília, percepção, alerta, julgamento, interpretação, associações, memória, inteligência cognição, capacidade exploratória, domínio dos impulsos, sono, insighths, juízo, humor, conhecimento, assimilação de experiências, criatividade, armazenamento e uso das informações, autoconhecimento e evolução. Escreve Campiglia: o Shen está relacionado com a essência da energia de cada indivíduo, a essência vital e a raiz da mente de cada pessoa e que o Shen recebe um nome e características especiais de acordo com o órgão ou víscera em que ele se aloja”: Pulmão – Po / Baço – Yi / Rim – Zhi / Fígado – Hun / Coração – Shen

A caracterização em cada órgão e víscera do Shen realmente ocorre, mas é preciso ressaltar que o Shen também é a capacidade de síntese de todas elas, além de origem energética. Em outras palavras, o Shen está ligado à consciência individual e coletiva das pessoas, além de ser a única ´entidade visceral` (tratarei desse assunto mais adiante) capaz de atuar e interferir nas demais.

“Sabe armazenar as experiências, usá-las quando necessário para agir ou para avaliar uma situação. Propicia capacidade de adaptação e é capaz de colocar as “coisas nos seus devidos lugares”, pois sabe


82 dimensionar a importância delas. Se o Shen estiver alterado, essas leituras também serão distorcidas e a realidade poderá parecer ameaçadora, muito diferente do que é, e o indivíduo não suportará as pressões”, escreve Campiglia.

Como médica, a autora afirma que as funções mentais atribuídas ao Shen podem se relacionadas às funções do neocórtex, “mas isso não significa que o Shen é apenas a mente ou no neocórtex. Como já foi dito, ele é o espírito que ilumina e guia a vida”, escreve ela. O neocórtex dá a noção do tempo e espaço, cognição, tridimensionalidade e possibilita os processos cognitivos chamados superiores – do tipo lógico – e do entendimento de causa e efeito e a metacomunicação. As informações chegam ao neocórtex via sistema reptiliano e límbico – o primeiro percebe o ambiente e o segundo sente o ambiente e dá um colorido emocional. Para a MTC o Shen aloja-se no Coração, órgão que funciona como receptáculo das funções ativas da consciência e, portanto, abrigo dos desejos mais profundos, da imaginação, intelecto e memória dos eventos passados. Como consciência, Shen representa a origem da Psique. Por isso, o Shen também é a origem e o tratamento das doenças produzidas pela mente e pelas emoções. Amplio este conceito e afirmo que o Shen é a força curativa para todas as patologias, emocionais ou não.

“O que é espírito? O espírito (Shen) não pode ser escutado nem ouvido. O olho deve ser brilhante de percepção e o coração deve ser aberto e atento para que o espírito se revele subitamente pela consciência de cada um. Não se pode exprimir pela boca, só o coração sabe exprimir tudo quanto pode ser observado. Ao se prestar muita atenção, pode-se saber subitamente, mas também se pode perde de repente esse saber. Mas Shen, o espírito, torna-se claro para o homem como se o vento tivesse varrido as nuvens. Por isso se fala dele como espírito”.


83 Capítulo 26 do Su Wen, pertencente ao Nei Ching – a Bíblia dos Acupunturistas

Outro conceito importante que diferencia Shen – Espírito da Alma, para os chineses, é que o Shen é imortal, divino, a força que mantém a vida. “Em psicologia”, escreve Campiglia, “ o Shen é o nosso Self, o nosso centro orientador e organizador, inserido dentro do contexto de nossas vidas. Shen orquestra a vida psíquica e naturalmente influencia o corpo e a relação entre o físico e o psíquico”, enquanto que a Alma resulta e promove nossas emoções e pensamentos, conforme dito acima.


84

Capítulo XX Psicopatologia na Medicina Chinesa

Os textos clássicos da Medicina Tradicional Chinesa mostram que as doenças mentais são fruto de desequilíbrios ligados principalmente ao Coração, morada do Shen ou consciência, ou ao Fígado, responsável pelo fluxo de Tchi e das emoções (Pulmão). Como médica e seguindo uma leitura de síndromes, a autora coloca-as como as mais importantes que incluem insônia, ansiedade, mania, depressão, histeria e psicose, tendo como base as alterações do Shen, do Coração e do Fígado. Cada elemento, no entanto, tem um lugar central na formação da psique e pode agir na gênese das psicopatologias. Assim, a MTC permite, com sua visão ampliada e multifacetada, uma leitura própria da complexidade do ser humano e sobre a etiologia dos distúrbios psíquicos. A autora, muito apropriadamente, lembra que “qualquer classificação torna-se uma simplificação exagerada do quadro real”. Ainda assim, ela estabelece uma ligação entre os elementos e as psicopatologias, conforme se segue:

Água Ao longo dos anos a energia do corpo vai se desgastando e não consegue sustentar os desequilíbrios internos. É preciso destacar que indivíduos considerados mentalmente sãos mantêm um mínimo de energia renal que sustenta sua sanidade principalmente porque a energia do Rim é fundamental como força de coesão do Ego, já que a Água tem o movimento da força primordial que mantém a integridade e o equilíbrio, ao mesmo tempo em que estabelece (e alimenta) as raízes, junta forças e faz reservas. Essa capacidade reflete-se diretamente na habilidade de adaptação diante das mudanças e das dificuldades da vida. Patologias ligadas à Água caracterizam-se por perda de direção, incapacidade de completar ações, medo, fixação e radicalismo.


85 O Rim é depositário da energia ancestral, que é um quantum de energia gerado junto com o encontro do óvulo com o espermatozóide dos pais e que continua sendo alimentado durante toda a gravidez até o parto. Um feto com boa quantidade de energia, nascido de gravidez e parto tranqüilos terá mais chances de ser dotado de uma ´bateria energética` razoavelmente boa. Ainda assim, o desgaste de energia do Rim não deverá ultrapassar certo limite, uma vez que a energia ancestral não pode ser reposta. Todos nascemos com um certo ´quantum` de energia ancestral que vai sendo utilizada no decorrer da vida. Trata-se de uma energia que só se gasta, não se repõe. Compara-se a uma conta poupança do banco onde só se faz saques, sem depósitos. Quando essa energia ancestral acaba, a pessoa morre. No entanto, esse indivíduo dificilmente apresentará má formação genética, hereditária ou congênita. Sob o ponto de vista da estruturação do Ego, essa pessoa terá mais chances de formar uma personalidade sem grandes cisões ou riscos de psicose. Por outro lado, o indivíduo que sofreu traumas durante a gravidez e nos primeiros anos de vida é um sério candidato a doenças psíquicas. Essas alterações dependem do momento em que ocorrem, da quantidade e da qualidade do estresse, das características genéticas e da quantidade de energia inicial do feto. A autora ressalta que algumas doenças neurológicas – até há pouco tempo abordadas pela psiquiatria – também se enquadram no diagnóstico de ´deficiência de energia do Rim`, segundo preconiza a MTC. Má formação neurológica – anencefalia, hidrocefalia – e doenças genéticas – síndrome de Down – autismo, retardo mental etc. estão entre elas. Também não se pode esquecer que o Rim é responsável pela formação do ´mar da medula` que é o cérebro. Deficiências graves da energia do Rim podem gerar doenças psiquiátricas como a esquizofrenia, psicose infantil, psicoses no adulto e também os desvios de personalidade e de adaptação social – psicopatias, sociopatias, fobias sociais etc.

