JUP Março/Abril

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MARÇO | ABRIL‘09 Jornal da Academia do Porto || Ano XXII Publicação mensal || Distribuição Gratuita Director Carlos Daniel Rego Director de Fotografia Manuel Ribeiro Director de Paginação Joana Koch Ferreira

Desemprego

A crise tem enviado, nos últimos tempos, milhares de pessoas para o desemprego. Confira, nesta edição, o mapa dos despedimentos em Portugal. P18

Carris: o trilho perdido da serra do Gerês

Todos os fins-de-semana, grupos de montanhistas juntam-se, na serra do Gerês, para fazer caminhadas pela natureza. O JUP embarcou numa dessas jornadas até ao alto de Carris, onde se encontram as ruínas de uma antigo complexo mineiro de volfrâmio. P8

Turistas europeus alimentam prostituição infantil no Brasil Novo documentário de Leo Falcão, “Faceless – Sem Rosto”, reabre discussão sobre a prostituição infantil no Brasil. O JUP foi ao encontro do cineasta brasileiro para perceber mais sobre esta realidade que atravessa continentes. P02


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DESTAQUE EDITORIAL PALAVRAS VOLÁTEIS O JUP está de parabéns. Passam, neste mês de Março, precisamente 22 anos desde que a edição zero desta publicação saiu às ruas pela primeira vez, o que faz do JUP um dos mais antigos periódicos universitários do país. Desde então, isto é, desde Março de 1987, o antigo Jornal Universitário do Porto (agora Jornal da Academia do Porto), já viu passar pela sua redacção centenas de jovens universitários empenhados em não deixar a sua passagem pelo ensino superior marcada apenas pelas cadeiras das salas de aulas, pois o ensino superior não é apenas composto de exames e trabalhos de grupo, mas também das actividades extracurriculares como as associações de estudantes, o desporto universitário, os jornais universitários, etc, etc, etc. Contudo, esta tomada de ar fresco, fora das paredes das universidades e politécnicos, tem vindo, nos últimos anos, a ser ameaçada, quer pelo Processo de Bolonha, que ao invés de fomentar a pluridisciplinaridade dos estudantes os enclausura cada vez mais, quer pelo marasmo dos próprios estudantes que aceitam tudo sem questionar nada. Já sabemos, a culpa é da crise. (Na baixa do Porto, onde os edifícios antigos tapam a linha do horizonte, só as gaivotas, que voam misturadas entre pombos e badegos, fazem lembrar o mar) Da nossa parte, fica pelo menos a vontade de remar… contra a maré. CARLOS DANIEL REGO CARLOSDANIELREGO@GMAIL.COM

INDEX 2 DESTAQUE 4 EDUCAÇÃO 6 SOCIEDADE 11 DESPORTO 12 INTERNACIONAL 14 UP 16 FOTOREPORTAGEM 18 ECONOMIA 20 CULTURA 27 AMBIENTE 28 JUPBOX 29 DEVANEIOS 30 OPINIÃO

Turistas europeus alimentam prostituição infantil no Brasil

ENTREVISTA A LEO FALCÃO CINEASTA BRASILEIRO MANAÍRA AIRES

O cineasta brasileiro Leo Falcão lançará em breve o documentário “Faceless – Sem Rosto”, que mostra como turistas europeus, nomeadamente portugueses e italianos, cooperam com a prostituição infantil no Brasil. Falcão esteve na Europa em Outubro e Novembro do ano passado com mais oito pessoas da sua equipa para fazer as filmagens. Com cerca de 70 minutos, o documentário será lançado pelas produtoras April’s Fool e Noglobal Films. Do que trata o documentário? O filme discute a exploração sexual de crianças e adolescentes no contexto do turismo – mais especificamente, no Nordeste do Brasil. Em pesquisas preliminares, foi constatado que o principal fluxo de turistas com esse fim vinha de Portugal, da Itália e da Alemanha. Por isso a nossa visita a estes três países. Como surgiu a oportunidade para fazê-lo? O projecto partiu de uma ONG que trabalha junto do Ministério do Turismo do Brasil, a CTI Nordeste. Através da agência de comunicação estratégica Massapê, uma das co-produtoras do meu projecto anterior, chegou o convite de dirigir um documentário sobre o tema. A pré-produção foi difícil? Sim, especialmente porque dispusemos de pouco tempo para a pesquisa e não tivemos a oportunidade de visitar os lugares antes das filmagens. Mesmo assim, encarámos o desafio e acho que temos boas imagens. Como foram as gravações aqui na Europa? Quais os lugares em que estiveram? Estivemos em Roma, Milão, Frankfurt, Hamburgo, Vila Real e Lisboa. As filmagens foram um pouco corridas, porque não poderíamos ficar muito tempo fora do Brasil, onde também deveríamos filmar. Estivemos em várias ONG, instituições públicas, casas noctur-

nas, universidades. Enfim, tentámos estabelecer um leque de discussão o mais amplo possível, ainda que limitados pelo tempo. Em Portugal, a situação da prostituição infantil em relação ao Brasil é pior do que nos restantes países em que estiveram? O principal fluxo de turistas com esse perfil é proveniente da Itália, embora os portugueses também se apresentem em número significativo. De toda forma, as realidades são bastante diferentes entre si. A exploração desse tipo de serviço, com a distorção de se usar menores de idade no processo, está crescente no Brasil, devido a uma série de factores que passam tanto pela procura quanto pela oferta. Tentámos examinar as duas realidades e as suas várias facetas. Qual o foco do documentário? Já que se trata de um assunto tão explorado nos média, tentou-se fugir de alguma maneira daquele olhar convencional sobre a temática? Eu discordaria neste ponto, acho que o assunto é pouquíssimo explorado. Fala-se muito pouco disto, na minha opinião. De toda a forma, em termos de abordagem, a nossa opção foi por não vitimizar nem vilanizar ninguém. O assunto é complexo e merece ser tratado de uma forma um pouco mais crítica, me parece. Gostaríamos de ir fundo na questão, ao mesmo tempo que não acredito que chegaremos a uma conclusão específica. Nossa intenção é estabelecer os vários aspectos e abrir o debate. E que vários aspectos são esses? Como conseguiram ir mais a fundo nessa questão? As particularidades do problema vão desde um sistema que promove a desigualdade social extrema, colocando crianças e adolescentes numa situação de risco assimilada com total normalidade por elas, até uma mentalidade que dá vazão à própria existência desse mercado, que por sinal movimenta muito dinheiro. A discussão sobre a profissão de prostituta, a questão dos direitos da criança e do adolescente, os interesses políticos e económicos que exploram essa condição, enfim, tudo contribui para a manutenção desse sistema. A nossa intenção com o filme é expor um primeiro painel desses aspectos para reflectirmos sobre o problema e colocá-lo na pauta de discussão. O debate presente no filme é bastante

rico, com visões opostas sobre certos aspectos, mas de certa forma convergentes pelo menos num aspecto: a protecção da infância. O que foi mais difícil ao longo de todo o trabalho? Encontrar pessoas fora das ONG e órgãos comprometidos com o tema que aceitassem falar sobre o assunto. Mesmo no Brasil, onde o problema tem lugar de maneira mais explícita, procura-se não pensar muito a seu respeito. Há factores como a pobreza extrema e a nossa formação social escravocrata que deixam como herança esse uso compulsório do corpo. Ao mesmo tempo, o poder aquisitivo do turista europeu realimenta todo um sistema que torna extremamente difícil pensar em outra realidade. Falase pouco porque se vê pouco. E vê-se pouco porque é algo que ninguém quer de facto ver ou reconhecer a existência do problema. Os europeus envolvidos com a prostituição infantil vão, de facto, fazer em países considerados “em desenvolvimento” aquilo que não fazem em “casa”? Sim, é o mecanismo natural do turista. Quando se está em viagem, permite-se fazer certas coisas que não se faz em casa. É uma aventura que se vive e o sexo faz parte dela. E se chegas a um ambiente em que aquilo é aparentemente aceite e estimulável, relaxas e entras no jogo. No Brasil, a prostituição é legal, mas a exploração de crianças e adolescentes é crime em qualquer parte do mundo. Porém, essas condições de que falávamos, sobre não querer ver o problema, faz com que o turista entre no jogo e não se sinta mal com isso. Por outro lado, sim, parece que existe uma espécie de reafirmação pelo poder (no caso, aquisitivo) que faz com que ele se permita fazer coisas que em “casa” ele seria, no mínimo, mais cuidadoso. No documentário foram abordados os dois percursos: tanto as redes que trazem crianças para a Europa como turistas europeus que colaboram com a prostituição infantil no Brasil? O tráfico de seres humanos não foi o nosso foco de pesquisa, muito embora seja um problema sério que se intercruza com o nosso objecto. Nós nos concentramos mais, de facto, no problema que acontece no Brasil. Quanto aos proxenetas, quem são essas pessoas encarregadas de agen-

ciar as crianças? Não conseguimos identificar. Acredita que quem faz uso da prostituição infantil tem problemas de desígnio individual ou o fenómeno é algo maior e está relacionado com conjunturas sociais? Existe o pedófilo, que é considerado um problema de desvio. Mas existe, sobretudo, o turista ocasional, que consome isso quase que acidentalmente. Digo “quase” porque o facto de estar num ambiente em que aquilo parece socialmente aceite não torna a atitude de consumir sexo com uma criança ou adolescente algo menos criminoso ou execrável. Esse é o tipo de turista que encontramos com mais frequência, justamente porque a oferta surge por meio de uma série de conjunturas sociais, como se disse. É uma postura ética pessoal, no entanto, respeitar os direitos do outro, no caso, da criança ou adolescente que está diante dele. A prostituição infantil está ligada, de certa forma, à pedofilia? Eu diria que a pedofilia está ligada à prostituição infantil, que é um problema mais amplo. Quem são crianças que estão dentro da prostituição infantil? Essas crianças em geral têm a sua história ligada a uma situação de pobreza extrema ou de violência familiar. Algumas são forçadas, outras simplesmente optam por serem violentadas por um estranho ao invés de continuarem a ser violentadas em casa. Outras encaram como um trabalho qualquer. O auto-reconhecimento de uma situação de exploração é algo em si extremamente difícil, requer uma visão crítica que poucas pessoas adquirem. E os pais dessas crianças, cooperam com a situação, sabem o que acontecerá às filhas quando vêm para a Europa? Normalmente, os pais não são muito presentes. E o que acontece com as meninas e mulheres brasileiras na Europa é algo muito variável; pode ser um sonho, mas também um pesadelo. Durante a realização do documentário, vocês sempre encontraram casos apenas relacionados com meninas ou existiu, em algum momento, uma situação em que a criança prostituída era um rapaz? Entrevistámos um garoto também. É algo ainda mais oculto, principalmente no Nordeste, que tem uma


