JUP Dezembro 2008

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DEZEMBRO‘08 CONSUMO DE DROGAS ILÍCITAS EM ESTUDANTES Jornal da Academia do Porto.Ano XX. Publicação mensal.Distribuição Gratuita. DO ENSINO SUPERIOR Director: Carlos Daniel Rego. Director de Fotografia: Manuel Ribeiro. Director de Paginação: Ricardo Araújo.

Têm em comum o facto de terem prosseguido estudos superiores e consumirem regularmente drogas ilegais. Marco António, Paulo Esteves e João Paulo são apenas alguns dos exemplos dos estudantes universitários que consomem drogas ilegais. P02

ENTREVISTA A ANA LUÍSA AMARAL

“Não é por masoquismo que escrevo poesia, nem porque me traga compensações. Eu escrevo poesia porque preciso de escrever poesia.” P22

CRIOPRESERVAÇÃO

Já é possível recolher e conservar as células do sangue do cordão umbilical logo após a nascença. P06


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DESTAQUE Editorial

Carlos Daniel Rego (carlosdanielrego@gmail.com)

A influência dos amigos e a curiosidade levam jovens ao primeiro contacto com as drogas Carlos Daniel Rego / Pedro Marques

Álcool e tabaco no topo da tabela do consumo de drogas no ensino superior. Drogas ilícitas aparecem depois, com a cannabis a liderar as preferências. DR

Palavras Voláteis Ao contrário do que acontece noutros países, como o Brasil ou os Estados Unidos, os jornais universitários, em Portugal, são um fenómeno que tem merecido pouca atenção por parte dos académicos das Ciências da Comunicação. No que toca a este ponto, a investigação no nosso país é escassa, para não dizer nula. Logo, perante este panorama, torna-se urgente catalogar as publicações universitárias existentes (e já desaparecidas), sejam elas impressas ou online, bem como perceber como funcionam e como estão estruturadas para melhor entender o seu lugar na sociedade. Mesmo carecendo de fontes, se percebe, logo à partida, que, pelas suas características específicas, isto é, por serem feitos, na maioria das vezes, apenas por estudantes e principalmente pelo facto de não estarem inseridos numa lógica de mercado, os jornais universitários têm a oportunidade única de abordar temas que noutro tipo de publicações seriam impensáveis. Para além disso, os jornais universitários têm ainda a enorme capacidade de servir de lugar de aprendizagem, a todos os níveis, para os estudantes ainda em desenvolvimento das suas habilitações. Por este prisma, o JUP é um desses exemplos carismáticos. A edição de Dezembro deste jornal marca um ponto de viragem na sua, já longa, existência. Como é perceptível, através de uma breve passagem pela ficha técnica, o jornal viu chegar novos membros e, por conseguinte, uma nova direcção, que, como seria expectável, vai aproveitar todo o trabalho até agora desenvolvido e acrescentarlhe um ou outro toque, que apenas será perceptível na próxima edição – com data prevista de lançamento para o mês de Fevereiro. Aos leitores, fica o convite à participação e à leitura.

Vários estudos referem o álcool e o tabaco como as drogas mais consumidas pelos estudantes do ensino superior em Portugal. Um estudo sobre “Hábitos Toxicofílicos na Universidade do Porto” levado a cabo, em 2005, por um grupo de estudantes de Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) aponta que 75,2 % dos estudantes inquiridos já ingeriram álcool e cerca de 37 % admite fumar. Os números são idênticos noutro estudo, divulgado em 2006, na revista Toxicodependências, sobre o “Consumo de substâncias em Estudantes do Ensino Superior em Coimbra”. Cerca 72 % dos estudantes de Coimbra consomem álcool e 36,6 % são fumadores. Apesar de tudo, estes valores são facilmente entendidos quando confrontados com a já longa tradição dos consumos de álcool e de tabaco que, em Portugal, são socialmente aceites e não são punidos por lei. No que diz respeito às substâncias ilícitas, como se caracteriza actualmente o consumo dos estudantes universitários portugueses?

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DESTAQUE EDUCAÇÃO SOCIEDADE INTERNACIONAL U.PORTO COMPLEXOS ARTÍSTICOS GALERIAS ECONOMIA CULTURA AMBIENTE OPINIÃO

Segundo o mesmo estudo sobre o “Consumo de substâncias em Estudantes do Ensino Superior em Coimbra”, a idade média de iniciação nas substâncias ilegais acontece, em média, entre 16 e os 19 anos e desce para os 12 anos quando se trata de cannabis. A cannabis é também, de longe, a droga mais popular entres os estudantes de Coimbra. 35, 4% dos estudantes diz já ter experimentado esta substância. Seguem-se o ecstasy (4,8%), os cogumelos (4,1%), a cocaína (1,7%), o LSD (1,5%), as anfetaminas (1,4%) e a heroína (0,6%). No Porto, os números aproximam-se novamente – um em cada cinco estudantes da Universidade do Porto já teve contacto com a cannabis. Mas, mais do que os números, o JUP foi conhecer as histórias reais de três estudantes – de Coimbra, Porto e Braga – para melhor entender este fenómeno transversal a toda a sociedade. “O consumo de drogas está a tornar-se cada vez mais banalizado” Paulo Esteves (nome fictício) começou a consumir cannabis aos 17 anos quando ainda frequentava o 10º ano de escolaridade. Na altura, explica o estudante, “ as influências das amizades e o facto de ser novidade” foram os factores que o levaram a experimentar este tipo de estupefaciente pela primeira vez. Além disso, acrescenta Paulo Esteves, a cannabis era, “na altura em que comecei a consumir, a droga mais frequente no meu grupo de amigos”. Hoje, prestes a terminar a licenciatura, o consumo mantém-se regular: “Consumo diariamente, depois da faculdade”, admite. Razões para tal? O finalista responde: “O efeito relaxante. Deixa-me calmo.” No que toca aos efeitos que esta droga produz, Paulo explica que “a cannabis no seu estado mais simples (erva) é a que tem um maior efeito relaxante”. Na sua perspectiva, o consumo de drogas ilegais por estudantes do ensino superior tem vindo a aumentar nos últimos anos, pois ” o seu consumo está a tornar-se cada vez mais banalizado”, conclui. Efeitos do consumo de cocaína: «As pessoas valorizam-nos quando estamos assim» “A primeira vez que experimentei cocaína estava num grupo de amigos conhecidos que já consumiam e que numa saída der-

am-me a experimentar cocaína.” É desta maneira que começa a nossa conversa com Marco António (nome fictício). O estudante ainda se lembra, como se fosse hoje, da primeira experiência com cocaína e das alterações que esta droga produziu nele. “A primeira vez estava nervoso, mas depois fiquei mais energético, mais desinibido, sorridente, com a auto-estima em alta. Eu era o maior. Dancei toda a noite. Conseguia meter-me com toda a gente”, relembra. Com a cocaína, exemplifica Marco, “consigo reparar em certos pormenores que antes não reparava. Consigo perceber os olhares e aquilo que as pessoas estão a falar”. Durante uma noite na discoteca, “o som e as luzes tornam-se completamente diferentes. Consegues interiorizar muito mais o som e vibrar”, afirma. Além disso, prossegue Marco “ficamos mais perspicazes e mais inteligentes, ficamos mais engraçados. Já recebi muitos elogios a dizer que estava engraçado e as pessoas valorizam-nos quando estamos assim”, confessa. Contudo, o estudante assume que os piores efeitos desta substância ilícita só começam a ser sentidos à medida que o consumo se torna mais regular. “O consumo excessivo”, afirma, “deixa a pessoa sempre desperta e corta o efeito do álcool. Uma vez dei três riscos e vomitei três vezes porque aquilo mexe com o corpo e com o cérebro”. «A cocaína é gulosa» Relativamente à habituação e aos efeitos que a droga produz, tanto ao nível físico como psicológico, Marco António refere: “Para o efeito durar é preciso estar sempre a consumir”, porque “a cocaína é uma droga muito viciante. A cocaína é gulosa – quando experimentas um bocadinho queres sempre mais”. O consumo chega a um ponto em que “só com a cocaína é que consegues controlar o teu mundo”. Deste modo, Marco acrescenta que “para passar uma noite toda desperto é preciso cheirar pelo menos meia grama”. Quando questionado acerca da possibilidade de parar de consumir esta droga, Marco António reflecte um pouco, respondendo depois: “Acho que o consumo leva muitas pessoas, na fase em que queres parar, a perguntar – será isto uma coisa para a minha vida? Será que se consumisse diariamente isso iria valorizar-me na sociedade? Eu sei e toda a gente sabe que as drogas

fazem mal “ mas, “a cocaína é conhecida por dar atitude, a cocaína não te leva a fazer coisas estúpidas, desperta-te para coisas que nem imaginas que existam. Ficas muito perfeccionista”. Como, por exemplo? “ Mesmo quando não estou com o efeito da cocaína parece que aquele momento se transporta para a vida normal e, assim, consigo inovar e pensar em milhares de coisas”, remata. «A mãe natureza continua a ter mais qualidade» João Paulo (nome fictício) começou a consumir drogas antes de entrar para a Universidade. “A curiosidade” foi a razão principal que o levou à primeira experiência no mundo das drogas. O estudante, que para além do consumo também vende “erva”, já experimentou ecstasy e LSD, mas assume a preferência pela cannabis “porque ainda assim a mãe natureza continua a ter mais qualidade”, ironiza. “Costumo consumir três a quatro vezes por semana”, afirma. Porquê? “Pelo sentimento de leveza”, responde. Apesar de tudo, João Paulo diz ter a consciência de que todos os tipos de drogas são prejudiciais para a saúde e acrescenta: “No que toca a drogas, não acho cívico dizer que uma é melhor do que outra”. Quanto à ressaca, João Paulo explica as diferenças entre as várias drogas que já experimentou: “ As drogas que se denominam por “fumáveis” são um tipo de droga que nos descontrai bastante e nos causa um espécie de sensação de leveza. Por outro lado, as drogas sintéticas são usadas para a diversão, como, por exemplo, para uma grande festa com os amigos e com um grande Dj”. Nesse sentido, continua, “o haxixe é, sem dúvida o pior, já que causa uma ressaca muito parecida com o álcool (cabeça pesada e dores de cabeça), enquanto que com as drogas sintéticas a única coisa que nos acontece é depararmo-nos, no dia a seguir, com os nosso lábios muito mal tratados devido à “estrica”, que corresponde ao acto de trincar os nossos próprios lábios”. Questionado, por fim, acerca da possibilidade do consumo de drogas estar a aumentar entre os estudantes do ensino superior, João Paulo responde apenas: ”Nem têm noção!”.


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DESTAQUE Redução dos malefícios do ecstasy aumentaria o consumo da droga?

Manaíra Aires

Investigadores portugueses e americanos (ver caixa) publicaram na última edição da revista “Neuroscience” os resultados de uma pesquisa que revela a carnitina como uma eficaz substância na redução dos danos cerebrais causados pelo consumo do ecstasy. Será que esse tipo de descoberta impulsiona uma “consciência mais livre” do uso da droga por se ter remédios apaliativos ou reparadores? Nuno Ferreira

DR

Manuel Ribeiro

Nuno Ferreira

A carnitina é uma molécula composta por aminoácidos que transforma os ácidos graxos (moléculas que formam uma espécie de gordura que serve como fonte energética para o organismo) em energia para actividade muscular, sendo assim necessária para a liberação de energia da gordura. A carnitina, facilmente absorvida pelo intestino e, por isso, utilizada como suplemento alimentar, transporta no sangue os ácidos grassos por meio das mitocôndrias (organelas responsáveis pela respiração celular). Os pesquisadores descobriram que o interior das mitocôndrias contidas no citoplasma (parte intra-celular em que se encontram “pequenos órgãos” responsáveis pelo funcionamento da célula) dos neurónios é atacado pelo ecstasy, que liberta substâncias como o peróxido de hidrogénio (popularmente conhecido como água oxigenada). O resultado é que a célula perde, parcialmente, a sua capacidade de produzir energia. Isso acelera o desgaste celular e causa intensos danos comportamentais, que a longo prazo podem ser observados como a dificuldade de organização e de concentração, desenvolvimento de paranóias, alteração dos ciclos de sono e da temperatura corporal, objecção de relacionamentos e desinteresse sexual. A investigadora Teresa Summavielle, do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), afirma que a administração de carnitina ajuda a manter a integridade das mitocôndrias e preserva a funcio-

nalidade dos neurónios. Os resultados também apontaram para uma possível utilização da carnitina no retardamento da progressão de doenças neurodegenerativas, como a de Alzheimer e a de Parkinson.

Manaíra Aires

A carnitina

O ecstasy e os jovens O ecstasy aumenta a quantidade de serotonina nas sinapses (espaços onde ocorre a comunicação entre os neurônios). O excesso de serotonina, conhecida como a “hormona do prazer” , hiperestimula todos os sentidos e produz uma elevada sensação de bem-estar. Muitos jovens experimentam pela primeira vez o ecstasy em busca dessa satisfação sem ter consciência dos efeitos da droga. Félix Carvalho, colaborador da pesquisa e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP), alerta que “um dos problemas recorrentes do início do consumo é a ignorância, o único factor que é possível combater com grande êxito. Muitos jovens começam a usar drogas por curiosidade, pressão do grupo, prazer rápido ou fuga de algum problema familiar”. O consumo do ecstasy pelos portugueses começa cedo, por volta dos 12 anos, e muitos dos jovens vão à Internet pesquisar informações sobre o uso de drogas. A questão é que na Internet não só existem inúmeras informações erradas, como é um meio onde se procura aquilo que se quer. Ou seja, muitas vezes os jovens vão à procura de informações que não esclarecem a periculosidade do uso abusivo de drogas.

Os cientistas sociais e o debate sobre a ética científica Alguns cientistas sociais acreditam que esses jovens, já dotados de pouca informação correcta a respeito dos efeitos do ecstasy, ao saberem que existem formas de aliviar os danos, teriam uma maior permissividade para usar a droga sem tanta culpa. A pesquisadora Teresa Summaville, que está à frente da pesquisa sobre a carnitina, corrobora a importância das reflexões sobre a ética na construção do conhecimento científico e, especialmente, na aplicação desse conhecimento. “Ao longo do desenvolvimento do meu trabalho, reflecti várias vezes a respeito do uso das descobertas que estávamos a fazer. Tanto que hoje tenho direccionado as minhas pesquisas para saber como a carnitina pode ajudar aqueles que já consomem ecstasy”, afirma a cientista.

Segundo a psicóloga Janaila Silva, um produto que age contra os efeitos do ecstasy pode alimentar a imaginação da colectividade e, dependendo da forma como se anuncia, pode soar como permissão ao uso da droga. Janaila aponta os média como importantes agentes na relação das produções científicas com a sociedade, “pois são os média que fazem o recorte, que anunciam, que escolhem o modo como dizer e apresentar uma ‘novidade’”. A discussão ainda transita pelo âmbito da permissividade social ao prazer: “Hoje, todos nós somos chamados ao prazer e, ironicamente, esse chamado parte da própria indústria mediática”, afirma. Para Janaila, os produtos da ciência são carregados de implicações sociais que, em geral, não são assumidas como responsabilidades directas do constructo científico porque ainda há uma crença na ciência pura, que não depende da acção de outras instituições sociais.

Por outro lado, o pesquisador Rodrigo Gewehr, que desenvolve estudos na área da psicanálise e da psicopatologia na Universidade de Paris VII, afirma que é preciso pensar no que se chama de “malefícios das drogas” para não cairmos num moralismo, numa estratégia subtil de controle. “O uso das drogas não é necessariamente um malefício e pode ser uma experiência como tantas outras na vida, sem maiores consequências. O problema está no tipo de uso que se faz”, aponta Gewehr. O que se teria que observar, então, é a intensidade e a frequência no uso, pois o uso não seria uma característica intrínseca à droga, e sim a uma condição psíquica e social. O pesquisador não crê que a descoberta da carnitina como reparadora possa influir nas estatísticas de uso ou abuso do ecstasy. “Uma descoberta como essa jamais vai modificar a relação de alguém que é viciado em ecstasy, embora possa minimizar as consequências de um uso abusivo, o que possui um aspecto humanitário importante”. O cerne da questão não seria os malefícios orgânicos do abuso de uma substância, mas a dificuldade em se conseguir um equilíbrio entre duas balizas: submeter à pesquisa uma noção ética pode ser tropeçar numa espécie de tirania, ao passo que submeter a ética à lógica da pesquisa científica pode ser tombar em problemas de grande envergadura. Ao contrário da psicóloga Janaila, Gewehr acredita que, se a ciência tentou isentar-se da discussão sobre o efeito das suas produções, isso não perdurou por muito tempo. “Abordar o tema das drogas centrado apenas na questão de uma substância química entorpecente é algo simplista. A ciência também pode ter um efeito entorpecente, e isso em geral não nos é dito. A questão ética mais importante não se trata de saber apenas se um determinado conhecimento científico é bom ou mau, útil ou inútil. Precisamos questionar a nossa dependência, o nosso vício nos conhecimentos científicos. A relativização do discurso científico é fundamental para que possamos ampliar a forma de nos relacionarmos com a vida”, conclui o pesquisador. O trabalho inclui, dentre outros, as pesquisadoras Teresa Summavielle e Ema Alves, do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC); o pesquisador Félix Carvalho, da Faculdade de Farmácia da U.Porto (FFUP); e o investigador Zbigniew Binienda, da Food and Drug Adminstration (FDA) dos Estados Unidos.


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EDUCAÇÃO Novo regime legal de estudante a tempo parcial entrou em vigor na UP Cátia Monteiro / Cristiana Afonso

O novo regime legal de estudante a tempo parcial, criado em Junho pelo Governo, foi recentemente implementado na Universidade do Porto (UP). Contudo, desde o início do ano académico, se têm levantado polémicas pela sua não aplicação. O regime foi aprovado pelo Senado a 8 de Outubro e estabeleceu que todas as faculdades deviam cobrar o valor mínimo da propina em vigor, ou seja, 554 euros para os cursos de 1º Ciclo (licenciaturas) e mestrados integrados.

No caso dos cursos de 2º ciclo (mestrados), os valores devem ser fixados pelas faculdades, entre a propina mínima e 75% da propina fixada para o curso em específico em vigor na UP. As faculdades Manaíra Aires

devem ainda fixar os valores para doutoramentos, que não devem exceder 75% da propina fixada para o curso em vigor na Universidade. Um dos objectivos do novo regime é evitar que os alunos sejam obrigados a inscrever-se em todas as disciplinas do ano lectivo, de forma a que beneficiem de um regime especial de prescrições e de uma propina menor. Outro dos objectivos é aumentar a procura das pessoas que desejam conciliar as actividades profissionais com a formação superior. Mas nem todos podem ser estudantes a tempo parcial e usufruir do regime. Assim, aos alunos a quem faltarem menos de 37,5 créditos para concluir o curso não lhes será permitido recorrer ao novo estatuto. A questão tem sido levantada e discutida por vários alunos, como é o caso de Carla Miranda. A finalista da Li-

cenciatura em Ciências da Comunicação recorreu aos serviços da secretaria na tentativa de adquirir o novo estatuto, no entanto, foi informada de que “ o regime de estudante a tempo parcial não se aplica aos alunos que estão no último ano do curso”. Carla vê-se a braços com duas dificuldades: conciliar trabalho e faculdade. Porém, para além da questão económica não vê mais nenhum tipo de benefício no novo regime, “o enriquecimento pessoal deve fazer-se sempre que possível e essa será sempre uma riqueza grande que se preserva pela vida, no entanto, combinar trabalho com estudos é obra. No último ano do curso, os trabalhos práticos são mais que muitos e exigem tempos longos fora dos horários das salas de aula, o que implica uma reestruturação da vida que se torna constante.”

O regime legal de estudante a Tempo Parcial visa permitir mais flexibilidade no acesso ao Ensino Superior e faz parte, segundo o Ministério do Ensino Superior, de um pacote de medidas destinadas a aprofundar o “Processo de Bolonha” e a facilitar a gestão do percurso escolar pelo próprio estudante. Além disso, possibilita que estudantes se inscrevam em cadeiras que não integrem o plano de curso que frequentam. Cadeiras de qualquer outro estabelecimento do Ensino Superior, garantindo-lhes que em caso de aprovação na disciplina, esta seja incluída no suplemento do seu diploma. O regime abrange ainda pessoas que não estão inscritas em nenhum curso do Ensino Superior, mas que podem frequentar disciplinas avulsas, que mais tarde serão creditadas, caso ingressem num curso superior, cujo plano inclua essas cadeiras.

Nuno Silva premiado por artigo sobre Web Semântica Ricardo Alves

Formado no ISEP e membro do GECAD (Grupo de Investigação em Engenharia do Conhecimento e Apoio à Decisão) desde 1995, Nuno Silva, foi premiado com o Best Paper Award do Eurographics 2008. Falamos com ele sobre a próxima revolução na maior base de dados do planeta. Ricardo Alves

Podia descrever-nos o âmbito do artigo? O artigo tem como objectivo a redução do trabalho inerente a um utilizador da internet na visualização de informação, e, nomeadamente, de informação tabular, ou seja, informação que está em tabelas. Uma tabela é composta por uma série de colunas e de linhas; nos pontos de intersecção destes, temos valores, que podem ser numéricos ou alfanuméricos. A questão é que esta informação

não diz absolutamente nada ao computador, ele é incapaz de perceber o significado daqueles dados, apenas os aceita. Os computadores estão aqui para substituir o papel. Ora, eles são muito mais caros que o papel, por isso, se o computador não serve para processar informação por nós, não serve para nada. E é para isso que estamos a trabalhar, para permitir que o utilizador compreenda a tabela que está a ver e para que possa retirar dela aquilo que procura. Um exemplo

disto é uma tabela de classificações do campeonato de futebol, onde o utilizador pode querer obter a relação entre as equipas no que toca a cartões amarelos. O que fizemos para este trabalho foi arranjar um método que torne possível apresentar tabelas em termos gráficos, enfatizando, assim, determinadas dimensões de cada tabela. Para que seja possível inter-relacionar estes dados, tivemos que capturar o significado daquela página, daquela tabela. O que acontece é, então, que alguém vai criar a descrição da informação da página. E quando criamos esta descrição da informação, estamos a criar meta-informação, que é a semântica da informação. Isto é a web semântica.

“Se o computador não serve para processar informação por nós, não serve para nada”

Aceita a etiqueta Web 3.0? Completamente, isto é Web 3.0. Ou seja, retirar conhecimento de factos sintácticos. A tabela é sintáctica, são algarismos, são pala-

vras. Quando se extrai informação com semântica para o interior da aplicação, aquilo passa a dizer alguma coisa ao computador, de tal forma, que a informação começa a fazer sentido. Entre as várias teorias sobre o caminho que a web semântica irá seguir há duas mais discutidas. Uma apoia-se na Web 2.0 e nas bases de dados criadas pelas redes sociais; outra na criação de uma espécie de inteligência artificial, em que os computadores extraem automaticamente conhecimento de um dado sintáctico. Qual destas “avenidas” lhe parece a mais viável? As duas parecem-me perfeitamente conciliáveis e complementares. Acho mesmo fundamental que as duas se interliguem. Os utilizadores participam cada vez mais na web: escrevem, fazem tagging (etiquetagem), opinam até mais não. E, apesar disto trazer um problema de filtragem, o conhecimento está lá, é a inteligência global. Se conseguirmos explorar isto, começamos a demarcar tendências e padrões nas ilhas, nas tribos. Depois de feito o mapeamento, é uma questão de interrelacionar o termo A com o termo B, que até são parecidos, e,

se calhar, se referem à mesma coisa. Começaríamos assim a poder fazer pontes semânticas entre as comunidades. Mas surge-nos de novo o problema das regras: é necessário ter a certeza que o termo X significa de facto aquilo que nós dizemos que significa. Mantendo-se esse problema, parece-lhe possível manter a construção da Web 3.0 nas mãos do utilizador comum ou seria necessário passar o controlo desta para as entidades? Não. Qualquer pessoa pode, e deve continuar a poder, dizer o que lhe apetece. O que nós temos é que criar mecanismos que formalizem aquilo que as pessoas dizem. Há conceitos a ser desenvolvidos, nomeadamente, microformatos ou o “friend of a friend” (que é algo utilizado nas redes sociais mas que pode ser formalizado de maneira a que o computador o compreenda). Calculando o grau de proximidade entre duas pessoas é possível extrapolar a veracidade ou não do que uma diz sobre a outra. Mas não acho possível as pessoas poderem ser retiradas desta construção, até porque as empresas dependem do dinheiro da publicidade online. A internet somos nós.


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SOCIEDADE Aprender a ouvir

Mariana Duarte

Através de workshops e concertos, o Serviço Educativo da Casa da Música dá oportunidade aos mais pequenos para descobrirem a música e criarem relações com ela. Estimular o ouvido e fruir dos sons é o que se pretende. Para, mais tarde, cada um abrir as portas da música com maior convicção. DR

O elevador de cargas leva-nos a uma das partes escondidas da Casa da Música: o corredor das salas de ensaio. Uma melodia graciosa, de piano suave e metais saltitantes, esgueira-se pela porta entreaberta da sala número dois. É a recepção musical aos pais e bebés que vão assistir à primeira sessão do workshop debutante Palmo e Meio, integrado na actividade Primeiro Sons do Serviço Educativo da Casa da Música. 11h30 é a hora das crianças mais pequenas, entre os zero e os 18 meses. Depois do almoço, é o tempo dos mais velhos: às 15h vêm os que têm entre 18 meses e três anos; às 16h15, os que têm entre três e cinco anos. O Palmo e Meio marca presença num domingo de cada mês. O design sóbrio e futurista que caracteriza cada canto da Casa é, nos dias do Primeiros Sons, “remodelado” para criar um ambiente mais pueril e vivaz. Puffs coloridos, bonecos espalhados pelas paredes e instrumentos enfeitados enchem a sala de uma alegria visual a que os bebés não são indiferentes. Já de pés descalços, pais e filhos, casais e mães solteiras, saltam para o meio da sala e instalam-se na larga manta verde, enquanto são recebidos pelas bolhas de sabão sopradas pelas duas formadoras. Um dos objectivos do Palmo e Meio parece ser alcançado logo de início: “sorrir muito”. “Em primeira instância, pretendemos que os pais e os bebés se divirtam”, diz Joana Araújo, uma das orientadoras. A outra, Isabel Gonçalves, concorda: “queremos passar 45 minutos fantásticos”. Esses minutos começam com a apresentação de cada bebé, cujos nomes são entoados por Joana e Isabel. Há, desde logo, uma comunicação verbal musical. “A comunicação que os pais têm com os filhos na língua materna

deve ser feita da mesma forma com a música”, afirma Joana Araújo. Só assim se pode desenvolver a audiação. Este termo foi criado pelo americano Edwin Gordon, investigador nas áreas de Psicologia e Pedagogia da música e autor da Teoria da Aprendizagem Musical. Audiação significa para a música o que pensar significa para a língua materna. É a capacidade de ouvirmos com compreensão os sons que podem estar ou não fisicamente presentes. Um dos intuitos destas sessões é oferecer alguns elementos que permitam aos pais comunicar musicalmente com as suas crianças e, deste modo, ajudá-las no processo de audiação. Mais do que sessões, os 45 minutos do Palmo e Meio são aulas. “A partir daqui, eles (os pais) começam a construir um vocabulário de interacção musical com os filhos”, assinala Isabel Gonçalves. Este dicionário musical é preenchido por muitas onomatopeias – elas próprias estruturas musicais que centram a atenção do bebé não na palavra, mas no ritmo –, espalhadas pelas formadoras à medida que cantam, tocam os instrumentos e produzem cadências tribais com o corpo. A estimulação física dos bebés revela-se outro dos objectivos deste workshop. “É por isso que nós pedimos aos pais para olharem para os filhos e para fazerem movimentos”, explica Joana Araújo. Segundo Gordon, o movimento é essencial para o desenvolvimento do sentido rítmico. Esta consciência rítmica permitirá que o bebé tenha o corpo preparado para participar na música. Os instrumentos utilizados também incitam ao movimento. Xilofone, metalofones, pandeiretas, jogos de sinos, melódica, flautas e piano são os privilegiados. “Nós usamos bastante a base instrumental Orff”,

refere Joana Araújo. O instrumental Orff é um método de ensino baseado na percussão desenvolvido por Carl Orff, um pedagogo que “organizou uma espécie de orquestra com instrumentos chamados lâminas”, esclarece Joana. Explorar “o máximo de variedade tímbrica possível”, como refere Isabel Gonçalves, é o que se pretende com o cruzamento de todos os utensílios. Só assim os bebés têm a percepção do espectro de sons distintos que existe e só assim podem assimilálos, compreendê-los e organizar um vocabulário fértil e variado. Mais um ensinamento gordoniano. Depois da dança, vem a estimulação visual. Surgem sons da natureza e um piano minimalista onírico: é tempo de recriar o céu; céu não com estrelas, mas com borboletas. A este propósito, o de unir os sons a imagens e a uma paleta de cores abrangente, a formadora Isabel Gonçalves salienta que a música é capaz de “desenvolver o sentido estético, a criatividade e uma melhor capacidade de expressão”. Afinal, a música potencia o desenvolvimento cognitivo não apenas “ao nível do raciocínio matemático, como muitas vezes se fala”, observa Isabel. Enquanto voa a “música das borboletas”, os bebés vão interagindo uns com os outros. Este processo antecipado de socialização é um dos aspectos essenciais que emergem do facto de serem sessões em grupo. Como aponta Joana Araújo, “não fazia sentido serem individuais, porque, doutro modo, a energia não circularia”. E apesar de serem momentos partilhados com desconhecidos, a cumplicidade entre pais e filhos não se perde. Esta intimidade pode ser reforçada nestas aulas, pois a música “cria vínculos afectivos mais fortes entre pais e filhos”, afirma Isabel Gonçalves.