Os distúrbios relacionados à Água tendem a ser de natureza profunda e estrutural. A falta de estrutura encontrada em todas as formas de psicose, autismo, retardo mental e em muitas doenças neurológicas – coréia de Hungtinton, demência etc. – provém de baixa energia do Rim nos primórdios de sua formação. Em alguns casos, a doença aparece logo


86 depois do nascimento. Em outros – como a esquizofrenia, mal de Alzheimer, demência senil – a doença se desenvolve posteriormente durante a vida, somando a deficiência inata ao desgaste natural. O medo – que é a emoção ligada ao Rim – pode tornar-se um fator que confina a vida do indivíduo a uma existência limitada. Já o Medo intenso, em geral causado por um desgaste muito grande de energia, pode gerar a síndrome do pânico, com um desgaste da estrutura do suporte e a sensação de insustentabilidade do Ego. Neste caso, trata-se de um distúrbio potencialmente reversível e menos grave. Em MTC, pode-se aumentar a energia do Rim. No entanto, segundo a autora, psicopatologias mais graves dificilmente poderão ser abordadas pela MTC, em que o intuito é melhorar a energia do Rim por meio de acupuntura, fitoterapia, exercícios físicos e alimentação. Para Campiglia, esse tipo de tratamento é insuficiente para dar ´suporte` a um Ego desestruturado, ou para doenças congênitas ou genéticas. No entanto, a MTC pode auxiliar muito para que o paciente tolere maiores variações do meio externo, sem sofrer ameaça de desintegração ou cisão de sua estrutura psíquica, amenizando crises e reduzindo o número das crises desencadeadas em pacientes psicóticos, por exemplo. Já no caso das fobias mais leves e até dos ataques de pânicos, os relatos de casos são positivos em relação à utilização da MTC. Mediante o aumento da reserva de energia do paciente ele consegue, muitas vezes, não desencadear o processo que o levará à resposta fóbica ansiosa.

Madeira O movimento da Madeira é expansivo e direcionado, simboliza o crescimento e a confiança em que o indivíduo sai da semente, do casulo, da ´barra da saia da mãe` e vai em direção à vida e ao mundo. É o elemento responsável pelo desenvolvimento e pelo crescimento do indivíduo, pela realidade interna e externa, pela visão do mundo e pela possibilidade de relacionamento. O Fígado, que regula as emoções, é o órgão do elemento Madeira cujo ´fluxo livre` das emoções está em todas as doenças psíquicas e podem dificultar a clareza e a visão da realidade e na expressão das emoções.


87 Além disso, o Fígado é responsável pela ´neuromuscularidade` e conecta-se aos olhos. Nos primeiros anos de vida, o bebê tem visão embaçada e depois, aos poucos, vai tornando-se nítida. Segundo a MTC, o Fígado está totalmente desenvolvido só por volta dos sete anos. Antes disso, ele precisa do olhar dos pais já que o bebê sai de um ambiente totalmente escuro para a luz. Estudos comprovam que crianças abandonadas pelos pais no primeiro ano de vida poderão ficar sempre buscando um foco externo que não existe, à procura dos pais que se foram e será incapaz de se recolher e se tranqüilizar quando necessário. Segundo a MTC, um bebê com baixíssima energia dos Rins e dificuldade para manter sua estrutura psíquica e coesão do Ego terá, conseqüentemente, problemas ligados à Madeira, como ocorre por exemplo, nos casos de psicose. Alterações da energia do Fígado ocorrem praticamente em todas as doenças psíquicas, porém mais pronunciadamente em paranóias, delírios, distúrbios bipolares (maníaco-depressivos), em alguns tipos de depressão e em todas as reações agressivas. Nas primeiras – paranóias, psicoses e delírios – o indivíduo não vê corretamente a realidade. No bipolar, encontra-se um mecanismo de funcionamento entre a alteração da estase de energia, seguida da liberação excessiva de energia (fogo do Fígado), o que pode ser comparado à depressão (estase) e à mania (Fogo). A agressividade patológica está associada à Madeira, pois a raiva é a emoção do Fígado e, quando ele está desequilibrado, esse sentimento será expresso de maneira destrutiva. O maior determinante social de agressividade é a frustração, um dos maiores fatores de adoecimento do Fígado. Os distúrbios psíquicos da Madeira podem ser tratados pela MTC com bons resultados, restabelecendo-se o fluxo livre do Tchi e das emoções. A depressão ansiosa, a irritabilidade, as reações agressivas e as alterações do humor podem ser estabilizadas com acupuntura e exercícios físicos.

Terra Terra é o elemento das relações e de contato do ser humano. Formado pela energia ancestral (carga genética e energética dos pais), nutrição intra-útero e nutrição no primeiro ano de vida – sobretudo a amamentação – têm-se a idéia da importância da quantidade e da qualidade do elemento Terra de uma pessoa. No entanto, o processo de assimilação dos


88 alimentos é contínuo e depende de cuidados constantes. O mau funcionamento do BaçoPâncreas e Estômago leva à incapacidade de aproveitamento da energia provinda dos alimentos. A pessoa desnutrida – não necessariamente magra – tem baixa energia e disposição para executar suas atividades diárias. Outro prejuízo é o que ocorre na circulação da energia, já que o Baço desarmonizado tende a acumular energia e produzir mucosidades, bolos de energia que se juntam e não podem ser aproveitados pelo organismo, o que interfere na circulação energética de todo o corpo. Em geral, as patologias têm como sintoma a astenia, cansaço, sonolência, alterações alimentares como anorexia, bulimia, obesidade e mucosidade mental, que impede o indivíduo de ver e agir com clareza. Como mucosidade mental entende-se uma espécie de confusão (causada pelo muco), como se fosse uma nódoa que surge em um dia claro a atrapalhar a visão à distância. Em outras palavras, falta clareza e ordenamento no pensamento. Entre as psicopatologias associadas ao elemento Terra provém aquelas resultantes da privação da figura materna ou da falta de cuidado materno na infância. Depressão, distúrbio ansioso de separação, síndromes infantis que dificultam o desenvolvimento, distúrbio borderline, distúrbio de personalidade dependente, anorexia e bulimia. A depressão, ligada ao elemento Terra, origina-se na dificuldade de a pessoa em nutrir-se – de alimento e de amor – que, conseqüentemente, gera um vazio interno que precisa ser preenchido por algo ou alguém. Difere da depressão do elemento Madeira – associada à estase de energia e acompanhada de irritação, sensação de opressão torácica e da garganta, choro contido que se alivia com a possibilidade de expressão das emoções. A depressão do Baço é acompanhada de vazio interno, astenia e não melhora com o choro ou liberação das emoções, pois o choro esvazia ainda mais a energia do Baço.