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DESTAQUE SAULO MIRANDO

Leo Falcão, realizador do documentário “Faceless - Sem Rosto”

cultura extremamente machista e homofóbica. Para realizar o documentário tiveram de investigar redes de prostituição infantil. Houve ameaças ou qualquer espécie de situação de risco? Houve situações de risco, sim, sobretudo no Brasil. Mas não chegámos a ser abordados. Fomos bastante discretos e recolhemo-nos quando começamos a perceber que estávamos a ser notados. Quando é que o documentário será lançado no Brasil? E em Portugal? A previsão é que o filme fique pronto em Abril ou Maio. Não fizemos ainda nenhum cronograma de exibição, até porque não sabemos ainda que tipo de filme vamos ter nas mãos. De toda forma, é provável que ocorra uma estreia na Europa ainda este ano. Como acha que vai ser a reacção do público? Normalmente mantenho as minhas expectativas em baixa, até porque aprendi que o público inevitavelmente nos surpreende. Ficarei feliz se o filme suscitar ao menos algum pensamento a respeito da questão. A frequência nos média de casos

sobre prostituição infantil e violência urbana, por exemplo, torna-nos mais imunes e apáticos diante dessas situações? É possível mudar essa realidade? Como? Acho que não são os média que nos tornam apáticos, mas o próprio sistema social em que vivemos. Carregamos a culpa de contextos sociais extremamente díspares convivendo muitas vezes num mesmo espaço físico. A nossa tendência é conciliar tudo, achar que tudo está bem ou vai se resolver sem tomarmos uma atitude para favorecer isto. Novamente, discordo que os média falem muito sobre o assunto. Parece-me que, diante da quantidade de casos e assimilação social do problema, os média repetem a atitude da própria sociedade: não falar sobre isso. Se não se fala sobre um problema, oficialmente o problema não existe. E assim continuamos a nos submeter a um discurso mediático omisso, que nos distancia da realidade que vivemos e anestesia qualquer tipo de indignação e acção diante de tudo. Apesar do foco do documentário ser a prostituição infantil, em alguns momentos vocês tiveram que lidar com situações em torno da prostituição de uma maneira geral.

Em Portugal, acredita que ainda existe um forte preconceito contra a mulher brasileira? Sim, que advém não necessariamente do número de brasileiras prostituídas na Europa, mas sobretudo da visão europeia acerca da mulher brasileira. Os brasileiros são um povo mais aberto, tranquilo a respeito de certos tabus que na Europa ainda pesam muito. Isso frequentemente é confundido com uma abertura ao sexo ou a uma atitude que favorece o consumo do sexo. Há subtilezas no nosso povo que os europeus, de um modo geral, não percebem. As mulheres brasileiras não desejam algo tão diferente das outras mulheres no mundo. Elas querem ser amadas e aceites como são – e não exploradas. Porque é que esse preconceito se perpetua ao longo dos tempos? Tem algo a ver ainda com a ideia do “colonizador” e do “colonizado”? Essa ideia de um neo-imperialismo afecta mais a sociedade brasileira do que a europeia, na minha opinião. O facto do Brasil ter formado a sua sociedade multiforme num contexto de escravidão (inclusive escravidão do corpo) faz com que o brasileiro se sinta inferior em relação a outros países ou ao outro europeu coloniza-

dor. Isto é um tipo de pensamento que ainda ocorre, sobretudo em contextos sociais de extrema pobreza. Por outro lado, a elite económica brasileira comporta-se de maneira extremamente provinciana, reiterando esta atitude. Isto não ajuda na construção e valorização de uma identidade social que reconheça as suas mazelas e trabalhe activamente para uma auto-afirmação mais sólida. No entanto, tenho esperanças de que esta situação mude, visto que a cultura brasileira, que normalmente conduz a mudanças sociais mais profundas, tem-se fortalecido e encontrado o seu espaço nos últimos anos. Já fez uma longa-metragem sobre a cidade do Recife (Brasil), mas grande parte da sua carreira baseiase em curtas com teor ficcional. Quais as principais dificuldades que se enfrenta ao sair da ficção para gravar um documentário com uma temática tão árdua? A impressão mais imediata é que a ficção está submetida a um maior controlo expressivo, mas isso não necessariamente a torna menos intensa (ou mesmo “árdua”) do que um documentário de temática forte. No fim de contas, estamos contando uma histó-

ria que, numa certa perspectiva artística, não deveria fechar-se em si mesma. Neste sentido, diferem-se apenas os mecanismos de construção do discurso, evidentemente diferentes. Mas a intensidade de envolvimento deve ser a mesma, guardando, é claro, as particularidades de cada história. O cinema, tal como toda arte, tem a obrigação de transformar realidades ou, ao menos, denunciá-las? Acho que a arte, e o cinema incluso neste grande grupo, não tem nenhuma obrigação, mas algumas características. Por se tratar de uma actividade que necessariamente relê a realidade e a re-significa numa forma estética, é natural esperar de um artista que ele apresente algo que nos faça pensar ou conhecer esta realidade, ainda que através de formas mais complexas que ampliem nossa percepção e nosso pensamento a respeito das coisas. Mas a obrigação do artista é para com a obra, acredito. Quanto mais verdadeiro ele for na sua concepção e desenvolvimento, mais sensível e representativa da realidade será a obra. E possivelmente, melhor ela conduzirá o público a uma atitude de percepção e transformação.


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EDUCAÇÃO UP promove jovens investigadores Pelo IJUP passaram mais de 600 estudantes e foram apresentados mais de 350 trabalhos inéditos. A Universidade do Porto (UP) realizou, nos passados dias 25, 26 e 27 de Fevereiro, o II Encontro de Jovens Investigadores da UP (IJUP). A iniciativa teve lugar na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FADUP) e contou com a presença de mais de 600 estudantes, provenientes de todas as licenciaturas e mestrados da UP, que apresentaram cerca de 350 trabalhos científicos originais. O número de trabalhos apresentados na corrente edição do IJUP, quer oralmente, cerca de 150, quer em poster, perto de 200, quase duplicaram o número da edição anterior. O encontro abriu oficialmente com o painel “Desafios actuais das

ciências”, apresentado pelo renomeado investigador português, Alexandre Quintanilha, que apontou os caminhos que a investigação e a ciência deverão seguir no futuro. Seguiram-se então três dias de apresentação de trabalhos dos estudantes que ficaram marcados pela fraca afluência de público. O IJUP “é o culminar anual do programa da Universidade do Porto de estímulo à participação de estudantes de graduação em actividades de investigação científica, numa tentativa de eliminar a ideia de que aquelas estão apenas destinadas a investigadores e docentes de carreira” pode ler-se no comunicado emitido pela organização do evento.

IPP celebra 24º aniversário No âmbito do 24º aniversário, o Instituto Politécnico do Porto adere como membro fundador ao centro de incubação de empresas PROMONET. O Instituto Politécnico do Porto (IPP) reforçou, no passado dia 5 de Março, a sua ligação ao tecido empresarial e ao empreendedorismo através da adesão, como membro fundador, à Promonet, centro de incubação de empresas vocacionado para a promoção de modelos de negócio na região Norte de Portugal. A sessão de adesão à Promonet inclui um workshop sobre como financiar um modelo empresarial de sucesso de pequenas e médias empresas (PME’s). A Promonet poderá acolher, simultaneamente, até 28 empresas, que se distribuirão por 2.100m2 e que terão acesso a todas as condições lo-

gísticas e de consultoria necessárias à contínua monitorização de todas as etapas necessárias ao desenvolvimento da sua empresa e à respectiva prosperidade no mercado extremamente competitivo de hoje. Deste modo, os estudantes e graduados do Politécnico do Porto terão um novo espaço para a maturação e desenvolvimento dos modelos de negócios que o seu empreendedorismo motivar, até um período máximo de 4 anos.

PUB INSTITUCIONAL

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO ABRE NOVO CAPÍTULO NA EDUCAÇÃO CURSOS JÁ EXISTENTES: LICENCIATURAS (1º CICLO ) Administração Pública, Regional e Autárquica Arquitectura (Mestrado Integrado) Ciências Aeronáuticas Ciências da Comunicação e da Cultura Ciência Política e Estudos Eleitorais Contabilidade, Fiscalidade e Auditoria Direito Economia Engenharia de Automação e Controlo Engenharia do Ambiente Engenharia Informática Estudos Europeus e Relações Internacionais Gestão Gestão e Desenvolvimento de Recursos Humanos Gestão e Engenharia Industrial Informática de Gestão Línguas e Tradução Psicologia Psicopedagogia Clínica Segurança e Higiene do Trabalho Turismo e Gestão de Empresas Turísticas MESTRADOS (2º CICLO) Arquitectura Direito Engenharia de Software e Sistemas de Informação Integração Europeia e Economia Internacional Jornalismo, Política e História Contemporânea (parceria com a ULHT) Psicologia da Educação (parceria com a ULHT) Sistemas de Comunicação Multimédia

DOUTORAMENTOS (3º CICLO) Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais Arquitectura (perceria com a Univ. Corunha) Educação (parceria com a ULHT) Pós-graduações e Especializações nos vários domínios da Cultura, da Arte, da Ciência e da Tecnologia OUTROS CURSOS JÁ SOLICITADOS PARA O PRÓXIMO ANO LECTIVO: LICENCIATURAS (1º CICLO ) Análises Clínicas e Saúde Pública Ciências das Religiões Comunicação Aplicada: Marketing, Publicidade e Relações Públicas Comunicação Audiovisual e Multimédia Design e Comunicação Enfermagem Engenharia Civil Engenharia de Sistemas de Informação Geográfica Engenharia Electrotécnica de Sistemas de Energia Farmácia Fisioterapia Gestão de Unidades de Saúde Radiologia Serviço Social Sociologia Solicitadoria Urbanismo e Ordenamento do Território Gestão Aeroportuária MESTRADOS (2º CICLO) Ciência Política, Partidos Políticos e Sistemas Eleitorais