“Adeus, adeus, com pezinhos de lã”, cantam as formadoras. Tal como o olá, há adeus para todos os bebés, muitos deles agora espalhados pela manta verde. Miguel, um dos mais activos durante a sessão, corre de um lado para o outro entre trambolhões, em espasmos de alegria. “É o terceiro domingo a que vimos de workshops e adorámos!”, diz a mãe de Miguel, bebé de 14 meses. “Gostámos muito desta sessão porque teve muita cor e dinâmica”, acrescenta a educadora, sempre sorridente. Miguel costuma ouvir música em casa, aquilo que a mãe gosta de ouvir. “Ele reage melhor às músicas que têm muito movimento. Gosta daquelas para dançar”. Palmo e Meio mais meio Depois do almoço chega a vez dos mais graúdos. O ambiente é o mesmo da sessão anterior. Mas entre os 18 meses e os três anos e entre os três e cinco anos exige-se mais dinamismo. Grande parte das actividades saltam da manhã para a tarde, mas os sons já são de compassos mais velozes e os ritmos debitados pelos instrumentos mais complexos. Assim, a estrutura do Palmo e Meio não sofre grandes variações de sessão para sessão. A tónica diferenciadora está no movimento, como explica a formadora Joana Araújo: “as principais diferenças residem no facto de estes bebés conseguirem imitar imediatamente aquilo que nós fazemos; logo, os exercícios são muito mais activos, com mais movimento”. Há, deste modo, uma maior estimulação física, apesar de o objectivo primordial continuar a ser a estimulação do ouvido. As crianças já marcam os ritmos sem a ajuda dos pais e já tomam o seu rumo nos passos de dança. Já brincam com a música, já exploram os sons. Estas duas últimas sessões mostramse, assim, mais eufóricas, mais desarrumadas, com os bebés a passearem pela sala e a fazer de objectos (como o caixote do lixo) os seus instrumentos. Depois da aula, o concerto No último domingo de cada mês não há workshops. É o dia dos Concertos para Bebés e Famílias. Estes concertos gozam de um formato muito especial, todo ele concebido por Paulo Lameiro e o grupo Musicalmente. Três formadoras têm o papel da interacção vocal, juntamente com Paulo, e quatro instrumentistas tomam conta dos arranjos de um reportório original que atravessa vários géneros musicais. Para além desta estrutura fixa, há um instrumento solista que varia de mês para mês. Na rentrée dos Concertos para Bebés e Famílias vestiu-se Outubro dos tons rendilhados e virtuosos da música barroca, com a flauta transversal de João Barroso. “Como nós estamos na Casa da Música todos os meses vamos ofer-

ecendo em cada mês linguagens e timbres completamente diferentes”, afirma Paulo Lameiro. O musicólogo explica em que medida é importante desvendar aos bebés a existência de vários estilos, timbres e tonalidade rítmicas, recorrendo à teoria de Edwin Gordon, já acima referida: “nós formatamo-nos enquanto pessoas musicais nos primeiros instantes. Quanto mais diversificado e complexo for o universo sonoro que envolver o bebé, maior é o seu vocabulário e, consequentemente, a sua capacidade de compreensão e descodificação”. Apesar de ter uma “identidade central”, como alude Paulo Lameiro, o concerto transcende as sonoridades barrocas. Ouvem-se incursões jazzísticas e world por clássicos de Monteverdi, Corelli, Schutz, Bach, entre outros compositores do período barroco. Entre vozes operáticas, expressões teatrais dramáticas e jogos de cores e de luzes, as crianças - dos três meses aos cinco anos - observam em silêncio os músicos e os instrumentos que se passeiam pelo centro da sala, soltando onomatopeias de satisfação. A caminho do final do concerto, ritmos gypsy e canções do folclore português levam alguns bebés a dançar e a explorar alguns dos instrumentos junto dos músicos. Esta interacção com os formadores e com os instrumentos permite revelar a “natureza humana da música”, aponta Paulo Lameiro. “O toque revela-se uma ponte, uma interface para com a arte”. O que é o Serviço Educativo da Casa da Música Criar, desenvolver e nutrir relações com a música é o objectivo essencial do Serviço Educativo da Casa da Música. As actividades deste departamento arquitectam experiências para todos, desde bebés até idosos, desde simples curiosos até pessoas com necessidades especiais. Estas práticas são lúdicas, mas não vazias de significados. “Lúdico não tem nada ver com superficial. É uma designação que significa uma forma de comunicação, uma forma de explicar, de envolvimento com determinado tipo de actividades”, assevera Paulo Rodrigues. O Serviço Educativo não tem como finalidade ensinar música, pois para tal “já existem as escolas de música e os conservatórios”. Contudo, “não se tratam de actividades recreativas. Pretendo pôr em prática um conjunto de actividades minimamente profundas que façam com que as pessoas tenham gosto em se relacionar com a música e que lhes permitam estabelecer os seus próprios caminhos na descoberta da mesma”, salienta Paulo Rodrigues. O importante é ensinar a ouvir e possibilitar a todos momentos de fruição musical.


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SOCIEDADE O milagre do cordão umbilical Francisco Ferreira

Em Portugal já se pode recolher e conservar as células do sangue do cordão umbilical logo após a nascença. Estas células criopreservadas podem ajudar na luta contra cancros e doenças sanguíneas. É o progresso da medicina: afinal, o cordão umbilical pode salvar vidas. Ivete Lígia

A possibilidade de utilização de células estaminais no tratamento de doenças como a leucemia tem suscitado um grande interesse em toda a comunidade científica e na sociedade em geral. O primeiro transplante de células estaminais foi efectuado em 1988 por uma equipa de cientistas franceses e americanos, a partir de amostras recolhidas do cordão umbilical de um familiar recémnascido de um doente. Um ano depois, este apresentava fortes melhorias, graças às células criopreservadas do dador. A experiência veio abrir a discussão sobre o potencial das células estaminais do sangue do cordão umbilical no tratamento de um vasto leque de doenças. Ao longo do tempo, a investigação aumentou, chegando-se a 2008 com um progresso assinalável na área das células estaminais e da criopreservação. Actualmente já existem em Portugal diversas empresas que fazem da criopreservação um negócio sério. E o que é a criopreservação? Este processo não é mais do que a recolha de sangue do cordão umbilical, rico em células estaminais, e a manutenção destas células a temperaturas abaixo dos 180 º negativos, de modo a poderem ser usadas durante vários anos. Ou seja, por cerca de 1.000 €, os pais podem adquirir um Kit de recolha de sangue do cordão umbilical, e a empresa especializada trata do resto. A qualquer momento, se necessário, essas células estaminais podem ser resgatadas para o tratamento de doenças sanguíneas ou cancerígenas que afectem familiares.

“As células estaminais são células indiferenciadas”, começa por explicar Pedro Sousa, estudante da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). “Além disso, também têm uma enorme capacidade de auto-renovação e divisão. Ou seja, podem assumir a função de outras células. Se existir, por exemplo, um dano no fígado, através das células estaminais pode-se reparar esse dano, porque as células adaptam-se e recuperam o tecido danificado”. O estudante lamenta a falta de discussão sobre esta matéria no seio da comunidade médica do Porto e mesmo da fraca abordagem destes progressos nas aulas da Faculdade de Medicina. “Infelizmente, as condições obrigam a que os médicos estejam preocupados com outras coisas. Os próprios estudantes têm cadeiras importantes para fazer e estas questões acabam por passar um pouco ao lado, apesar de se falar disso superficialmente”. Quem não se pode queixar é Luís Gomes, um dos responsáveis pela Crioestaminal, a empresa líder do mercado em Portugal na área da Criopreservação. Fundada em 2003, a empresa tem vindo a ver o seu volume de negócios a aumentar de ano para ano. “É um negócio e uma área em forte evolução e com um grande potencial de crescimento”, refere. “As pessoas estão fascinadas com as possibilidades que existem nesta área da medicina e, por isso, procuram os nossos serviços. Por pouco mais de 1.000€ pode-se

ter ali uma grande ajuda no combate a uma série de doenças e isso motiva os pais a investir nisto”, sublinha Luís Gomes. No entanto, existe ainda a falta de informação sobre o assunto. Sendo este um processo complexo, os pais precisam de alguém que explique correctamente como ele funciona e quais são as suas vantagens. Ana e Paulo Gonçalves foram pais há pouco mais de 2 meses e desconheciam esta possibilidade. “Nas consultas nunca nos explicaram muito bem o que era”, diz Paulo, advogado. E acrescenta que o casal até conhecia o procedimento, mas que a “falta de informação” nunca os levou a pensar muito nisso. Luís Gomes, da Crioestaminal, confessa que ainda há “alguma falta de informação”, mas adianta que a sua empresa está a tomar medidas nesse sentido. “Temos tentado actuar junto dos médicos da área da obstetrícia, temos tentado fazer divulgações junto dos hospitais e mesmo através dos órgãos da comunicação social e da publicidade”. Quem estiver atento, pode encontrar publicidade da Crioestaminal nas traseiras de alguns autocarros dos STCP. O que levanta a questão: é a Criopreservação um negócio? Uma rápida pesquisa no Google devolve um número considerável de empresas a trabalhar nesta área em Portugal. “Estas empresas da área da saúde, essencialmente viradas para tratamentos caros, são normalmente muito rentáveis”, explica Abílio Ferreira, jornalista de Economia. “Os

hospitais e laboratórios privados têm uma gama de clientes não muito grande, mas disposta a pagar preços altos por tratamentos da melhor qualidade e por isso os investimentos feitos costumam valer a pena”, elucida. Luís Gomes recusa ver as coisas por este prisma, enumerando os fortes benefícios da Criopreservação no futuro. “Estamos a falar de uma eventual cura de cancros. O preço pode até ser caro para a maioria das bolsas. Por isso é que nós temos formas de pagamento mais flexíveis – os pais já podem pagar em prestações.” Mas tal não se assemelha mais à compra de um bem de consumo do que ao direito ao acesso a um serviço de saúde? O responsável da Crioestaminal considera que não. O objectivo é “a democratização da Criopreservação. Queremos chegar ao maior número de pessoas, quer através destas medidas, quer com a forte aposta na comunicação”. Os benefícios já são conhecidos. Mas há riscos? Pedro Sousa diz que não. “Riscos não há. O máximo que pode acontecer é a amostra não ser suficiente ou estar infectada e não poder haver a Criopreservação das células”, refere o estudante de medicina da FMUP. A Crioestaminal confirma. Segundo Luís Gomes, por vezes a recolha de sangue é insuficiente, ou por vezes há uma contaminação bacteriana no momento da recolha, e por isso não se pode realizar o processo de Criopreservação. No entanto, de acordo com o site oficial da empresa, a taxa de sucesso é superior a 85%. Quando as células não

têm condições para serem criopreservadas, o cliente paga apenas o valor do “Kit” de recolha fornecido pela empresa. O restante montante só é pago quando as células começam a ser conservadas. Luís Gomes faz questão de sublinhar as apertadas regras da Crioestaminal, que faz análises a todas as amostras a fim de detectar eventuais infecções. “Caso haja alguma infecção ou doença no sangue recolhido, as células não poderão ser usadas no futuro”, explica a Crioestaminal. Diz a sabedoria popular que prevenir é melhor que remediar. E este provérbio não se podia encaixar melhor na mentalidade das pessoas que recorrem à Criopreservação, diz Luís Gomes. “Antigamente, a única maneira de resolver alguns problemas era procurar um dador que fosse compatível, para que o transplante não fosse rejeitado. Recolhendo e conservando as células estaminais que estão no cordão umbilical, pode haver uma reconstrução de tecidos danificados ou cura das doenças sem haver problemas de rejeição ou de incompatibilidades”, destaca o responsável da Crioestaminal. Pedro Sousa é claro neste ponto: “Alguns investigadores dizem que, teoricamente, seria possível recuperar toda uma perna com o recurso a células estaminais. Pode soar uma loucura, mas, teoricamente, é uma possibilidade”, aponta o estudante de Medicina. “Por isso, faz todo o sentido que os pais recorram à criopreservação; as vantagens parecem evidentes”. Para além disso, as perspectivas de futuro são animadoras. Quer do ponto de vista da medicina, quer do ponto de vista empresarial. Actualmente, as células estaminais são usadas essencialmente no tratamento de doenças do foro hematológico – cancros no sangue, por exemplo – e na regeneração de tecidos celulares. Mas a investigação mostra que isto pode mudar em breve. Já existem estudos que mostram ser possível a regeneração de músculo cardíaco através de células recolhidas no cordão umbilical, o que significa que poderão ser feitas recuperações em pessoas que sofram, por exemplo, de um enfarte do miocárdio. Pedro Sousa mostrase entusiasmado com estes possíveis progressos: “Qualquer pessoa desta área fica contente com isto. Pode ser um grande salto no tratamento de muitos problemas”. Luís Gomes mostra-se também entusiasmado quanto à possível expansão do negócio: “Este progresso é fantástico em termos medicinais”, afirma. “Com estas melhorias, a tendência é para haver uma banalização da criopreservação daqui a uns anos, o que levaria a uma diminuição dos preços e a uma grande adesão por parte de todas as pessoas. Seria uma expansão no negócio e um grande passo na medicina”.


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SOCIEDADE Cinema ao serviço da Paz

Inês Gomes

Quem não ouviu falar do Ciclo de Cinema de Discriminação e Não Violência já perdeu a oportunidade de assistir a filmes como Os Respigadores e a Respigadora ou Please Vote for Me em ambientes bem diferentes dos habituais circuitos culturais. Mas até 18 de Dezembro, o ciclo reserva ainda duas sessões que prometem denunciar situações de discriminação e promover a discussão de ideias. deram luz verde e associaram-se na construção deste que é não apenas um ciclo de cinema, mas também uma oportunidade para a partilha de opiniões e experiências. A 11 de Dezembro, o Maria vai com as Outras serve de sala de projecção do filme Suddenly, Last Winter. O documentário conta a história de Gustav e Luca, um casal gay italiano em busca de explicações para a onda de homofobia gerada no seu país, após o governo propor uma lei que concedesse direitos a casais homossexuais. Depois da projecção de Persepolis com casa cheia no primeiro dia do ciclo, o filme volta a ser exibido a 18 de Dezembro, no Clube Literário do Porto. Nomeado para o Óscar de melhor longa-metragem de animação e distinguido com o Prémio do Júri no Festival de Cannes, Persepolis conta a história autobiográfica de uma menina iraniana, Marjane Satrapi. A subida ao poder dos fundamentalistas e o conflito entre o Irão e o Iraque tornam a rebeldia da jovem cada vez mais difícil de ser tolerada no seu país. É assim que

os pais de Marjane decidem envia-la para Áustria, onde o espectador vai acompanhar o crescimento da jovem, que cedo se sente desenquadrada da sociedade em que vive. DR

Espaços como o Gato Vadio, a Rota do Chá ou o Maria vai com as Outras, na cidade do Porto, foram os eleitos para a exibição de filmes que, “apesar de pouco vistos, lançam a discussão e interrogam o sistema em que vivemos”, explicou Alice Ribeiro, colaboradora do Movimento Humanista (MH) e uma das responsáveis por esta iniciativa. “Seguimos uma linha um bocado à margem. Escolhemos filmes que não se costumam ver por aí e construímos o ciclo em espaços que passam ao lado do grande público. Não sabíamos que resposta teríamos da audiência, por isso optámos por espaços mais pequenos, mais familiares, que permitam o diálogo. Não seria possível fazê-lo em salas de cinema, que são espaços mais impessoais e que não permitem esse tal debate de ideias”, afirma Alice. A colaboradora do Movimento Humanista conta que a ideia de criar este ciclo de cinema alternativo surgiu de um desafio lançado por um membro do MH e da Amnistia Internacional. As duas organizações

O Ciclo de Cinema de Discriminação e Não-Violência realiza-se no âmbito da divulgação da Marcha Mundial pela Paz e a Não-Violência, um evento organizado pela organização Mundo sem Guerras

e sem Violência, que pretende reunir pessoas de todo o mundo em torno dos mesmos objectivos: o desaparecimento das armas nucleares, a renúncia dos governos à guerra como meio de resolução de conflitos e, sobretudo, agitar consciências e dar voz a inúmeras vítimas de violência pelo mundo fora. “É uma marcha das pessoas e para as pessoas, que pretende chegar à maioria da população mundial”, como é explicado no website da Marcha Mundial pela Paz. O evento constrói-se, portanto, com base na cooperação entre pessoas de todo o mundo, que estão dispostas a participar e contribuir através de diferentes iniciativas, como por exemplo o Ciclo de Cinema de Discriminação e Não Violência, organizado na cidade do Porto. Em noventa dias, a Marcha Mundial vai percorrer noventa países, contando com um milhão de participantes e dez milhões de participantes virtuais. A viagem inicia-se na Nova Zelândia, a 2 de Outubro de 2009, aniversário de nascimento de Gandhi e dia

internacional da Não-Violência. É do outro lado do mundo, na cordilheira dos Andes, que termina a viagem, a 2 de Janeiro. Segundo Natacha Mota, colaboradora do Movimento Humanista, este vai ser um evento que irá certamente “definir uma nova direcção para o mundo em que vivemos”. Foram já várias as personalidades que prestaram o seu apoio à Marcha Mundial, entre elas, Noam Chomsky, Desmond Tutu e José Saramago. Na sua mensagem de apoio à Marcha Mundial, o escritor português afirma que se trata “de tornar mais forte a vontade de paz que a vontade de guerra. Trata-se de participar na mobilização geral de luta pela paz: é a vida da Humanidade que estamos a defender, esta de hoje e a de amanhã, que talvez se perca se não a defendermos neste momento. A humanidade não é uma abstracção retórica, é carne sofredora e espírito em ânsia, e é também uma inesgotável esperança. A paz é possível se nos mobilizarmos para a conseguir. Nas consciências e nas ruas”.

Gaia recebe espólio do Comércio do Porto Adriano Cerqueira

A empresa Faro de Vigo assinou protocolo de cedência do arquivo do jornal Comércio do Porto com a Câmara Municipal de Gaia. Manuel Ribeiro

O Edifício da Presidência do Município de Gaia recebeu, no passado dia 19 de Novembro, a cerimónia protocolar de assinatura do acordo de cedência do espólio do jornal Comércio do Porto, encerrado em 2005. No evento estiveram presentes Luís Filipe Menezes, Presidente da Câmara de Gaia, Isidoro González, representante da Faro de Vigo, entre outras personalidades, como Rogério Gomes, último director do Comércio do Porto. “É uma satisfação enorme chegar a este acordo. Sempre esteve no âmbito da empresa que o espólio estivesse à disposição dos portugueses”, afirma Isidoro González. Por seu lado, Luís Filipe Menezes considera a cedência do arquivo do Comércio do Porto como uma necessidade de “guardar a memória daquilo que foi uma pedra da comunicação social.” A partir de Dezembro, o arquivo vai para o renovado Arquivo Municipal de Gaia, onde ficará durante 10 anos, tempo previsto no acordo. A câmara poderá utilizá-lo para exposições e publicações, cabendo-lhe assegurar a sua guarda e conservação, bem como a disponibilização ao público em geral para consulta. Não será possível consultar os jornais na versão original. Contudo, o Arquivo vai disponibilizar suportes de consulta ainda não definidos. Estes poderão passar pela digitalização ou pelo microfilme.

“Temos que tratar este espólio com cuidado e com parcimónia”, salienta Menezes. De modo a conservar “a memória de algo que serviu como vector social, cultural e político”, acrescenta o autarca de Gaia. A transição do espólio do Comércio do Porto vai contribuir para “o progresso e desenvolvimento ligados à liberdade e qualidade da democracia.” O Presidente da Câmara de Gaia revelou ainda o desejo de ter

outro órgão de comunicação social no Norte capaz de “influenciar a vida económica e cultural” da região e teceu duras críticas à centralização dos “instrumentos fundamentais, financeiros, culturais e sociais” no Sul do país. A “ausência” de jornais de referência no Porto e as críticas às actuais opções editoriais do Jornal de Notícias também marcaram presença no discurso de Menezes.

O possível renascimento do Comércio do Porto não deixou de ser discutido na cerimónia. Rogério Gomes declarou que alguns empresários já tentaram reabrir o jornal, “mas infelizmente os proprietários não estão interessados em vendê-lo.” “Há gente interessada no lançamento de um projecto de comunicação aqui no Norte e o Comércio do Porto seria uma possibilidade. Não é um projecto

moribundo, mas está, pelo menos, congelado”, acrescentou. Fundado a 2 de Junho de 1854, o Comércio do Porto foi um dos jornais mais representativos da cidade do Porto. Ao longo da sua história, contou com a colaboração de figuras como Carolina Michaëlis, Guerra Junqueiro, o rei D. Carlos e a rainha D. Amélia, José Malhoa, Alfredo Keil, Camilo Castelo Branco, entre muitos outros. Após o 25 de Abril, o Comércio do Porto chegou a ter uma tiragem de 120 mil cópias. No entanto, nos anos 90 teve uma contínua descida das tiragens e, em 2001, foi vendido ao grupo espanhol Prensa Ibérica. Apesar da tentativa de viabilização empreendida pelos seus novos proprietários, o jornal acabou por não se revelar economicamente viável, tendo publicado a sua última edição a 30 de Julho de 2005. Menezes critica declarações de Ferreira Leite À margem da cerimónia, Luís Filipe Menezes comentou ainda a actual situação do PSD. “Esta direcção não tem condições para assumir a liderança, nem qualidade para dirigir o PSD”, admitiu o Presidente da Câmara de Gaia na sequência das declarações de Manuela Ferreira Leite que questionou, recentemente, a possibilidade de haver seis meses sem democracia em Portugal. O exlíder do PSD reafirmou que não se vai candidatar à liderança do partido.


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SOCIEDADE Manifesto “Onde Vais Cidade” traz ao Porto a vontade de mudança Rita Oliveira

Apresentado no início de Novembro, o manifesto “Onde vais cidade? Uma proposta cidadã para pensar e mudar o Porto” pretende trazer todos os portuenses à discussão sobre a cidade, de modo a encontrarem formas de a revitalizar. “É preciso pensar para mudar” é a máxima que já levou mais de 300 pessoas a assinar a petição online. Os autores do documento esperam que este comece a ser discutido em Janeiro do próximo ano. Pedro Ferreira

O projecto “Onde vais cidade?” pretende fazer com que se discuta a cidade do Porto. Pretende, acima de tudo, revitalizá-la a vários níveis: político, socio-económico, cultural, entre outros. Os objectivos passam ainda pela criação de fóruns abertos a toda a comunidade para que possam surgir ideias de mudança. Os impulsionadores deste movimento juntaram-se e insurgiram-se porque se sentiam descontentes com a actual situação do Porto e da região. Sentem que “a cidade se esvazia e que é cada vez mais um espaço para turistas e para quem tem muito dinheiro”. No início faziam parte deste grupo de manifestantes cerca de 90 pessoas e, afirmava-se na altura, tinham como objectivo pressionar a saída de Rui Rio da Câmara Municipal do Porto. Apesar de Rui Rio não ser o principal alvo deste

manifesto, os subscritores da acção afirmam que não estão satisfeitos com as suas políticas o que deixa transparecer, ainda segundo as mesmas fontes que, daqui poderá surgir uma candidatura, apesar deste não ser o panorama actual. Depois de dados os primeiros passos, do movimento acabaram mesmo por surgir possibilidades de candidatura à presidência da Câmara. Apesar de não ser o objectivo central, João Teixeira Lopes diz que qualquer um dos participantes do movimento é um potencial candidato à presidência da Câmara Municipal do Porto e que as propostas saídas do fórum de discussão podem ser conduzidas à prática por quem ocupar o poder, tudo em benefício da cidade. Em entrevista ao JUP, João Teixeira Lopes, dirigente do Bloco de Esquerda, diz que este manifesto

As questões levantadas pelos impulsionadores deste manifesto são:

O que acontece quando esses valores e princípios se degradam?

“…transportaremos os valores e princípios da cidade onde quer que estejamos, qualquer que seja o nosso trajecto.”

Quando a cidade perde legibilidade e carga identitária?

O que nos leva então para fora dela?

Quando a cultura na e da cidade é vista como inimiga a abater?

Porque não a reconhecemos e não nos reconhecemos nela?

Quando a arte e o quotidiano se dissociam?