Metal O Pulmão está associado à tristeza e alguns autores descrevem a depressão como fruto do desequilíbrio do elemento Metal. No entanto, Campiglia destaca que a depressão em si pode estar ligada a vários órgãos:


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“... a Depressão Maior, com sintomas psicóticos, é correlacionada ao Rim; a Depressão Reativa, ao Fígado; e a Depressão Menor, muitas vezes, ao Baço. Observando o elemento Metal verifica-se a importância da respiração e da purificação dos alimentos pelo Intestino Grosso que separa o límpido do turvo como complementação das atividades do Estômago e do elemento Terra”, escreve a autora.

Sabe-se, entretanto que, em qualquer situação de dor ou trauma a respiração é a primeira a ser bloqueada. No campo psíquico, porém, o Pulmão participa da formação da identidade pessoal, do peito, da energia do tórax. O Metal é um elemento centralizador e condutor e, por isso mesmo, depende de todos outros elementos. O Metal está associado às transformações. De uma maneira geral, passagens e mudanças na vida, ao apego e ao desapego, ao movimento de soltar e também ao caminho interior e ao movimento que gere a introspecção. O primeiro grande momento de passagem tem-se no parto, depois todas as separações e mudanças das fases da vida como desmame, saída de casa para a escola, saída da casa dos pais, casamento etc.

“O Metal confere ao indivíduo a capacidade de se desprender materialmente e em situações emocionais, quando isso se torna necessário como, por exemplo, na separação de um cônjuge ou na morte de uma pessoa querida”, escreve a autora.

A separação é como uma crise, um momento de ruptura para formar, ou não, uma nova identidade. Em chinês, a palavra crise é composta de dois ideogramas que significam respectivamente ´perigo` e ´ocasião`. A ocasião proporciona a modificação da identidade e da consciência, a evolução, o crescimento, um salto evolutivo, a passagem de um nível energético para outro. O perigo é o de aprisionamento, por medo, em uma situação regredida, de não se poder ir adiante, de se ficar solidificado e frio como o Metal.


90 As psicopatologias associadas ao Metal dão conta do medo das mudanças, dos apegos a tais atitudes, padrões rígidos e estereotipados. Pessoas com patologias ligadas a esse elemento têm extrema dificuldade em fazer vínculos ou mantê-los. Também se encontram tais atitudes no distúrbio borderline. Podem ocorrer, por medo de perder o que têm, apego demasiado a tudo o que é conhecido e temor ao desconhecido. Podem tornar-se pessoas rígidas e obsessivas. As emoções ligadas às patologias relacionadas ao medo, sobretudo depressão, tristeza, pesar crônico, incapacidade de se desprender, com tendência de a pessoa viver do passado, autocomiseração, sensibilidade excessiva, inveja, ciúmes, egoísmo, tristeza profunda, obsessão e distração. Também os distúrbios obsessivocompulsivos estão ligados a dois elementos: Terra e Metal, simultaneamente. As obsessões, sensações invasivas ou inapropriadas, causam ansiedade e angústia. São produtos da própria mente e não ligados a nenhum fato real que gere uma preocupação importante. O paciente não consegue ignorar ou deixar de ter esses pensamentos. Por sua vez, a compulsão é um comportamento ou ação repetitiva que acaba por diminuir a ansiedade e parece ter efeito protetor no indivíduo que realiza essas ações ou atos mentais. Para tratar esses distúrbios, recomenda-se a respiração correta e exercícios físicos, a fim de aumentar a energia do Pulmão e melhorar a troca de energia entre as pessoas e seu meio. Para elas, recomenda-se a necessidade de aprender a soltar o ar parado e não ficar retendo a respiração dentro do peito. A respiração significa troca e transformação. O tratamento das doenças do elemento Metal é focado na centralização das forças do ´eu`, além do fortalecimento egóico com incentivo e renovação.

Fogo Por ser a morada do Shen – ou consciência – o elemento Fogo é o pivô central das doenças emocionais e mentais. O Shen alterado é o final de uma cadeia de eventos. Alguém pode ter uma desestruturação psíquica decorrente da baixa energia do Rim, ou visão alterada da realidade por alterações do Fígado e sua consciência (Shen) será prejudicada. Os insights, a formação dos símbolos e a inteligência fazem parte do Fogo. E sua redução pode reduzir a capacidade de se ter uma compreensão profunda e simbólica. Além


91 disso, o Fogo relaciona-se também à abertura, ao amor incondicional, à capacidade de compaixão, de sentir-se alegre e dividir essa alegria com os outros. Patologias relacionadas a esse elemento dizem respeito à dificuldade de ter limites, amar ou ser espontâneo, gerando uma atitude teatral e falsamente generosa. Na criança, o elemento é responsável pelo desenvolvimento da fala, expressão no mundo, da sensualidade e da sexualidade. O Fogo está presente no vínculo com o pai – no caso da menina – e da mãe, no menino. Em outras palavras, há predominância desse elemento principalmente na fase das ocorrências do complexo de Édipo. E todas as doenças psíquicas que envolvem o Fogo sempre demonstram algum comprometimento do Shen – consciência que mora no Coração, órgão considerado pela MTC como a morada do Shen ou espírito. Distúrbios do sono, somatoformes, distúrbios sexuais e quadros ansiosos também estão associados ao Fogo. Somatização, distúrbio conversivo, hipocondríase e os distúrbios dismórficos têm em comum o fato de o paciente apresentar um sintoma físico que não pode ser comprovado por diagnóstico médico, mas que lhe causa grande sofrimento e ansiedade e acaba por alterar-lhe a vida do ponto de vista ocupacional e social. Embora conhecida no Egito antigo, as somatizações receberam o nome de ´histeria` no século XVII. Mais recentemente, Freud estudou psicodinamicamente o mecanismo de conversão em pacientes histéricas. Na MTC, os distúrbios somatoformes estão relacionados ao elemento Fogo e quando ocorre alteração da cognição e da percepção corporal com sintomas de muita ansiedade e, por vezes, uma descrição dos problemas de forma dramática, emocional e exagerada. Distúrbios ansiosos como a síndrome do pânico e o distúrbio de ansiedade generalizada têm etiologias mistas, nas quais se distinguem o medo, fruto da falta de raiz proporcionada pelos Rins e a ansiedade, a resposta do Coração. O tratamento emprega métodos para a pessoa centrar-se e acalmar-se como meditação e relaxamento. O fortalecimento do elemento Água e das raízes também pode ser indicada para reduzir os excessos do Fogo.