Ciências Aeronáuticas Ciências da Educação - Area de especialização em Educação e Bibliotecas Estudos Lusófonos: Lusofonia e Relações Internacionais Gestão Gestão do Turismo Gestão Urbanística Museologia Psicologia Clínica e da Saúde Psicologia Forense Tradução DOUTORAMENTOS (3º CICLO) Ciências da Educação Estudos Africanos Filosofia e Pensamento Contemporâneo Gestão Como gosta de referir o novo Reitor da Universidade Lusófona do Porto, Prof. Doutor Fernando dos Santos Neves (além de mais, considerado o “apóstolo-mor da Declaração de Bolonha em Portugal” e o “pai teórico da Lusofonia”), a Universidade Lusófona do Porto quer tornar-se a Universidade Certa, na Hora Certa, para a Lusofonia Certa, no Porto e em toda a Euroregião do Noroeste Peninsular! UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO informacoes@ulp.pt www.ulp.pt


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EDUCAÇÃO DR

Estudantes universitários simulam Conselho de Ministros no Parlamento Europeu

Parlamento Europeu abre as portas aos estudantes De 25 de Abril a 1 de Maio o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, acolhe centenas de jovens universitários. Durante uma semana os participantes vão simular todas as vertentes do jogo político da União Europeia. ADRIANO CERQUEIRA

O Model European Union (MEU) é um simulacro do processo de aprovação de novas leis na União Europeia (UE). Durante oito dias, os participantes vão “vestir a pele” do Conselho de Ministros, integrando a simulação de todos os passos de aprovação de uma lei. Vão também participar em debates e discussões sobre dois temas principais: sistemas eleitorais e política ambiental. Cada jovem enfrentará, ainda, o desafio de representar um país membro da UE que não o seu e aprender mais sobre ele. Mas o MEU não se foca apenas na vertente política. Os inscritos poderão fazer parte de um jornal pan-europeu, ou seja, terão a responsabilidade de relatar o evento e entrevistar as figuras de destaque. Para aqueles

que preferirem observar e fazer parte do trabalho de bastidores, através da movimentação de interesses e influências, também há lugar para jovens agentes de lobbies. Inês Nascimento, da organização do MEU, vê esta iniciativa como uma boa oportunidade para os estudantes da Universidade do Porto. “Um aluno da UP, seja de que curso for, pode beneficiar de várias formas deste evento. A prática do inglês num ambiente em que o nível da língua será elevado é uma delas. Terá também a oportunidade de contactar com outros jovens universitários de toda a Europa, com vocação internacional, activos na sociedade e conscientes da sua cidadania. Mas, claro, a vantagem central deste evento é experienciar a União Europeia da forma mais próxima possí-

vel”, afirma. Participante na edição de 2008, agora, Inês Nascimento faz parte da organização do MEU. “Baseada na minha experiência pessoal posso dizer que a vivência das práticas da UE a este nível desmistifica alguns mecanismos obscuros. Traz novas perspectivas acerca das possibilidades e limitações das negociações e do próprio peso dos vários países. Especialmente, para um país que, como Portugal, está relativamente distante do centro de decisão da UE, esta participação é esclarecedora de mitos e verdades”, confessa a organizadora. Inês Nascimento salienta, ainda, a importância dos participantes entrarem em contacto com os textos legais de implicações políticas, o que “ensina muito sobre a linguagem ju-

rídica e o seu impacto real”. Questionada sobre a importância deste evento na aproximação das universidades europeias, Inês Nascimento, salienta o papel fulcral da integração e diversidade cultural. “O simples facto de se juntarem jovens estudantes num ambiente neutro para todos eles é já em si a melhor forma de internacionalizar e aproximar as universidades europeias. Experiências são trocadas, qualidades são reconhecidas, diferenças culturais são apreciadas e um espírito de tolerância e curiosidade nasce e pode desenvolver-se. E não são os alunos que verdadeiramente aproximam as universidades?”, questiona. A representante portuguesa do MEU 2009 olha com optimismo para a evolução do processo de integração de Portugal na UE. “Este

evento tenta possibilitar um reconhecimento das suas raízes nacionais e culturais por parte dos estudantes de todos os países e ainda a necessidade da sua contribuição para a realização do imenso projecto que é a União Europeia. A posição de Portugal na Europa é relativamente periférica em vários sentidos. Não só estamos longe da Europa, como também não temos o peso de um país com grande população. No entanto, estou convencida de que os estudantes universitários portugueses não terão receio de assumir um papel proeminente se souberem que direcção rumar, daí a importância destes eventos”, acredita Inês Nascimento. A organizadora apela ainda aos jovens estudantes para encararem com “bons olhos” a possibilidade de trabalhar com a União Europeia e de se tornarem “verdadeiros cidadãos europeus”: “O facto de ter participado no MEU 2008 fez-me decidir trabalhar com a UE. Se mais estudantes o fizerem também, não é essa já a prova de que o processo de evolução está em curso? E com a vocação dos portugueses para “descobrir novos mundos”, não é isto um bom sinal de que tal processo possa de facto ser um sucesso?”, acrescenta. O Model European Union é aberto a todos os jovens entre os 18 e os 25 anos, cidadãos dos estados membros da União Europeia, e residentes da Noruega, Islândia e Turquia.


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SOCIEDADE

Testamento vital: vontade no fim da vida Rui Nunes retoma a proposta de testamento vital levada à Assembleia da República há dois anos. O presidente da Associação Portuguesa de Bioética reclama pela sua concretização até ao final do Verão. O documento é defendido como a solução para casos controversos como a eutanásia. SUSANA CORREIA

Em conferência de imprensa na Ordem dos Médicos do Porto, Rui Nunes, director do Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB), defendeu a possibilidade de cada pessoa poder deixar expressa a vontade quanto aos últimos cuidados a receber em vida. O registo chama-se testamento vital. É um documento onde uma pessoa, maior de idade e com normais capacidades psíquicas, pode deixar escrito se pretende ou não receber tratamentos em caso de condição médica irreversível. Serviria, assim, para exprimir a vontade do doente quando este se encontrasse incapacitado para o fazer.

Manifestação da vontade

O JUP foi saber a opinião de dois especialistas em oncologia médica e membros da Ordem dos Médicos sobre esta proposta de Lei da APB. António Araújo, membro do Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos e coordenador da clínica de patologia do pulmão do Instituto Português de Oncologia (IPO), vê o testamento vital como uma “directiva antecipada da vontade que uma pessoa, na posse de todas as suas capacidades, expressa relativamente ao que espera que lhe façam ou não

no caso de perda dessas capacidades.” Francisco Pimentel, presidente do Conselho de Administração do Hospital de Aveiro, concorda com o testamento vital nesse mesmo sentido: “O de dar cumprimento à vontade do indivíduo em situações em que este não é capaz de tomar decisões de forma consciente.” Sendo “a vontade expressa de uma pessoa”, António Araújo diz não poder “deixar de respeitar e ter em consideração” a proposta. Mas “quem nos garante que as pessoas podem não mudar de ideias?”, questiona o médico. E “o testamento vital pode também ser uma ordem mais ou menos implícita para a eutanásia. Com isto, pretende-se vulgarizar algo que é, e deve continuar a ser, ilegal”, sublinha. Rui Nunes frisou que o testamento vital é uma boa prática médica e que deve ser discutida antes de se passar à temática da eutanásia. Francisco Pimentel considera também que as “duas questões não devem ser confundidas”. Para que não se entre, então, em conflito de ideias ou situações, António Araújo advoga “uma legislação específica sobre este assunto, clara e simples, para que não possa dar azo a mal entendidos”. No cenário socio-político actual – no qual a discussão pública em torno da fase final da nossa existência é fervorosa – o testamento vital, a eutanásia e distanásia são conceitos com tendência a serem confundidos

ou misturados. Na verdade, tratamse de assuntos distintos. (Ver coluna)

O que é o razoável?

Não é fácil de definir o que é o razoável em situações de dor e desespero. Avaliar os limites do ofrimento, saber até que ponto a vontade de um doente é satisfeita e até onde vai a autonomia do doente são questões que merecem especial atenção, tendo em conta a especificidade das diversas situações que podem surgir. António Araújo entende que “o médico tem o dever de respeitar a vontade dos seus doentes. Mas “tem também o direito de ver respeitado a sua crença e de recusar a prática de um acto que entre em conflito com a sua consciência ou com os seus princípios”. O sofrimento é um “fantasma” maior do que a morte, na existência do ser humano. Os casos de doentes em fase terminal são cada vez os mais temidos. O sofrimento que limites tem? Ou apenas existe um único limite à vista, que é o fim da vida? “No pleno respeito pela dignidade do ser humano, o médico atende no sentido de conservar a vida e a sua qualidade”, diz Francisco Pimentel. A “relação médico doente e a ajuda de alguns instrumentos de avaliação” são o primeiro passo. Os especialistas da medicina avaliam a dor de um doente “numa escala de 0 a 10”, acrescentou Francisco Pimentel, especialista em oncologia médica. Em

doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, o médico actua no intuito de suavizar o sofrimento recorrendo a fármacos e a terapias.

Eutanásia

A eutanásia suscita sempre discussões fervorosas entre aqueles que estão contra e os que estão a favor. O exemplo mais recente foi o caso de Eluana Englaro, em Itália. Rui Nunes afirma que, com o Testamento Vital, “seria expressa uma vontade individual que teria que ser respeitada, não havendo os conflitos entre a família, os médicos e a sociedade”. Ferraz Gonçalves, director clínico dos Cuidados Continuados do Instituto Português de Oncologia (IPO), considera que o caso de Eluana não foi eutanásia. “A sua situação era irreversível. Apenas se estava arrastar o processo da morte. A possibilidade que existe de um doente recuperar os seus sentidos após ter entrado em coma é de uns meses até um ano. Eluana entrou num estado vegetativo persistente que já durava há 17 anos”, explica. É nestes momentos que “o testamento vital ganha relevância, pois se o doente estiver em coma não tem possibilidade de se manifestar e, nesse sentido, deverão ser seguidas as instruções do testamento”, alerta Francisco Pimentel. António Araújo salienta que a eutanásia “implica uma atitude activa em terminar a vida do doente”. A

renúncia de prolongar a vida com tratamentos que não modificarão o destino do doente “implica apenas a tomada de consciência de que esses tratamentos apenas causarão mais desconforto ao doente”. Francisco Pimentel e Ferraz Gonçalves já foram confrontados com doentes que lhes pediram para pôr fim à vida. Uma situação que revela “um pedido de ajuda e não uma vontade real de concretizar o acto”, assinala Ferraz Gonçalves. Perante estes casos, reúnem-se esforços no sentido de aliviar o sofrimento (com fármacos). E fazer com que o tempo de vida restante para o doente tenha significado ou sentido, por exemplo, com “o auxilio de psicólogos”. Ferraz Gonçalves confessa que não vê a eutanásia como um assunto prioritário. Antes de mais, necessita de “discussão e reflexão”. Observa ainda que “estamos numa sociedade onde a tristeza e a dor não são aceites”. Eutanásia: acto deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente. Distanásia: omissão dos meios extraordinários que prolongam artificialmente a vida de um doente que se encontra num processo patológico irreversível. É lícita. Logo, não é considerada eutanásia.