“é um grito de indignação, mas também um forte apelo ao debate. A sua consequência prática consistirá num amplo fórum, a realizar em Janeiro e aberto a toda a população, de forma a promover a discussão livre e participada, bem como a formulação de propostas concretas para o ressurgimento da cidade.” Quem participa neste movimento reconhece a necessidade da complementaridade entre a visão partidária e a participação cívica activa por parte de todos. Por isso, afirma João Teixeira Lopes, “é preciso pensar para mudar”. O dirigente do Bloco de Esquerda e professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto explica porque é que o Porto precisa da reforma tão profunda proposta pelo movimento. “O Porto está em acelerado processo de degradação política, social, económica e cultural. No campo político, o poder instalado não respeita as diferenças de opinião nem promove o debate e a crítica, prejudicando a democracia. No campo social, a tendência geral de aumento da pobreza e das desigualdades sociais é agravada no Porto quer pelo menor apoio do poder central, quer pelas políticas locais de selecção social de vastas zonas da cidade. No plano económico, o Porto não consegue renovar e inovar na esfera dos serviços de qualidade. Em termos culturais, os artistas e grupos de criadores são desprezados e vilipendiados.” Com este manifesto, afirma o professor e sociólogo, pretende incutir-se nos cidadãos portuenses não só a discussão mas, também, a vontade e a mudança: “Mobilização cidadã; diálogo entre pessoas com origens, trajectórias e repertórios diferentes; superação do fosso entre as pessoas e os ‘especialistas’; criação de hábitos de comunicação no espaço público;

ideias para pensar e mudar a cidade.” Quando questionado sobre o possível carácter partidário deste manifesto, João Teixeira Lopes chama a atenção para a necessidade do envolvimento da política num movimento como este, mas, ao mesmo tempo, recusa uma vertente partidária da acção: “(O movimento) Tem evidentemente um carácter político, no sentido mais abrangente e nobre da palavra. A cidade é o berço da democracia e da esfera pública. Mas não é nem poderia ser partidário. Em vez do fechamento, queremos a abertura; em vez do sectarismo, o respeito mútuo; em vez do confronto, a complementaridade entre a acção dos partidos e as associações, os movimentos sociais e os grupos de cidadãos” Também a descentralização dos poderes locais é chamada à discussão. Freguesias, bairros e até a antiga distância entre Lisboa e o resto do país voltam a levantar a questão da descentralização: “O poder central é cada vez mais centralizado – veja-se o caso do QREN, em que as decisões são tomadas em Lisboa ou mesmo o desinvestimento na expansão do metropolitano do Porto, aponta João Teixeira Lopes. “No plano local, não há uma única estratégia sólida, coerente e mobilizadora sobre a cidade”, acrescenta. A negligência para com a vitalidade do Porto, a justiça, a participação cívica, os bairros e freguesias mais descurados, a internacionalização da cidade e para com a diversidade cultural e étnica dão mote a este movimento que também já se encontra numa página online. A petição inerente a este manifesto encontra-se na Internet e, aqui, qualquer um pode ter acesso às quase duas dezenas de perguntas (ver quadro) que, em jeito de resposta, são colocadas pelos princi-

pais mentores desta iniciativa. Os cidadãos são convidados e desafiados a envolverem-se profundamente na mudança da cidade por aqueles que dão a cara pelo projecto, que “sem se considerarem detentores de qualquer verdade, convocam os cidadãos do Porto, portugueses e estrangeiros, a assinarem este manifesto que desaguará brevemente numa ampla reunião plenária e posteriormente num fórum de debate e concretização duma alternativa justa, solidária e insurgente”. Além disto, a petição chama ainda a atenção para a vontade de que os cidadãos voltem a ser os “proprietários” da cidade, obedecendo a uma “nova lógica de partilha de recursos, de pensar a cidade no diálogo, tensão crítica entre estas pessoa e o território que habitam”. Para o arranque desta petição, contou-se com o apoio e a assinatura de nomes ligados a áreas tão distintas como o ensino, a política, o teatro, a música, a arquitectura, o jornalismo, o cinema, a medicina ou a filosofia. A petição, que já soma mais de 300 assinaturas, conta com nomes como Valter Hugo Mãe (escritor), José Caldas (actor), Miguel Guedes (vocalista dos Blind Zero), entre tantos outros. Militantes de vários partidos políticos e activistas de movimentos que defenderam o Rivoli ou o Mercado do Bolhão também se juntaram a esta causa, bem como cidadãos anónimos. O fórum aberto a todos os cidadãos vai realizar-se em Janeiro e espera-se que seja possível discutir em conjunto a cidade do Porto percebendo em que ponto esta se encontra e para onde se quer seguir bem como discutir e incentivar outro tipo de iniciativas. Para isto esperase conseguir, neste fórum, reunir um conjunto de ideias e propostas capazes de revitalizar a cidade do Porto.

Quando a mobilidade é um direito cada vez menos partilhado?

Quando as políticas de habitação expulsam largas franjas da população dualizando o tecido social?

Quando nos roubam a memória e os espaços dos afectos e das relações?

Quando a cidade se fecha à articulação com territórios mais amplos?

Quando o poder instalado odeia o conhecimento, a crítica e a insurgência? Quando a «cidade comum» se desagrega, frágil, aos nossos olhos?

Quando a vida e a expressão se desvitalizam? Quando uma anomia implosiva nos faz ter medo da cidade limitando-nos aos espaços protegidos de consumo? Quando a mistura social é cada vez menos frequente, empobrecendo a diversidade nos e dos espaços públicos?

Quando a sustentabilidade é uma miragem que encarece a dívida para com as gerações vindouras? Quando a participação é vista como ataque e escarnecida?


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SOCIEDADE Remador Olímpico e estudante finalista na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Ricardo França

Entrevista a Nuno Mendes

Para começar, como descreverias os Jogos Olímpicos ( JO) em três palavras. “Citius, Altius, Fortius” –“Mais rápido, maisalto e mais forte”” (Didon, 1890) Em termos pessoais e de equipa como foi participar nos JO? Esta participação é reflexo de uma amizade, de cooperação, de dedicação e esforço. De trabalho em equipa, de determinação, sacrifício e vontade. Por estes motivos foi muito mais do que um concretizar de um sonho. O que mais te impressionou? A capacidade organizativa da China, a hospitalidade e a atenção a todos os pormenores. Nada faltou para que todos os atletas se sentissem em casa, se sentissem confortáveis e nas melhores condições para competir. Foi realmente uma organização impressionante. E o que mais te decepcionou? Não se trata de decepção, mas antes de incompreensão. Porque é que a cobertura mediática em Portugal se tornou tão negativa?! Não consigo entender porque é que tendemos a dar relevância aos aspectos negativos, quando muita coisa positiva aconteceu. Tome-se como exemplo o nosso caso ou o da canoagem, superamo-nos! É disso que, a meu ver, se tratam os JO. Em termos práticos posso referir a distância entre a pista de competição e a aldeia olímpica, a viagem era de uma hora. A Comitiva Portuguesa esteve envolvida em alguma polémica. Razões e especulações à parte, e tendo em conta que a pista de Remo ficava algo afastada da Aldeia Olímpica, que tal foi a vossa envolvência com a restante delegação e demais atletas das diferentes modalidades? Como referi na questão anterior, as polémicas em causa, foram levantadas por parte dos média. Durante a minha estadia na aldeia olímpica o ambiente era de tranquilidade e de orgulho por estarmos todos a fazer o melhor pelo nosso país. E foi com essa sensação que deixei Pequim,

DR

Numa altura em que a excitação pelos Jogos Olímpicos já lá vai, o JUP deu corda aos sapatos e foi ao encontro de Nuno Mendes, participante nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008. Finalista da Licenciatura em Desporto e Educação Física da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), este remador portuense iniciou a prática da modalidade com dez anos, tendo aos 24 atingido aquilo que é o sonho de muitos desportistas. Juntamente com o seu colega e amigo Pedro Fraga e após ter sido por duas vezes Vice-campeão do Mundo de sub23, na categoria de double-scull peso ligeiro, esta dupla, com o seu oitavo lugar, alcançou o melhor resultado de sempre do remo português em JO.

com a sensação de que Portugal possui atletas com valor e com brio nacional. Lamento que muitos dos meus colegas tenham sido “usados” como meio de garantir audiências, assim como lamento que a maioria da cobertura jornalística tenha deturpado o que realmente estava a acontecer. Infelizmente, somos um país manipulado pela opinião dos média. No final, conseguimos criar laços de companheirismo com diversos atletas, que nos apoiaram e nos acompanharam e vice-versa. A envolvência e convívio foram muito positivos. Mudando um pouco de assunto e sem resistir a fazer uma questão típica, que tal tem sido a conciliação da tua vida desportiva com a parte académica e pessoal? Julgo que o facto de estar na FADEUP foi para mim uma mais-valia a todos os níveis. Tive a sorte de conhecer professores e de fazer amigos que me ajudaram neste percurso intenso de treinos e aulas. Consegui chegar até ao quinto ano sem falhar. No entanto, no ano transacto (ano do apuramento olímpico), optei por fazer apenas o estágio e deixar a monografia para agora. Quais os pontos mais positivos e negativos dessa conjugação? Como referi anteriormente, acredito que a Faculdade de Desporto possui um corpo docente fantástico. E isso foi-se revelando ao longo do meu curso. Para se ser um bom atleta não basta treinar, é necessário também possuir conhecimentos científicos

e práticos que nos permitam perceber o que andamos afinal a fazer. E foram essas as ferramentas que encontrei na FADEUP, entre amigos, professores e treinador. Os aspectos negativos passam pela falta de disponibilidade horária, pela falta de tempo para me dedicar ao curso como desejaria tê-lo feito, ainda assim, julgo ter conseguido desdobrarme o melhor possível. Não posso deixar de referir, mais uma vez, que sem a compreensão e ajuda dos meus amigos, colegas e professores esta conjugação teria sido impossível. Que tal a reacção dos teus amigos e colegas quando souberam da vossa qualificação? A maioria dos meus amigos foram parte integrante desta equipa, de uma forma ou de outra contribuíram para que tanto eu e o Pedro conseguíssemos atingir este objectivo. Mas como é óbvio todos eles festejaram connosco! E quando regressaste de Beijing? Quando cheguei de Beijing tínhamos uma comitiva enorme de amigos e familiares à nossa espera. Foi gratificante chegar a casa depois de 20 dias e ter uma recepção tão calorosa como aquela. Fazendo uma análise “Antes e Depois” da vossa participação nos Jogos Olímpicos o que realças nas duas perspectivas? Os jogos, enquanto equipa, foram a confirmação da nossa capacidade enquanto atletas. Estamos entre as oito

melhores equipas do mundo! No entanto, não basta estar. E é nesta perspectiva que continuamos a trabalhar, sem esquecer o nosso percurso atribulado e difícil. Porque se queremos superar o que já fizemos, não podemos apagar da memória como aqui chegámos. Agora é continuar a construir com base nos alicerces que construímos. É sabido que o Remo não é uma modalidade muito conhecida ou popular, pelo menos em Portugal. Aliás, é frequente a confusão entre Remo e Canoagem. Em termos gerais como vês o estado da modalidade? Infelizmente eu e o Pedro somos um caso pontual a nível nacional. O Remo português pouco ou nada tem evoluído e aquilo que a nossa equipa conseguiu é reflexo de um trabalho marginal, fora dos parâmetros da Federação Portuguesa de Remo. A esperança encontra-se, no meu ponto de vista, na capacidade de jovens competentes, capazes e com energia, como o nosso treinador Professor Eduardo Oliveira, entre outros, em implementarem novos sistemas, novas filosofias e novos caminhos. Existem muitas pessoas qualificadas e com ideias no mundo do remo. É necessário aproveitar essas mentes e colocá-las ao dispor do remo nacional, deixando “clubismos” de lado, unindo e melhorando a qualidade do remo nacional, assim como a sua visibilidade e projecção. E numa perspectiva mais geral, como vês estado do desporto ou

da organização desportiva no nosso país? O que te parece que está bem e onde achas que deve haver intervenções cruciais? No meu ponto de vista, a criação de infra-estruturas e projecção de outros desportos para além do futebol seria essencial neste momento. Assim como, a sensibilização não só de crianças e jovens, mas de todas as faixas etárias para a prática desportiva. Em termos desportivos e profissionais, o que se segue? Em termos desportivos, após termos estado de férias a recuperar energias, encontramo-nos a iniciar um novo ciclo olímpico. Já formulamos um plano e objectivos para esta época, que engloba Taças do Mundo, Campeonato do Mundo e da Europa. Profissionalmente, encontro-me a finalizar o curso, nomeadamente a monografia. Estou ainda responsável pelo treino da equipa de remo sénior feminina do Sport Club do Porto. 2012? Londres 2012. O objectivo será, antes de mais, garantir de novo a qualificação. E depois disso, continuar a superar as metas que já atingimos. Julgo ser esse o principal objectivo da nossa equipa. Melhorar, conseguir sempre avançar construtivamente e com bases sólidas. Estamos a terminar. Queres deixar uma frase e/ou comentário final? A prática do remo está acessível a todas as faixas etárias, o remo de lazer é hoje em dia uma realidade perfeitamente implementada em Portugal. Experimentem!


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INTERNACIONAL África . Somália - país de piratas? Marília Cunha

O imaginário colectivo associa o termo pirata a algo do passado ou a personagens de filmes de aventura. Contudo, a recente vaga de sequestros de navios, por parte de cidadãos somalis, leva-nos a repensar o conceito de pirata e de pirataria. Quem são estes homens e com que intuito sequestram navios, pedindo avultadas somas de resgate pela mercadoria e pela tripulação? DR

A Somália, um país estrategicamente situado no chamado Corno de África, enfrenta desde há alguns anos um estado de anarquia, o que levou à prática corrente de pirataria por parte de alguns cidadãos. Em 1960, os dois ex-protectorados britânico e italiano uniram-se, formando a República da Somália. O governo criado na altura não resistiu durante muito tempo, tendo sido derrubado após um golpe de Estado, em 1969, que impôs estabilidade no país através de uma liderança autoritária. Porém, em 1991, o regime voltou a cair e, desde aí, o país viu-se mergulhado em guerras civis e lutas entre facções. Actualmente, o país é governado por um Governo Federal de Transição, mas este não tem capacidade para controlar todo o território. Para além disso, não existem serviços sociais, a segurança é mínima e

o desemprego elevado. Todos estes factores levam a que os pescadores e pessoas desempregadas se voltem para a pirataria, como forma de sustento. No mês passado, o jornal inglês “The Guardian” entrevistou um pirata somali, Asad Abdulahi, que diz não considerar o sequestro de navios um acto ilegal, visto que não há um governo central que controle os mares. Para além disso, Abdulahi não se considera um criminoso, mas sim um “herói fugindo da pobreza”. O Conselho de Segurança da ONU aprovou, em Junho, uma resolução prevendo sanções contra os responsáveis por actos de violência e instabilidade na Somália. Para além disso, foi aprovado o uso de todos os meios necessários, por parte dos estados e das organizações regionais, para combater a pirataria na costa da Somália. Por

seu turno, a União Europeia também já pôs em marcha um plano que prevê o envio de uma frota de navios para prevenir futuros ataques naquela zona do globo. Apesar de tudo, muitos consideram ainda estas medidas insuficientes. Vários países africanos apelam ao Conselho de Segurança da ONU o envio de capacetes azuis para a Somália, com o intuito de impor alguma ordem, mas, até agora, nenhum país se mostrou disponível para o envio de tropas. Alguns analistas acreditam que a melhor solução para este problema é criar melhores empregos, melhores condições de vida e novas maneiras de fazer dinheiro. Este problema será sempre de difícil resolução, especialmente se os países não unirem esforços no sentido de prevenir os ataques, mas também de melhorar a situação na Somália.

Angolagate: Tráfico de armas em Angola envolve diplomatas franceses

Luvas de Tráfico de Armas passaram por Bancos Portugueses Ricardo Alves

O caso Angolagate já tinha sido dado a conhecer: um caso de tráfico de armas ilegal em Angola que implicava figura públicas francesas e autoridades angolanas. Recentemente, o Público noticiou que 21 milhões de dólares destas transacções passaram por bancos portugueses, encontrando-se entre eles a Caixa Geral de Depósitos. Um mega-julgamento com grande exposição mediática decorre há já algum tempo em França, num caso que envolve o Presidente angolano José Eduardo dos Santos, Jean-Christophe Miterrand (filho de François Miterrand) e o exministro francês Charles Pasqa. Em causa está a venda ilícita de armas a Angola entre 1993 e 2000 por Pierre Falcone e Arcady Gaidamak. Falcone é um empresário francês que alegademente utili-

zou os seus contactos diplomáticos para facilitar as transacções, e Gaydamak é o milionário israelorusso acusado de vender as armas por procuração com Falcone. Os beneficiários seriam responsáveis como José Eduardo dos Santos, Presidente angolano, o embaixador Elísio de Figueiredo ou o ex-chefe da Casa Civil da presidência José Leitão e a mulher e o filho deste, e altas patentes das Forças Armadas Angolanas, como

os generais Salviano Sequeira e Carlos Alberto Hendrick Vaal Neto, hoje ligado a uma sociedade no negócio de diamantes, ou Fernando Araújo, general e também na altura conselheiro do Presidente. Também o general Fernando Miala, que foi chefe dos serviços secretos e fazia parte do círculo íntimo de Eduardo dos Santos, mas entretanto afastado e actualmente na prisão, aparece na lista dos beneficiários.

A 31 de Outubro deste ano, o Público noticiou que vários bancos portugueses tinham recebido as transferências de dinheiro relativas a luvas e pagamentos da venda de armas. Entre os bancos apontados pelo jornal, que teve acesso a ficheiros confidenciais do julgamento, os bancos que receberam mais quantidades foram a Caixa Geral de Depósitos e o Banco Comercial Português. Outros bancos que estão implicados são o Banco

Nacional de Crédito, Banco do Comércio e Indústria e Totta & Açores, o Banco Nacional Ultramarino, e o Banco Pinto e Sotto Mayor. Desde então, os últimos três bancos já foram comprados e integrados noutros grupos. Este caso tem sido acompanhado muito de perto pela sociedade francesa, já que incluiu nomes sonantes da função pública (em actividade ou não) e “celebridades” políticas. PUB


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INTERNACIONAL Europa : UE adopta “Cartão Azul” Luís Lago

No dia 20 de Novembro, o Parlamento Europeu aprovou a criação de um novo modelo de imigração. O “cartão azul”, inspirado no “green card” americano, pretende atrair trabalhadores altamente qualificados de outras partes do globo, mas traz o risco de uma “fuga de cérebros” em países do chamado Terceiro Mundo. Cada cartão é válido por três anos, e pode ser renovado por mais dois. No entanto, se o contrato de trabalho tiver uma duração inferior a três anos, então a validade do “cartão azul” será igual à duração do contrato, mais seis meses. As autorizações de residência para os familiares dos titulares do cartão são concedidas também num prazo máximo de seis meses. Para além de tudo, os possuidores deste novo cartão são

obrigados a ter um ordenado que, no mínimo, corresponda a 1,7 vezes a remuneração média anual no Estado-membro. O PE defende também que a remuneração nunca poderá ser inferior à de um trabalhador nacional em igualdade de circunstâncias. O princípio “trabalho igual, salário igual” deve ser sempre respeitado. Os titulares do cartão terão também garantido acesso igual à segurança, assistência social, e autorizações.

Preferência comunitária e os direitos dos Estados Apesar do lançamento do ”cartão azul”, o PE afirma, em comunicado, ser importante respeitar o princípio da preferência comunitária. A UE deve promover a mobilidade dos cidadãos comunitários altamente qualificados, em especial os de Estados-membros que aderiram à União em 2004 e 2007. Deverão ser também recusados os pedidos de emissão de “cartão azul” nos sec-

tores de mercado onde existam restrições ao acesso de trabalhadores de outros Estados-membros. De acordo com o PE, os direitos de cada Estado-membro serão respeitados. O governo de cada Estado é que definirá o número de “cartões azuis” emitidos e poderá recusar a sua emissão mesmo a trabalhadores que preencham todos os requisitos. A emissão dos cartões pode ter em conta as necessidades nacionais e regionais em matéria de emprego e cada Estado será livre de controlar a imigração como lhe for mais conveniente. A “fuga de cérebros”

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A União Europeia (UE) é um destino pouco atraente para trabalhadores altamente qualificados. No ranking mundial fica muito aquém de países como os Estados Unidos, o Canadá ou a Austrália. A principal causa deste cenário é o facto de cada um dos 27 Estados-membros da UE ter uma política de imigração distinta, o que dificulta a livre circulação de imigrantes pelo espaço comunitário. Para resolver este problema, o Parlamento Europeu (PE) votou, a 20 de Novembro, a criação do chamado “cartão azul”, inspirado no “green card” americano. Para obter o “cartão azul”, é necessário ter uma proposta de emprego num Estado-membro, 5 anos de experiência profissional ou diploma de ensino superior na área aonde vai trabalhar. O cartão é válido também para imigrantes que estejam a residir legalmente no Estado-membro ao abrigo de outro regime. O acesso é, no entanto, restrito a pessoas com o estatuto de refugiado e a trabalhadores sazonais.

Vários líderes do Terceiro Mundo temem uma “fuga de cérebros” dos seus países como consequência da implementação do “cartão azul”. O PE, no entanto, está consciente deste perigo. Os Estados-membros foram aconselhados a não praticar o recrutamento activo de pessoal qualificado em sectores onde haja falta de profissionais no país de origem em especial nos sectores da saúde e da educação. INSTITUCIONAL

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO

Fernando dos Santos Neves. Presidente da Assembleia-Geral do “Grupo Lusófona” e Reitor da Universidade Lusófona do Porto

A “Universidade Certa na Hora Certa para a Lusofonia Certa da Euro-Região do Noroeste Peninsular” Embora fazendo parte do “Grupo Lusófona”, o grupo da “Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias” (a maior das Universidades Privadas Portuguesas e que acaba de ser avaliada, no quadro da União Europeia, como “Escola de Excelência”), a Universidade Lusófona do Porto só recentemente começou a funcionar e, nesta “Hora da Globalização que é também a “Hora da Lusofonia”, segundo a letra dos seus Estatutos, “tem como objectivos o ensino, a investigação e a prestação de serviços nos domínios da cultura, da arte, da ciência e da tecnologia, numa perspectiva interdisciplinar, em ordem ao desenvolvimento dos Países e Povos Lusófonos, designadamente no âmbito da EuroRegião do Noroeste Peninsular”. Tendo como Reitor o fundador da citada Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, a Universidade Lusófona do Porto, que adoptou como divisa as palavras de Fernando Pessoa “Minha Pátria é a Língua Portuguesa”, está a procurar tornar-se rápida e efectivamente a “Universidade Certa na Hora Certa para a Lusofonia Certa da EuroRegião do Noroeste Peninsular”.

Fernando dos Santos Neves, natural da Foz do Sousa, distrito do Porto, doutor em Filosofia e em Ciências Sociais Aplicadas, criou nas Universidades Portuguesas a inovadora e transversal disciplina de “Introdução ao Pensamento Contemporâeno” e as 1ªs licenciaturas em Ciência Política, em Ciência das Religiões e em Estudos Lusófonos; é considerado o pai teórico da “Lusofonia” (cuja palavra terá feito entrar nos dicionários da Língua Portuguesa) e o apóstolo-mor da incrementação da “Declaração de Bolonha” em Portugal; é autor da “Declaração de Luanda” (2002) e da “Declaração do Mindelo . Cabo-Verde” (2008), sobre o “Espaço Lusófono do Ensino Superior” (ELES), à semelhança do “Espaço Europeu do Ensino Superior” (EEES); desde os anos 60 do século XX que, com o termo “Cairologia”, vem chamando a atenção para os “sinais dos tempos” ou para as inadiáveis “horas certas” da Igreja e da Sociedade (Concílio Vaticano II, Maio 1968, Descolonização, 25 de Abril de 1974, União Europeia, Comunidade Lusófona, Euro-Região do Noroeste Peninsular); a sua última grande obra publicada é a suma “Introdução ao Pensamento Contemporâneo, Tópicos, Ensaios, Documentos” (Edições Universitárias Lusófonas, 2007).


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U.PORTO

INSTITUCIONAL

Agenda ATÉ 31 DE DEZEMBRO ARMÉNIO LOSA. CASSIANO BARBOSA ARQUITECTOS “NOSSO ESCRITÓRIO” 19451957 Museu dos Transportes e Comunicações, Edíficio da Alfândega. Exposição organizada pelo Centro de Documentação da FAUP. 13 Dezembro, 17h30: visita guiada à exposição por Manuel Mendes, professor da Faculdade de Arquitectura da U.Porto; inscrição: OASRN. 11 E 12 DE DEZEMBRO GESCON 2008 - FÓRUM INTERNACIONAL DE GESTÃO DA CONSTRUÇÃO FEUP O desempenho da construção de edifícios em Portugal enfrenta nos nossos dias um desafio incontornável. A temática da “GESTÃO DA CONSTRUÇÃO” deu lugar ao acrónimo “GESCON” e remete para o trabalho de fundo que tem vindo a ser realizado no GEQUALTEC ( Grupo do Dept. de Eng. Civil da FEUP) que, com esta realização, pretende promover este novo evento de divulgação do conhecimento com ampla participação de profissionais nacionais e estrangeiros convidados que, conjuntamente, debatam temas focalizados na construção de edifícios. A abertura internacional desta realização tem o objectivo bivalente de, por um lado, trazer a Portugal o estado da arte de aquém e além fronteiras e, simultaneamente, tornar mais permeável a migração de profissionais e empresas no panorama internacional. 12 DE DEZEMBRO DIA DA FACULDADE DE DIREITO Salão Nobre da FDUP, 14h30. PROGRAMA: Átrio 14.30h - Inauguração de espaços da Faculdade pelo Reitor da Universidade do Porto, José Carlos D. Marques dos Santos Salão Nobre 15.00h - Momento musical (Grupo de Metais de Gaia). 15.10h - Intervenção do Presidente do Conselho Directivo, José Neves Cruz 15.30h - Intervenção do Presidente do Conselho Científico, Luís Filipe Colaço Antunes. 15.45h - Intervenção da Presidente do Conselho Pedagógico, Maria Luísa Neto. 16.00h - Intervenção de Representante dos Funcionários Não Docentes, Maria Manuela Santos. 16.15h - Intervenção do Presidente da Direcção da Associação de Estudantes, Ricardo Morgado da Costa. 16.30h - Momento Musical (Grupo de Metais de Gaia) 16.40h - Alocução pelo ProcuradorGeral da República, Fernando José Pinto Monteiro. 17.10h - Entrega de diplomas

E-LEARNING CAFÉ aos Licenciados no ano lectivo de 2007/2008. 17.40h - Intervenção do Reitor da Universidade do Porto, José Carlos D. Marques dos Santos. 18.00h - Porto de honra.

amadores, com meios adequados para observar o Sol, e a ajuda do público em geral, para iniciar este Ano Internacional da Astronomia 2009. http://www.astro.up.pt/caup/eventos/ dawn2009/index.php?lang=pt

12 DE DEZEMBRO LANÇAMENTO DO LIVRO “FASCISMO E ESTADO NOVO: UMA APROXIMAÇÃO AO TEMA” DE JOÃO VALENTE AGUIAR Sala de Reuniões da FLUP (2º piso), 21h30. Apresentação de: João Teixeira Lopes, Coordenador do ISFLUP Virgílio Borges Pereira, Professor de Sociologia da FLUP.