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Capítulo XXI Visão sintomatológica

O diagnóstico preconizado pela MTC utiliza uma associação de sintomas, pulso e observação da língua, sem contar a reconstituição e a evolução das doenças. Para os chineses, as doenças mentais são chamadas de Diang Kuang que são problemas psiquiátricos e não distúrbios mentais. As primeiras referem-se à esquizofrenia, depressão maior, distúrbio bipolar, estado psicótico ou paranóico. Os distúrbios mentais para a MTC são ansiedade e insônia, por exemplo. Podem ser separadas e tratadas como Diang ou como Kuang. O tipo Dian é o pólo depressivo com embotamento afetivo, apatia, poucos movimentos, geralmente por obstrução de Tchi. Já o tipo Kuang é o pólo maníaco, em que há um excesso de atividade mental ou motora. O indivíduo tem explosões de ânimo, eventualmente comportamento agressivo ou perigoso à sociedade. Essas duas síndromes são intercambiáveis, uma vez que Diang pode transformar-se em Kuang e vice-versa. Ambas são causadas por alterações emocionais, distúrbios do Yin e do Yang, obstrução do Tchi e por subida de mucosidade-calor.

Síndrome Dian Etiologia – Experiências emocionais traumatizantes na criança, jovem e adulto jovem como frustrações profundas, impossibilidade de realizar desejos importantes, perda de uma pessoa querida etc. O uso de álcool e ou de drogas também podem levar aos distúrbios psíquicos. Doenças prolongadas, genéticas e congênitas também podem originar alterações mentais. Quadro Clínico – Predominantemente Yin, a pessoa não gosta de falar, prefere ficar quieta e parada, não expressa as emoções facilmente, guarda tudo para si (introversão). Sente-se triste e chora bastante, tem comportamento estranho, hábitos repetitivos, além de


93 pensamentos persecutórios e teme que alguém a mate. Apresenta diminuição do apetite, lassitude e prefere o escuro. É mais freqüente em adolescentes e mulheres na menopausa. Plenitude – O quadro clínico mostra depressão, obnubilação mental, indiferença, anorexia, língua com revestimento pegajoso e pulso tenso e deslizante. A etiologia principal que leva à obstrução do Tchi e da mucosidade são frustração e o excesso de preocupação que impedem a circulação do Fígado e prejudicam o Baço. Insuficiência – O quadro é de pesadelos, palpitação, distração, medo, pesar, choro fácil, astenia, anorexia, língua pálida, pulso fraco e fino. A depressão prolongada consome o sangue e o Tchi e impede que o Coração seja nutrido, ao mesmo tempo em que o Baço fica exaurido.

Síndrome Kuang Etiologia – Alterações emocionais, drogas, álcool, doenças crônicas, doenças congênitas. Quadro Clínico – Trata-se de uma síndrome Yang. Seu início é súbito, com verborréia, agitação e preferência por ambientes claros. A pessoa gosta de sair, tem riso fácil, sintomas persecutórios. Mas, se a pessoa não se sente acuada e parte para o ataque podendo ferir e até matar alguém com atitudes violentas. Plenitude – Clinicamente observa-se irritabilidade, dores de cabeça, insônia, olhar furioso, face e olhos vermelhos. Comportamento violento, recusa em dormir ou comer. O excesso de raiva proporciona hiperatividade do Fígado, gerando mucosidade e fogo. Deficiência – Quadro clínico com irritabilidade e sinais maníacos de menor intensidade, excitação que, com o tempo, transforma-se em cansaço. O paciente em estado prolongado de excitação e mania consome o Yin e o Tchi. A deficiência de Yin, por sua vez, gera calor e fogo.

Depois desta apresentação, Campiglia dá explicações para cada classificação de uma série de ´síndromes`, inclusive em seus pólos de deficiência e vazio ou de plenitude e cheio. Trata de aspectos de cada uma delas (síndromes) como ´subida do fogo do fígado`,


94 ´agitação do vento do fígado`, ´deficiência do yin do Rim`, ‘deficiência do qi do Coração` e assim por diante. Não há necessidade de listá-la todas, pois, além de muito técnicas, iriam cansar o leitor. É justamente neste ponto – crucial do livro de Campiglia – que cabe minha crítica mais importante. É que, muito embora a autora tenha se baseado em textos tradicionais e na filosofia taoísta em grande parte de sua obra, a qual referi-me acima e fiz breve resumo para os leigos no assunto. No final de sua obra, em minha opinião, a autora apresenta uma visão que os acupunturistas tradicionais, como é o meu caso, criticam. Um dado histórico auxilia na compreensão da crítica. Quando a Acupuntura foi introduzida fora dos grupos étnicos orientais no Brasil, no final dos anos 50 e início dos anos 60, procurou-se preservar a semântica antiga, tradicional, simbólica, holística e integral do homem. Com o passar do tempo, a Acupuntura começou a ser integrada pela ciência ´oficial` no ocidente. Foi quando ocorreu também a introdução de uma visão sintomatológica para tratamento por Acupuntura, não realizada por todos os profissionais ou por médicos, essa categoria especial de pessoas ligadas à saúde, mas por alguns profissionais, independente da carreira, junto com o reconhecimento da Acupuntura como especialidade. Além dos médicos e fisioterapeutas, também os psicólogos – que reconhecem a Acupuntura se não como especialidade, como um ´recurso terapêutico`, conforme determinação oficial do Conselho Federal de Psicologia. O lado obscuro desta história é que a ocidentalização do abrangente raciocínio chinês acabou desembocando em ´receitas` de pontos de Acupuntura. Isso, infelizmente, acontece até hoje nos grandes hospitais, onde se pratica a Acupuntura mediante a aplicação de protocolos de pontos para determinadas patologias. Enxaqueca, pontos tais, tais e tais. Insônia, pontos tais e tais. E por aí vai. Estabeleceram-se pontos para patologias e criaramse regras para ´uniformizar` - de maneira incompleta, digo – e padronizar tratamentos. Campiglia, depois de brilhantemente traçar interessantes paralelos entre a filosofia antiga chinesa e pensadores da psicologia e da psicanálise mais recentes, infelizmente retrata o final de seu livro com receitas de patologias e de pontos, de acordo com uma visão sindrômica da Acupuntura.