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SOCIEDADE Software vale prémio de melhores do mundo a investigadores da FMUP O desenvolvimento de um software de análise da frequência cardíaca e oxigenação do bebé durante o parto valeu a dois investigadores da FMUP a distinção da BioMedExperts como melhores do mundo na área da Cardiotocografia. DR

FRANCISCO FERREIRA

João Bernardes e Diogo Ayres de Campos, professores e investigadores do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e do Instituto de Engenharia Biomédica, foram reconhecidos pela BioMedExperts, uma comunidade científica online, como dois dos melhores investigadores do mundo na área da cardiotocografia. João Bernardes foi distinguido como o melhor do mundo nesta área e Diogo Campos foi considerado o terceiro melhor. Mas o que é mesmo a cardiotocografia? A cardiotocografia consiste na monitorização da frequência cardíaca do bebé e das contracções uterinas da grávida durante o trabalho de parto. Esta análise é feita com recurso a registos gráficos que, até há pouco tempo, eram analisados pelos médicos e enfermeiros, que procuravam encontrar eventuais anomalias na respiração do bebé, por vezes responsáveis por danos neurológicos graves. Mas se dantes os médicos verificavam as análises de forma manual, agora usam um software informático, que valeu a distinção da BioMedExperts aos dois investigadores portugueses. O software, com o nome de OmniView-SisPorto, começou a ser desenvolvido por volta de 1990. Analisa os sinais vitais do bebé e alerta os médicos para qualquer problema na oxigenação do feto. Desta forma, podem-se evitar casos de paralisia cerebral, que é essencialmente causada por falta de oxigénio durante o parto. O software começou a chegar aos hospitais em 2004. Actualmente é usado em dez hospitais portugueses e em unidades hospitalares de países como a Dinamarca, Reino Unido, Suiça ou Holanda. Bernardes e Ayres Campos são autores de mais de cinquenta artigos científicos e já venceram mais de uma dezena de prémios. Publicaram artigos nas mais conceituadas revistas da área da Obstetrícia e Ginecologia internacionais, como o American Journal of Obstetrics and Gynecology, o British Journal of Obstetrics and Gynecology e o European Journal of Obstetrics and Gynecology.

A cardiotocografia é feita com recurso a registos gráficos

A cardiotocografia consiste na monitorização da frequência cardíaca do bébé e das contracções úterinas

Diogo Ayres Campos, considerado pela BioMedExperts como o terceiro melhor investigador desta área, disse ao JUP que “o reconhecimento exterior é sempre positivo” e adianta que esta distinção é um reconhecimento do “bom trabalho que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos anos”. De referir que a BioMedExperts goza de grande

reputação no meio científico graças aos 1,4 milhões de currículos de cientistas disponíveis. O objectivo desta comunidade científica online é juntar e promover a criação de parcerias de investigação entre cientistas de todo o mundo. O cientista da FMUP manifesta o seu contentamento por sentir que se está a dar cada vez mais impor-

tância à investigação na UP. E os resultados estão à vista: vários prémios importantes no passado recente em várias áreas, desde a Medicina à Economia. Com todas estas distinções, impõe-se a pergunta: será que esta tendência se vai manter nos próximos anos? Na opinião de Ayres de Campos, o futuro pode reservar ainda mais prémios. “A tendência dos últimos anos tem sido nesse sentido. Houve uma melhoria da qualidade da investigação científica no seio da comunidade da UP e um aumento da quantidade”, explica. “A verdade é que houve realmente um crescimento exponencial na investigação científica no Porto e na Universidade; isso também se traduz na qualidade dos artigos publicados”, acrescenta. O investigador sublinha também a importância destes prémios na criação de bons hábitos, o que poderá “trazer ainda mais produção científica de qualidade”. E a verdade é que este tipo de prémios coloca cada vez mais o Porto no mapa da investigação científica mundial. Bernardes e Campos já viram os seus artigos e publicações a chegar a países como os EUA, Brasil, Holanda, Inglatera, Bélgica e Israel. “A investigação tem contribuído muito para a crescente internacionalização da UP”, diz Diogo Ayres de Campos. De facto, olhando para a lista de especialistas de cardiotocografia, liderada por João Bernandes e com Diogo Ayres de Campos em 3º lugar, podemos ainda encontrar Altamiro Costa Pereira, Professor Catedrático da FMUP, conhecido também por ter entrado na corrida para Reitor da UP. Ou seja, Portugal conta com três investigadores no top-20, onde surgem também investigadores de países como a Alemanha, Holanda, Suécia, Inglaterra ou Polónia.

O JUP ERROU Por lapso publicamos a ficha técnica errada na última edição. Aos visados, as nossas desculpas.


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SOCIEDADE PAULO FIGUEIREDO

Planalto de Carris coberto de neve em Janeiro

Cascata junto à ponte do Caragouço

Carris: o trilho perdido da serra do Gerês Carris não vem nos mapas turísticos nem nos trilhos recomendados pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês. Contudo, existem inúmeros grupos de pessoas que se aventuram pela serra do Gerês rumo ao antigo complexo mineiro de Carris. O JUP acompanhou um desses grupos numa viagem por antigos caminhos de contrabandistas. CARLOS DANIEL REGO

Carris não tem segredos para Rui Barbosa. Com esta viagem, Rui, um optometritsta de Braga que se apaixonou pela serra do Gerês há vinte anos, completou, a 24 de Janeiro, um ciclo de 127 caminhadas desde a sua primeira incursão àquele local, em 1989. “Lembro-me que estava a chover e que estava imenso nevoeiro”, recorda Rui. “Lembro-me também de querer explorar cada recanto do local”, acrescenta. Desde então, Rui nunca mais parou. A caminhada em questão, a 127ª subida recorde-se, fora combinada com alguns dias de antecedência através de um convite surgido numa entrada do blogue que Rui Barbosa mantém há algum tempo (www.carris-geres.blogspot.com) onde relata todas as histórias de Carris e das suas expedições. Compareceram ao chamamento mais alguns entusiastas do Gerês, entre eles, Rebelo e Paulo Figueiredo que, para além do gosto por caminhadas, são também responsáveis por blogues de montanhismo - o Trilhos & Azimutes e No Gerês, respectivamente. Reunido o grupo às 8h30 em Bu-

baces de Riocaldo, no concelho de Lóbios, em Espanha, partimos em direcção à ermida da Nosa Señora do Xurés, em Vilaméa. A ideia era subir a Carris por um novo trilho, através do Vale das Sombras. Contudo, o forte temporal que se abatera, na noite anterior, sobre o Norte de Portugal e sobre a região galega do Baixo Limia impediu-nos de seguir o percurso planeado. Uma árvore de grande porte tombada no meio da estrada que dava acesso ao ponto onde estava previsto iniciar a caminhada impedia a passagem dos nossos carros. Fomos travados pela força da Natureza. Voltámos para trás, de volta a Portugal, para fazer a caminhada tradicional através do Vale do Alto Homem. Estacionámos as viaturas ao lado do antigo posto transfronteiriço da Portela do Homem e iniciámos a caminhada junto à ponte de S. Miguel quando já passavam alguns minutos das nove e meia da manhã. Dali até Carris, separavam-nos quase nove quilómetros e mais de duas horas a caminhar sobre um imenso mar de pedras e calhaus soltos que o tempo foi quebrando e arrastando do cima da montanha, do sítio onde

Trilho que leva a Carris

os lobos ibéricos e os garranos, raça genuína da serra Gerês, caminham, livres. Pelo caminho avistámos enormes cascatas escorrendo pelas encostas da montanha, mariolas no meio da vegetação que cresce sem sentido e pedras. Pedras, pedras e mais pedras. O trilho, onde outrora passavam camiões carregados do minério que alimentava a IIª Guerra Mundial – o volfrâmio – vai serpenteando a montanha sempre ao lado do rio Homem. (Passados tantos anos, desde o fecho das minas na década de 70, e olhando agora para o trilho completamente transfigurado pela força do tempo, torna-se difícil imaginar que por ali tenham passado, um dia, veículos a motor). Já a meio do caminho, a chuva que começara a cair timidamente tranformou-se, de repente, em granizo, dificultando ainda mais a subida que Rui confessa já ter feito várias vezes sozinho: “Nunca tive qualquer problema durante as minhas caminhadas solitárias a Carris. Porém, nunca se deve subestimar o poder da montanha nem nunca devemos pensar que somos superiores a ela”. A caminhada prosseguia e, à medida que a altitude ia aumentando, começavam a aparecer os primeiros vestígios de neve. O verde predominante das árvores, da urze e da vegetação rasteira ia agora transformando-se no branco da água transformada em gelo e no cinzento da rocha árida. Mais alguns passos e chegámos finalmente a Carris. O extenso planalto, coberto de neve, depois de ter assistido à fuga de centenas de pessoas que trabalhavam no complexo mineiro de Carris nos seus tempos áureos, voltava novamente a ver vida humana. Desses tempos, restam ainda os vestígios das casas que abrigavam os trabalhadores e os edifícios da mina onde travalhavam, restos estes que teimam em não fazer esquecer a história das minas de Carris.