5 DE JANEIRO DE 2009 DATA MINING NA BANCA EGP-UPBS // Pólo da Asprela (FEP). Este é a primeira de uma sequência de sessões de trabalho temáticas dedicados à extracção de conhecimento em diversas áreas de actividades económicas. O tema escolhido para iniciar estas sessões é a banca, outros se seguirão sobre extracção de conhecimento em marketing, extracção de conhecimento em finanças, etc. ORGANIZAÇÃO: EGP - University of Porto Business School.

13 DE DEZEMBRO CONFERÊNCIA DE ABRAHAM HAIM SOBRE HISTÓRIA SEFARDITA Sala de Reuniões da FLUP, às 9h45 Conferência pelo historiador Abraham Haim, subordinada ao tema “El Estado de Israel cumple 60 anos: Logros y rectos”, organizada pelo Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da FLUP. Abraham Haim é director dos cursos de verão do Colégio de Espanha em Salamanca, Presidente da Comissão Cultural do Conselho da Comunidade Sefardi de Jerusalém e um dos mais destacados especialistas da história dos sefarditas. 15 DE DEZEMBRO SEMINÁRIO CETE - DISCIPLINA DE MICROECONOMETRIA DO CURSO DE DOUTORAMENTO EM ECONOMIA, POR PEDRO PORTUGAL Sala 613 (Edifício das Pós-Graduações, 18h00. 16 DE DEZEMBRO CICLO DE CONFERÊNCIAS DO MESTRADO EM SOCIOLOGIA – “DESAFIOS DA INTERNACIONALIZAÇÃO”, POR TIAGO BARBOSA RIBEIRO (EFACEC) Sala 111, Faculdade de Letras da U.Porto, 17h30. 16 DE DEZEMBRO CICLO DE CONFERÊNCIAS DO MESTRADO EM SOCIOLOGIA - “E SE TU FOSSES UM RAPAZ? HOMO-EROTISMO FEMININO E CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE”, POR ANA BRANDÃO (DS/UM) Anfiteatro 2 da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 15h30. 1 DE JANEIRO ALVORADA DO ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA 2009 Em vários pontos do país e do mundo, coordenação do CAUP. A observação do Sol é o desafio que o Grupo de Física Solar (GFS) do Ano Internacional da Astronomia 2009 e o Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP) pretendem lançar a todos os astrónomos , profissionais ou

15 E 16 DE JANEIRO DE 2009 II SEMINÁRIO MERCADOS DE ELECTRICIDADE E GÁS NATURAL – “OPÇÕES TÉCNICOECONÓMICAS E DESAFIOS REGULATÓRIOS” Faculdade de Economia da U.Porto 28 A 30 DE JANEIRO 17ª EDIÇÃO DO BOBCATSSS Faculdade de Letras e Faculdade de Engenharia da U.Porto. O BOBCATSSS é o maior encontro de estudantes, docentes e profissionais de Ciência da Informação da Europa, que se realiza desde 1993 sob os auspícios da EUCLID - European Association for Library & Information Education and Research. As participações poderão aparecer sob a forma de workshop, apresentação de poster ou comunicação, abordando o tema “Challenges for the New Information Professional” ou um dos sete sub-temas que se seguem: 1. Interdisciplinarity of Information Science; 2. Information Professional and Information Management; 3. The current impact of the new technologies in the life of the Information Professional; 4. The rise and fall of physical libraries and archives; 5. Information Literacy; 6. eLibraries & eArchives; 7. Librarian 2.0 CONTACTOS: Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Via Panorâmica, s/n 4150-564 Campo Alegre, Porto Portugal Department of Information Studies, Bobcatsss 2009, FI-33014 University of Tampere, Finland DE 9 DE FEVEREIRO ATÉ AGOSTO EXPOSIÇÃO “CHARLES DARWIN (1809-2009) – EVOLUÇÃO E BIODIVERSIDADE” Nas salas do 3º piso do edifício da Reitoria da U.Porto, Praça Gomes Teixeira. Exposição a assinalar o bicentenário do nascimento do naturalista inglês.

UM ANO NO CAFÉ DO FUTURO O inovador projecto do E-Learning Café, instalado num edifício anteriormente concebido como espaço de convívio para os utentes das residências da Asprela (Pólo II da U.Porto) mas pouco usado, é uma aposta ganha pela Universidade do Porto, agora que passa um ano desde a sua inauguração. Com o primeiro ano cumprido a 21 de Janeiro, o E-Learning Café regista uma afluência média diária de 80 pessoas, nos períodos de maior ocupação. A afluência acompanha, de modo muito estreito, os períodos de estudo, sendo menor em período de férias e em Outubro e maior em Dezembro e Janeiro, por exemplo. Inicialmente com horário de funcionamento até às 2 da manhã, o número de utentes rapidamente obrigou ao alargamento do horário até às 4 da manhã e, logo a seguir, ao funcionamento durante 24 horas em período de avaliações. Em tempo de provas finais de semestre, o E-Learning Café assume em pleno uma das suas principais vocações que é a de espaço para estudo, preparação e de discussão de assuntos relacionados com as matérias curriculares, embora não deixe de ser um espaço aberto a não estudantes e à comunidade académica em geral. Ideal para estudo individual ou em grupo, o espaço está apetrechado com rede wireless, computadores portáteis que podem ser requisitados, e terminais fixos, funcionando 24 horas, 7 dias por semana, com bar até às 00h00. Partindo do pressuposto inicial de que a programação resultaria das propostas apresentadas pela comunidade académica, o espaço tem conseguido cumprir com eventos regulares de vários géneros que vão das actividades lectivas, nomeadamente aulas abertas leccionadas naquele espaço, às actividades culturais e de lazer, como debates, concertos, torneios e exposições.

CAFÉ LÍNGUA Aprender e ensinar línguas, terças-feiras, às 22horas. Café Língua - Curso de línguas informal, organizado pela ESN-Porto, cada participante aprende e/ou ensina uma língua. As aulas terão uma periodicidade semanal e realizar-se-ão às terças à noite com a duração de 2h, podendo haver algumas alterações pontuais. TORNEIOS DE XADREZ 10 de Dezembro, às 21 horas.


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U.PORTO

CAUP coordena Alvorada do Ano Internacional da Astronomia 2009

Ano Novo na companhia de Darwin e Galileu

JC/REIT

Darwin e Galileu vão dominar o ano de 2009. Vão passar 200 anos desde o nascimento de Darwin e 150 desde a publicação da Origem das Espécies. Será também o ano em que se assinalam 400 anos desde as primeiras observações feitas por Galileu. Bem, na verdade, 2009 será não só o ano de Darwin e Galileu, mas também o Ano Internacional da Astronomia e o Centro de Astrofísica da U.Porto está a coordenar, a nível mundial, a primeira iniciativa desse programa. Por que não pregar uma partida à tradição e, em vez de começar o dia de Ano Novo a tomar banho ao meio-dia nas águas geladas de uma praia perto de si, antes ir ter com astrónomos, à mesma hora, e observar a estrela que nos ilumina a vida?… Com as devidas cautelas, para não provocar lesões no olho! A proposta parece ser bem mais aliciante, até porque poucos estarão dispostos a banhar-se nas águas geladas nesta altura do ano! A observação do Sol é o desafio que o Grupo de Física Solar (GFS) do Ano Internacional da Astronomia 2009 e o Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP) pretende lançar a todos os astrónomos , profissionais ou amadores, com meios adequados para observar o Sol, e a ajuda do público em geral, para iniciar este Ano Internacional. Como 2009 não será apenas o Ano Internacional da Astronomia, mas também o Ano Darwin, o Museu de História Natural da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto prepara a exposição “Charles Darwin (1809-2009) - Evolução e Biodiversidade” para assinalar o bi-

centenário do nascimento do naturalista inglês. A exposição começará a 9 de Fevereiro, no 3º piso do edifício da Reitoria da U.Porto, e durará, em princípio, seis meses. Darwin “estabeleceu as bases para o conhecimento da evolução dos seres vivos e, até certo ponto, para o conhecimento e explicação da respectiva diversidade”, nas palavras de Jorge Eiras, director do Museu, referindo-se ao que se passou após a famosa viagem no navio Beagle, com paragem, por exemplo, no arquipélago de Galápagos. Por isso, o primeiro módulo da exposição incluirá referências a esta viagem, abordará os impactos da obra maior do autor, “A Origem das Espécies”, sem esquecer Wallace, mais novo, e também autor da teoria da evolução. Haverá módulos sobre a biodiversidade, nomeadamente em Portugal, e sobre espécies em risco. Por outro lado, no contexto do Ano Internacional da Astronomia, o CAUP está a coordenar, a nível mundial, o lançamento de um programa que assinala 400 anos desde que Gal-

ileu fez as primeiras observações . O início do programa Alvorada do Ano Internacional da Astronomia 2009, designado pela organização “a maior campanha mundial de observação do Sol”, funcionará como um “cartão de visita”, segundo consta da página da Internet de apresentação da iniciativa, http://www.astro.up.pt/caup/eventos/dawn2009/index.php?lang=pt . Dado que, no Hemisfério Norte, estamos no Inverno, a organização propõe locais alternativos à observação a céu aberto. Estes podem mostrar material multimédia e/ ou exposições sobre o Sol e, sugere o CAUP, ser montados em tendas, instalados em pavilhões culturais ou desportivos com computadores ligados à Internet, ou até Planetários e centros de ciência. Em Portugal, a actividade conta com o apoio da loja Brightstar, que oferece 40% de desconto na compra de um tipo de filtro solar. Depois do registo, os participantes organizadores das sessões receberão um código promocional para usufruírem desse desconto.

OBSERVE O SOL, MAS PROTEJA OS OLHOS! Observe o Sol, mas lembre-se que sendo perigoso observar o Sol a olho nu, sem protecção, será ainda mais arriscado se for usado um telescópio ou outro dispositivo com lentes de ampliação sem protecção. As observações podem ser feitas directamente, sem recurso a equipamento, apenas com recurso a um filtro para máscara de soldador (no mínimo n.º 14 ou n.º 15), ou com equipamento – telescópio, por exemplo -, ao qual se fixa um filtro. A observação indirecta faz-se através da projecção da imagem do Sol num écran ou numa superfície branca, sendo, para isso, necessário usar um telescópio ou MANCHAS, PROEMINÊNCIAS E GRANULAÇÕES (Por Ricardo Cardoso Reis, Núcleo de Divulgação do CAUP e Grupo de Física Solar do AIA2009) Se pensa que o Sol é apenas um círculo muito luminoso e homogéneo, engana-se. Há várias formas de actividade no Sol que podem ser observadas, dependendo do tipo de telescópio utilizado: manchas solares, proeminências e granulação. No CAUP, há um telescópio com um filtro H-Alfa, que permite ver a granulação e as proeminências. A granulação é o borbulhar natural do Sol, semelhante ao borbulhar de uma panela de água a ferver. É uma consequência de um tipo de transporte de energia chamado convecção, em que o plasma quente do Sol torna-se menos denso, sobe até à superfície, onde arrefece. O

U.Porto lança campanha para se tornar mais verde SASUP e as 17 cantinas, bares e restaurantes, concessionados ou explorados directamente pelos Serviços de Acção Social. Neste momento, a associação ambientalista está já a desenvolver acções de avaliação ambiental daqueles locais de forma a apresentar um conjunto de propostas de alteração de equipamentos e serviços e também de sensibilização dos utentes, estudantes e funcionários. Estas acções resultam do acordo de entre a Universidade do Porto e a Quercus que será formalmente assinado na próxima sexta-feira, dia 5 de Dezembro, às 9h00, na Sala do

plasma frio torna-se mais denso e volta a afundar. As manchas solares são zonas da superfície solar onde o plasma fica preso por campos magnéticos localizados. Desta maneira, deixa de haver convecção nessa zona e ao plasma resta-lhe arrefecer, tornando-se mais escuro. As proeminências são estruturas com a forma de arco ou de língua, visíveis acima da superfície do Sol. Formam-se quando, numa pequena parte da nossa estrela, as linhas do intenso campo magnético solar começam a ascender acima da superfície e formam um arco. O plasma solar é forçado a seguir essas linhas de campo, formando também um arco - as proeminências. Quando a base de um destes arcos se quebra, o plasma ou volta a cair na nossa estrela, ou é libertado para o espaço sob a forma de uma proeminência eruptiva. Este tipo de explosão pode ter várias vezes o tamanho do nosso planeta.

Atletas da U.Porto distinguidas pela FADU

JC/RS/REIT

A Universidade do Porto pretende tornar-se mais amiga do ambiente na sequência de uma campanha a lançar em colaboração com a Quercus-Associação Nacional de Conservação da Natureza. Esta campanha de sensibilização ambiental dirigida à comunidade académica da U.Porto tem como objectivos a racionalização dos consumos de água e electricidade e a gestão mais eficaz de resíduos em todos os edifícios e unidades orgânicas da U.Porto. Na fase inicial desta colaboração com a Quercus, o alvo prioritário desta campanha serão as nove residências dos

outro dispositivo que possa projectar a imagem, ampliada ou não, como um simples sistema de projecção “pinhole”. A observação através da projecção é o ideal para grupos, enquanto um telescópio (onde está adaptado um filtro solar), ou ainda um telescópio H-Alfa, como o existente no CAUP, são ideais para observações mais pormenorizadas.

OM/SASUP

Conselho da Reitoria da U.Porto. A iniciativa surge numa ocasião em que é crescente o desenvolvimento de estratégias e acções para tornar as estruturas universitárias mais sustentáveis e amigas do ambiente, através da implementação de soluções de mobilidade ambientalmente correctas – a recente introdução da bicicleta BUTE na Universidade do Porto é disso exemplo –, medidas para tornar as instalações mais eficientes energeticamente, acções para uma gestão mais correcta de resíduos e um consumo mais racional de energia e água.

Sara Oliveira, nadadora campeã nacional e estudante da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), e a selecção de andebol feminino da U.Porto foram consideradas melhor atleta feminina e melhor equipa, respectivamente. A consagração aconteceu em Lisboa, no dia 28 de Novembro, na 1ª Gala da Federação de Desporto Universitário (FADU) criada para homenagear e premiar aqueles que mais se distinguiram durante a época desportiva 2007/08. Sara Oliveira foi Campeã Nacional Universitária 2007/08 nas provas

de 50 e 100 mariposa e 2º lugar nos 100 livres, 4x50 estilos e 4x50 livres. Para além disso, esta atleta esteve presente nos Jogos Olímpicos 2008 que decorreram em Pequim. A melhor equipa de todo o desporto universitário nacional, no ano lectivo passado, é a selecção de andebol feminino da U.Porto que acumula os títulos de Bi-Campeã Nacional Universitária em 2007/08 e 4º Lugar no Campeonato Europeu Universitário 2008 que se disputou na Sérvia (5º em 2007).


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COMPLEXOS ARTÍSTICOS

Manuel Ribeiro

Manaíra Aires

Manaíra Aires


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Multiplicação e diferença para além da “condição estaminal”

Multiplicação e diferença: para além da “condição estaminal” Paulo Cunha e Silva

Por isso, importa, agora, às novas Observemos, através de um olhar é verdade que ele é a fonte da vari- só ao genoma humano o devemos, far e descodificar para fixar. Isso parabiológico, as estratégias que o abilidade interpessoal. Este conflito mas sim à relação que significante seria negar-lhe a possibilidade de células, condicionar a alquimia quase próprio corpo utiliza para multipli- aparente entre fixismo e diversidade dá ao significado a possibilidade de ser um património fazedor de cul- delirante das suas baterias metabólicar e como o faz em nome da varia- foi resolvido com a descoberta de se ressignificar. A mesma morfologia tura, porque o que caracteriza o cas, restrigindo o fenótipo, o especção, da adaptação e da evolução. uma molécula com propriedades admite no fixismo da forma a vari- património cultural da humani- tro proteico, e passar a produzir só Paulo Cunha e Silva abilidade funcional, a variabilidade dade é a sua radical diferença. O uma fracção que funcionaria como a A multiplicação biológica permite bioquímicas insuspeitadas: o DNA. Novembro de 2008 o aparecimento da diferença, não é O DNA é o agente da grande eco- discursiva (dos discursos do corpo). Homem só conseguirá produzir sua imagem de marca. É o princípio um processo que se limita à replica- nomia semântica com que o corpo é Dois gémeos homozigóticos, apesar património cultural, se não for o da especialização celular, ou seja, do ção, à repetição. E é, curiosamente, construído. Com quatro letras (qua- de terem a mesma forma (ou muito resultado dum genoma invariante. aparecimento do tecido. O tecido é, Mas voltando ao ovo. Sendo ele a primeira célula, a precursora mas um conjunto de dados, de potencialidades que se vão Observemos, através de um olhar parabiológico, as estratégias que a repetição do mecanismo que en- tro nucleótidos) escreve-se o texto idêntica), são diferentes, mesmo Com efeito, não há um Genoma então, constituído por um conjunto de todas as outras é, também por isso, a mais potencial, a menos revelando, no confronto com o ambiente dinâmico que a ecologia o próprio corpo utiliza para multiplicar e como o faz em nome da gendra a variação: a repetição trans- mais complexo do Universo, sendo quando o meio os pretende forma- Humano, há vários Genomas Hu- de células que se diferenciaram em especializada, com uma determinação obsessiva, dividir-se, tendo celular vai revelando. O programa acaba por ser a disponibilidade variação, da adaptação e da evolução. manos. É isso que nos salva da determinada direcção apresentando porta no seu seio o seu contrário. o significante global dessa lingua- tar na semelhança absoluta. originado ao fim de 5 dias 16 sucessoras (chamando-se ao conjunto que o genoma oferece quando interactua com o ambiente celular. A multiplicação biológica permite o aparecimento da diferença, O movimento de um estado ao gem a própria molécula de DNA. Apesar de o código genético usar monotonia replicante de qualquer semelhanças morfológicas e funciomórula). Se somos próprios, e não uma colagem mais ou menos aleatória não é um processo que se limita à replicação, à repetição. E é, nais e por uma matriz, quer dizer, mesmo estado (a repetição) admite Os significados (ou melhor as rela- como molde a própria sequência “Admirável Mundo Novo”. O Ovo é nesse sentido o precursor daquilo a que poderíamos chamar de fragmentos, não só ao genoma humano o devemos, mas sim à curiosamente, a repetição o mecanismo que engendra a variação: Mas voltando ao ovo. Sendo ele a uma estrutura extracelular que a transformação (a variação), como ções significado-significante), toda- molecular, por forma a que a cóa “condição estaminal”. E essa condição é a possibilidade de uma a repetição transporta no seu seio o seu contrário. O movimento de relação que significante e significado vão estabelecendo numa se, durante o percurso previamente via, ainda estão a ser cartografados, pia seja igual ao original e funcione primeira célula, a precursora de to- suporta e integra o elemento celular célula funcionar como A Proposta do Mundo. Mas o mundo não é interacção espiral. O significante dá ao significado a possibilidade um estado ao mesmo estado (a repetição) admite a transformação estabelecido, surgissem novas possi- através de uma das maiores aven- de seguida como um novo original das a s outras é, também por isso, e que é por ele produzida. todos os mundos ao mesmo tempo. O mundo é escolha. É diferença. (a variação), como se, durante o percurso previamente estabelecido, de se ressignificar. A mesma morfologia admite no fixismo da Uma multiplicação sem espebilidades que apontassem para out- turas (talvez uma aventura monó- num processo que se autoperpetua a mais potencial, a menos especialA célula estaminal só faz sentido porque sendo totipotencial, forma a variabilidade funcional, a variabilidade discursiva (dos surgissem novas possibilidades que apontassem para outros ros trajectos e outros destinos. tona!) a que o Homem se devotou, dentro do máximo rigor, a interven- izada, com uma determinação ob- cialização, sentido e destino é, em podendo ser tudo, é depois orientada para ser uma “coisa”. Não se discursos do corpo). Dois gémeos homozigóticos, apesar de terem trajectos e outros destinos. O corpo é, no início, uma célula: conhecida pelo nome do projecto, ção do exterior, do meio, é necessária cessiva, dividir-se, tendo originado termos histológicos o cancro. O pode ser tudo ao mesmo tempo. a mesma forma (ou muito idêntica), são diferentes, mesmo quando O corpo é, no início, uma célula: o ovo que resulta da fusão de o ovo que resulta da fusão de out- “Genoma Humano”, com o qual como marca de individuação que ao fim de 5 dias 16 sucessoras (cha- cancro é uma espécie de monstro Por isso, importa, agora, às novas células, condicionar a alquimia o meio os pretende formatar na semelhança absoluta. outras duas (chamadas germinativas). Transporta cada uma delas dos tecidos, de micromonstro com ras duas (chamadas germinativas). se pretende iluminar a nossa iden- permita ultrapassar a identidade mando-se ao conjunto mórula). quase delirante das suas baterias metabólicas, restringindo o metade do material genético que se encontra nos cromossomas (das Apesar de o código genético usar como molde a própria sequência Transporta cada uma delas metade do tidade mais profunda, aquilo que de clónica. E se é esse rigor que permite O Ovo é nesse sentido o pre- macroconsequências. É a forma da molecular, por forma a que a cópia seja igual ao original e funcione fenótipo, o espectro proteico, e passar a produzir só uma fracção células somáticas). Ao número e arranjo dos cromossomas dá-se material genético que se encontra nos facto somos. Mas ele não é um pro- ter tudo no lugar, os olhos no lugar cursor daquilo a que poderíamos multiplicação desnorteada, sem reque funcionaria como a sua imagem de marca. É o princípio da de seguida como um novo original num processo que se autoperpetua o nome de cariótipo, e este é uma característica da espécie. cromossomas (das células somáticas). grama, como inicialmente se pre- dos olhos, o nariz no lugar do nariz, chamar a “condição estaminal”. E gras. O cancro subverte a natureza especialização celular, ou seja, do aparecimento do tecido. O tecido Por paradoxal que pareça, se é verdade que o cariótipo é o denominador dentro do máximo rigor, a intervenção do exterior, do meio, é Ao número e arranjo dos cromosso- tendia, mas um conjunto de dados, a boca no lugar da boca, é a vari- essa condição é a possibilidade de auto-organizadora dos seres vivos, é, então, constituído por um conjunto de células que se diferenciaram comum da espécie, quer dizer, todas as células normais dos indivíduos necessária como marca de individuação que permita ultrapassar a mas dá-se o nome de cariótipo, e este potencialidades que se vão revelan- abilidade da recombinação genética uma célula funcionar como A Pro- porque se furta às orientações (às inem determinada direcção apresentando semelhanças morfológicas identidade clónica. E se é esse rigor que permite ter tudo no lugar, da mesma espécie apresentam o mesmo cariótipo (exceptuando é uma característica da espécie. do, no confronto com o ambiente (mesmo sem mutações) que permite posta do Mundo. Mas o mundo formações) do código genético. Ele e funcionais e por uma matriz, quer dizer, uma estrutura extracelular os olhos no lugar dos olhos, o nariz no lugar do nariz, a boca no as células germinativas), também é verdade que ele é a fonte da Por paradoxal que pareça, se é ver- dinâmico que a ecologia celular vai a construção da diferença, enfim, o não é todos os mundos ao mesmo é a satisfação da pulsão replicativa que suporta e integra o elemento celular e que é por ele produzida. lugar da boca, é a variabilidade da recombinação genética (mesmo variabilidade interpessoal. Este conflito aparente entre fixismo e tempo. O mundo é escolha. É primária sem obdiência a um prodade que o cariótipo é o denomina- revelando. O programa acaba por elogio da multiplicidade. Uma multiplicação sem especialização, sentido e destino é, em termos sem mutações) que permite a construção da diferença, enfim, diversidade foi resolvido com a descoberta de uma molécula com Não se fale, assim, em diferença. A célula estaminal só faz jecto. É a tirania da célula sobre o dor comum da espécie, quer dizer, ser a disponibilidade que o genoma histológicos o cancro. O cancro é uma espécie de monstro dos o elogio da multiplicidade. propriedades bioquímicas insuspeitadas: o DNA . todas as células normais dos indi- oferece quando interactua com o “património genético da humani- sentido porque sendo totipotencial, tecido, e do tecido sobre o orgão. tecidos, de micromonstro com macroconsequências. É a forma da Não se fale, assim, em “património genético da humanidade”, a O DNA é o agente da grande economia semântica com que o corpo É por isso que o cancro ( a célula víduos da mesma espécie apresen- ambiente celular. Se somos própri- dade”, a propósito do genoma, podendo ser tudo, é depois orienmultiplicação desnorteada, sem regras. O cancro subverte a natureza propósito do genoma, como quem fala de um objecto invariante é construído. Com quatro letras (quatro nucleótidos) escreve-se o tam o mesmo cariótipo (exceptuan- os, e não uma colagem mais ou como quem fala de um objecto tada para ser uma “coisa”. Não se cancerígena), no desejo de ser tudo, auto-organizadora dos seres vivos, porque se furta às orientações texto mais complexo do Universo, sendo o significante global dessa que importa cartografar e descodificar para fixar. Isso seria negaracaba por antecipar o nada, a morte. do as células germinativas), também menos aleatória de fragmentos, não invariante que importa cartogra- pode ser tudo ao mesmo tempo.

linguagem a própria molécula de DNA. Os significados (ou melhor as relações significado-significante), todavia, ainda estão a ser cartografados, através de uma das maiores aventuras (talvez uma aventura monótona!) a que o Homem se devotou, conhecida pelo nome de projecto, “Genoma Humano”, com o qual se pretende iluminar a nossa identidade mais profunda, aquilo que de facto

-lhe a possibilidade de ser um património fazedor de cultura, porque o que caracteriza o património cultural da humanidade é a sua radical diferença. O Homem só conseguirá produzir património cultural, se não for o resultado dum genoma invariante. Com efeito, não há um Genoma Humano, há vários Genomas Humanos. É isso que nos salva da monotonia replicante de qualquer “Admirável

(às informações) do código genético. Ele é a satisfação da pulsão replicativa primária sem obediência a um projecto. É a tirania da célula sobre o tecido, e do tecido sobre o órgão. È por isso que o cancro (a célula cancerígena), no desejo de ser tudo, acaba por antecipar o nada, a morte.