95 Pode-se até perguntar, não dá certo? A responda é sim, dá certo. Sem dúvida, não é um trabalho inócuo. E tanto isso é verdade que esse tipo de Acupuntura está sendo implantada nos hospitais públicos, sem contar que, recentemente – meados de 2006 – foi aprovada lei federal para implantação da Acupuntura no Sistema Único de Saúde - SUS. Neste momento, início de 2007, as secretarias estaduais devem editar leis, em seu âmbitos, para que a medida seja devidamente implantada. Neste mesmo momento, entretanto, discute-se quem é que pode praticar a Acupuntura. Médicos, não médicos, psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiros, dentistas, massoterapeutas, terapeutas corporais, biomédicos etc. Perde-se, nessa discussão inócua, o foco mais importante da questão. Afinal, a resposta para tal pergunta é muitos simples. Pode praticar a Acupuntura quem sabe fazer a Acupuntura. Quem sabe faz, quem não sabe, aprende. Como Acupunturista não médico, defendo que a atividade seja praticada por quem sabe, conhece e a estuda constantemente. Defendo a regulamentação da profissão – que não existe até hoje – e que se crie um Conselho de Fiscalização da Atividade. Recomendo, inclusive, às autoridades legais para que haja um exame de ordem (ou de classe) para que haja uma autorização formal para a sua prática. Dessa forma, acredito que a Acupuntura não pode ser cerceada em receitas prontas. Afinal, sabe-se que a arte terapia trata o indivíduo e não patologias, portanto, não se pode estabelecer receitas prontas e aplicá-las, pura e simplesmente. Em meu expediente clínico até utilizo livros que trazem essas receitas para as mais variadas patologias – Acupuntura, do Dr. David Sussmann, por exemplo, – mas sempre adaptando as receitas preconizadas de acordo com o histórico de cada paciente. Entendo que, por mais importante que seja para a ciência oficial tabular dados para estudar casos clínicos e levantamentos científicos – um a um – não posso compartilhar de receitas prontas de Acupuntura. Essas receitas podem até ser eficientes – e de fato são – mas é preciso cuidado para que elas não se tornem uma visão reduzida e empobrecida da verdadeira e tradicional Acupuntura e da Medicina Tradicional Chinesa.


96 Para citar Espinosa, isso é um erro. Afinal, para o filósofo, erro não é uma ausência de conhecimento, mas um conhecimento parcial, ou mutilado da totalidade, isto é, abstrato (quando separado). Em segundo lugar, ainda segundo Espinosa, o erro consiste em anexar conhecimentos parciais para querer retirar daí um conhecimento geral, e este será também abstrato, na medida em que resulta de uma simples justaposição de parcialidade. Este trecho explica bem o que penso sobre a ´adaptação` da concepção real e verdadeira da Acupuntura:

“Nossa imaginação entra em contato com os objetos exteriores e, sendo incapaz de controlá-los, não tem outro recurso senão o de associá-los por semelhanças ou dissociá-los por diferenças. A partir daí fornece nomes gerais às associações feitas e passa a tomar esses nomes como se fossem conceitos, isto é, idéias verdadeiras das coisas particulares percebidas. Associando por semelhanças, dissociando por diferenças, justapondo por contigüidade espacial e por sucessão temporal, a imaginação tece uma teia de nomes vazios e abstratos e quer com eles explicar a realidade...”

“... ora, a realidade é constituída por essências e existências particulares e, portanto, o conhecimento verdadeiro tem que ser um conhecimento que preserve o particular sem destruí-lo numa nomenclatura abstrata”. Espinosa, coleção Os Pensadores, coordenação de Marilena Chauí

Segundo texto de Marilena Chauí, na publicação Os Pensadores da Editora Abril, “a crítica da abstração como conhecimento parcial, como nomenclatura geral, unida à concepção genética do conhecimento, leva Espinosa a afirmar que o conhecimento verdadeiro é o conhecimento das leis que produzem as coisas singulares e que determinam a natureza própria e o lugar próprio de cada uma delas no Todo. O conhecimento das leis


97 necessárias do real deve, então, partir da idéia que é causa e sustentáculo do real, causa das coisas singulares e das relações necessárias que existem entre elas”. Tais trechos de Espinosa vão ao encontro do que defendo. Para praticar a Acupuntura verdadeira deve-se buscar o conhecimento igualmente verdadeiro, expresso na cultura chinesa pelo Taoísmo e de suas leis que, estas sim, produzem as coisas singulares. É assim que julgo nossa atitude profissional em tratar cada paciente, como uma personalidade singular, como indivíduo único, sem remédios genéricos ou receitas com esta mesma proposição. Ele é único e singular. E para entender a Acupuntura, em sua verdadeira acepção filosófica não se pode, para resolver minha dor do não-entendimento de algo que me parece absolutamente novo, associar, por semelhança, ou dissociar, por diferenças, pura e simplesmente. Até pode-se dar nomes, criar tabelas, estabelecer pontos e estabelecer uma rotina prática. No entanto, não se pode achar que isso é a verdadeira Acupuntura, aquela, maior, e de fato. É até Acupuntura, mas aquela menor, do pequeno acupuntor, do neófito, do estudante ainda fraquejante das pernas diante de casos clínicos complicados que necessita do apoio protocolar para sua prática clínica.


98 Capítulo XXII Casos Clínicos

A depressão na prática clínica

JCM, arquiteta de 29 anos, trabalha com planejamento urbano. Chega ao consultório, em princípio, queixando-se de uma crise apenas na área profissional. Admite difícil relacionamento com o passado, com familiares e fala com pesar de sua mãe – PMD – segundo suas próprias palavras. Confessa ter sido uma criança abandonada. “Sinto que estou fechando um ciclo de 10 anos e um período de insatisfações”, diz ela logo na primeira consulta. Admite problemas de relacionamento com a figura do pai e que, por conta de uma agressividade contida, apresenta distúrbios na articulação tempôro-mandibular (ATM). Reconhece ser orgulhosa e arrogante, que trabalha muito, mas com indisciplina. “Sei que tenho um potencial que não se realiza”, conta. Chegou no consultório com a experiência de dois anos de psicoterapia. Garante ter medo de que as fortes crises de depressão de sua mãe possam lhe atingir. Quando viaja para a casa da mãe, em outro estado, não se sente bem. Sente-se fraca, sem ânimo, como ‘se sua energia fosse sugada`. Quando se esforça para encontrar o passado, defronta-se com uma menina medrosa, quando então começa a ter atitudes egoístas, reconhecidas pela paciente, conforme diz “para manter sua sanidade”. Seu namorado, segundo relata, é imaturo, embora admita que ela também seja má consigo própria. “Não aceito ajuda dele”, avisa ela, garantindo que precisa estar sempre ´apaixonada` para estar com alguém. “Minha terapeuta diz que estou fragmentada, angustiada para fugir de uma depressão que sempre aparece”, diz. Logo na primeira sessão de acupuntura, depois de uma anamnese verbal, pude verificar na avaliação de seu pulso excesso de metal. Tanto no Pulmão quanto no Intestino Grosso que até funcionava diariamente, mas com dificuldade. Urinava muito, o que demonstra haver insuficiência renal, o que emocionalmente significa estar sentindo muito medo, sem, talvez, causa aparente ou conhecida.