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SOCIEDADE “Sou viciado em caminhadas” RUI BARBOSA

Paulo Figueiredo em Carris

ENTREVISTA A PAULO FIGUEIREDO MONTANHISTA E AUTOR DO BLOGUE NO GERÊS CARLOS DANIEL REGO

Todos os fins-de-semana, Paulo Figueiredo sai de Barcelos em direcção ao Gerês para trilhar novos caminhos do parque nacional. O resultado está à vista no blogue No Gerês. As caminhadas, confessa Paulo, funcionam como escape à vida na cidade. É verdade que és viciado em caminhadas? Sim, é verdade, sou viciado em caminhadas, pois sempre fiz desporto, mas por razões pessoais tive de deixar. As caminhadas vieram depois. Durante toda a semana, quando estou preso entre quatro paredes, aquele bichinho de caminhar anda sempre comigo. E o que é que te motiva a levantar mais cedo ao fim-de-semana para ires para o Gerês? É claro que me custa pôr a pé cedo, mas quando sei que é para ir para a serra já vale o esforço porque depois temos toda aquela sensação de liberdade e de paz que só a montanha nós pode dar. O Gerês é o local de eleição para as tuas caminhadas? Porquê? O Gerês é o único parque nacional que temos e, sendo assim, há fauna e flora que só lá poderemos encontrar. Há momentos no Gerês, quando paras e te sentas para apreciar a paisagem que te rodeia, em que esqueces tudo, em que parece que estás noutro planeta. Já fiz muitas caminhadas em outros locais e também gostei muito, mas há coisas que só conseguimos sentir e apreciar na serra do Gerês. Quantas caminhadas estimas que já tenhas feito? Não faço ideia, apenas sei que fiz centenas de quilómetros. Só para Santiago de Compostela fiz 190

quilómetros numa semana. Quando é que decidiste criar o teu blogue? O blogue foi criado por muita insistência do meu irmão e de um colega de trabalho que ao verem as fotos das minhas caminhadas acharam que valia a pena mostrar ao “mundo” o seu resultado. Ao principio não gostei muito da ideia, pois também não sabia bem o que era, mas depois vais vendo outros blogues e conhecendo outras pessoas que também têm o mesmo gosto que tu. Que trilhos e locais aconselhas a quem nunca fez caminhadas no Gerês? Isso depende dos caminheiros. Quem nunca fez caminhadas deste género deve fazer os trilhos marcados para começar a ter umas noções básicas. Quando os trilhos não estão marcados, o mais aconselhável é levar um guia, pois mesmo nos trilhos marcados pelas normas internacionais existe o risco de nos perdermos e isso pode implicar andar vários quilómetros que não estavam previstos. Qual o material indispensável para se fazer uma caminhada confortável e em segurança? Para fazer uma caminhada é necessário termos um bom calçado, botas de preferência. Nunca se deve utilizar umas botas novas, pois como não sabemos o que nos espera, devemos andar com elas primeiro perto de casa para depois não nos aleijarmos. Outra coisa fundamental é o mapa do trilho que se vai fazer. Mesmo que já se conheça o caminho o mapa deve ir sempre. Na mochila deve sempre ir ainda uma muda de roupa confortável, um kit primeiros socorros e uma lanterna para caso a caminhada se prolongue pela noite e fique escuro.

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SOCIEDADE Música que o sistema não domina ENTREVISTA A MUNDO E BERNA MEMBROS DA BANDA DE HIP-HOP REAL COMPANHIA JOÃO QUEIRÓS

Depois de vários anos a partilhar faixas e palcos, Mundo e Berna, figuras de proa do movimento hip-hop portuense, estão de regresso com um novo projecto, de seu nome Real Companhia. A primeira mixtape, Cave Real, foi gravada “em dois ou três dias”, no Verão do ano passado, de forma “totalmente espontânea”, aproveitando a inspiração do momento e a comunhão de estilos e pontos de vista. Pouco tempo depois, um novo trabalho surgia. O EP “Classe Operária” é, para além de um exemplo do que melhor se vai fazendo no universo hip-hop nacional, um condensado de reflexões sobre a situação social do país e do mundo, uma carta aberta à cidade e um retrato da criatividade que nela fervilha. Uma criatividade que, ainda para mais, existe para ser partilhada: ambos os trabalhos estão disponíveis para download gratuito no sítio MySpace do projecto. O JUP foi saber mais sobre esta “música que o sistema não domina” e acabou a falar sobre a “crise”, o Porto e o momento cultural da cidade. Tem sido frequente ouvir-se que o hip-hop portuense atravessa actualmente um momento menos positivo; fala-se em menos edições, menos eventos, menos espaços para apresentação e promoção de novos projectos. No entanto, as coisas vão surgindo, como no caso de Real Companhia, e sabemos que o movimento tem engrossado as suas fileiras com novos talentos. Querem comentar? BERNA Relativamente a isso, acho que existem bandas que querem fazer carreira e bandas que, se calhar, estão a começar, que ainda não têm os seus objectivos bem definidos, e a própria regularidade com que depois os trabalhos saem reflecte isso mesmo. Aqui no Porto continua a haver o mesmo pessoal que existia, pelo menos, há dez anos, a fazer cenas consistentes... No caso de Real Companhia, o EP é parte de um trabalho mais vasto que vamos fazendo, temos outros projectos paralelos, vamos mantendo essa continuidade de trabalho. Quanto a outras bandas, há as que vão fazendo as suas coisas, vamos ouvindo a sua música, mas com trabalho consistente continuam a haver muito poucas: Dealema, Mind da Gap...

Mas não há dúvidas que há coisas a acontecer, como vocês bem mostram nas colaborações que têm posto em marcha, inclusivamente neste EP “Classe Operária”... MUNDO Há. No entanto, continuam a existir problemas de promoção, que têm a ver com poder económico. Tomando como referência o caso do Porto, penso que não há nenhuma banda que tenha poder económico para se auto-subsidiar e, por exemplo, fazer dois ou três discos por ano. E, por conseguinte, se, mesmo nós, os mais velhos, não estamos estáveis nesse campo, muito mais difícil é para os mais novos. Neste momento, o que interessa é criar consistência e criar uma continuidade de projectos. Independentemente de teres um disco na rua com cinco vídeos ou um disco sem vídeos, o que interessa é fazeres música e mostrares às pessoas que o Porto, como a gente diz, não está morto. Têm saído poucas coisas, mas há muita gente a cozinhar, a fazer coisas que, se calhar, não têm visibilidade na comunicação social, mas que quem está por dentro do movimento sabe que existem. Falta dar

‘Em Portugal a maioria dos músicos não ganha dinheiro a vender cd’s - isso é uma história que contam às crianças’ esse passo no sentido da consistência, de que falava o Berna, mas acho que, mais dois anos, e a continuar assim, as coisas podem tornar-se diferentes. O caminho passa por fazer “algo que o sistema não domina”, como vocês dizem, passa por utilizar suportes como o MySpace para divulgar livremente os trabalhos que vão sendo feitos? MUNDO Nessa rima queríamos sublinhar que estamos a fazer algo gratuito, algo que o sistema não domina porque não pode controlar uma coisa que queremos oferecer... Em Portugal, a maioria dos músicos, designadamente no hip hop, não ganha dinheiro a vender CDs – isso é uma história que contam às crianças. Vivem das actuações ao vivo. E nós, basicamente, foi sempre isso que fizemos. Nós vamos sempre dar esse passo, tocar ao vivo, que é o que mais gostamos de fazer, e daí poderemos recolher alguns frutos. Porque, hoje em dia, se não fores uma banda mainstream, se não fi-

zeres algo pop, sabes que não vais vender discos de ouro, muito menos de platina; tens de conhecer o teu campo de acção e tentar chegar às pessoas directamente, independentemente da imprensa mostrar ou não. É directo da fábrica para o ouvinte, como costumamos dizer. Presume-se, entretanto, que os problemas que derivam da própria situação social e económica do país e do mundo coloquem ao segmento do campo musical de que vocês fazem parte dificuldades acrescidas. Vocês, aliás, reflectem isso nas vossas músicas, como na faixa que dá nome ao EP, “Classe Operária”. BERNA Essa música é quase uma premonição... No nosso caso, se articularmos essa reflexão com a questão da cena musical actual, acabamos por ter ainda mais motivação, mais empenho, porque sabemos que temos de fazer por nós, não vamos ter apoios de lado nenhum. A crise económica... Nós sempre vivemos em crise! Nascemos em crise e habituámo-nos à crise, às dificuldades. No caso particular da música, nunca tivemos grandes apoios, o Mundo sempre fez as cenas dele aqui, no 2º Piso, eu fui fazendo as minhas, e nunca estivemos dependentes do momento financeiro. E muitas pessoas sempre lidaram com dificuldades deste tipo, independentemente do momento. Agora, algumas coisas tornaram-se ridículas. A música de que falas é um pouco uma sátira ao sistema bancário, ao endividamento, à vida robotizada que vivemos... A ideia é levar as pessoas a pensar que não se podem deixar prender na máquina capitalista que há lá fora. E a cidade nisto tudo? As vossas músicas transpiram sempre um profundo sentimento urbano, um sentimento de grande relação com a cidade. Como vêem a evolução recente do Porto ou, se preferirem, do Grande Porto? MUNDO Olha, o que vejo é os centros a evoluírem e os espaços periféricos a ficarem piores. Os governantes deixam as coisas evoluir a um ponto que já não dá para sarar. E quando não dá para sarar, vem a decisão: “deita tudo a baixo e vamos construir de novo”. E depois evolui da mesma forma, durante quinze anos, até chegar à degradação total, e assim sucessivamente. O centro evolui, mas a periferia continua igual. Se mudou, foi para pior. BERNA Há um problema de mentalidade. Por exemplo, em termos culturais, se não forem os artistas a promover-se, a formarem comunidades, há poucas coisas que te inspiram a ser criativo. Só mesmo o próprio

JOÃO QUEIRÓS

Real Companhia em concerto no Porto Rio

degredo da cidade é que te inspira... Isto torna-se irónico, rio-me com isto, mas a verdade é um bocado essa. MUNDO Por exemplo, poucos são os bairros que têm associações que apoiem os jovens, que dinamizem actividades culturais para os jovens dos bairros... Aí, acho que terá de haver um pouco a mão do Estado, que tem de criar espaços de cultura para estes jovens, que nascem em locais às vezes caóticos. Isso falta no Porto. Quando vou para fora, vejo que já há algumas cidades que têm esses espaços, estúdios a que os jovens que não têm meios podem recorrer para gravar as suas cenas, um pavilhão onde há uma equipa de basquete ou de futebol, sei lá... Isso falta no Porto. O vosso trabalho tem mostrado precisamente que nesses espaços da cidade tantas vezes identificados com uma ideia de empobrecimento social e até cultural há criatividade que fervilha, há inúmeros projectos a surgir. Querem tentar reflectir um pouco sobre como tem sido o estabelecimento desta rede, o apoio ao aparecimento e crescimento de novos projectos? MUNDO Eu acho que uma das poucas coisas que vai dando destaque positivo aos bairros é o hip-hop. Desde que faço música, e faço música desde 1993, que noto isso. Por exemplo, na minha banda [Dealema], quatro pessoas são de bairros distintos, de zonas diferentes da cidade, e acho que

o hip-hop tem essa vantagem sobre os restantes estilos musicais, consegue aproximar as pessoas através das coisas que elas têm em comum. E mesmo esses talentos com que temos trabalhado, que inclusivamente juntámos neste projecto, Real Companhia, são pessoas que vêm desenvolvendo o seu trabalho há alguns anos, mas que, lá está, têm falta dessa base económica que lhes permitiria evidenciar melhor a sua música. Faltam as tais associações, faltam estúdios a preços acessíveis, faltam apoios, que, se existissem, poderiam fazer evoluir a música – e, quem diz a música, diz a pintura, o desporto, a fotografia, a arte. No Porto, os bairros acabam por ser fechados por não existir essa porta para as pessoas mostrarem que, no bairro, não existem só problemas e conflitos. Pelo contrário, esses conflitos são algo limitado: por cinco ovelhas negras, as outras cinco mil pessoas que lá vivem não podem pagar. E isso é um pouco o que falta no Porto. Da nossa parte, tentamos, com o nosso espaço, que não é muito grande, mas é algum, abraçar o máximo de gente de zonas diferentes, tentamos mostrar que, independentemente do bairro, não estamos separados, estamos junto por uma causa, pela música, pela tentativa de melhorar a nossa vida, o nível da nossa consciência. E é isso que depois procuramos reflectir na música que fazemos.