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Multiplication and difference: beyond the “stem condition” Paulo Cunha e Silva Translation by Cátia Peter da Cruz

Multiplicação e diferença: para além da “condição estaminal”

Let’s observe, through a parabiologi- cells apart), it is also true that he is the relation established between sig- an invariable object that has to be metabolic batteries, restricting the cal look, the strategies that the body source of the interpersonal variability. nificant and significance in a spiral registered and decodified to fixate. phenotype, the protein spectrum, itself uses to multiply and how it This apparent conflict between interaction. The significant gives to That would be denying it the pos- and to produce only one fracdoes it in the name of variation, ad- fixism and diversity was solved the significance the possibility of re- sibility of being a heritage that pro- tion that would work as its brand Pauloaptation Cunha Silva ande evolution. with the discovery of a molecule significance. The same morphology duces culture, since what character- image. It is the beginning of the Novembro de 2008 The biological multiplication al- with unsuspected biochemical admits, in the fixism of the form, the izes the cultural heritage of mankind cellular specialization, in other functional variability, the discursive is its radical diference. Man will only words, the arrival of the tissue. The lows the emergence of the diference; properties: the DNA. it’s not a process that is limited to The DNA is the agent of the great variability (of the body’s discourses). be able to produce cultural heritage, tissue is, in this way, constituted voltando ao ovo. Sendo ele a primeira célula, a precursora mas um conjunto de potencialidades se vão if he is notMas Observemos, através de um as estratégias que with a product of an invariant by a gathering of cells that have Two homozygote twins,quedespite the replication, to olhar the parabiológico, repetition. semantic economy which the de dados, de todas as outras é, também por isso, a mais potencial, a menos revelando, no confronto com o ambiente dinâmico que a ecologia o próprio corpo utiliza para multiplicar e como o faz em nome da And it is, curiously, the repetition body is made of. With four letters having the same form (or very iden- genome. Indeed there is not one Hu- become diferentiated in a given especializada, com uma determinação obsessiva, dividir-se, tendo vai revelando. O programa por ser a disponibilidade variação, adaptação ethat da evolução. there are several Hu- direction, presenting morphologitical), they are acaba diferent, even when man Genome, thedamechanism produces varia- (four nucleotides), thecelular most complex originado ao fim de 5 dias 16 sucessoras (chamando-se ao conjunto que o genoma oferece quando interactua com o ambiente celular. A multiplicação biológica permite o aparecimento da diferença, That is what saves us cal and functional similarities and tion: the repetition transports in its text of the whole universe is written, the environment tries to format man Genomes. mórula). somos próprios, e não uma colagem mais ou menos aleatória não é um processo que se limita à replicação, é, globalSesignifcant from the replicated monotony of any by a womb that is an extracellular heart its opposite. The movement of à repetição. and the Emost of them in absolute similarity. Even O Ovo é nesse sentido o precursor daquilo a que poderíamos chamar de fragmentos, só ao genoma humanocode o devemos, à New curiosamente, o mecanismo a variação:is the DNA “Brave World”. structure that supports and intea certaina repetição state to the same state que (theengendra that language moleculenãothough the genetic uses mas as sim a “condição estaminal”. E essa condição é a possibilidade de uma relação significante e significado vão estabelecendo a repetição transporta no seuthe seiotransformao seu contrário. O movimento de (or to the egg. Being the grates the cellular element and is mould the molecular sequence it-numa But returning repetition) admits itself. The meanings betterque saying célula funcionar como A Proposta do Mundo. Mas o mundo não é significante dá ao significado a possibilidade um estado mesmo estado as (a if, repetição) a transformação precursor of all the oth- by it produced. self, so that the copy is the same as first cell, the tionao(the variation), during admite the the relations betweeninteracção signifcantespiral. and O todos os mundos ao mesmo tempo. O mundo é escolha. É diferença. de se ressignificar. A mesma morfologia admite no fixismo da (a variação), como se, durante o percurso previamente estabelecido, for that reason the most A multiplication without specialpreviously established way, new pos- significance), however, are still being the original and works afterwards as ers, it is also faz sentido porque sendo totipotencial, forma a variabilidade funcional, a variabilidade discursiva (dos surgissem novas that possibilidades apontassem outros through one thecélula less estaminal specified, só with an ization, sense or destiny is, in histosibilities, would aimque other paths para registered of the big- a new original in a process that self- potential, A podendo ser tudo, é depois orientada para ser uma “coisa”. Não se discursos do corpo). Dois gémeos homozigóticos, apesar de terem trajectos e outros destinos. would turn up. for splitting, logical terms, cancer. The cancer is and other destinies, gest adventures (perhaps a monoto- perpetuates in the maximum preci- obsessive determination pode ser tudo ao mesmo tempo. a mesma forma (ou muito idêntica), são diferentes, mesmo quando O corpo é, no início, uma célula: o ovo que resulta da fusão de in five days sixteen a kind of tissue monster, of microThe body is, in the beginning, a nous adventure!) Man has dedicated sion, the intervention of the exterior, having originated importa, agora, às novas células, condicionar a alquimia os pretende formatar na semelhança absoluta. outras duas (chamadas germinativas). Transporta cada uma (theisso, whole is called monster with macro-consequences. of the environment, is necessary as successors Por cell: the egg which results of the fu- himself to, delas known aso meio the “Human quase delirante das suas baterias metabólicas, restringindo o Apesar de o código genético usar como molde a própria sequência metadesion do material genético que se encontra nos cromossomas (das of two other cells (so called ger- Genome”, with which we aim to il- an individualization mark that al- morula). The egg is in this sense the It is the form of the of course mulmolecular, por forma a que a cópia seja igual ao original e funcione fenótipo, o espectro proteico, e passar a produzir só uma fracção células somáticas). Ao número e arranjo dos cromossomas dá-se minative). Each of them transports luminate our most profound iden- lows the overtaking of the clonic precursor of what we could call “the tiplication, without rules. The cancer que funcionaria como a sua imagem de marca. É o princípio da de seguida como um novo original num processo que se autoperpetua o nome de cariótipo, e este é uma característica da espécie. And that condition subverts the self-organizing nature of half of the genetic material that can tity, what we really are. But it is not identity. And it is this precision that stem condition”. especialização celular, ou seja, do aparecimento do tecido. O tecido Por paradoxal que pareça, se é verdade que o cariótipo é o denominador dentro do máximo rigor, a intervenção do exterior, do meio, é of a cell working as living beings, as it evades itself from be found in the chromosomes (of a program, as we supposed before, allows everything to fall in its place, is the possibility é, então, constituído por um conjunto de células que se diferenciaram comum da espécie, quer dizer, todas as células normais dos indivíduos necessária como marca de individuação que permita ultrapassar a of the World. But the the orientations (the information) the somatic cells). We call chari- but a gathering of data, of revealing the eyes where the eyes should be, The Proposal em determinada direcção apresentando semelhanças morfológicas identidade clónica. E se é esse rigor que permite ter tudo no lugar, da mesma espécie apresentam o mesmo cariótipo (exceptuando every world at the same of the genetic code. It is the satisfacotype to the number and arrange- potentialities in confrontation with the nose where the nose should be, world is not funcionais e por uma matriz, quer dizer, uma estrutura extracelular os olhos no lugar dos olhos, o nariz no lugar do nariz, a boca no as células germinativas), também é verdade que ele é a fonte da is choice. Is difer- tion of the primary replicative drive ment of the chromosomes, and it is the dynamic environment that the the mouth where the mouth should time. Theeworld que suporta e integra o elemento celular e que é por ele produzida. lugar da boca, é a variabilidade da recombinação genética (mesmo variabilidade interpessoal. Este conflito aparente entre fixismo e a characteristic of the species. cellular ecology reveals. The program be, it is the variability of the genetic ence. The stem cell only makes sense without obedience to a project. It is Uma multiplicação sem especialização, sentido e destino é, em termos sem mutações) que permite a construção da diferença, enfim, diversidade foi resolvido com a descoberta de uma molécula com totipotential, being able the tyranny of the cell over the tisAs paradoxical as it may seem, if ends up being the availability that recombination (even without muta- because being histológicos o cancro. O cancro é uma espécie de monstro dos o elogio da multiplicidade. propriedades bioquímicas insuspeitadas: o DNA . is then directed to be sue, of the tissue over the organ. it is true that the chariotype is the the genome offers when interacting tions) that allows the construction of to be everything, tecidos, de micromonstro com macroconsequências. É a forma da Não se fale, assim, em “património genético da humanidade”, a O DNA common é o agente denominator da grande economia com the quecellular o corpo environment. That is the reason why cancer (the It can’t be all at once. of thesemântica spe- with If we the diference, in short, the praise of one “thing”. multiplicação desnorteada, sem regras. O cancro subverte a natureza propósito do genoma, como quem fala de um objecto invariante é construído. Com quatro letras (quatro nucleótidos) escreve-se o a random For that reason, it is then the cancerigenous cell), wishing to be cies, meaning that all normal cells of are exact, and not collage the multiplicity. Let’s not say then dos seres vivos, porque se furta às orientações importa cartografar e descodificar para fixar. Isso seria negartexto mais complexo sendopreso significante global dessa duty to determine the all, ends up anticipating nothing at indivivuals of do theUniverso, same species of fragments, we oweque it not only to “genetic heritage of mankind”, with new cellsauto-organizadora (às informações) do código genético. Ele é a satisfação da pulsão -lhe a possibilidade de ser um património fazedor de cultura, linguagem a própria molécula de DNA. Os significados (ou melhor ent the same chariotype (germinative the human genome, but also to the regard to the genome, as if we meant almost delirious alchemy of its all, anticipating death.

as relações significado-significante), todavia, ainda estão a ser cartografados, através de uma das maiores aventuras (talvez uma aventura monótona!) a que o Homem se devotou, conhecida pelo nome de projecto, “Genoma Humano”, com o qual se pretende

porque o que caracteriza o património cultural da humanidade é a sua radical diferença. O Homem só conseguirá produzir património cultural, se não for o resultado dum genoma invariante. Com efeito, não há um Genoma Humano, há vários Genomas Humanos. É isso

replicativa primária sem obediência a um projecto. É a tirania da célula sobre o tecido, e do tecido sobre o órgão. È por isso que o cancro (a célula cancerígena), no desejo de ser tudo, acaba por antecipar o nada, a morte.


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Ivete Lígia

Manuel Ribeiro

Ivete Lígia


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ECONOMIA Orçamento de Estado 2009 Tiago Pereira

Dois meses após a apresentação do Orçamento de Estado (OE) para 2009, o cenário macroeconómico está diferente, mais sombrio e carregado. Feito a pensar no controlo das contas públicas e no combate à crise, o OE para o próximo ano é mais generoso para famílias e empresas e prevê mais apoios, mas não os suficientes, para o Ensino Superior. Para comentar o Orçamento de Estado para 2009 e o financiamento do Ensino Superior, o JUP contou ainda com dois professores da Faculdade de Economia do Porto (FEP): Rui Henrique Alves e Pedro Teixeira. Os pressupostos macroeconómicos que sustentaram a elaboração do orçamento estão hoje ultrapassados, mas quem sabe, no futuro, a realidade se volte a ajustar a esses números. O que não é expectável, de acordo com os especialistas, que continuam a vaticinar a queda do preço do barril de petróleo e das taxas de juro. Assim, o OE foi construído com base numa previsão de 97 dólares/barril para o preço do petróleo, que hoje se transacciona na casa dos 50 dólares nos mercados internacionais, o que poderá, inclusive, comprometer as receitas esperadas do imposto sobre os produtos petrolíferos para o próximo ano; a previsão para a Euribor a 3 meses, que hoje está abaixo dos 4%, é de 4,5% e a taxa de câmbio EUR/USD prevista é de 1,3764, valor acima da cotação actual. E com a chegada da crise à economia real (veja-se o exemplo da indústria automóvel), é provável que os indicadores macroeconómicos piorem. Com tamanha discrepância entre realidade, orçamento e previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), o fiel da balança para estas questões, o próprio OE 2009 foi totalmente revisto à última hora. A previsão para o crescimento do PIB é de 0,6% em 2009, contra as

expectativas de Comissão Europeia e do FMI, que se ficam pelos 0,1%. A menos que surjam novas turbulências, Portugal escapará a uma recessão neste e no próximo ano, mas estagnará. Para a inflação e contrariando a tendência, as previsões do Governo são mais pessimistas que as do FMI. O Governo espera uma taxa de inflação de 2,6% enquanto o FMI aponta um valor de cerca de 2%. Por isso, o aumento de 2,9% para os salários da função pública garantirá uma ténue subida do seu poder de compra. Quanto ao desemprego, o Governo fixa uma taxa de desemprego de 7,6% para 2009, enquanto o FMI avança com uma taxa de 7,8%. Com o produto a crescer menos haverá mais desemprego. A dívida pública chegará aos 64% do PIB e o défice orçamental aos 2,2%. Pintado o quadro macroeconómico, vamos às medidas previstas no OE 2009. Do tema mais controverso da generalidade dos orçamentos, os aumentos da função pública, já se falou. A subida de 2,9% garante uma ligeira melhoria do poder de compra. Para as famílias, há ainda novidades nas deduções à colecta de IRS em encargos com a habitação, compra de material informático e de carros eléctricos. Nos encargos com a habitação, destaque para a

criação dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH). Em caso de hipoteca, o fundo comprará os imóveis. As famílias terão de pagar uma renda ao fundo, mas seguram as suas habitações, com a vantagem adicional dessa renda ser dedutível em sede de IRS, até ao limite máximo de 586 euros. Para as empresas, há uma redução das taxas de IRC. Surge uma nova taxa, de 12,5% e mantém-se a anterior de 25%. A primeira taxa, mais baixa, aplicar-se-á a empresas com

0,6% é a previsão do Governo para o crescimento da economia no próximo ano. Demasiado ambicioso quando comparado com as estimativas da Comissão Europeia e do FMI, que apontam para um crescimento de 0,1%. matéria colectável até 12500 euros, cerca de 80% das empresas nacionais, enquanto empresas com lucros acima desse montante pagarão a taxa de 25%. Será ainda lançada, para apoio às pequenas e médias empresas, uma linha de crédito de 1000 milhões de euros e foi anunciada, há poucas semanas, uma outra de 1400

milhões de euros. A garantia de 20 mil milhões de euros que o executivo concedeu à banca também consta do OE para 2009. O FINANCIAMENTO DO ENSINO SUPERIOR A apresentação do OE 2009 para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) mostra um reforço das verbas ao dispor do Ensino Superior, em termos nominais, quando comparado com o OE 2008. O MCTES foi, inclusive, um dos ministérios cuja dotação orçamental mais subiu relativamente ao ano anterior. Porém, em termos reais, tem havido um decréscimo das verbas transferidas. De acordo com os dados do MCTES, para o ano serão canalizados mais 126 milhões de euros para o Ensino Superior globalmente considerado (ensino universitário, ensino politécnico, acção social e infra-estruturas). Porém, se dividirmos este acréscimo pelas dezenas de organismos públicos de ensino superior existentes no país, encontraremos um aumento muito pouco relevante para cada instituição. Que será ainda menos relevante se o cruzarmos com os objectivos do MCTES para o próximo ano: es-

timular a mobilidade internacional de estudantes e professores, melhorar a qualidade do ensino e reforças as condições de acesso e frequência do ensino superior são alguns deles. O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e reitor da Universidade de Coimbra, Seabra Santos e o Ministro Mariano Gago têm protagonizado acesa discussão sobre o tema. Se, por um lado, o Ministro afirma que nenhuma instituição pública entrará em ruptura, por outro, o presidente do CRUP afirma que as universidades portuguesas estão no limite. Notícias recentes dão conta que metade das universidades públicas tem os salários de Dezembro e os subsídios de Natal em risco de não serem pagos. Alguns dos nomes são conhecidos: Minho, Açores e Beira Interior. Entretanto, o Governo tem vindo em socorro dos casos mais urgentes, apoiando financeiramente as universidades com problemas. Assistiremos, no futuro, a salvamentos de universidades como assistimos a salvamentos de bancos no último ano? Ou pagaremos mais propinas? A Universidade do Porto, a maior do país, continua a ser a instituição que recebe mais verbas.

Rui Henrique Alves destaca o negativo e o positivo do OE 2009 e Pedro Teixeira fala do financiamento do Ensino Superior DR

RUI HENRIQUE ALVES

Irrealismo das previsões O OE 2009 assenta num conjunto de hipóteses macroeconómicas que só muito dificilmente se concretizarão. Sucessivas instituições internacionais de relevo têm vindo a apontar para a economia Portuguesa um caminho de estagnação ou mesmo recessão no próximo ano, com eventual subida significativa da taxa de desemprego. O governo tenta fazer acreditar na manutenção da ilusão. Habilidades “laterais” Várias situações estranhas acompanharam a apresentação e a discussão do OE 2009. Primeiro, foi a rábula da apresentação, com o documento a ser objecto de duas conferências de imprensa do Ministro e a ser entregue “às pinguinhas”, no que pode ter sido apenas uma forma de condicionar a crítica inicial. Depois, foi a tentativa de, quase às escondidas, incorporar alterações (negativas) à lei do financiamento dos partidos políticos. Finalmente, a decisão de alterar a forma de contabilização

de várias rubricas, dificultando (ou impedindo) a comparação com os anos anteriores, provavelmente porque se concluiria que, afinal, os valores da despesa total e do défice seriam superiores. Inteligência política O OE 2009 foi construído e divulgado de forma politicamente inteligente. Embora bastante irrealista nas previsões e, portanto, perspectivando uma execução muito distinta do previsto, o governo aproveita o contexto internacional difícil para lançar algumas medidas interessantes que, em outras circunstâncias, poderiam ser consideradas eleitoralistas. Criação de fundos imobiliários Ainda que mantendo-se algumas dúvidas relevantes quanto aos mecanismos de funcionamento e intervenção, a criação destes fundos, numa medida inovadora em Portugal, pode ser uma solução interessante para evitar danos maiores para os portugueses que compraram casa e se vêem com grandes dificuldades em pagar as prestações, face à evolução da taxa de desemprego e à subida das taxas de juro.

PEDRO TEIXEIRA O Ensino Superior público português atravessa um momento complexo do ponto de vista financeiro, nomeadamente devido às fortíssimas limitações em termos da despesa pública. Estas limitações, as quais não é provável que se alterem significativamente nos próximos anos, têm sido particularmente desfavoráveis ao ensino superior. Em Portugal, tal como na generalidade dos países ocidentais, o ensino superior tem de competir afincadamente com outras áreas prioritárias na despesa pública, como seja a segurança social e a saúde, cujo volume de despesa tende a ser favorecido pela evolução das sociedades ocidentais. A situação é particularmente difícil, dado que a contenção financeira ocorre num contexto de necessidades financeiras crescentes. O sistema de ensino superior português é hoje bastante mais dispendioso, em muitos casos devido a uma evolução positiva em aspectos tais como: uma maior qualificação dos funcionários docentes e

não docentes, uma maior aposta na investigação e na internacionalização das suas actividades e a concretização de melhorias pedagógicas que requerem grupos de trabalho mais pequenos. Este desequilíbrio, comum a muitos países europeus, tem forçado os governos a repensarem a estrutura de financiamento dos sistemas públicos de ensino superior. Por um lado, estimulando um uso mais eficiente dos recursos. Por outro lado, promovendo uma maior diversificação das fontes de financiamento, através duma maior contribuição dos estudantes e das famílias. Apesar do contributo positivo de ambas tendências, estas não parecem ser suficientes, no imediato, para compensarem os constrangimentos existentes ao nível do financiamento público. A eficácia destes aspectos é também limitada pelo facto das instituições de ensino superior público terem uma rigidez significativa na sua estrutura de despesas. O quadro financeiro do ensino superior necessita portanto de se alterar significativamente. Desde

logo, importa dar-lhe mais estabilidade. O facto de, a cada ano, haver uma grande incerteza no volume de financiamento não é favorável a uma planificação por parte das instituições e a um bom uso eficiente dos recursos. É desejável que o financiamento público assegure um nível de funcionamento mínimo das instituições, estimulando-as a procurarem fontes complementares e premiando financeiramente aquelas instituições que tenham um melhor desempenho nos vários critérios que se considerem relevantes para o funcionamento do sistema. Seria de evitar a manutenção da situação actual em que, se por um lado se promove o discurso da boa gestão, por outro lado, se acaba por socorrer in extremis aqueles que por vezes não souberam ou não quiseram melhorar o seu desempenho financeiro. Esta prática acaba por perversamente penalizar aqueles que têm tido melhor desempenho na gestão dos seus recursos e na diversificação do seu financiamento. É caso para dizer, bem prega Frei Tomás...


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ECONOMIA Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia 2008

Tiago Pereira

O prémio Nobel da Economia de 2008, anunciado no passado mês de Outubro pela Real Academia das Ciências Sueca, foi atribuído ao norte-americano Paul Krugman pelos seus avanços na teoria do comércio internacional. A TEORIA DO COMÉRCIO INTERNACIONAL

DR

“A funny thing happened to me this morning”… Foi esta a reacção de Paul Krugman, professor na Universidade de Princeton, EUA, autor de vários livros e colunista do jornal The New York Times, ao saber-se premiado com o Nobel da Economia de 2008. Apontado como vencedor a prazo, a distinção já este ano foi uma surpresa: nos últimos anos, o Nobel transformou-se num prémio de carreira, distinguindo personalidades de idade avançada pelas suas descobertas passadas. O economista norte-americano, de 55 anos, foi laureado pelos seus desenvolvimentos na teoria do comércio internacional, apresentados nas décadas de 1970 e 1980. Paul Krugman tem-se destacado ao longo dos anos por explicar situações complexas de uma forma simples e intuitiva, o que é facilmente corroborado pela leitura dos seus livros e do seu blogue, The Conscience of a Liberal, alojado no sítio do The New York Times na internet (http:// krugman.blogs.nytimes.com). De uma forma descontraída e com um humor refinado, Krugman reflecte sobre o estado da economia mundial e outras curiosidades. O norte-americano licenciouse na Universidade de Yale e, três anos mais tarde, em 1977, doutorou-se no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Em 1975, integrou a equipa de doutorandos do MIT que visitou Portugal a convite do então Governador do Banco de Portugal, José Silva Lopes, que até há bem pouco tempo foi presidente do Montepio. O objectivo dessa visita era pensar uma estratégia para Portugal pós-25 de Abril. Mais recentemente, em 2006, e também numa deslocação ao nosso país, Krugman apontava o crescimento económico como o principal desafio da economia portuguesa.

Os autores fundadores da teoria do comércio internacional foram Adam Smith e David Ricardo. Até ao século XVIII, a troca de bens entre países era vista como um “jogo de soma nula”, isto é, o que um país ganhava, outro perdia. Ganhava o que vendia, perdia o que comprava. Por isso, os países fechavam-se ao exterior, tentando tornar-se auto-suficientes. Smith e Ricardo pretendem mostrar que o comércio internacional tem vantagens para todos países. Para Adam Smith, a divisão e a especialização do trabalho são fonte de criação de riqueza. Não se devia fazer em casa aquilo que era mais barato adquirir fora. Os países exportadores seriam aqueles que produzissem os bens de forma mais eficiente ou ao menor custo. Diz-se, por isso, que o país teria uma vantagem absoluta na produção desses bens. Porém, tal inviabilizaria a participação nas trocas internacionais de um país menos eficiente na produção de todos os bens. Ricardo contorna esta fraqueza do raciocínio de Smith afirmando que os países se especializariam, não de acordo com vantagens absolutas, mas segundo vantagens comparativas, isto é, exportariam os bens em que fossem relativamente mais eficientes que a contraparte. Mais tarde, na primeira metade do século XX, Eli Heckscher e Bertil Ohlin explicam o padrão das trocas pelas diferentes dotações factoriais dos países: um país relativamente mais abundante em factor capital produziria bens intensivos em capital, enquanto um país mais abundante em factor trabalho produziria bens intensivos em trabalho. Na segunda metade do século XX, surgem várias teorias sobre as determinantes do comércio internacional, entre as quais a de Krug-

man. Até ao modelo de Krugman, havia sobretudo uma explicação para os países trocarem diferentes bens, isto é, para a troca interindustrial. Krugman concluiu que seria igualmente vantajoso transaccionar bens do mesmo tipo, ou seja, troca intra-industrial, ainda que em diferentes variedades. Um exemplo deste tipo de trocas é o comércio de automóveis. Dois automóveis de diferentes marcas ou dois modelos da mesma marca cumprem o mesmo tipo de função, mas são duas variedades diferentes de veículos. A chave está, segundo o econo-

mista, no aproveitamento de economias de escala. Existem economias de escala quando o custo médio dos bens diminui com o aumento da produção. Para compreender o modelo de Krugman, imaginemos dois países idênticos, n empresas em cada país e um bem diferenciado. Suponhamos ainda que os consumidores têm preferência por variedade, o que é perfeitamente realista. Cada uma das empresas existente nesses dois países produz uma variedade desse bem. Se os países se abrirem à troca, o mercado será maior e aumentará o número de variedades do

bem disponíveis, mas não para o dobro, pois alguns produtores não conseguirão enfrentar a concorrência. Para compensar a perda de produção resultante do encerramento de empresas, as que restarão produzirão um maior volume de bens para abastecer o mercado, o que lhes permitirá alcançar economias de escala e, consequentemente, baixar o preço dos bens. No final, haverá um aumento do bemestar dos consumidores de ambos os países, decorrente da descida do preço e do aumento do número de variedades do bem, o que constitui um ganho da troca internacional.

preferido dos meios de comunicação social, talvez até por ser o tecnicamente correcto, falência é um bom sinónimo. É equivalente dizer a “empresa abriu falência” ou “a empresa encontra-se num processo de insolvência”. E tal acontece quando o passivo da empresa, isto é, as suas responsabilidades ou obrigações perante terceiros (empréstimos obtidos, dívidas a fornecedores, etc.) é superior ao seu activo, ou seja, aos bens, disponibilidades e direitos sobre terceiros (imóveis, notas e moedas, dívidas de clientes, etc.). Em termos práticos, uma pessoa sin-

gular (um qualquer indivíduo) ou colectiva (uma qualquer instituição) encontra-se em insolvência quando os bens que possui não são suficientes para cobrir as suas dívidas. Os processos de insolvência encontram-se previstos no Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas (CIRE) e caracterizam-se por alguma morosidade e complexidade, à semelhança de outros processos judiciais. Agora que já sabemos a noção de insolvência em termos gerais, vamos entrar um pouco na lei. De acordo com o CIRE, é considerado em situ-

ação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (art. º3, n.º1). Podem pedir a insolvência o próprio devedor, qualquer credor ou o Ministério Público, desde que se verifique alguma das alíneas do art.º 20, n.º 1, nomeadamente a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que seja sintomática de insolvência, a fuga do titular ou dos administradores da empresa por suspeita de falta de solvabilidade, a falta de bens penhoráveis para satisfação de créditos, etc. Uma vez desencadeado o processo, o tri-

bunal nomeia um administrador da insolvência a quem compete manter ou anular os contratos em vigor, preparar o pagamento das dívidas e conservar os bens do insolvente, que constituem aquilo a que se designa massa insolvente - património do devedor à data da declaração de insolvência. A declaração de insolvência implica o vencimento imediato de todas as obrigações do insolvente. Quer isto dizer que, mesmo que o devedor ainda tenha dívidas que se encontrem dentro do prazo, o prazo termina instantaneamente com a declaração de insolvência.