99 Depois da primeira sessão, a paciente admitiu que ficou relaxada e passou a dormir muito melhor. “Ainda não estou totalmente bem, mas estou melhor. Ando ansiosa com minha família e ainda sinto que não estou no lugar certo no trabalho”, relatou ela na segunda sessão. Teve dor lombar, na altura dos rins, o intestino soltou um pouco, o que representa, simbolicamente, desfazer-se do passado e das coisas que não mais lhe servem. Curiosamente, o ouvido esquerdo – lado da emoção – ficou congestionado. Na terceira sessão, teve uma crise de dor no ouvido, apresentou sintomas de gripe em pleno mês de dezembro – portanto, longe do frio do inverno – e as dores lombares se agravaram. Na terceira sessão ela já admitiu que continuava melhorando, “sofrendo, mas com muito menos desespero”, disse a paciente. “Estou mais tranqüila, mais centrada e olhando para a crise profissional com mais calma”. Na sessão seguinte o ouvido havia melhorado, admite que estava ouvindo melhor o que lhe diziam (sintomático e simbólico ao mesmo tempo, já que era o ouvido que apresentou dor), e a gripe igualmente havia melhorado. A audição, para a Medicina Chinesa está ligada aos Rins, portanto ao medo que a paciente sentia. Também tinha excesso de Pulmão, ou tristeza, que foi paulatinamente melhorando com manobras específicas de agulhas nos pontos de comando do órgão/função. Depois de oito sessões, a paciente reconheceu que ainda sentia um pouco de tristeza, mas não tão profunda como antigamente. “Continuo sentindo certa fragilidade, mas estou menos arrogante e muito mais objetiva. Não estou tão controladora e estou trabalhando com meus pais ausentes internos”, relatou a paciente, na oportunidade. Em seguida, foi visitar a irmã que havia sofrido um Acidente Vascular Cerebral – AVC e confessou ter enfrentado o problema muito melhor do que imaginava. “Mantive-me calma, não fui pessimista e tomei uma série de atitudes para ajudar minha mãe e minha irmã”, relatou. Depois de onze sessões, bem melhor, a paciente foi visitar dois irmãos que moram em Londres, Inglaterra. Ambos são depressivos. Foi e, ao invés de atolar-se na tristeza, como imaginava que iria acontecer, acabou ajudando muito os dois. Ficou lá por dois meses. “Temos um problema de genética, com uma mãe bi-polar grave e um pai com transtorno de ansiedade. E a acupuntura me ajudou muito na compulsão pelo trabalho e a esperar menos das coisas com que eu me envolvo, como trabalho e amor”, relatou ela.


100 Quando voltou de Londres, a paciente chegou a fazer mais quatro sessões. Hoje está bem mais equilibrada e realiza algumas sessões esporádicas para manutenção da saúde. “Estou mais ciente das minhas potencialidades e das minhas limitações. Mas, quando tenho problemas de saúde virei sempre fazer acupuntura ao lado da medicina ocidental”, atestou ela.

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Quando EAF, jornalista, chegou ao consultório pela primeira vez, já fazia psicanálise há dois anos. Chegou no consultório afirmando estar no fundo do poço. “Não chamo de depressão, mas não tenho vontade de acordar, estou mal no relacionamento com meu namorado e acho difícil relacionar-me. Sinto resistências em me envolver estou exageradamente ansiosa. Tenho paranóia com uma pessoa com que me relaciono a quatro meses. E estou sempre desconfiada”, diz. Depois de três sessões a paciente admite que ainda sentia desânimo e enfrentava dificuldades para acordar. No entanto, havia voltado a treinar kung fu e admitia que estava menos insegura, com redução também de suas resistências a um novo relacionamento. Ao contrário da paciente relatada acima – excesso no meridiano do Pulmão, portanto tristeza – EAF tinha energia normal nesse órgão, mas lhe faltava muita energia no Rim e no Fígado. Emocionalmente, de acordo com as analogias dos Zang Fu (órgãos e vísceras) com os sentimentos, pode-se depreender que a paciente tinha pouca decisão, sentia-se medrosa e a pouca energia no Fígado indicava pouca fluidez emotiva. Todas as vísceras – Yang – estavam insuficientes, o que denotava uma personalidade difícil de relacionar-se com os outros e o meio ambiente. Apenas lembrando, o Yin representa mais o mundo interior, enquanto o Yang mais o exterior. Depois de cinco sessões, a paciente relata não se incomodar mais nos momentos em que estava sozinha, embora admitisse continuar chorosa, “sentindo um nó na garganta, triste e com dor no peito”. Na sexta sessão, confessa estar dormindo pouco, comendo pouco e sentia tensões em todo o corpo. Na oitava sessão, confessa que havia melhorado pouco a pouco, a cada dia, com períodos menores sem comer. A partir daí a paciente começou a


101 apresentar um distúrbio alimentar, anorexia. “Não sinto a menor vontade de comer”, comenta. Neste caso, a paciente procurou um psiquiatra que a medicou com antidepressivo que, aliado à acupuntura, deram melhores resultados ainda. De minha parte a paciente teve alta na sessão número 15 e agora realiza sessões esporádicas, a cada dois meses, com intuito de manter seu estado emocional.

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MLXL, biólogo, 54 anos, solteiro, mora sozinho. Apresentado por dentista da clínica onde trabalho, com quadro depressivo acompanhado de momentos de ansiedade. Acabrunhado, camisa puída e fechada até o último botão no pescoço, olhar parado e ao mesmo compenetrado em uma realidade que parece só sua. Toma antidepressivos a sete anos. Um comprimido de Rohypinol, de 25g, e um comprimido e meio de Sertralina. Suas respostas na anamnese inicial são curtas, muitas vezes um gemido para concordar com o proposto. Intestinos presos, clara alusão em não lidar com o passado remoto e próximo, urina mais de cinco vezes por dia e acorda todas as noites por voltas das três horas da madrugada. Nesse horário, a energia está mais presente no Pulmão, como visto, órgão ligado com a tristeza. Trata-se de importante dado para o diagnóstico. Qualquer órgão ou função piora ou melhora, segundo a hora chinesa, fato que pode auxiliar na localização dos problemas que geram as doenças. Decidiu fazer Acupuntura por orientação de seu amigo dentista. No início fala pouco, não comenta sobre fatos atuais e, quando perguntado sobre suas emoções, simplesmente olha, com pouca expressão. Além da camisa apertando-lhe a garganta, usa, invariavelmente, um paletó igualmente puído. O paciente apresenta melhora considerável logo nas duas primeiras sessões. Em contato com o psiquiatra, reduz, já na terceira sessão, o Rohypinol para meio comprimido e um de Sertralina. Sente-se mais disposto e começa a falar mais do que o habitual. Foco o tratamento no meridiano do Coração – Alegria –