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DESPORTO

Heverton: Dos relvados para a FDUP

FRANCISCO FERREIRA

ENTREVISTA A HEVERTON EX-JOGADOR PROFISSIONAL DE FUTEBOL FRANCISCO FERREIRA

Se no Brasil era conhecido por ter jogado em clubes como o Joinville, Avaí ou Atlético Paranaense, no Porto poucos sabem a história de Heverton, um ex-jogador profissional de futebol que agora estuda na Faculdade de Direito da UP. Como é que um jogador profissional de futebol no Brasil chega à Faculdade de Direito da UP? Eu joguei durante vários anos no Brasil. Comecei no Joinville, e passei por equipas como o Avaí e o Atlético Paranaense... Entretanto, as coisas ficaram mais complicadas quando tive uma lesão, e tive que ser operado. Nesta altura já tinha 25 anos, e estava a jogar em clubes mais pequenos, por isso decidi que era hora de estudar. Escolhi Direito, porque sempre gostei muito de ler. Gostava de saber coisas sobre a justiça, e enquanto recuperava da lesão, dediquei-me muito aos estudos. Depois surgiu a oportunidade de vir para a FDUP, porque a minha Universidade do Brasil, a Universidade de Joinville, tem um protocolo de intercâmbio com a UP. Tive que fazer algumas provas e exames para poder vir estudar para Portugal... Saí-me bem, e vim para a FDUP. Quando vieste para Portugal, pensaste apenas no Direito ou ambicionavas ter uma oportunidade num clube de futebol? Vim para estudar, mas acreditava que podia ter uma oportunidade. Ti-

nha uma certa expectativa... Quando cheguei, acreditei que podia acontecer. Infelizmente, a situação financeira dos clubes não ajudou, e acabei por não conseguir voltar a jogar. Mas penso que, mesmo com 29 anos, tinha todas as condições para estar a jogar na III Divisão, pelo menos. Bom, e eu tenho encontrado até alguns jogadores que jogaram comigo no Brasil em equipas fortes de Portugal! Por exemplo? O Luciano Amaral (Vitória de Guimarães) jogou numa equipa muito pequena comigo. O Leandro Branco do Setúbal também foi meu colega. Mas sem dúvida que o que teve mais expressão foi o Deivid, que jogou no Sporting, que foi meu companheiro de equipa no Joinville. Também tive oportunidade de jogar com o Kleberson, que foi campeão mundial com o Brasil, e joguei contra o Ronaldinho. E também foste orientado por um treinador bem conhecido dos portugueses... Sim, o Paulo Bonamigo (ex-treinador do Marítimo). Ele foi muito importante na minha carreira, apostou sempre em mim e eu aprendi muito com ele. É um excelente treinador! Neste momento, se tivesses que escolher entre as chuteiras e os livros, o que escolhias? A coisa que sei fazer melhor é jogar futebol! Sei que com alguma sorte poderia ter chegado a um bom nível. Não quero parecer pouco modesto, mas quando estava no Atlético Para-

Dos relvados para as aulas de Direito

A coisa que sei fazer melhor é jogar futebol! naense podia ter dado o salto para um grande clube do Brasil, mas tive uma lesão grave. Nunca fui chamado para as selecções jovens do Brasil por jogar em equipas mais pequenas, e ainda há muitos interesses nas convocatórias... Mas tenho orgulho na minha carreira, fico contente quando as pessoas da minha cidade se lembram de mim e dizem que eu jogava muito bem. No fundo, posso dizer que gostava

de voltar ao futebol. Gosto muito de Direito também, mas sinto que ainda tenho muito a aprender. E há mesmo algum ponto em comum entre o Direito e o Futebol Profissional? Claro que há: o trabalho. Temos que treinar muito no futebol, e ler muito no Direito. Temos que repetir os processos, e temos que estar sempre a actualizar o que sabemos para sermos melhores. No futebol não podemos dar umas corridinhas e achar que já está bom, e no Direito é a mesma coisa, também tens que te preparar muito bem para na altura certa mostrares que sabes para teres sucesso.

O teu grande sonho, neste momento, passa mais por ser campeão do mundo, ou ser um advogado ou juíz de grande sucesso? Ser campeão do mundo já não digo (risos), mas ainda sonhava pelo menos em voltar a competir. Quando estou dentro do campo sinto que faço a diferença. Claro que sei que não vou jogar no Porto ou no Benfica, mas só o prazer de estar em campo já me deixava muito feliz. Sei que fiz tudo para voltar ao futebol, por isso estou de consciência tranquila. Encaro o Direito de uma forma muito mais tranquila e estou sempre cheio de vontade de continuar.

Correr, saltar, nadar e... comer As III Jornadas da Nutrição no Desporto, organizadas pela Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências de Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (AEFCNAUP), decorreram, no passado dia 5 de Março, no Auditório da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto (FCNAUP). O crescimento de maus hábitos alimentares tornou-se uma realidade nos dias de hoje, aspecto este que tem vindo, cada vez mais, a merecer uma forte e crescente preocupação por partes de atletas e técnicos desportivos. Manter uma alimentação saudável é, como se sabe, muito importante para o nosso dia-a-dia. E, segundo vários especialistas manter uma boa nutrição torna-se ainda mais decisivo para quem pratica desporto. Maria do Céu, médica do Hospital de São

João do Porto, está directamente ligada ao desporto, sendo proprietária de um ginásio em Rio Tinto. Quando questionada sobre a importância da nutrição na vida de um desportista, Maria do Céu é bastante clara: “É simplesmente fundamental”. Grande apreciadora da actividade física, a médica refere que uma boa alimentação é extremamente importante no rendimento desportivo de um atleta. Contudo, os conselhos podem ser alargados à população em geral. “As faixas etárias entre os 40 e os 60 anos revelam-se agora, e cada vez mais, preocupadas em seguir uma dieta muito mais saudável”, adianta. Para além disso, Maria do Céu, salienta ainda que os desportistas de competição necessitam de uma atenção especial, pois requerem outras necessidades a nível nutricional,

devido ao grande desgaste de energia. A cirurgiã aponta como essenciais numa dieta de um atleta os açúcares lentos (existentes nas barras energéticas, por exemplo), já que a glicose (ao contrário dos açúcares rápidos) não entra directamente para o sangue em grandes quantidades. Ou seja, a energia dura por muito mais tempo, e os atletas conseguem manter o seu desempenho durante os treinos. Quanto àqueles atletas que necessitam de aumentar a sua massa muscular, a médica aconselha uma dieta com base em proteínas e aminoácidos. As opções são vastas: existem os conhecidos batidos, e também comprimidos e outros suplementos que ajudam neste processo. Contudo, e apesar de actuarem de forma eficiente num curso espaço de tempo, um uso abusivo e pouco cuidado destes produtos pode

ser bastante prejudicial para a saúde, chegando a atingir, em alguns casos, níveis preocupantes. Actualmente, situações como esta acontecem com alguma frequência. No entanto, Diogo Silva, jovem jogador de pólo aquático do Gondomar Cultural e federado há 6 anos, refere, nunca ter assistido a casos destes, “nem sequer ao consumo de substâncias ilegais”, frisa o atleta. Contudo, sabe da existência de alguns atletas que tomam este tipo de substâncias. Perante estas situações, o jogador não hesita, e classifica-as como “altamente prejudiciais”. Sobre a importância da alimentação no desporto, Diogo Silva refere que “os jovens preocupam-se, mas algumas necessidades são, por vezes, mais fortes que o bom senso”. O atleta diz ter sempre em conta o conceito de bons hábitos alimentares,

e segue várias dietas para melhorar o seu desempenho desportivo. “É uma boa forma de manter e até melhorar a minha forma física”, começa por explicar. “E também pode influenciar a minha forma psicológica”, acrescenta. O jogador assume que comete “os seus pecados alimentares”, mas sem grandes exageros. “Como dizem os especialistas, o nosso organismo tem algumas necessidades, faz parte do nosso metabolismo.”, refere. O desportista sublinha ainda a importância que dá à alimentação, baseando-se em estudos científicos. “Actualmente está provado que uma boa alimentação é a génese de uma maior longevidade, de um corpo saudável e activo, o que aumenta o desempenho físico e psicológico de um atleta. Como consequência, aumenta naturalmente a margem de progressão de um atleta”, conclui. SANDRA SILVA


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INTERNACIONAL

Presidente do Sudão com mandado de captura DR

MARÍLIA CUNHA

No passado dia 4 de Março, o Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, emitiu um mandado de captura contra Omar Al-Bashir, presidente do Sudão, por crimes de guerra e crimes contra a Humanidade. AlBashir é suspeito de ser indirectamente responsável pelo assassínio, extermínio, tortura, violação e deslocamento forçado de uma parte da população sudanesa. É ainda acusado de pilhagem e de dirigir intencionalmente ataques contra a população civil. O mandado foi emitido após o pedido de 14 de Julho de 2008 do procurador Moreno Ocampo que pedia a emissão do mandado de captura contra Al-Bashir pela sua alegada responsabilidade criminal no genocídio, crimes contra a Humanidade e crimes de guerra contra os Fur, Masalit e Zaghawa, grupos étnicos do Darfur. O Tribunal foi da opinião que havia provas suficientes da responsabilidade do presidente em, pelo menos, um dos crimes e que a sua captura seria necessária para assegurar a sua comparência em tribunal e a não obstrução da investigação. Al-Bashir não está acusado de genocídi: a maioria dos juízes não encontrou provas suficientes do Governo do Sudão ter agido com intenção de exterminar os grupos étnicos da região do Darfur. Contudo, os juízes afirmaram que uma adenda incluindo o crime de genocídio poderia ser adicionada, se provas disso fossem encontradas. Esta foi a primeira vez que o Tribunal emitiu um mandado contra um presidente em exercício. Todavia, a função de Chefe de Estado de Omar Al-Bashir não o isenta de responsabilidade criminal: o Estatuto de Roma (documento constitutivo do Tribunal Penal Institucional) é aplicável a qualquer pessoa, independentemente do seu cargo e, para além disso, a imunidade que lhe poderia ser imputável sob o direito interno ou direito internacional não embarga a jurisdição do TPI. O Tribunal não possui forças policiais próprias, o que torna necessária a cooperação entre Estados para executar os mandados de captura. A resolução 1593 do Conselho da Segurança das Nações Unidas afirma que “o governo do Sudão e todas as partes envolvidas no conflito do Darfur devem cooperar totalmente e providenciar a assistência necessária ao TPI”. O Sudão tem a obrigação de cooperar inteiramente com o TPI na qualidade de membro das Nações Unidas e por estar vinculado ao cumprimento das resoluções