Econopédia Tiago Pereira

insolvência, s.f. 1. quali-

dade ou estado de insolvente; 2. impossibilidade de pagar uma dívida; 3. situação do devedor ou da sociedade cujo património apresenta um passivo superior ao activo, In Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa, Porto Editora Este mês falamos de “insolvência”. Um conceito mais legal que económico, mas bastante aplicável ao mundo dos negócios. Apesar do termo “insolvência” ser o


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CULTURA Entrevista a Ana Luísa Amaral Maria Teresa Freire Coutinho

Ana Luísa Amaral nasceu em Lisboa, em 1956, e vive, desde os nove anos, em Leça da Palmeira. Licenciada em Germânicas pela Faculdade de Letras do Porto e doutorada em Emily Dickinson, é actualmente Professora Associada na Faculdade de Letras do Porto. É autora de nove livros de poesia e dois livros infantis. Representada em inúmeras antologias portuguesas e estrangeiras, a sua poesia encontrase traduzida para várias línguas. Editada no Brasil, será brevemente editada também em Itália. Em 2007, obteve o Prémio Literário Casino da Póvoa/Correntes d’Escritas e recentemente foi galardoada em Itália com o Prémio de Poesia Giuseppe Acerbi. Que papel tem a infância na sua vida, o “tempo das regras decoradas e das terminações verbais” em que “sonhava de livro aberto”? Eu acho que a infância tem, ainda, um papel preponderante na minha vida. Parece-me impossível alguém criar e ter aquilo a que se chama um “espírito adulto”. E o que quero eu dizer com isto? Que continuo a comover-me com gestos insignificantes. Noutro dia dei por mim a chorar com a Toy Story, e não vejo as pessoas da minha idade a comoverem-se com o mesmo. Era William Blake que dizia “to see a world in a grain of sand and a heaven in a wild flower, hold infinity in the palm of your hand and eternity in an hour”. E eu penso que ele constrói toda uma poesia que elogia a figura da criança, justamente porque, como dirá outro romântico “A Criança é o pai do Homem”. Embora ligeiramente machista, significa que a criança sabe mais do que Homem. A infância tem para mim, esse encanto e esse lado nostálgico, representando também uma forma de estar na vida. Não quer dizer que eu seja infantil, no sentido da “infantilização” do termo, mas traduzindo-se antes num olhar disponível, aberto e inocente sobre as coisas. Eu sou aberta a tudo, como uma criança. Tive a ousadia de me apropriar de parte do seu poema “Coisas de Luz Antigas”, onde diz “A vida resvalante como gelo; E aquele namorado de nome bom; e férias, ficou perdido em luz,; mais de vinte anos.” E eu pergunto, o que é que lhe provoca nostalgia? Os irmãos que eu não tive. Uma família grande que eu não tive. Normalmente, a nostalgia é construída sobre aquilo que se teve e se deixou de ter. Eu tenho muito a nostalgia do que não tive e gostaria de ter. Elaboro muito sobre um universo ficcionado na minha

cabeça e, portanto, perfeito. Assim, as instâncias de nostalgia que eu tenho são relativamente a esse universo. Eu tenho um poema que se chama “Natal a fingir branco”, que refere mais ou menos isso, “ a nostalgia de doer”, ou seja, o natal que não se teve. Há poucas coisas reais que me provoquem nostalgia. Não tenho grandes penas na vida, que me façam dizer “gostava muito de viver outra vez aquele momento”. Acho que cada tempo é um tempo. Esse “namorado de nome bom em férias” existiu, é verdade, mas trata-se, acima de tudo, de uma construção poética. Tenho nostalgia da construção poética e da vivência em torno dela, do namorado não. Sei que escreve desde muito nova. Teve, desde cedo, um quarto próprio para o fazer como aconselhava Virginia Woolf? Não. Pode parecer estranho, sendo eu filha única e tendo vivido sempre com os meus pais , pertencendo eles à média-alta burguesia, mas só o tive a partir dos quatorze anos. No entanto, quando Virginia Woolf refere o tal “quarto que seja seu”, não se refere apenas ao quarto físico mas também ao psicológico e esse tive-o e continuo a tê-lo. É-me muito fácil estar no meio de quarenta pessoas e arranjar “um quarto” para mim onde consiga escrever.

Escrever poesia é prazer ou sofrimento? Acontece de forma ensaiada ou é tomada de assalto a meio da noite? Acho que a poesia é as duas coisas, prazer e sofrimento. Em vez de lhe chamar sofrimento, chamar-lhe-ia antes angústia. Angústia da palavra que não sai, dos desenhos que acompanham a criação dos poemas e representam a palavra que se quer dizer mas não se consegue. Embora tenha essa angústia, ela é atravessada por um imenso prazer. Não é por masoquismo que escrevo poesia, nem porque me traga compensações. Eu escrevo poesia porque preciso de escrever poesia. E é pensada? Faz esboços dos poemas? Ou é assaltada pela inspiração? Depende. As duas coisas são possíveis. Geralmente não é pensada. O primeiro poema do meu livro “Imagens” não foi pensado, mas posteriormente achei que seria interessante contar uma história. Sendo o meu livro mais biográfico, acabou por se tornar também o meu livro mais cifrado. A parte da ideia, da escrita, não é pensada, porque eu não a controlo. É o poema que me controla a mim. A fase seguinte, de trabalhar e de o passar para o computador ou para a máquina de es-

crever é mais mecânica. Há um poema lindíssimo de Emily Dickinson que traduzi e que diz “Shall i take thee, the Poet said to the propounded word?“, em que a poeta vê uma série de palavras à sua frente que se declaram, e escolhe a que pretende. Finalmente, quando escolhe aquela palavra, há outra que surge sem ser chamada. E essa é a inspiração, que entra de forma desviada, “pelas traseiras”, como um ladrão. Luíza Neto Jorge dizia que “o poeta é um animal longo desde a infância”. O que é para si o poeta? Se calhar começava com o poema, em vez do poeta. Eu tenho um poema que publiquei que diz “Todo o poema é sobre aquele que sobre ele escreve.” E eu sempre pensei assim, mesmo na altura em que se achava que a poesia era só oficina. A poesia não é só oficina. Eu dou teoria literária e há 30 anos que ensino poesia, e é precisamente o lado que escapa à oficina que permanece um mistério que eu não consigo desvendar. Preferia não falar em dom, mas em talento. Um talento que nasce com quem escreve e que pode ou não ser exercitado. Não se aprende, portanto, a escrever? Não. Não se aprende a escrever. Aprende-se a desenvolver a sensibilidade, aprende-se a tradição, que é

fundamental. Aprender a ler outros poetas e essa leitura pode ser absolutamente fascinante, devastadora, “exhilarating” como se diz em inglês. Pode ser algo que nos inspira, mas não se aprende a fazer um poema. Lembro-me de ter três anos e meio e ouvir uma quadra e saber que faltava ali qualquer coisa. E essa “qualquer coisa” era uma sílaba a mais ou a menos. Nunca precisei de contar pelos dedos para saber o que é um decassílabo, sem que eu soubesse ainda a designação dessa palavra. Mas sabia que “amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente” era a perfeição. Lembro-me que o primeiro contacto que tive com Camões foi numa papelaria que havia ao pé da minha escola, em que Camões aparece com um olho tapado e, por baixo, aparecia precisamente esse verso, e eu perguntava-me como é que alguma coisa pode arder sem ser vista. Tratase do espanto, do maravilhamento. E isso não se ensina. Mais uma vez, parti de parte do poema “Testamento”, do seu livro Minha Senhora de Quê, onde diz: “Vou partir de avião; E o medo das alturas misturado comigo; Fazme tomar calmantes; E ter sonhos confusos” Tem medo de morrer? Muito medo de morrer. Tenho pavor de morrer.


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CULTURA Como é que encara a morte? Pessimamente. Acho que é uma coisa injustíssima, horrível e não devia acontecer nunca. Acho que é um disparate aquele argumento de quão terrível seria se fossemos imortais e continuássemos a envelhecer. Eu não me importava. Preferia estar “caquéctica”, desde que estivesse viva. Tenho as minhas dúvidas sobre se há ou não outro nível de consciência, gostava que houvesse, seria maravilhoso. Mas eu queria era este nível de consciência. Se reencarnar não me lembro deste sítio onde estive, e mesmo sofrendo imenso, é maravilhoso estar aqui. Shakespeare dizia que escrevia para ser imortal. A Ana Luísa escreve com o mesmo propósito? Não. E o que Shakespeare diz é “So long lives this and this gives life to thee”, ou seja, “tu viverás através dos meus poemas, mesmo quando eu morrer, mesmo quando tu morreres”. Há um lado meu que pensa assim, já que esta brincadeira vai acabar. Dickinson diz, num poema dirigido a Deus, “In thy long paradise of light, no moment will there be, when i shall long for earthly play and mortal company”. Claro que a homofonia e homografia entre “long” e “long”, “longo” e “saudades”, empresta uma ironia ao poema que significa que, na verdade,

a poeta vai ter saudades disto, deste lugar, porque o resto , “o longo paraíso de luz”, é uma chatice. Já que eu vou ter abandonar este lugar, todos nós temos, obviamente que gostava muito que os meus poemas ficassem. Mas só o tempo pode dar o valor às coisas. É sempre muito perigoso falarmos do que está hoje a acontecer, dizermos que “este poeta que acaba de surgir é maravilhoso”, porque não temos essa percepção. A Ana Luísa não sabe se os seus poemas vão ficar? Não sei, não faço ideia. É um sonho que tenho. Quais são os poemas que ficam? Essa pergunta leva-nos para uma conversa complicada sobre a própria questão da Arte e dos mecanismos de legitimação da Arte. Como é que se fazem os mecanismos da legitimação da arte? Obviamente que tem que passar sempre pela crítica, mas é necessário que passe também pelas pessoas. As pessoas que não são especialistas e que amam o poema pelo poema, a quem o poema diz porque diz e que nem sequer têm uma metalinguagem para teorizar sobre o poema, porque não precisam de ter. Por alguma razão, a primeira edição da poesia de Dickinson teve um sucesso estrondoso, mesmo tratando-se de uma

poeta tão difícil de ler. Mas alguém que diz que “o amor é tudo o que há” e que o define assim, obviamente que toca as pessoas. Quem é que não conhece “Senhora, partem tam tristes os meus olhos por vós, meu bem”? As pessoas não sabem que o autor é João Roiz Castell-Branco, não sabem que pertence ao cancioneiro geral, mas também não interessa, porque o poema diz-nos tanto, comunica tanto, que é isso que vale a pena. E aí chegamos ao ponto fundamental. A arte é comunicação. Ninguém escreve para a gaveta. O público pode ser um, um amigo, um irmão, um tio, mas sendo um, já é um publico. Um pintor tem necessidade de mostrar aquilo que faz, um músico tem necessidade de ser ouvido. E essa troca faz-se com as pessoas “normais”, da rua, que muitas vezes podem não perceber o poema, no seu sentido académico, mas são tocadas por um verso. Noutro dia, fui fazer uma leitura de poemas e uma senhora veio ter comigo e disse-me “Não imagina, isto fez por mim o que dois anos de anti-depressivos não fizeram.” E eu acho que isso é que interessa. Não é agora o crítico xis ou ípsilon vir elaborar uma grande teoria sobre o poema. Porque é que nos fica, dos Lusíadas, o episódio de Inês de Castro? Porque é um episódio universal, sobre o amor, a tristeza, o sofrimento e a injustiça. É simultaneamente um episódio poético e político e portanto, humano. O que vai ficar é o humano.

Trocava mesmo toda a poesia que fez por viver outra vez? Não. É mentira. (risos) Eu compus o livro a que pertence esse poema, quando tinha sido operada e fui obrigada a ficar um mês de cama. Mandei os poemas por e-mail a Mª Irene Ramalho, que foi a pessoa que me incentivou, aos 32 anos, a publicar o meu primeiro livro. Esse poema começa precisamente assim, “Trocava a poesia toda que fiz por viver outra

vez, é essa ao que parece a minha freudiana fantasia” e a Mª Irene Ramalho fez vários comentários a todos os poemas e, sobre esse, disse “Não trocavas nada, mentirosa”. E é verdade. É um desabafo poético que fica bem num momento de lirismo, mas depois de saber o que sei hoje, não trocava. Ana Luísa, Senhora de Quê? Senhora de nada. Nem de mim. E por isso mesmo, mais livre.

Baixa do Porto vê nascer galeria de ilustração e desenho Mariana Duarte

Associação Dama Aflita abre galeria na rua da Picaria dedicada à exposição e comercialização de ilustração e desenho

DR

A rua da Picaria entrou no circuito de galerias de arte do Porto com a inauguração do espaço Dama Aflita no dia 15 de Novembro. Deram-se as boasvindas com a apresentação do novo trabalho de Luis Urculo, artista espanhol que se move entre a ilustração e o desenho, entre o design gráfico e a arquitectura efémera. A exposição está aberta ao público de quinta a sábado, entre as 15h00 e as 19h00. A galeria é uma extensão dos objectivos da associação cultural Dama Aflita, desenvolvida por Júlio Dolbeth, Rui Vitorino Santos – professores na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e ilustradores – Lígia Guedes – designer e produtora de moda. “Promover a ilustração nos contextos nacional e internacional e divulgar os trabalhos dos artistas” são as metas que estruturam o universo da Dama Aflita, afirma Rui Vitorino Santos. Júlio Dolbeth considera que, em termos conceptuais, o espaço Dama Aflita é “pioneiro em Portugal”. “Sei que já vão abrir mais algumas galerias deste género em breve”, adianta. A inspiração veio de galerias de referência no estrangeiro. O Porto é fecundo em bons autores e em bons trabalhos nas áreas de ilustração e desenho, salientam os dois galeristas. Mas, “não há um espaço apenas específico para expor ilustração”, sublinha Rui Vitorino Santos. “Queremos dar dignidade à ilustração e ao desenho, que acabam por ser sempre um bocado subsidiárias de outras artes”, refere Dolbeth. Esta nova galeria vem, assim, “colmatar a falta de espaços dedicados à ilustração e ao desenho”, aponta Rui Vitorino Santos. Vem também ser uma montra para os grupos de artistas que dinamizam e estimulam estas artes de forma autónoma. Pode

ser uma oportunidade para os que vão expondo em espaços não especializados e no espaço urbano, como a rua Miguel Bombarda. A comercialização de trabalhos é outro dos aspectos que presidiram à criação da galeria. Até 10 de Janeiro de 2009, as produções de Luis Urculo estão disponíveis para compra. Os artistas que vão passar pela Dama Aflita são maioritariamente portugueses. No entanto, os responsáveis pela iniciativa asseguram que estão a trabalhar em futuras parcerias com projectos semelhantes, de modo a realizarem “intercâmbios com artistas vindos de outros sítios”, avança Rui Vitorino Santos. As exposições vão percorrer diversos territórios da ilustração. A tentativa de exibir diferentes narrativas vai ter como via não só a exposição, mas também “workshops, cursos e outras coisas que a associação irá desenvolver em paralelo com a galeria”, indica Rui Vitorino Santos. A parte de ateliê integrada na galeria poderá servir para estas actividades. A Dama Aflita já tem a programação completa para 2009, mas as datas ainda estão em negociação. Ao que tudo indica, a próxima mostra será a 17 de Janeiro. “Vamos tentar que esta coincida com a próxima inauguração de novas exposições em Miguel Bombarda”, acrescenta Júlio Dolbeth. Apesar de estar localizada fora da artéria do Porto com maior concentração de galerias, a Dama Aflita não tem uma “estratégia de ruptura”, sublinha o ilustrador. Quer, antes, criar sinergias. De quinta a sábado, entre as 15h00 e as 19h00, a Dama “is waiting for you in rua da picaria nº 84”. Fica o convite lançado no espaço myspace da galeria.


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CULTURA Cinema Mudo Russo Manaíra Aires

De Volta aos Kinoks Kinok é uma palavra russa em que kino significa “cine” e oko significa “olho”, simbolizando a ideia do cine-olho. Trata-se de um termo adoptado em 1922 pelo cineasta russo Dziga Vertov ao criar, junto com sua esposa Svilova e seu irmão Mijail, o “Conselho dos Três”. O trio foi responsável por realizar 23 filmes no chamado Kinopravda (Cinema Verdade) e escrever O Manifesto dos Knoks, em que fica claro que os experimentos cinematográficos de Vertov seriam construídos pelo exercício exaustivo da articulação entre olho/câmara/realidade/montagem. Kinok, embora definido inicialmente por um movimento bastante delimitado, acabou por representar um conjunto de características artísticas que se desdobraram no cinema russo ao longo das décadas de 20 e 30. Quer seja na obra de Aleksandr Rodchenko, Sergei Eisenstein, Andrei Tarcovsky ou do próprio Vertov, encontramos intersecções que revelam como os novos rumos que eles deram ao cinema impulsionaram as mais diferentes estirpes da arte. No início do século XX, o cinema russo estava voltado apenas para o entretenimento, retratando actividades diárias que exaltassem com orgulho o quotidiano na Rússia dos czaristas e, logo depois, dos bolcheviques. Com mais verbas liberadas para a produção artística na extinta União Soviética, o audiovisual ganha impulso, e surge assim, tão ironicamente, uma cinematografia iconoclasta, que ia de encontro a todo aquele marasmo intelectual. Como escrevera Vertov no manifesto, “eis a perda de um pensamento activo, perdido durante um período de idolatria; a indústria do cinema está envenenada com o terrível tóxico da rotina”. A nova geração de cineastas, movida a ideais de independência e plenitude, procurava o princípio de que a experiência de se assistir a um filme deve ser similar a uma experiência de vida. Surgem, assim, traços identitários de uma linguagem até então pouco explorada: os filmes oscilam entre cenas rápidas ou cenas sem cortes; a trilha sonora acentua a velocidade e os sons pródigos da tão sonhada modernidade urbana; há pouca conversação entre as personagens, salientando a falta de diálogo em função da ausência de tempo cada vez mais constante na vida moderna; os enquadramentos artísticos priorizam uma iluminação estilizada e a movimentação da câmara mostra ao especta-

dor o olhar participante daquele que se coloca atrás da máquina. A metalinguagem reforça a idéia de que existe sempre por trás do maquinário um “cine-olho”, um olho em movimento que articula e edita aquilo que se vê. Trata-se de uma busca incessante por uma linguagem singular ao cinema, tentando desvinculá-lo das sombras da litertura e do teatro. O carácter contemplativo ganha impulso na relação da plasticidade estética com a exploração dos conflitos que abalam o universo intrínseco ao ser humano. O espectador é envolvido numa “cápsula sensorial” que surge mais do que paralela à vida; emerge como uma verdadeira extensão da existência. O cinema russo não constrói um mundo auto-suficiente e hermético ao abordar as condições de existência humana, pelo contrário, cria um universo que retrata o mundo exterior como um dispositivo extensivo do que o ser humano é no seu íntimo. O universo dos knoks compõe uma espécie de música com as imagens ao revelar uma espontaneidade e uma racionalidade que privilegiam o risco, o acaso e o improviso. “A imagem cinematográfica é essencialmente a observação de um fenómeno que se desenvolve no tempo”, como escrevera Tarcovsky em seu livro Esculpir o Tempo. Não há uma busca por um enredo arquétipo, mas uma atmosfera feita pela concentração de elementos expressivos que se afastam da simbologia – no mundo knokiano, a realidade é tão crua e fragmentada que não há espaço para leituras numa óptica sígnica. Ao mesmo tempo que os cineastas russos buscavam a pureza do cinema, assim como faziam artistas de outras áreas, como o Pollock na pintura e o Malevich no suprematismo, foram exactamente eles que deram entalpia para a ideia de uma arte não-linear, fragmentada e caótica, que tentasse fugir de todos os arquétipos. Os knoks procuravam uma identidade para o cinema sintetizando uma busca pela “arte pura”, o que paradoxalmente motivou, algum tempo depois, as hibridações no campo das artes. Ao se buscar o purismo, em que se delimita o que é ou não próprio de uma arte, embrionouse um movimento contrário que tomou por princípio a amálgama das características de diferentes vertentes artísticas, como o cinema, as artes plásticas e o design. Morre, assim, a ideologia dos knoks de fazer do cinema a síntese suprema de todas as artes.

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CULTURA Cardápio

DEZ 08 / JAN 09 Bruno Silva / Filipa Mora / Mariana Duarte

MÚSICA

20 DEZ NICOLE EITNER

Cineteatro Constantino Nery Matosinhos

12 DEZ KILL ME TOMORROW (GSL, US) + NIMAI Maus Hábitos

12 DEZ MIXHELL

TEATRO 8 / 9 / 10 JAN MICRO AUDIO WAVES + RUI HORTA = ZOETROPE TECA

Gare Porto

3 DEZ MONARCH + SUNSHINE PARKER + TBA

31 JAN KAISER CHIEFS

TECA

10 - 13 DEZ SALLES DÊS FÊTES

5 - 28 DEZ ÅBRO ÏDERIJ! HA! (exposição internacional de ilustração) Maus Hábitos

TBSJ

Coliseu do Porto

12 / 13 DEZ “SEGUNDO PLANO” DE NÉ BARROS

Fábrica do Som

13 DEZ COOL HIPNOISE

10 - 13 DEZ A VELHA AVARENTA

10 JAN WRAYGUNN

10 JAN JANDEK

até 31 JAN JORNAIS ESCOLARES Museu da Imprensa

15 DEZ - 20 FEV 12 / 13 DEZ A CARBONÁRIA Estúdio Zero

EXPOSIÇÃO “PÉ DE VENTO 30 ANOS” Galeria Biblioteca Almeida Garrett Palácio de Cristal

Fundação de Serralves

14 DEZ JONATHAN AYERST Casa da Música

18 JAN DRUMMING (concertos promenade) 19 DEZ VITALIC, EXPANDER, FRESHKITOS, FRITUS POTATOES SUICIDE Teatro Sá da Bandeira

Coliseu do Porto

Casa da Música

19 DEZ T. RAUMSCHMIERE Plano B

30 JAN KREATOR, CALIBAN, ELUVEITE, EMERGENCY GATE Teatro Sá da bandeira

19 DEZ PEIXE:AVIÃO

Fnac NorteShopping

até 15 DEZ CORPO EVENTO – XI CICLO DE ESPECTÁCULOS EM TEATRO E DANÇA

15 DEZ - JAN ESCREVER NA TELA DE CINEMA (oficina de escrita criativa) Clube Literário do Porto

Auditório da Biblioteca Almeida Garret - Palácio de Cristal

18 DEZ 25 JAN DEOLINDA

31 JAN THE STRANGLERS

Pavilhão Municipal de V.N.Gaia

Museu de Serralves

Museu de Serralves

CineTeatro Constantino Nery Teatro Municipal de Matosinhos

Teatro Sá da Bandeira

Cinema Batalha

6 DEZ - 15 MAR BESREVELAÇÃO 2008 (fotografia)

até 18 JAN JUAN MUÑOZ: UMA RETROSPECTIVA

VÁRIOS

22 NOV - 15 MAR CHRISTOPHER WOOL Fundação de Serralves - Museu

19 - 20 DEZ DE HOMEM PARA HOMEM TNSJ

DIGA TRINTA E TRÊS (SESSÃO DE LANÇAMENTO DA ANTOLOGIA DOS POETAS DAS “QUINTAS DE LEITURA”) CaféTeatro Campo Alegre, 22h

22 / 30 DEZ FÉRIAS DE NATAL EM SERRALVES

até 17 FEV ATELIER DE ESCRITA Biblioteca de Serralves

até 27 FEV NOVO CICLO DE EXPOSIÇÕES DE VÁRIOS ARTISTAS PLÁSTICOS Serv’artes

até 15 MAR O LIVRO VERMELHO DE UM FOTÓGRAFO CHINÊS, FOTOGRAFIAS DE LI ZHENSHENG

Centro Português da Fotografia

exposição permanente MINIATURAS TIPOGRÁFICAS Museu da Imprensa

Serralves

26 DEZ

O NATAL VESTIDO DE JAZZ Clube Literário do Porto, Piano-Bar

exposição permanente COLECÇÃO DE CÂMARAS FOTOGRÁFICAS ANTÓNIO PEDRO VICENTE Centro Português de fotografia


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JUP DEZEMBRO’08

CULTURA Críticas

Rita Falcão

MELANCOLIA VIVA

EM

CARNE

A música encerra em si uma forma qualquer de religiosidade. Há uma espiritualidade acesa por seres humanos que às vezes parecem ter alguma coisa que nós não temos. Os Beach House são dois desses seres humanos: de Victoria Legrand sai uma voz de texturas soul que ao vivo ganha uma robustez impressionante; de Alex Scally brotam acordes de guitarra que delineiam hipnotismos. O Passos Manuel foi o palco para “Devotion”, o último álbum da dupla e uma manifestação litúrgica da dream pop, universo musical tão bem arquitectado por estes norte-americanos.