102 estimulando-o. Busco sedar o meridiano do Pulmão. Cuido também do meridiano Circulação e Sexualidade – CS, também chamado poeticamente de mestre do Coração, além de acompanhamento de pontos no pavilhão auricular – Shen Men (porta do espíritos), Coração, Rins e Depressão. Depois da quinta sessão, paciente apresenta problemas de coluna. Sente-se que está ficando mais ereto, mas apresenta dor na região lombar. Tratamos a dor pontualmente, junto com o tratamento da depressão. Esta é uma vantagem única da Acupuntura, a possibilidade de se realizar tratamentos diversos, com objetivos distintos em única sessão. Com isso, a dor que era bem localizada, lombosacral, passa a ser difusa. Paciente, por decisão própria, não toma nem analgésicos, nem antiinflamatórios. O estímulo no Rim apresenta resultados fisiológicos. A urina fica mais rara e escura. O filtro renal passa a funcionar melhor e paciente apresenta menos medo. Ainda sente oscilação de humor, embora reconheça que, estado geral, está menos nervoso e ansioso do que até então. Na nona sessão paciente admite estar mais tranqüilo e dormindo bem. Acabaram os problemas de insônia e não mais acorda durante a madrugada. Suspendeu o Rohypinol e admite que não tem sofrido mais explosões de humor, quadro que apresentava anteriormente. O intestino passou a ter funcionamento normal – uma vez ao dia – e a dor nas costas não apresenta mais qualquer sinal. Ainda assim fez tomografia computadorizada que revelou bico de papagaio – osteófito (aumento de cálcio nos espaços intervertebrais) – em L3 e L4 e pequeno desvio rotacional entre L5 e S1. Tratamos com Acupuntura e o quadro apresentou melhora significativa. Em tratamento desde julho de 2006 – estamos em fevereiro de 2007 – semanalmente, com raras faltas, MLXL é outra pessoa. A começar pela camisa desabotoada no colarinho. Entra para a consulta com um sorriso – inexistente no início do tratamento – e admite estar gostando de uma mulher que conheceu em um congresso a que foi a trabalho em Recife, PE. Corresponde-se por mail e carta, mas a mulher não lhe dá expectativas e garante querer apenas amizade. Imaginei que pudesse ter uma recaída com a rejeição, fato felizmente não observado. Mantém a ´amizade intelectual` e confessa-se estar procurando um relacionamento.


103 No decorrer do tratamento apresentou diversos sonhos, relatados por e-mail e tratado, simbolicamente, em cada sessão subseqüente. Confessa estar tranqüilo e bem preparado para a vida. Recomenda a Acupuntura para seus colegas de trabalho que, segundo ele, mudaram seu relacionamento. “Eles estão mais gentis, não brigam mais comigo e nem se importam com meus gostos que consideravam excêntricos”, diz ele. Com pouco custo, demonstrei que, de fato, não caiu um raio do céu mudando todos os seus colegas de trabalho. Isso ocorreu, porque ele havia mudado. Ele mudou e assim mudou o relacionamento com as outras pessoas. Pude demonstrar que ninguém muda ninguém, mas quando mudamos, mudamos também o outro, porque a relação muda de acordo com uma série de intricadas possibilidades de relacionamento, que variam, sobretudo, pelo nosso modo de ser. É esta a Acupuntura que julgo verdadeira, a que trata o ser humano independente da patologia, como dito anteriormente, tratando o indivíduo e removendo, na medida do possível, as causas reais das doenças, alimentação, sono, sonhos, emoções e pensamentos. Ao tratarmos as pessoas, as mudamos, de acordo com os princípios delas mesmas. Não estamos falando o que está certo e o que está errado ao paciente,, estamos buscando harmonizá-lo, ele com ele mesmo, ele com o Universo, ele com a Vida. Ao fazermos isso, estamos buscando o processo de cura. A verdadeira Acupuntura. Abaixo, com permissão do autor, relato um sonho repleto de símbolos que foi relatado pelo paciente e que foi, muito importante, em seu processo de tratamento.

“Sonhei que estava em uma casa (que existe), na avenida Bosque da Saúde, conversando com algumas primas que não vejo a alguns anos, quando meu pai apareceu na calçada e pediu para entrar lá e conversar comigo. Ele estava com um roupão e pijama por baixo. Era dia claro. Participaram do diálogo minha mãe (já falecida, que conversou normalmente com meu pai e vice-versa - e foram protagonistas de um casamento desfeito por iniciativa de meu pai!) e meu irmão. Lembro de meu pai ter perguntado sobre um primo de minha mãe, que faleceu antes dela, e eu disse que este primo


104 havia morrido no Hospital Santa Helena (que hoje atende ao convênio que pago UNIMED paulistana). Depois tive a idéia de ir a meu apartamento pegar algum filme em DVD (filme, não ópera como meu pai me ensinou a gostar) para meu genitor assistir e pedi para meu irmão ir comigo. Ele disse para eu aguardar um pouco, mas me deu a chave de seu carro (um fiat verde escuro - não me lembro bem se era o antigo 147 - ele teve um, marrom, há cerca de 14 anos - ou o UNO). Dei a partida. O carro saiu por si mesmo, desci a ladeira da avenida Bosque da Saúde, atravessei a avenida que mais adiante termina na Imigrantes e, ao fazer um contorno, um policial solicitou meus documentos. Procurei-os na carteira que levo no bolso da camisa, na sacola azul que sempre carrego, mas só os achei na carteira que costuma ficar no bolso esquerdo da calça. Entreguei os documentos (RG e CPF) ao policial, que os devolveu imediatamente, e o carro novamente partiu sozinho, parando no cruzamento com a mesma avenida de antes, após o que consegui assumir seu controle e o estacionei logo após uma curva. Consciente de que de agora em diante me obedeceria, parti e subi a avenida Bosque. No meio da subida (era noite), precisei desviar de um cão e um cavalo escuros, que atravessavam a pista. Passei em frente da casa onde meus parentes estavam, mas o carro me fez entrar em outra casa mais adiante, na qual estacionei em plena sala, onde estavam os mesmos parentes já citados. Perguntei a meu irmão se ele não estava zangado com o ocorrido e ouvi uma resposta surpreendente: "Em você tenho confiança".