Omar Al-Bashir é acusado de crimes contra a Humanidade pelo Tribunal de Haia

A “TERRA DOS FUR” O Darfur é uma região no extremo oeste do Sudão, fazendo fronteira com a Líbia, Chade e República Centro Africana. Tem uma população de aproximadamente 7 milhões de habitantes com um baixo nível de desenvolvimento. É uma região pobre assolada por períodos de seca, mas também por grandes inundações. As etnias predominantes nesta região do Darfur são os Fur (Darfur significa “terra dos Fur”), Masalit e Zaghawa. Estas

etnias são maioritariamente muçulmanas, sendo esta a principal razão do conflito naquela região. O conflito que se estende desde 2003 opõe os militares sudaneses e os janjaweed (milícia com membros provenientes de tribos africanas falantes de árabe), pro-árabes, e os grupos não-árabes da zona, Movimento de Libertação do Sudão e Movimento para a Justiça e Igualdade. O governo sudanês recusa o envolvimento no conflito, apesar das provas encontradas pelo TPI do envolvimento indirecto do presidente sudanês Omar Al-Bashir nos ataques às

etnias Fur, Magalit e Zaghawa. Estima-se que 450.000 pessoas tenham perdido a vida neste conflito e que 2 milhões tenham fugido das suas casas. Um dos crimes mais hediondos deste conflito é a violação sistemática de mulheres e crianças por parte dos janjaweed, como arma de guerra. A violação é um meio para aterrorizar não só as vítimas, mas também as comunidades inteiras. Os filhos que nascem destas violações têm normalmente a pele mais clara, sendo por isso alvo da discriminação por parte da comunidade.

do Conselho de Segurança. Apesar desta obrigação, o governo do Sudão expulsou uma dezena de organizações não governamentais no mesmo dia da decisão como reacção ao mandado de captura. Vários apoiantes do presidente sudanês já mostraram a sua relutância em cooperar, sendo que o porta-voz do exército do país disse mesmo que “o exército reagirá com firmeza contra quem colaborar com o TPI”. Também o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês expressou a sua preocupação com a decisão do Tribunal; a China não é um membro do TPI, pois considera que as acções do Tribunal, entre outros argumentos, vão contra o princípio de soberania dos países. Esta tem sido a principal razão para a China (um dos maiores parceiros comerciais do Sudão, especialmente no comércio de armas) vetar, no Conselho de Segurança, o envio de forças para o Sudão. Segundo a Human Rights Watch, 90 % das armas ligeiras no Sudão provêm da China. A organização critica aquele país asiático pelo fornecimento de armas em troca de petróleo e gás. O governo chinês recusa as acusações, dizendo que o comércio de armas é diminuto e que os fornecedores de armas do Sudão são os países ocidentais. O Instituto de Investigação da Paz Internacional de Estocolmo (SIPRI) afirma, contudo, que no período de 2003 a 2007, o Sudão recebeu 87% de armas da Rússia e apenas 8% da China. As acusações sucedem-se, sendo sempre negadas por ambos os países. Também o governo da Venezuela questionou, no sábado dia 7 de Março, o mandado de captura do presidente Omar Al-Bashir. Segundo o vice-ministro de Relações Exteriores para a África, Reinaldo Bolívar, “a Venezuela questiona a intromissão nos assuntos legítimos e internos, na soberania do povo do Sudão e partilha o apelo feito pela União Africana, a Liga de Estados Árabes e numerosos países da comunidade internacional no sentido de evitar que os organismos de direito internacional se politizem para ser destabilizadores em África, particularmente no Sudão”. Para além da China, Venezuela, União Africana e Liga dos Estados Árabes, também a Rússia se manifestou contra o mandado. O Conselho de Segurança tem o poder de suspender a decisão do TPI, segundo o artigo 16 do Estatuto de Roma. No caso da prisão de Al-Bashir, este será informado sobre as acusações e os seus direitos. Será depois feita uma audiência para determinar se há razões substantivas para a sua responsabilidade. Se assim for, o caso seguirá para julgamento. Se não, Al-Bashir será libertado.


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INTERNACIONAL De Timor-Leste para Kullus Poema em prosa (1949) o mundo, as bonecas I de Ataúro Não são só um produto bonito: as bonecas de Ataúro também trazem emprego, actividade e auto-estima àquela comunidade de Timor-Leste. SARA MOREIRA *

O grupo Boneca de Ataúro está alojado na ilha com o mesmo nome, em Timor-Leste. Trata-se de uma iniciativa de empreendedorismo social, que levou um grupo de mulheres a criar uma oficina de artesanato, onde desenvolvem peças originais e criativas. As artesãs trabalham em pano e bordados, criando não só bonecas, mas bolsas e toalhas. Desenvolvem também trabalhos com materiais ecológicos na concepção de Biojóias. A ideia nasceu de uma proposta do Padre Luís Fornasier, italiano radicado em Ataúro, que, ansiando pela criação de emprego, convidou, em Novembro de 2006, Piera Zürcher, uma artista plástica suíça, a desenvolver algum trabalho com as mulheres da ilha. Piera criou o desenho original da Boneca, e propôs às artesãs que lhe dessem vida, partindo da tradição dos tais (tecidos típicos de Timor-Leste, todos feitos à mão), e da grande experiência que as mulheres já tinham em trabalho de costura e bordados. Foram lançadas com um prémio da UNICEF, em 2007, que lhes encomendou uma grande quantidade de bonecas para as escolas do país. Seguiu-se o interesse de algumas ONGs, uma exposição da Fundação Oriente, e a sua divulgação por diversos pontos de venda em Timor-Leste. Foram este ano convidadas a participar no Fórum Cultura e Criatividade, um evento Internacional de Arte, Cultura e Indústrias Criativas, que decorreu de 5 a 8 de Fevereiro de 2009 na Exponor do Porto. Tiveram assim oportunidade de apresentar o enorme potencial para a criação de riqueza, emprego e sustentabilidade do território, que o projecto tem. Sendo a primeira nação do milénio, com um passado conturbado, e com um laço forte a Portugal, a curiosidade que Timor-Leste levanta é grande. Sete anos após a independência é agora altura de mostrar ao mundo que é possível, com projectos simples, reinventar de uma forma original e criativa, a sus-

tentabilidade daquela comunidade. Para a vinda a Portugal, contaram com o apoio de várias entidades em Timor-Leste, como o Instituto Camões, que desde cedo apoia o projecto, o Banco Nacional Ultramarino, a Ensul e a Secretaria de Estado da Cultura. Este investimento foi feito por se acreditar que a estreia das bonecas de Ataúro além-fronteiras representa um passo importante na afirmação da continuidade do projecto. Tendo sido confirmado o sucesso da receptividade do projecto em Portugal, espera-se agora que a estratégia de internacionalização se alie às novas tecnologias da comunicação, como forma de contornar o isolamento das bonecas de Ataúro. Vejamos, o que é o projecto, se não houver quem compre as peças? E como pode o projecto ser conhecido, quando

se insere num contexto tão longínquo? Mais, a beleza da ilha e o seu potencial turístico têm sido subaproveitados, pela ausência de transporte acessível e regular, que a ligue à capital. O facto de só existir barco financiado pelo Governo uma vez por semana, faz com que Ataúro sofra de grande isolamento, dificultando o acesso a materiais para os seus habitantes (tanto no que diz respeito a materiais escolares, como de saúde ou mesmo de trabalho, no caso das Bonecas de Ataúro). Foi criada uma página oficial das Bonecas de Ataúro – disponível em www.bonecasdeatauro.com – e também um blog, onde podem ser acompanhados os passos na internacionalização do projecto – disponível em http://bonecasdeatauro.blogspot.com. Espera-se que estas presenças online sejam dinamizadas durante o ano de 2009, através da divulgação de conteúdos e fotografias, e também, a médio prazo, da criação de um catálogo online, e comércio electrónico. Acredita-se, apesar das dificuldades, que o projecto tem um impacto extremamente positivo naquela comunidade, que acima de tudo encontra, no trabalho artesanal uma grande motivação para melhorar a sua qualidade de vida.

* A autora tem ligação directa ao projecto (representa as bonecas de Ataúro em Portugal, através da associação Moving Cause).

Deixei-o entrar pela porta das traseiras. Estava uma lua cintilante. - Entra. Ele foi entrando, batendo as mãos, em direcção ao meio da sala. - Anda Kullus. Anda para junto do lume. Ele curvou-se sobre a grelha e esticou os dedos. - Tu não recebes calorosamente. - Eu? - Não existe união. Existe separação. - Eu não tenho preconceitos. - Tu tens um preconceito, respondeu Kullus. Tu és propenso ao frio. Mas guardas o frio lá fora e não admites o calor. Este não pode ser chamado de lume de maneira alguma. Ele é somente um aspecto da luz e da sombra nesta sala. Não se dedica à actividade que lhe foi prescrita. Não se move a partir de si porque careça da atenção e discernimento necessários ao seu crescimento. Vives a evitar esses dois elementos. - Senta-te, Kullus. Pega numa cadeira. - Eu não estou sozinho. - Ah? - Eu vou chamar, se me deres licença para isso. Eu sentei-me no meu banco. - Chama. À porta, Kullos chamou. Depressa uma rapariga estava na sala, envolvida num xaile. Eu acenei com a cabeça. Ela acenou com a cabeça. Ela inclinou-se sobre a grelha, demorou-se, ergueu-se, olhou para Kullus. - Aqui, disse Kullus. Ela foi para junto dele. Ambos subiram para a minha cama. Coloquei um casaco sobre o candeeiro e vi o tecto a encostar-se ao chão. Nessa altura a sala aproximou-se da chama na grelha. Desloquei o meu banco e sentei-me perto da chama na grelha.

II O projecto começou no final de 2006, e estreia-se agora além-fronteiras.