Em concerto, a pop imaculada do disco entra por caminhos sonoros mais crus e menos ornamentados. “Wedding Bell” introduziu a noite à fantasia do órgão onírico de Victoria e a uma melancolia em carne viva (vimos as CocoRosie no horizonte). O desencanto das canções dos Beach House não se faz de contido ao vivo; através de vertigens de aguda carga emocional, as linhas de guitarra contam elas próprias estórias em que a solidão e a desilusão imperam. O cenário do Passos Manuel é tão despido quanto preenchido pelo imaginário nostálgico de “Devotion”, que esconde paixões arruinadas em lamentos como “You Came to Me” ou “Holy Dances”. A beleza plangente é espalhada por rasgos de guitarra que se perdem no éter e por estilhaços reluzentes vindos do órgão (“uma máquina de calcular” na qual Victoria “resolve exercícios de matemática”). “Gila” é recebida pelo público com palmas: os rendilhados lânguidos do instrumental, orientados pela elegância vocal de Victoria, fizeram o momento em

que todos nós levitamos sem nos apercebermos. Em “Heart Of Chambers”, Victoria, irrequieta e de humor afinado, arrisca a experimentação da voz, chegando a tonalidades que fazem lembrar Patti Smith. A guitarra suja e circular, acompanhada pela bateria contundente do percussionista que anda em digressão com o duo, pede licença à delicadeza sedutora da canção para mostrar de forma mais áspera o que é um coração partido. Apesar de algumas atribulações sonoras - problemas técnicos com o computador, cujos ritmos que lançava mais pareciam o “armagedon”, brincou Alex Scally –, o mundo encantado dos Beach House foi-nos contado com tudo o que é dele. Ao vivo, consegue ser maior do que ele próprio. Na primeira parte, Jana Hunter aqueceu a noite com meia dúzia de temas. A exploração da guitarra guiou um concerto de sonoridades simples (mas não simplistas) e ambiente lúgubre. A assinalar a voz de Jana como o estimulador de emoções. Mariana Duarte

SIGUR RÓS EM CONCERTO Sigur Rós são uma banda islandesa, oriunda de Reykjavík, conhecida mundialmente pelo seu som etéreo e pelo falsete do vocalista. Pela quarta vez, a banda de Jónsi, vocalista, pisou o solo luso para actuar no Campo Pequeno. Por volta das 21h30, as portas desta mítica sala lisboeta foram abertas para uma multidão que aguardava ansiosa pela actuação, já há muito esperada por fãs e também cépticos sobre o trabalho post-rock islandês, no mínimo, diferente. A sala estava praticamente cheia para receber, calorosamente, os islandeses que se vestiram de gala para conquistar uma audiência que já não precisava de ser convencida. A expectativa estava ao rubro quando as luzes se desligaram. Ouviram-se então os primeiros acordes de “Svefn-g-englar”. A voz hipnotizante de Jónsi e as melodias delicadas, DR

O ódio é o veneno que se bebe esperando que o outro morra. Essa recorrente ideia nas obras de Shakespeare surge, no final do século XVI, n’O Mercador de Veneza. A peça retrata a conversão dos judeus em novos-cristãos e aborda, subtilmente, a homossexualidade castrada pela ausência de valores morais. A encenação de Ricardo Pais, apresentada de 07 a 23 de Novembro no Teatro Nacional São João, ganhou mais uma temporada, de 06 a 18 de Janeiro de 2009. António, um bem-sucedido mercador de Veneza, oferece como garantia algumas gramas de sua própria carne ao angariar um empréstimo com o judeu Shylock. O dinheiro é entregue a Bassânio, para que ele possa pagar o dote e casar-se com Pórcia. Uma grande tempestade destrói os barcos de António, que se vê sem meios para pagar a dívida. Shylock exige arduamente que o contrato seja cumprido. Eis que começa um longo julgamento, em que Shakespeare utiliza condições

reconhece em Shylock por meio da castração, pois trata-se de dois homens frustrados e insatisfeitos por serem podados pelos filtros sociais. Antônio sente-se castrado porque ama Bassânio e não pode conter esse sentimento, que aparece acobertado por nostalgias – daí o pedaço de carne oferecido como garantia inclinar-se a ser ou o coração ou os órgãos sexuais. Já Shylock é castrado não necessariamente por ter perdido a família, a riqueza e a religião, mas por tudo aquilo em que ele foi forçado a tornarse – e a castração surge na peça como uma referência à circuncisão judaica. Na conferência “Tu Judeu e Eu Judeu”, no dia 15 de Novembro, a professora Janet Adelman, da Universidade da Califórnia, comentou que, na maioria das adaptações que são feitas no mundo todo, Shylock aparece como um grande estereótipo escarnecido, mas na encenação de Pais fica clarividente a escolha por mostrar que, pior do que a visão cristalizada de Shylock como monstro, é a forma como sua suposta monstruosidade é utilizada pela mesma sociedade que lhe condena por ser judeu. “Se me fizerem mal, eu me vingo tal qual os cristãos fazem”, setencia Shylock. De maneira densa e longa, O Mercador de Veneza a la Pais parece muitas vezes maçante pela celeridade com que o texto de Shakespeare é representado pelos actores. O som também desfavorece em alguns momentos a compreensão do texto. No entanto, é a plasticidade da peça a grande protagonista da adaptação por atribuir um ar contemporâneo a uma obra que resiste à fluência do tempo. Uma obra que nos faz refletir sobre as várias partes que, subtilmente, castramos e esquecemos em nós. Manaíra Aires

Marco Eira

DR

A OUTRA FACE DO MERCADOR

religiosas, sociais, políticas para subsidiar profundas inquietações ontológicas. A adaptação de Ricardo Pais respeitou o tom burlesco da peça original, que é uma típica visão caricaturesca do imaginário inglês a respeito dos judeus. A peça adaptada, contudo, não acentua a comédia e já na sua narrativa plástica revela as opções de Pais por enfatizar o género dramático. Uma parede formada por vários espelhos e dividida em duas balizas convida o espectador a refletir: aquilo que o ser humano revela de si não transcende a representação do que ele realmente é. Nessa parede, António cospe na sua imagem e, logo em seguida, cospe a Shylock, numa grande comprovação de que o judeu é a outra face do mercador. Essa ambivalência também é representada, simbolicamente, por um chão traçado com linhas descontínuas em preto e branco. O clímax da peça reside no momento em que o corpo de Shylock é posto em cima do corpo de Antônio, ambos deitados entre as duas balizas da parede espelhada – ou do muro esmagador. Antônio repete frases de impacto ditas por vários personagens, enquanto que uma acentuada iluminação dá ao espectador um ar claustrofóbico, como se o espaço se contraísse para, de uma vez por todas, clarificar-se a fusão entre os dois personagens. Eis a representação cénica da culpa e do desdém de Antônio, esmagado pelo judeu. “Preciso saber o quanto te amo para saber o quanto te odeio”, diz o mercador, que faz de Shylock a sua própria invenção, imagem e espelho. A adaptação de Ricardo Pais acentua a ideia de que António se

HELMS ALEE ÁLBUM: Night Terror EDITORA: Hydrahead Oriundos de Seattle, os Helms Alee são Ben Verellen, (voz, guitarra) Dana James (voz, baixo) e Hozi Margullis (voz, bateria). Conheceram-se em concertos da cena local e a empatia entre os três levou a que a banda se formasse. Com influências que incluem tanto os Sonic Youth como os Melvins, os Helms Alee praticam uma sonoridade bastante híbrida que pode ser associada a uma recente vaga de bandas stoner/sludge que inclui os Torche, Big Business ou os Akimbo. Night Terror é uma estreia ousada, enérgica e pop ao mesmo tempo que sombria. Possivelmente um

rapidamente desvaneceram todas as interrogações, obrigando-nos a viajar num mar de sentimentos que variaram entre a serenidade e a euforia. O mais recente álbum “Með Suð í Eyrum Við Spilum Endalaust” era o tema da noite e, a prova de que o primeiro álbum gravado fora do seu país mãe, convenceu até os mais cépticos. Sentiu-se a reacção fervorosa com canções como “Festival”, “Inní Mér Syngur Vitleysingur”, “Við Spilum Endalaust” ou “Gobbledigook”, tema que encerrou a primeira parte do alinhamento, sob um polvilhar alegre de confettis e percussão auxiliada pela banda introdutória ao principal concerto da noite, Minor Reflection. Mas as descargas de energia experimentadas nessa noite não tinham terminado ainda. Pela voz de uma clareza sobre-humana, em progressão e regressão mágicas, de Birgisson passaram “Glósoli” ou “Hoppipolla” e outras epopeias intermináveis de sentimentos. Assim se reviveu uma carreira mágica que já conta com catorze anos e mais de dois milhões de álbuns vendidos em todo o mundo. No meio de uma euforia de aplausos e gritos, não tendo nada mais a dizer do que, como talvez o melhor álbum da banda, “Takk” (Obrigado), encerraram assim o concerto numa noite de fantasia. Marco Eira dos álbuns de mais difícil rotulação a ser lançado pela Hydrahead nos últimos meses, não pela complexidade sonora que o envolve, mas pelos ambientes obscuros e pesados que o completam. Desde a abertura épica instrumental de Left Handy Man Handle passando pela fúria de A Weirding Away, Night Terror é um registo emocional com ênfase na dicotomia fúria/ voz gutural vs. luz/vozes femininas que traz à baila não só os já referidos – mas vale a pena relembrar – Melvins, mas também o indie de uns Pixies. Uma proposta capaz de agradar tanto aos seguidores da vaga stoner como aos fãs de post-rock, sem ser uma mera reprodução da fórmula loud-quiet-loud. Tudo isto se une a um certo revivalismo da sonoridade (perdida?) de Seattle. Sente-se nas entrelinhas algum eco dos 90s, nem que seja pelas vocalizações femininas, que certamente trazem à superfície algo vindo da década passada. E não se deixem enganar. Aquilo que numa primeira audição soa a um disco banal sem grandes pontos a destacar, torna-se, em crescentes audições, num dos registos musicais mais interessantes do ano. Diria mesmo, a grande estreia do ano. Joana Coimbra

não recomendado pouco recomendado recomendado bastante recomendado obrigatório


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CULTURA Críticas Filipa Mora

POP ELECTRÓNICA MARCA O REGRESSO DO CLUBBING À CASA DA MÚSICA

ROÍSIN MURPHY / OUTUBRO Depois da pausa durante o Verão, voltou à Casa da Música o evento que se afirmou na Invicta. Na edição de Outubro, Róisín Murphy foi destaque, numa noite onde a desorganização reinou. A ex-vocalista dos Moloko centrou atenções nos seus dois álbuns a solo, mas com recuperações do projecto com o seu exnamorado, Mark Brydon. Com a troca de roupa constante, fundiu a mutação visual com a sonora, apresentando as suas várias facetas: desde a sensualidade até ao lado mais frágil - durante uma

A VIAGEM DO ELEFANTE AUTOR: José Saramago EDITORA: Editorial Caminho Salomão chegou a Portugal. Desta vez, não como um sinal de luxo real mas na forma do novo livro de José Saramago. O adjectivo “simples” é demasiado complexo para descrever o enredo que está já bem explícito no título, é uma viagem e nada mais. O que torna este

parte quase acústica, no início. Com atitude de animal de palco, provocadora, prendeu um público que dançou ao som de “Overpowered”, “You Know Me Better” ou “Let Me Know”. Da carreira dos Moloko, ficariam de fora os grandes sucessos, com temas como “I Want You”, “Day For Night” ou “I Can’t Help Myself ” no alinhamento. Com forte componente cénica e apoiada por duas vocalistas/bailarinas que passaram a imagem de diversão num verdadeiro (e longo) espectáculo, Róisín mostrou-se séria candidata ao trono da pop. Na primeira parte, esteve o trio electrónico Khan of Finland. Misturando o lado mais jazzy/soul e o psicadelismo, foram entretendo o público, que assistiu à apresentação do álbum “Who Never Rest”.

CUT COPY / NOVEMBRO A edição de Novembro conseguiu fazer justiça ao nome, numa noite em que se sentiu o espírito clubber. A apresentar “In Ghost Colours”, álbum forte de 2008, e depois de uma boa estreia no

conto brilhante, tratemo-lo assim já que é da vontade do autor e, a bem dizer, a designação mais acertada, é precisamente a capacidade de nos transportar muito para lá da peregrinação diplomática do animal. Há uma focalização clara na viagem pela viagem e não na origem ou no destino e já por aí se percebe algo daquilo que a história é. O livro, como em grande parte da obra saramaguiana, é todo ele uma mesma metáfora, a vida é uma viagem, neste caso de um elefante, onde não interessa para onde se vai ou donde se vem mas antes a jornada em si. A simplificação do enredo é, talvez, exagerada, porque, na viagem como na vida, há episódios que marcam. No livro, o mais singular momento é quando se relata o desespero de um homem perdido no nevoeiro, certo de que vai morrer sem saber para onde e por onde ir, que se salva graças à voz de Salomão. Ainda mais curioso se torna porque é a primeira e única vez que este homem surge na narrativa, assim que encontra a comitiva que

não recomendado pouco recomendado recomendado bastante recomendado obrigatório

Sudoeste, os Cut Copy representam a vaga de bandas australianas que recuperam a década de 80, numa sonoridade pop com base nos sintetizadores. A estrada permite uma actuação profissional, que junta o embalar do seu lado melódico (essencialmente nos temas do álbum de estreia “Bright Like Neon Love”) aos momentos de explosões dançáveis. Num curto concerto, com poucas paragens entre temas, puxaram pelo público até este trocar a dança pelos saltos colectivos em temas como “That Was Just A Dream”, “Out There On The Ice” ou a incontornável “Light And Music”. O público, sorridente quando as luzes se voltaram a acender, pareceu rendido. Com a sala a meio gás, Alexander Ridha assume os pratos, num set desdobrado entre o electro e o techno – território onde formou a sua identidade enquanto dj e produtor. Entre o seu “Oi Oi Oi” e remisturas de temas alheios, Boys Noize deixou para o final de um set de 2h30 “My Moon, My Man”, remistura do tema de Feist que se tornou hino essencial. Perante um público de vários tribos urbanas, mostrou o porquê de ser considerado uma das novas estrelas na electrónica. Bruno Silva

segue o elefante desvanece-se no ar com um “ploft”. Inútil tentar tirar ilações disto, cada um que as tire conforme quiser. É um livro curto se comparado com quase todos os outros de Saramago mas nem por isso sofre de algum problema de fôlego. A narrativa está magistralmente construída e dispensa muitos dos tradicionais artifícios romanescos. Por isso mesmo a designação de romance é errada para qualificar o livro. É um conto. Na verdade, Saramago raramente tomou tiques de romancista, a sua voz narrativa sempre se assemelhou mais à de um avô que, encostado à lareira, conta histórias nas noites de Inverno. Em A Viagem do Elefante, essa característica é ainda mais acentuada, há mesmo uma dissolução da distinção entre autor e narrador. Não vemos a história pelo prisma de uma personagem ficcionada, ouvimos a própria voz de Saramago a contar-nos as peripécias de Salomão. A Viagem do Elefante é, provavelmente, o melhor que Saramago escreveu nos últimos anos. Serve mesmo para contentar os que o acusavam de repetição temática sem, no entanto, perder as características que atraíram muitos dos seus leitores. É um livro perfeito, isto é, tão perfeito quanto a vida pode ser.

BLINDNESS REALIZADOR: Fernando Meirelles DISTRIBUIDORA:Castello Lopes Contra ofertas sucessivas, José Saramago guardou consigo durante anos os direitos de adaptação de “Ensaio Sobre a Cegueira”. O medo principal do laureado português era que o produto final fosse um filme de exploitation, algo que se preocupasse mais com o cenário apocalíptico e com pornografia de violência do que com as ideias mais íntimas da obra. Se eram todos os seus medos, Saramago pode descansar. “Blindness” reduz-se ao tamanho de uma tese sociológica, com um grupo-amostra e Julianne Moore como sujeito de controlo. Quando uma epidemia de cegueira se alastra numa qualquer cidade, o pequeno grupo dos primeiros infectados é colocado em instalações de quarentena improvisadas, num sanatório abandonado. Entre eles está Mark Ruffalo, um oftalmologista, e a sua esposa Julianne Moore, que apenas fingiu a doença para poder acompanhar o marido. A

população do manicómio vai aumentando, as condições vão deteriorando, e cedo fica claro que aquelas pessoas estão ali para ser enjauladas, não tratadas. O pequeno espaço torna-se então no laboratório prometido: a necessidade de sobrevivência incompatibiliza-se com valores éticos e morais e, as escolhas que cada um faz, alinha-os com uma ou outra tribo de cegos. Mas Blindness é um filme frio e dormente. Haverá mais do que uma razão para isto. O estilo e aspecto do filme são carregados, óbvios e maçadores. Meirelles entrega-se como um estudante a truques visuais que só convencem quem está habituado a uma ausência total de textura nos filmes que consome. Por outro lado, os actores não tiveram o trabalho facilitado. Despindo as suas performances de outras considerações, o que temos é um elenco onde todos menos um se vêem forçados a actuar sem a expressividade dos olhos. Poderia ser um exercício de virtuosismo, mas nenhum ultrapassa o desafio. Moore é admirável no seu papel, comparações com o resto do elenco ou não. Mas a actriz já antes se tinha provado na persona de uma mártir, consumida pelo sacrifício e batalhadora até ao descarnar. Em suma, estamos perante algo bem construído, mas dolorosamente desprovido de bom senso. Pelo menos fomos poupados a um voice-over de Danny Glover que era previsto ter percorrido todo o filme. Desta trilha apenas resta um trecho no final do filme, esse que de tão sacaroso quase se recusa a fazer parte dos anteriores 110 minutos. Ricardo Alves

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CULTURA Breves Rita Oliveira

PURIFICADOS - TNSJ

A CARBONÁRIA UMA RÉCITA ATENTADO ESTÚDIO ZERO

X EDIÇÃO PORTOCARTOON

CONCERTO DE FIM-DE-ANO E FOGO-DE-ARTIFÍCIO

“O PORTO CHAMA POR TI”ACTIVIDADES DE INVERNO

Nos próximos dias 5 e 6 de Dezembro, o Teatro Nacional de São João recebe a peça Puruficados, de Sarah Kane e com encenação de um dos encenadores mais singulares do teatro europeu contemporâneo, Krzysztof Warlikowski Contra todas as expectativas, Warlikowski funde com sucesso a psicologia e a metáfora. Cada detalhe, cada peso e cada medida são tidos em conta como parte fulcral na gestão integral do drama. A peça conta-nos e história de uma heroína que perdeu o irmão e que se transforma radicalmente, transformando-se numa “alegoria cristalina da solidão, da tristeza, do abandono”. O sofrimento que se torna redenção, nos dias 5 e 6 de Dezembro no TNSJ.

A partir da obra Porque morreu Eanes, de Álvaro Lapa, a Carbonária chega ao Porto nos dias 12 e 13 de Dezembro. A obra, concebida, encenada e interpretada por Ana Deus, António Preto e João Sousa Cardoso vai estar em cena no Estúdio Zero. A morte do Rei dá o mote para uma peça de inspiração republicana que cruza a evocação da instauração da república em Portugal com uma reflexão sobre o Portugal contemporâneo. Ao mesmo tempo, desembarca na experimentação sonora da palavra, através não só através da voz humana mas, também, recorrendo aos sons mais rudimentares que são operados em cena. A peça foi produzida em dois períodos de residência artística (um em Paris e outra em Portugal) e propõe-nos uma revisitação da obra de Álvaro Lapa, numa adaptação “assumidamente livre”. “Pensar o país, hoje” assumese, então, como um dos principais objectivos.

Até 31 de Dezembro, está em exibição no Museu Nacional da Imprensa a 10ª edição do evento mais visitado do Museu. O PortoCartoon alia o bom humor à forte crítica social (a nível nacional e internacional) e garante aos visitantes umas boas gargalhadas. O tema desta edição são os Direitos Humanos e a mostra conta com 400 trabalhos provenientes de todo o mundo. Destaque ainda para o 1º prémio ficou, pela primeira vez, em terras lusas: Augusto Cid arrecadou o prémio com o cartoon “A chama olímpica”, alusivo às difíceis relações entre a China e o Tibete.

Este ano, quem se deslocar até à baixa do Porto no último dia do ano vai poder contar, como já vem sendo costume, com uma festa recheada de tradição popular. Quem optar por passar o ano na Praça da República, poderá ver Quim Barreiros por volta das 22h. À meia-noite, o já habitual fogode-artifício e, quando passarem cerca de 20 minutos do primeiro dia do ano, sobem ao palco os Santamaria. O acesso é livre.

Este ano o Natal vai espalhar-se ainda mais pela baixa da cidade. De 29 de Novembro até 6 de Janeiro a Avenida dos Aliados, a Rua de Santa Catarina, a Rua 31 de Janeiro e outras vão receber várias actividades ligadas ao Natal e ao Inverno. Pista de gelo artificial (localizada na Avenida dos Aliados, cantares das janeiras (por grupos folclóricos espalhados pelas artérias de comércio tradicional), concertos de Natal e até uma casa do Pai Natal (situada perto da pista de gelo) vão espalhar sorrisos pelos mais novos e pelos mais velhos.

As Aventuras dos Cinco Daniel Reifferscheid

As cinco melhores faixas de Hip-Hop de 2008 Inútil queixar-me outra vez com as mesmas lengalengas de como é solitário ser fã de Hip-Hop americano num país em que, para a intellgensia, este estilo continua a ser ou visto com desdém ou abordado apenas numa óp-

tica do “consciente” e da crítica social autêntica etc etc etc, como se estivéssemos a tratar de obrigações sociológicas e não experiências estéticas. Enfim, alguém há de haver que possa tirar algum proveito desta lista. Espero eu?

5 “U Can´t Stop Me Now” de RZA com Inspectah Deck

4 “Capuccino” de The Knux

Temo que nunca me irei fartar do som clássico Wu-Tang. “U Can’t Stop Me Now” é puro 1993, o Funk profundo do sample dos Whatnauts adaptado para o fantasmagórico cenário noir das ruas de Staten Island. O RZA já usou e abusou dessa estética, mas a verdade é que “U Can’t Stop Me Now” não ficaria mal em “Enter The Wu”, a estreia clássica do Wu Tang Clan. Também nas letras, RZA olha para trás, e surgem algumas das linhas mais evocativas que alguma vez criou: “when I was stressed then I would head to the rest/then the pads on the SP-12 got pressed”.

A melhor coisa a sair da grande explosão Hipster Rap de 2008 (com referência honrosa para “Pro Nails” de Kid Sister e “Gold & A Pager” dos Cool Kids), “Capuccino” é o tipo de faixa que pode agradar tanto a veteranos saudosos pelo som dos Outkast como a adeptos do Blog-House. As raízes sulistas dos Knux estão bem patentes nos riffs de órgão e guitarra que dão a base à faixa, enquanto que as rimas lembram Big Boi e André 3000 nos seus tempos de maior glória. E quem é que não gosta de café?

“ARTESANATUS” Em 2008, este evento de referência no sector das artes e ofícios vai mudar de casa. Se até aqui se realizava no Mercado Ferreira Borges, este ano, a cerâmica, a joalharia de autor, as marionetas, a pasta de papel e até os acessórios de moda mais originais vêm para mais perto de todos. Vai ser na Praça D. João I que vamos poder aceder livremente a esta 9ª edição da Artesanatus.

CONCERTO DE NATAL CHRISTMANS MUSIC - BOX & CORO CIRCULO PORTUENSE DE OPERA Vai ter lugar na Praça da Liberdade e promete trazer à baixa portuense a história c(o)antada em Fado. Ao mesmo tempo, este promete transformar-se em música clássica. Uma orquestra de 40 elementos aos quais se juntam as 50 vozes do Coro do Círculo Portuense de Ópera. Para rematar este musical vadio dirigido pelo Maestro Jan Wierzba, os espectadores poderão contar com coreografias desempenhadas pelos bailarinos da Companhia Nacional de Bailado adaptados a um “cenário de sonhar, que integra uma fonte cibernética de 16 metros de comprimento (…) é um espectáculo imperdível”.

POST ME! ARTE PELO CORREIO - SERRALVES Desde 1 de Novembro até ao dia 25 de Janeiro do próximo ano, a Biblioteca de Serralves mostra como o correio convencional foi um elemento difusor dos movimentos da vanguarda dos ano 60 e 70 e ainda um meio que permitiu a tantos artistas o contacto com países estrangeiros. A arte além-fronteiras revisitada na Biblioteca de Serralves até 25 de Janeiro de 2009.

3 “Don’t Touch Me (Remix)” de 2 “Put On” de Young Jeezy com 1 “No Matter What” de T.I. Busta Rhymes

Kanye West

Num bom ano para o Busta, a remistura de “Don’t Touch Me” traz um daqueles breakbeats clássicos que definem o ADN do Hip-Hop e uma lista de convidados demasiado extensa para aqui reproduzir. Estamos assim perante um exemplo dum dos sub-géneros mais alucinantes do Hip-Hop: a posse cut, em que MC após MC tenta utilizar os poucos segundos que lhe são atribuídos para deixar a sua marca na canção. Nos melhores casos, a energia maníaca que essa situação produz resulta em verdadeiros momentos de glória. Destaque em “Don’t Touch Me” para o próprio Busta, o veterano Big Daddy Kane (“yout hottest thing to me? Not a thing/every night my crib is like the Bada Bing”) e o omnipresente Li’l Wayne (“all aboard, all aboard/ black Cardinal Frog/I’m an extension cord/I’m a lightning bolt/I’m a lion roar/I’m a dinosaur”!!)

Em 2005, Young Jeezy pregava de forma amoral e hedonista a “thug motivation”. Os tempos mudam – este ano, num álbum com o pertinente título “The Recession”, Jeezy roga “let the dollar circulate!” e, com “My President”, cria um dos menos embaraçosos hinos a Barack Obama. “Put On” é o som da crise, uma batida pósapocalíptica de Drumma Boy que traz à mente as ruas do “The Wire” ou a metrópole selvagem de “Escape From New York”. “Me I’m in my spaceship/that’s right I work for NASA” grunhe Jeezy numa faixa que, apesar de tão soturna, está recheada de bons aforismos. Lá para o fim, Kanye utiliza o gimmick mais sobreusado no Hip-Hop dos últimos tempos (o auto-tune), mas talvez porque os seus conhecimentos musicais são maiores que os da maioria dos adeptos da técnica, consegue não só evitar o embaraço mas dar uma contribuição valiosa à faixa.

T.I. é o maior mestre do triunfalismo na música corrente. Ninguém consegue criar faixas que gritam “acabei de passar o último nível do Super Mario!” com tanto vigor como ele. Após os problemas legais do MC em tempos recentes, pouco espanta que em “No Matter What”, um novo elemento seja adicionado a esta equação: uma melancolia, profunda e palpável. Assim, um deliciosamente queijoso solo de guitarra e o zig-zag das linhas de sintetizador adicionam pathos ao que permanece um dos flows mais velozes e elegantes de todos os tempos. “No Matter What” é Ulisses a regressar a Ítaca depois de incontáveis façanhas, é Chow Yun Fat a saltar dum prédio a explodir enquanto se atira contra helicópteros com uma arma em cada mão, é uma razão para continuar a amar a cultura pop em toda a sua contradição.


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AMBIENTE FEUP cria gasóleo “amigo do ambiente” Alexandra Silva

Tornar o gasóleo “mais verde”. É este o objectivo de dois investigadores do Laboratório Associado de Processos de Separação e Reacção (LSRE) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). DR

O método é inovador e usado para produzir um aditivo “verde” que torna o combustível menos poluente. A investigação, que recebeu o nome de “A Sustainable Process for Green Diesel Additives Synthesis: Acetals production by Simulated Moving Bed Reactor”, já mereceu destaque em vários artigos e revistas da especialidade. Além disto, o assunto chamou também atenção além-fronteiras. Alírio Rodrigues, professor catedrático do Departamento de Engenharia Química da FEUP e director do LSRE, e Viviana Silva, investigadora auxiliar desta unidade, são os responsáveis por este projecto que promete ser o ponto de partida para uma revolução no mundo dos combustíveis. De todos os prémios já recebidos, ganha destaque o recentemente atribuído “ABB Global Consulting Award for Sustainable Technology”, no âmbito dos “IChemE Awards for Innovation & Excellence 2008”. O ICheme (Instituion of Chemical Engineers) é uma organização internacional, fundada em 1922, que conta, actualmente, com 27 mil membros de mais de 113 países, com o objectivo de “encorajar, celebrar e reconhecer a inovação e excelência” em projectos de investigação na área da engenharia química. Sobre a atribuição deste prémio, Viviana Silva salienta: “No fundo foi ver reconhecido um valor do trabalho que era invisível. Nós fazemos a divulgação através de artigos científicos, em termos da patente e de conferências, mas, de facto, um prémio que dê valor e visibilidade é que chama a atenção das pessoas a atenção e a publicidade. Quando uma instituição de renome como a Icheme reconhece e dá valor a este projecto isso atrai as atenções tanto a nível nacional como internacional”. A investigadora auxiliar da unidade de engenharia química da FEUP explicou ainda ao JUP como surgiu a ideia de criar um gasóleo amigo do ambiente: “Este projecto começou há muito tempo. Foi uma

ideia que tinha vindo a ser desenvolvida em laboratórios de todo o mundo na parte de aditivos para os combustíveis”. A partir dessa altura, “nós apercebemo-nos rapidamente que seria necessário um aditivo para o diesel dadas as restrições que se estavam a levantar e que já estavam até na legislação. No fundo, a ideia para a investigação nasceu da previsão da legislação e da futura necessidade de uso de aditivos para o gasóleo”. Para além disso, Viviana Silva explicou ainda em que é que consiste realmente este método inovador. “O dietilacetal é produzido no reactor, que é uma tecnologia mais eficiente e, consequentemente, apresenta menores custos de produção que as tecnologias convencionais. O processo de produção do aditivo envolve a reacção entre o etanol e o acetaldeído e consequente separação

dos produtos formados, dietilacetal e água (subproduto). Esta tecnologia é versátil e permite a produção do dimetilaceal, que é produzido a partir do metanol e acetaldeído”. Os investigadores recorreram ainda a uma tecnologia inovadora chamada Reactores de Leito Móvel Simulado, que permite simplificar as etapas de produção do aditivo. Ou seja, o aditivo vai tornar o diesel menos poluente, reduzindo em 20 por cento, a emissão de partículas para a atmosfera. Deste modo, a produção sustentável de um aditivo menos poluente e a sua comercialização nos postos de serviço é algo que poderemos vir a encontrar num futuro próximo. Actualmente, existem várias empresas, uma delas ligada à produção de biodiesel, que estão interessadas na compra desta tecnologia com o

objectivo de a comercializar. Pretendem produzir, a nível industrial, uma combinação das duas coisas – do aditivo com o combustível diesel. “Há propostas de interesse por parte de várias empresas, mas esta conjuntura económica também não é ideal”, diz Viviana Silva. Segundo a investigadora, as únicas dificuldades que se levantaram ao longo da investigação prenderam-se com o financiamento do projecto. “Foi difícil inicialmente arranjar verbas para o projecto ser financiado”, frisou. Esta investigação da FEUP já deu origem a duas teses de doutoramento e várias patentes. Este aditivo verde encontra-se patenteado pela universidade do Porto, desde 2005, e é guardado, deste então, a sete chaves no Laboratório Associado de Separação e Reacção.