Apenas a título ilustrativo, imagens e símbolos tratados durante o processo terapêutico demonstram integração psicológica, iluminação de aspectos sombrios da sua personalidade e busca de maior controle sobre sua própria vida, mente e emoção, obtidos por tratamento exclusivo com Acupuntura; - Primas que não via há alguns anos:


105 – Relação familiar e também com figura femininas. - Figura do pai – com roupão e pijama por baixo. Era dia claro. – claridade sobre aspectos sombrios de sua personalidade e história complicada com a figura paterna. - Mãe falecida conversa normalmente com o pai – integração da relação pai e mãe que tiveram casamento desfeito – um pesar para ele. - Hospital Santa Helena: – onde a mãe falecera e atual convênio de saúde do paciente. - Ópera de que o pai lhe ensinou a gostar: - Sua própria história. - Chave do carro e o carro sai andando sozinho: – falta de controle. - Policial solicita documentos: – figura da autoridade checa sua própria história. “Consciente de que de agora em diante me obedeceria, parti e subi a avenida Bosque” : domínio sobre o carro e da própria vida. - Noite - cão e cavalo escuros atravessavam a pista: - Aspectos sombrios de sua alma, inclusive instintos ligados às figuras de animais. Irmão admite ter confiança nele: – não tem uma boa relação com o irmão na vida real.


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Conclusão

Sem dúvida, o livro Psique e Medicina Tradicional Chinesa, da Doutora Helena Campiglia, inaugura importante campo de estudos e de intersecção entre Psicanálise, Psicologia e Medicina Tradicional Chinesa - MTC. Nesta monografia realizamos pequeno resumo das principais questões abordadas, bem como uma crítica e adição de alguns conceitos apresentados neste trabalho que não propõe conceitos definitivos nem fechamento de questões, ao contrário, propicia abertura para que novas pesquisas, estudos e prática clínica possam ser estabelecidos rumo a melhora não só do tratamento, mas da qualidade de vida dos pacientes psicológicos. Concluímos que a antiga e tradicional medicina chinesa, embora não tratasse especificamente de males modernos como insônia e depressão, por exemplo, tem muito a contribuir para o tratamento atual. Além do postulado filosófico, de onde é possível retirar importantes lições para o modus vivendi da vida moderna, também a parte técnica e prática da MTC pode auxiliar e ampliar o entendimento e a terapêutica dos chamados distúrbios Psi. Caso tenhamos conseguido chamar a atenção de psicólogos, psicanalistas, psiquiatras e acupunturistas – médicos, biomédicos, fisioterapeutas etc. – para a integração real e verdadeira destes conhecimentos de origem tão díspares – o oriental e o ocidental – na busca do melhor entendimento das patologias psíquicas e também no tratamento do ser humano, esse humilde trabalho terá cumprido com parte de sua proposta original.


107

Referências Bibliográficas:

WEN, Nei Ching Su. O Livro de Acupunctura do Imperador Amarelo – tradução dos 34 capítulos do Huang Ti, Editora Terceiro Milênio. CHAUÍ, Marilena. Espinosa, Coleção Os Pensadores, Editora Abril, 1979. SUSSMANN, David J. Acupuntura – Teoria y Práctica: 11ª. Edição, Editorial Kier, Buenos Aires – Argentina, 1995. CORDEIRO, Ary Telles; CORDEIRO, Ruy. Acupuntura – Elementos Básicos: Editora Ensaio, 1992. GORDON, Noah Gordon. O Físico: Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2000.


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Anexo I Declaração: Texto escrito pela paciente JCM. (Em negrito estão os destaques do autor da monografia)

“Procurei o tratamento através da Acupuntura por indicação da minha analista, num momento em que eu somava crises profissionais e afetivas profundas. Estava muito abalada, fora do meu eixo de equilíbrio, com muita dificuldade para dar conta do trabalho e sem conseguir ter calma e discernimento para enfrentar os desafios. Me faltava apetite, e eu chorava com facilidade. Me sentia tão fraca, tão vulnerável, tão triste… Naquele momento eu não tinha mais energia para continuar superando uma série de frustrações pelas quais eu vinha passando. Meus “castelos” tinham se mostrado “de areia”, e desmoronavam. E eu perdi o chão. Eu sabia que a acupuntura seria uma tentativa e que, se não funcionasse, eu precisaria tomar algum remédio para restabelecer um patamar mínimo de saúde, pra me fortalecer, me firmar, e seguir adiante. O tratamento deu muito certo. A melhora veio rápida, foi continuando e se manteve. Depois de três meses de sessões, durante os quais eu consegui continuar trabalhando, eu saí para um período sabático, e consegui lidar bem com os desafios que também lá longe aconteceram. Quando voltei, continuei o tratamento com a acupuntura, que me ajudava a manter o meu equilíbrio e lidar melhor com questões que continuavam por ser resolvidas. Logo um problema sério de saúde em família me abalou, e nesse momento a acupuntura também foi fundamental. Enfim, posso dizer que a acupuntura ampliou muito as minhas condições para enfrentar os meus desafios internos e externos, e me ajudou a atravessar com mais equilíbrio momentos de “turbulências” muito ameaçadores. Com a acupuntura eu pude me acalmar e me restabelecer, e pude continuar enfrentando os meus desafios sem desmoronar junto com os “castelos de areia”. Enfim, eu consegui ficar de pé!”.


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Anexo II Declaração: Texto escrito pela paciente EAF. (Em negrito estão os destaques do autor da monografia)

“Na época em que resolvi procurar a acupuntura, eu estava muito angustiada e sentindo as coisas saírem completamente de meu controle. Entre altos e baixos, chegou um dia em que me senti realmente muito mal. Não parava de chorar. Uma amiga me indicou, e o João me atendeu em pleno domingo. Saí da sessão mais calma, fui para um parque e dormi durante horas. Acordei bastante calma. Para mim foi algo totalmente mágico, miraculoso, parecia mesmo que eu tinha reencontrado um certo equilíbrio. De qualquer maneira, tudo aquilo que eu estava sentindo antes, fui saber depois, era parte de um processo maior que acabou em uma crise depressiva. Há anos faço psicanálise e acabei aceitando também a psiquiatria - comecei a tomar Sertralina. Mas não quis abrir mão da acupuntura, que parecia me colocar minimamente nos eixos. Eu sempre saía bem mais tranqüila das sessões, e acho que sem ela tudo teria sido bem mais difícil. Minha angústia (que fisicamente eu sentia como uma dor no peito) ficava claramente amenizada. Durante algumas semanas, eu não tinha fome. Mas quando saía da acupuntura, ia direto comer. Meu intestino não funcionava direito, o que as sessões de acupuntura também ajudava muito”.


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