O diesel, ou gasóleo, é um derivado da destilação do petróleo bruto e é constituído basicamente por hidrocarbonetos. É formado principalmente por átomos de carbono, hidrogénio e em baixas concentrações por enxofre, nitrogénio e oxigénio. É um produto pouco inflamável, medianamente tóxico, pouco volátil, límpido, isento de material em suspensão e com odor forte e característico. Se o diesel se mistura com o ar ocorre uma explosão que quando é comprimida pode ser utilizada como energia para fazer movimentar um carro ou outros transportes de grande porte, por exemplo. Esses motores são conhecidos como motores do ciclo diesel. Nos veículos motorizados a utilização de gasóleo é mais poluente para o meio ambiente derivado à sua composição química. Os motores a diesel são motores de combustão interna em que a inflamação do combustível se faz pelo aumento na temperatura provocado pela compressão da mistura inflamável. Contudo, tornou-se evidente, tanto para os transeuntes como para os condutores, que estes motores têm um problema de emissão de partículas, aquando da combustão do gasóleo, que os torna mais poluentes. O problema pode ser claramente identificado por um fumo preto que alguns automóveis, que utilizem este tipo de combustível, libertam. Este projecto consegue traduzir um processo flexível de síntese de produção de um aditivo verde capaz de reduzir as emissões de partículas na combustão do gasóleo.

Cooperação Ibérica

Mafalda Ferreira

Portugal e Espanha discutem políticas de ambiente no primeiro Congresso Ibérico de Desenvolvimento Sustentável O Secretário de Estado do Ambiente português, Humberto Rosa, apelou para a necessidade de uma acção conjunta entre Portugal e Espanha para a gestão das alterações climáticas, da água e da biodiversidade na península. Humberto Rosa apontou estas como as “linhas de força incontornáveis” de gestão conjunta entre os dois países. Uma União Europeia com uma política de desenvolvimento rural bem aplicada. Foi este o

mote para o primeiro Congresso Ibérico de Desenvolvimento Rural que reuniu, nos passados dias 11, 12 e 13 de Novembro, na cidade espanhola de Mérida, representantes dos dois governos da Península Ibérica e especialistas em desenvolvimento rural. O secretário de Estado do Ambiente português, Humberto Rosa, afirmou, depois da abertura do congresso, em declarações à agência Lusa, que o mundo actual

“é insustentável em várias frentes”, pelo que a busca de uma solução deve passar por uma maior cooperação a nível fronteiriço. Para amenizar as alterações climáticas e aprender a lidar com as consequências dos estragos já provocados, o secretário de Estado deixou ainda a ideia de que isso apenas será possível através de um desenvolvimento sustentável. A gestão dos recursos hídricos foi outros dos temas que rece-

beu particular destaque. Segundo Humberto Rosa, Portugal e Espanha, devem procurar investir em conjunto num melhor aproveitamento deste bem para evitar secas e contornar incêndios. “Os ecossistemas não conhecem fronteiras”, lembrou ainda o secretário de Estado do Ambiente. A conservação da natureza deve ser um caminho percorrido em conjunto pelos dois países, com particular incidência na

gestão de espécies ameaçadas e áreas protegidas. O lince ibérico e a águia imperial foram apontados pelo governante como “casos marcantes de colaboração activa” entre os dois Estados. As zonas protegidas que atravessam fronteiras e que são partilhadas pelos dois países, como o parque natural Gerês-Xerês e a zona do Tejo Internacional, foram outros dos exemplos apontados para a cooperação entre Portugal e Espanha.


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JUP DEZEMBRO’08

OPINIÃO Festim Nu

Miguel Carvalho (migueldeazevedocarvalho@gmail.com)

Entre Caríbdis e Cila um caso paradigmático é difícil dada a vastidão e riqueza da oferta. Porém, não consigo ignorar aquele que é provavelmente o episódio mais glorioso do tratamento audiovisual ao mundo das drogas e seus perigos. Aconteceu no Reino Unido nos anos 90 e o responsável foi Chis Morris, comediante britânico tido como um dos mais brilhantes nomes do panorama humorístico britânico dos últimos 30 anos. À época, Morris tinha um programa chamado “Brass Eye” que vinha no seguimento de trabalhos anteriores como “On The Hour” e “The Day Today”. Todos estes programas eram sátiras devastadoras e certeiras aos media britânicos, utilizando para isso um registo múltiplo entre o jornalismo gonzo, comédia surrealista e hiperbolismo de tablóide ao mesmo tempo que lançava talentos como Steve Coogan ou Armado Ianucci. Todos os episódios em “Brass Eye” eram temáticos e seguiam uma estrutura mista: metade das “notícias” eram rábulas com actores e a outra metade consistia em entrevistas sobre assuntos inventados pelo próprio Morris. Fatalmente, as figuras mais ou menos públicas eram vítimas do formalismo circunstancial e caíam no enlevamento, sendo filmadas a prestar um pobre serviço a si mesmas enquanto discorriam sobre um qualquer escândalo fictício. Num dos episódios, precisamente no que é dedicado às drogas, isso é particularmente visível. Morris e a sua equipa inventaram uma suposta droga vinda de leste – a Cake, uma gigantesca pastilha amarela – e depois contactaram uma série de celebridades nacionais para aferir a sua disponibilidade para gravar um pequeno clip contra os

F. O. Dias

A não ser que leiam o JUP de trás para a frente já devem ter notado que o tema de capa este mês são as drogas. Assunto esse cuja actualidade atravessa gerações e que não conhece restrições à forma de ser abordado. Como estão a segurar um jornal é compreensível que me interesse a cobertura mediática que o tema invariavelmente consegue para si. Cobertura que, não raras vezes, ganha contornos de irresponsável alarmismo. Os exemplos são mais que muitos e seria demasiado extenuante fazer uma lista séria e abrangente. Ainda assim, permito-me atribuir uma cronologia a essa cobertura: a droga vira valor-notícia em 1914 com o Narcotics Tax Act de Harrison, lei anti-estupefacientes promulgada nos EUA. Quando William S. Burroughs se referiu ao mundo das drogas, que, de resto, conhecia bem, como “o problema número um da saúde pública mundial” referia-se não só aos efeitos propriamente ditos das substâncias como também ao que entendia ser a histeria colectiva que o tema provocava graças aos esforços dos meios de comunicação e do Governo. Muitos de nós estão familiarizados com as campanhas dos anos 50 em que os efeitos da marijuana eram equiparados aos da cocaína, esforços zelosos ainda hoje parodiados. Mais recentemente assistimos a vários media americanos noticiando uma nova droga chamada “Jenkem”, no que se revelou mais tarde como uma piada privada de um fórum na internet. Os exemplos de caos e distorção são muitos e, quase sempre, hilariantes e perigosos em igual dose. Dos opiáceos do início do século passado até ao “meme” de 2007 escolher

perigos da Cake. Não faltaram voluntários. A Cake foi descrita como uma “made up drug” (“It’s made from chemicals… by sick bastards”) que afectava uma área do cérebro humano chamada “Shatner’s bassoon” (procurem em urbandictionary.com). Celebridades como Rolf Harris, Noel Edmonds, Sir Bernard Ingham e Bernard Manning mostraram-se perante as câmaras na crença plena de estarem a fazer um serviço público contra a nova droga momento. Mais: Morris foi ainda mais longe quando conseguiu que David Amess, deputado pelos Tories, participasse na piada ao men-

cionar a Cake no parlamento. O episódio tem duas linhas de leitura distintas. Uma evidentemente mais cómica pela sua dimensão transgressora, a outra mais séria: assusta a prontidão com que celebridades e um político eleito se prestaram a fazer declarações sobre um assunto que claramente não dominavam e, mais chocantemente, contra uma droga claramente inventada, sendo que isto exemplifica na perfeição o que acontece quando a população não é educada (e não há aqui qualquer pretensão elitista) sobre o assunto de forma serena, objectiva e competente. Os estupefacientes

são um assunto que, por si mesmo e sem qualquer esforço adicional, encerra um certo nível de sensacionalismo por jogar com questões tão radicais como a vida e a morte. Voltando a citar Burroughs: “a histeria anti-drogas é actualmente mundial e constitui uma ameaça mortal à liberdade individual e à aplicação da lei em toda a parte”. Só com uma cobertura que prime pela sensatez será possível criar um diálogo válido e produtivo sobre a toxicodependência enquanto fenómeno e problema social. Espero que esta edição seja um pequeno passo nessa direcção.

O Silêncio Ricardo Pinto

as palavras nas lágrimas. Não fales. Vem agarrar-te com força ao meu abraço. Não fales. Vem ouvir o meu amor em silêncio. Escuta-o. Ei-lo na minha mão que não te larga. Ei-lo na força bruta com que o sinto aqui no peito. Ei-lo no ar que te faço nascer no peito para que vivas mais. Ei-lo no brilho atento dos meus olhos. Olha o meu amor na minha pele que se arrepia ao ouvir o teu nome ou ao sentir a saudade tua que anda por aqui. A saudade que é dela também. Vem para perto de mim. Osculta o grito mudo e o baque que me inflama. Percebo-te no silêncio. Leio a tua mão que treme. Adivinho as nuvens do teu pensamento e a sombra do teu olhar. Sinto o tremor das tuas pernas cansadas. Encosta-te ao meu amor por ti. Ouve o bater do meu coração. Ele embala-te e só ele saberá o que te dizer. Em silêncio e para lá dele.

Sara Moreira

Percebo porque se calam as vozes. Às vezes, o que jaz por debaixo do som do que aparentemente é a vida a que damos voz é tudo o que realmente somos. Calamos a voz e a corrida de tentarmos captar e agarrar o mundo e a sua força e a sua corrida. E ali ficamos em silêncio. Sim, podemos não saber as palavras do que nos habita. Mas não significa que não exista, que não esteja lá, que não o sintamos. E ama-se também sempre pelo silêncio. Depois de gastas todas as palavras, em todas as infinitas combinações, quer-se sempre mais pelo que precisamente se esconde no manto do silêncio. E significa que o que sentimos é mesmo maior do que nós. Algo que fomos construindo sem lhe dar um nome até que se tornou naquele hino silencioso. O amor está para além das palavras. E nós sempre aquém de o dizer. Não fales. Vem chorar comigo


JUP DEZEMBRO’08

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OPINIÃO Sobre o Eterno Retorno das “Classes Perigosas” João Queirós

No Verão de 2000, as férias dos portugueses eram momentaneamente interrompidas por uma insólita notícia: uma onda gigante aproximava-se rapidamente do Algarve, ameaçando a tranquilidade dos turistas e, mais do que isso, prometendo arrasar tudo à sua chegada. Assustados, os veraneantes correram para longe das praias. Em cima do acontecimento, como sempre, as televisões acorreram à costa algarvia, lançando directos e especulando em torno dos possíveis efeitos da devastadora onda gigante que aí vinha. Surpreendidos, os portugueses procuravam descortinar na linha do horizonte ampliada pelas câmaras indícios da aproximação do tsunami. Havia ali qualquer coisa, de facto. Uma espécie de halo acima da linha do mar. Seria a onda gigante erguendo-se em direcção à costa? Poucas horas depois, porém, o suspense era desfeito. Afinal, a onda gigante não passava de ilusão de óptica. Um fenómeno atmosférico qualquer, semelhante a uma daquelas miragens que, no deserto, oferecem momentânea esperança a quem por lá vagueia, perdido e sedento. O mar algarvio continuava inexoravelmente, irremediavelmente, flat. Vem isto a propósito da “onda de criminalidade violenta” que este Verão “assolou” o país. Dir-me-ão que a comparação é irresponsável, absurda até. Admito que contém algo de provocatório, mas não me parece que seja assim tão descabida. Como defendo mais à frente, a metáfora da “onda” até pode ser útil para pensar estas coisas. Antes, porém, de avançar na discussão desta ideia, não resisto a recordar uma outra “onda gigante” que mais recentemente “varreu” a costa portuguesa. Neste caso, a “onda” apareceu sub-reptícia, sem aviso, surpreendendo tudo e todos. O problema não

foi tanto a chegada da “onda”, mas o seu refluxo e o consequente efeito de “arrastão” que gerou. Os acontecimentos replicaram os registados na costa algarvia cinco anos antes: os veraneantes correram a protegerse, as televisões correram a cobrir o acontecimento, com multiplicação de directos, comentários e “análises”. Os portugueses, esses, voltaram a perscrutar a “linha do horizonte”. Desta vez, contudo, o olhar não se fixava no mar longínquo; passara a focar-se na periferia – igualmente longínqua – da cidade de Lisboa, esse lugar estranho, desconhecido, como desconhecidos são, para as crianças, os lugares onde as ondas nascem. Ao que parece, também neste caso não houve “onda”. O “arrastão”, como a pescada, antes de o ser, já o era. Houve quem dissesse que o “arrastão” da praia de Carcavelos só aconteceu nas televisões – e, bem assim, na cabeça de comentadores e de alguns políticos mais apressados ou com inclinação para a demagogia. Seria novamente ilusão de óptica? Talvez. O problema começa quando a ilusão se torna real, por se tornarem reais as consequências que aporta. E uma das consequências reais desta “onda” ilusória, desta “onda” que nunca o terá sido, foi o regresso ao debate público, à agenda mediática e política, do sempiterno tema das “classes laboriosas enquanto classes perigosas”. O alarme instalou-se: quem eram aqueles jovens, quais “bárbaros”, arrasando tudo à sua passagem? Como podia a segurança dos veraneantes ser posta em causa daquela forma, em pleno período estival, numa praia repleta, ali às portas de Lisboa? De que bairro social vinha aquele gang (tinha de vir de um bairro social!) e o que seria preciso fazer para travar a multiplicação de fenómenos deste tipo? Afinal, o

que é que se passava com o “país dos brandos costumes”, onde agora até “arrastões” havia, “como no Brasil”? Muito se discutiu e pouco se concluiu, como habitualmente. Os meios de comunicação social escalpelizaram o fenómeno, entrevistaram “vítimas” e “marginais”, chamaram os especialistas da praxe; a polícia lá sitiou uns bairros, para assegurar o “reforço do sentimento de segurança dos portugueses”; o Governo veio dizer que estava tudo sob controlo e que os responsáveis seriam “naturalmente levados à presença da Justiça”; o discurso bafiento contra os “malandros do rendimento mínimo” aproveitou a deixa e lá repetiu os chavões do costume, perorando contra o Estado social e exigindo o fim dos “subsídios à preguiça e à criminalidade”; a imbecilidade nacionalista meteu a cabeça (rapada) de fora, explorando o sentimento de insegurança e exigindo, com arrogância xenófoba, “Portugal para os portugueses”. Este Verão, a história repetiu-se, desta feita assumindo proporções inéditas. A “onda” regressou e, com ela, regressaram as “classes perigosas”. Não desistamos, entretanto, da metáfora da “onda”. Ela é útil porque, como vimos, simboliza a persistência deste fenómeno, que ciclicamente traz à costa os mesmos mitos, os mesmos medos, as mesmas reacções. Mas esta “onda” é sui generis. Na verdade, soa a falso, como se se ouvisse, sob o ruído do rebentamento, o barulho do mecanismo complexo que a produz, como naquelas piscinas de ondas artificiais dos parques de diversões aquáticas. Ora, uma das peças do mecanismo gerador da força destas “ondas”, do mecanismo na origem do permanente retorno das “classes perigosas” ao debate público, é, não duvidemos, o campo dos media. Este

Verão não deixou dúvidas quanto a este facto. Fosse porque os resultados da selecção portuguesa no Campeonato de Futebol desiludiram, fosse porque não houve “tragédias” (humanas ou naturais) dignas de registo, fosse porque os meios de comunicação social portugueses e os grupos económicos que os detêm atravessam um momento particularmente intenso de disputa pelo controlo das audiências, a verdade é que nunca como este ano teve a “onda” tanto força, tanto impacto. Em resultado, pudemos ver com particular nitidez o modo como os media tratam hoje os temas relativos à “criminalidade” e à “violência”. Mistificação é uma das palavras que me vem à ideia. O que tem um sequestro num estabelecimento bancário a ver com um sofisticado assalto a uma carrinha de valores? E o que têm estes dois crimes a ver com um tiroteio num bairro de habitação social? E este com o assassinato de uma mulher pelo marido desequilibrado? E com a detenção de condutores embriagados? À partida, diríamos que são trágicas coincidências, se acontecerem ao mesmo tempo. Quando muito, manifestações de problemas sociais em agudização. Mas não. Ficámos a saber que tudo fazia parte de uma gigantesca “onda de criminalidade violenta” que “varreu” o país. E que, como tal, teria de haver tratamento integrado para o “problema”, solução que, entre nós, significa geralmente… rusgas policiais em bairros “problemáticos”. Mas isso são contas de outro rosário. A forma a-histórica e não relacional como as coisas são contadas pelos meios de comunicação social aprofunda a confusão gerada pela simplificação abusiva de que acima dei conta. As “ondas de criminalidade violenta” não são colocadas em perspectiva,

nem sincronicamente – o contexto do “caso de polícia”, a sua relação com a situação do país (do mundo até!) –, nem diacronicamente – a evolução do fenómeno ao longo do tempo e a evolução da sua relação com fenómenos conexos. Por exemplo, foi-nos sendo dito que a “criminalidade violenta” (desconhece-se o conteúdo exacto da noção) aumentou este ano 10% face a 2007. Mas depois lá ouvimos que, em 2007, havia baixado 10% face a 2006. Alguns lá foram dizendo que o que está a crescer é o “sentimento de insegurança”, nuns casos apontando o dedo aos media, noutros casos fazendo de conta que os media nada têm a ver com o assunto. Dificilmente, porém, se poderá negar que o “problema” da “criminalidade violenta” é, em grande medida, uma construção mediática. Mediática e imediata, contribuindo para promover aquilo que alguns sociólogos chamam a “amnésia da génese” dos fenómenos. E num triplo sentido: enquanto amnésia da génese social e económica profunda destes manifestações de “violência” (a pobreza, o desemprego, a precariedade dos vínculos profissionais, a desestruturação familiar, a presença altamente lacunar do Estado); enquanto amnésia do carácter cíclico dos “pânicos morais” das classes dominantes (não é de agora: sempre que o tempo é de “crise”, as “classes laboriosas” lá estão, aparecendo como portadoras da ameaça ao mundo “tal como o conhecemos”…); enquanto amnésia, finalmente, do facto de o discurso dos media – e, consequentemente, da visão dominante do mundo que o mesmo transmite e reforça – ser precisamente a visão das classes dominantes, no que contribui para a reprodução do status quo.

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FICHA TÉCNICA DIRECÇÃO DO NJAP/JU - PRESIDENTE: Daniel Reifferscheid. VICE-PRESIDENTE: Cíntia Morais. TESOUREIRA: Marta Leal. VOGAIS: Luis Lago (JUP). Filipa Mora (aguasfurtadas). Miguel Carvalho (espaçosJUP). Tiago Cruz (galerias). DIRECÇÃO DO JUP - DIRECTOR: Carlos Daniel Rego. DIRECTOR DE PAGINAÇÃO: Ricardo Araújo. DIRECTOR DE FOTOGRAFIA: Manuel Ribeiro. EDITORES: EDUCAÇÃO Vânia Monteiro Dias. SOCIEDADE Mariana Duarte. INTERNACIONAL Luis Lago. ECONOMIA Tiago Pereira. CULTURA Filipa Mora. AMBIENTE Rita Oliveira. OPINIÃO Miguel Carvalho. COLABORARAM NESTA EDIÇÃO (por ordem alfabética): Adriano Cerqueira, Bruno Silva, Cátia Monteiro, Cristiana Afonso, Francisco Ferreira, Inês Gomes, Ivete Lígia, Joana Coimbra, João Queirós, Manaíra Aires, Marco

Eira, Maria Coutinho, Marília Cunha, Nuno Ferreira, Pedro Marques, Pedro Ferreira, Ricardo França, Ricardo Pinto, Sara Monteiro, Tiago Sousa Garcia.

Fotografia da capa: DR. I.C.S.: nº113204/88 Depósito Legal: nº23502/88 Tiragem: 10.000 exemplares Design logo JUP: Bolos Quentes. Design Editorial/Grafismo: Ricardo Araújo. Paginação: Ricardo Araújo. Pré-Impressão: Jornal de Notícias, S.A. Impressão: NavePrinter - Indústria Gráfica do Norte, S.A. Propriedade: Núcleo de Jornalismo Académico do Porto/Jornal Universitário. Redacção e Administração: Rua Miguel Bombarda, 187 - R/C e Cave 4050-381 Porto, Portugal. Telefone: 222039041. Fax: 222082375. E-mail: jup@jup.pt Apoios(2007): Reitoria da Universidade do Porto, Serviços da Acção Social da Universidade do Porto, Universidade Lusófona do Porto, Instituto Português da Juventude.


Sociedade P7 Cinema ao serviço da Paz.

Internacional P11 Parlamento Europeu aprova “cartão azul”.

Economia P20 Orçamento de Estado para 2009 em análise.

Ambiente P29 FEUP cria gasóleo “verde”.

Cartoon

Opinião P31 João Queirós escreve sobre o Eterno regresso das “classes perigosas”.

Pauta

Ricardo Araújo

18 valores NUNO MENDES O atleta olímpico e estudante da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, Nuno Mendes, alcançou o melhor lugar de sempre do remo português nos Jogos Olímpicos. Um exemplo de dedicação ao desporto a seguir nos próximos tempos.

16 valores CÂMARA DE GAIA

Falamos com o director da organização, Fernando Zamith

Evento na primeira pessoa: I Congresso de Ciberjornalismo Ricardo Alves

O Primeiro Congresso Internacional de Ciberjornalismo. Quando, onde e como? O Congresso vai realizar-se nas instalações do Curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto nos dias 11 e 12 de Dezembro. É organizado pelo Obciber, o Observatório do ciberjornalismo em Portugal, uma estrutura criada no início deste ano no CETAC (Centro de Estudos das Tecnologias, Artes e Ciências da Comunicação) e que reúne investigadores da Universidade do Porto e da Universidade de Aveiro. Temos vários temas, sendo o principal, os desafios de convergência. Nota-se hoje, cada vez mais, uma convergência tecnológica, de meios, empresarial, de vários tipos de jornalismo. Isto motiva grandes discussões e preocupações sobre o futuro do jornalismo. Esse é o tema principal, mas há outros, como por exemplo as relações entre o jornalismo, o bloguismo e outras formas de intervenção. Jornalismo participativo, jornalismo cívico. Temos também em paralelo a entrega dos Primeiros Prémios

do Ciberjornalismo e vamos igualmente apresentar os resultados de um estudo feito por nós sobre sites noticiosos portugueses. O congresso são dois dias intensivos, estruturados em cinco grandes painéis de debate, em que tivemos a preocupação de juntar académicos, pessoas que estudam a área e profissionais. Em todos os painéis há um profissional e um académico. Há também várias conferências, com oradores convidados. Como por exemplo o professor Ramón Salaverria, da Universidade de Navarra, o professor Rosental Alves, da Universidade do Texas em Austin ou Beth Saad Correa, da Universidade de São Paulo. Também contamos com os dois primeiros doutorados em Portugal em ciberjornalismo, o professor Alexandre Perafita da Universidade da Beira Interior, e o nosso colega, o professor Hélder Bastos, que pertence à organização do evento. Teremos também uma videoconferência com um dos maiores especialistas mundiais da área, Mark Deuze, da Universidade do Indiana. Teremos também uma conferência em ambiente virtual, sobre jornalismo no Second

Life. O orador ainda não está confirmado, mas é uma pessoa com autoridade neste tema. Quanto ao Second Life, a importância desta plataforma sempre foi questionada. Recentemente, tanto a Reuters como a CNN abandonaram este mundo virtual. O Second Life ainda é relevante? Também nos interessa debater isso mesmo, porque é que isso está a acontecer. A primeira pessoa que tínhamos convidado era, de facto, um dos repórteres da Reuters no Second Life. Como entretanto mudou de vida, estamos a procurar alguém que estivesse na posição de explicar porque é que isto está a acontecer. Há várias explicações para isto, uma delas é que o Second Life passou de moda, como é natural em fenómenos destes, havendo um momento de recessão, mas vindo depois a crescer novamente e atingindo uma velocidade de cruzeiro. Mas também pode ser um retrocesso sem controlo. No entanto, o sucesso do Second Life revelou que há uma nova via tecnológica extremamente interessante que é o 3D. Algo que estava prometido desde

os tempos do VRML (Virtual Reality Modeling Language). Sim, isto é uma coisa adiada e é verdade que os mundos virtuais vieram de alguma forma abrir novo caminho para isto. Agora não quer dizer que isto seja o futuro da Internet, futurologia já ninguém faz. Outro aspecto importante do Second Life é que é uma plataforma importante de simulação, um espaço laboratorial de experimentação para variadíssimos casos. Quanto à relação com o jornalismo, o jornalismo existe onde há factos, notícias, acontecimentos. Se estes não existem num determinado sítio, não vamos encontrar lá os jornalistas, são duas coisas que não se podem dissociar. Apesar de pensado para estudantes da área, considera que o evento pode interessar a outros alunos da academia? Sim, interessa com certeza, porque estamos a falar de uma área extremamente diversificada, com um públicoalvo imenso. Toda a gente consome notícias, mais ou menos, de formas diferentes e, cada vez mais, consumimos notícias na Internet. Portanto, acho que sim, que é um evento com um apelo bastante generalizado.

A Câmara de Gaia continua a apostar na preservação daquilo que faz parte da cultura e do imaginário da região metropolitana do Porto. Desta vez, a autarquia gaiense assinou um protocolo que possibilita o regresso ao nosso país do espólio do jornal O Comércio do Porto, encerrado em 2005.

13 valores A CRIOPRESERVAÇÂO A criopreservação promete revolucionar o combate a várias doenças com que muitos portugueses se debatem no dia-a-dia. Contudo, esta técnica, que consiste na recolha de células estaminais do cordão umbilical logo após o parto, ainda continua desconhecida para muitos pais. Em tempo de crise, o pagamento de 1.000 euros também não ajuda.

9 valores NOVO REGIME DE ESTUDANTE A TEMPO PARCIAL O novo regime de estudante a tempo parcial já entrou em vigor na Universidade do Porto, no entanto, ainda existem casos omissos ao novo regime que não podem ficar esquecidos.

Vem colaborar com o JUP! Rua Miguel Bombarda nº187

espacosjup.blogspot.com


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