Kullus ocupou um quarto. A janela era fechada se estava calor e aberta se estava frio. As cortinas eram abertas se era de noite e fechadas se era de dia. Porquê fechadas? Porquê abertas?

- Eu tenho a minha noite, disse Kullus. - Eu tenho o meu dia. - Vives longe daqui? perguntou a rapariga. Kullus abriu então as cortinas. Porque as cortinas eram abertas se estivesse frio e fechadas se estivesse calor. Eu estiquei os meus dedos para a grelha. Porquê abertas? Porquê fechadas? - Eu conheço o frio, disse Kullus. - Eu conheço o vizinho dele. Sentate. Tu estás sozinho. E então eu sentei-me no banco que ele colocou para mim. - Tu não tens lume aqui, disse eu. Kullus afastou-se. Eu olhei para a rapariga. Ela falou apenas para mim. - Porque é que não vens para aqui? ela perguntou. - Isso é possível? - Consegues vir para aqui? disse a rapariga. - Mas como é que eu posso fazêlo? - Eu vou fechar as cortinas, disse a rapariga. - Mas agora é de noite. - Eu não posso fechá-las sozinha. - É a noite de Kullus. - Qual é o teu quarto? disse a rapariga.

III

As cortinas foram fechadas. Eu arrastei-me para longe do lume. - O que é que aconteceu a Kullus? perguntei eu. Ele mudou-se. No quarto dela, eu rastejei para longe do lume. - O que é que aconteceu a Kullus? Ela permaneceu junto da grelha. - Tu não vieste até aqui, disse ela. - Não. - Qual é o teu quarto? disse ela. - Eu não estou mais no meu quarto. O frio mudou-se para o canto. - O que é que te aconteceu? disse a rapariga. Tu mudaste. O tecto encostou-se ao chão. - Tu não retiraste o casaco de cima do candeeiro, disse eu.

TRADUÇÃO INÉDITA DE: BRUNO JOSÉ MONTEIRO


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U.PORTO

INSTITUCIONAL

BREVES CERCA DE 300 CURSOS DE FORMAÇÃO NÃO GRADUADA

Uma “Mostra” da ciência e um grande debate com a região A Mostra U.Porto conta este ano com um programa de debates e conferências paralelo. Alarga-se, assim, o leque de desafios à cidade e à região, durante os quatro dias do evento. É o regresso da ciência e inovação ao Pavilhão Rosa Mota. A Mostra U.Porto-Ciência, Ensino e Inovação, conhecida simplesmente como a Mostra da Universidade do Porto, regressa para mais uma aventura de quatro dias em que a ciência e o conhecimento inovador têm portas abertas à sociedade, às famílias e, especialmente, aos jovens aspirantes à Universidade. Para estes, a Mostra U.Porto é um lugar privilegiado que pode ajudar a consolidar ideias quanto ao futuro no ensino superior. Para a comunidade universitária constitui uma oportunidade para desenvolver as práticas de articulação com a sociedade, conhecer actores de outras áreas do conhecimento e descobrir um pouco do que a Universidade vai fazendo nesses outros campos. De 26 a 29 de Março (quintafeira a domingo), as 14 faculdades e alguns dos mais importantes centros de investigação da Universidade do Porto levam, então, parte dos laboratórios e um pouco do ambiente das aulas para o Pavilhão Rosa Mota, com o apoio de centenas de professores, investigadores e estudantes, dando a conhecer as actividades de ensino e investigação realizadas pela maior universidade do país. Os visitantes têm a possibilidade de assistir a várias dezenas de demonstrações da ciência e tecnologia e participar

pessoalmente em testes, experiências e ensaios. Noutras edições, por exemplo, foi possível entrar na pele de um agente do CSI e, em poucos segundos, identificar drogas com testes químicos. Colocar as luvas e vestir a bata de médico assistente e participar num parto simulado com manequins computorizados em tamanho real. Participar em experiências de extracção de ADN, observar uma colónia de bactérias verde-fluorescente por modificação genética, fazer rastreios médicos de todo o género, ou ainda declarar amor com a ajuda das palavras dos grandes poetas do mundo.

Oportunidade soberana

Só na Mostra é possível conhecer, num mesmo local, os mais de 50 cursos de licenciatura e mestrado integrado que são leccionados nas 14 faculdades da Universidade do Porto. As dúvidas naturais sobre o conteúdo dos cursos, a sua organização e as suas possibilidades profissionais podem ser esclarecidas pelo contacto pessoal com docentes e estudantes. O evento tem vindo, anualmente, a consolidar a sua condição de espaço de descoberta de vocações e de encontro entre a Universidade e a sociedade. Na edição de 2008, mais de 12.000 visitantes quiseram fazer parte desta festa do Conhecimento, onde é possível

QUE MAIS PARA ALÉM DA CIÊNCIA? CONFERÊNCIAS Paralelamente à Mostra decorrerão um encontro de comunicadores de ciência e um ciclo de conferências sobre as fronteiras do conhecimento científico, sob o título “Science: what else?” traduzível, por exemplo, em “que mais para além do conhecimento científico actual?”, ou “de que mais precisa a ciência, para além dos seus próprios circuitos e produtores?”. O encontro e os debates decorrerão entre os dias 26 e 29 de Março, no auditório da Biblioteca Almeida Garrett. Tanto os temas nas fronteiras do conhecimento científico como o encontro de comunicadores de ciência e de divulgadores do conhecimento científico contarão com peritos conceituados e com provas dadas na divulgação destes temas. Mas informações em http://www.up.pt. ENCONTRO DE COMUNICADORES DE CIÊNCIA 26 Março 9h30: Políticas de Comunicação de Ciência | 14h30: Ciência e Media || 27 Março 14h30: Experiências de Comunicação de Ciência CONVERSAS E DEBATES SOBRE CIÊNCIA 26 Março 21h30: O Anel da Criação – Física de Partículas || 27 Março 21h30: O Abismo Cósmico – Astronomia/Astrofísica || 28 Março 14h30: Produção e Eficiência Energética | 16h30: Território e Desenvolvimento | 21h30: A Cadeira de Deus – Biologia Sintética || 29 Março 14h30: Como se faz um campeão?; 16h30: Utopia e Ciência.

compreender o impacto que a Universidade do Porto tem na sociedade e no desenvolvimento científico e tecnológico do país. A VII Mostra de Ciência, Ensino e Inovação estará aberta entre as 10 e as 19 horas nos dias 26, 27 e 29 de Março – no sábado, dia 28, as

portas mantêm-se abertas até às 23 horas, sendo a entrada gratuita para todos os visitantes. Os grupos, nomeadamente os escolares, podem solicitar marcação de visita através do telefone 22 040 80 68. Para mais informações, consulte http://mostra.up.pt.

Quase 300 cursos não conferentes de grau estão inscritos no Catálogo de Formação Contínua da Universidade do Porto para 2009. Estão abertos à comunidade académica e a profissionais que procuram actualização permanente ou aprofundamento de conhecimentos. Trata-se de uma oferta alargada, em que participam as várias unidades orgânicas da Universidade, com cursos de formação contínua que vão desde a semana de duração até cursos pós-graduados de um ano. Em cada caso, são conferidos créditos ECTS (European Credits Transfer System). Da vasta oferta, constam cursos de Desenho, Alterações Climáticas, Qualidade da Água, Astronomia, Perfis de DNA, Marketing e Inovação, Análise de Dados e Métodos de Investigação, Técnicas de Procura de Emprego, Línguas, Cultura e Mentalidades na Contemporaneidade, Matemática e Arte e Culinária Saudável, entre muitos outros. Mais informações em http:// formacaocontinua.up.pt.

CARLOS TÊ FALA NO DIA DA UNIVERSIDADE Carlos Tê, escritor e letrista conhecido sobretudo pela autoria dos temas cantados por Rui Veloso, será o convidado para a Sessão Solene do Dia da Universidade do Porto, em nome dos antigos estudantes. A cerimónia decorrerá a 25 de Março, a partir das 9h30, no Salão Nobre da Reitoria (Praça Gomes Teixeira). A alocução, após a abertura pelo Reitor, será proferida por Jorge Rocha, professor da Faculdade de Ciências e investigador do IPATIMUP, e subordinada ao tema “Ciência e Sociedade”. Depois das intervenções iniciais, decorrerão a entrega do Prémio Incentivo, do Prémio Excelência E-Learning U.Porto e a Proclamação dos Professores Eméritos. Durante a tarde, às 17h00, está prevista uma visita guiada à exposição sobre os frescos de Giotto. Às 19h15, o concerto “Inspiração medieval na música de Câmara”, pelo Trio Vivan, na Igreja do Carmo e, às 21h00, a actuação do Orfeão Académico do Porto, na Praça “dos Leões”.


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FOTOREPORTAGEM FANTASPORTO: AMBIENTES PORMENORIZADOS

PEDRO FERREIRA

O habitual frenesim, à porta do Rivoli, antes do inicio da sessões

Um espectador aproveita para fazer uma pausa CÍNTIA MORAIS

PEDRO FERREIRA

Um cartaz “fantástico” como pano de fundo

O King Kong também marcou presença no “Fantas”


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FOTOREPORTAGEM MANUEL RIBEIRO

MANUEL RIBEIRO

MANUEL RIBEIRO

Apesar do discurso da crise, uma máscara sorri no Rivoli

Mário Dorminsky tira os óculos durante uma entrevista ao JUP/Rascunho MANUEL RIBEIRO

MANUEL RIBEIRO

Como é habitual, o Baile dos Vampiros encerrou o Fantasporto

Cerveja foi coisa que não faltou no Baile dos Vampiros


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ECONOMIA

A situação do emprego em Portugal Numa radiografia à situação vivida em Portugal, o JUP apresenta os conceitos e os acontecimentos mais relevantes dos últimos meses em matéria de emprego RICARDO FRANÇA

No passado mês de Janeiro, o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou novos dados sobre a evolução do desemprego. O JUP, imbuído do seu espirito criativo e aproveitando a publicação destes dados, foi à procura de mais informação, procurando apresentá-la de forma leve e atractiva. Assim sendo, enunciaremos alguns conceitos no âmbito deste tema e apresentaremos algumas empresas representativas das dificuldades provocadas pela actual crise, em especial ao nível do desemprego. Para 2008, o Governo previa uma taxa de desemprego de 7,7%. Segundo os dados do INE, a taxa de desemprego atingiu, no final do ano, os 7,6%, número inferior à previsão do Governo, constituindo um desagravamento face aos 8% verificados em 2007. De facto, verificou-se uma diminuição homóloga da população desempregada. Porém, o último trimestre de 2008 é marcado por um aumento de 0,9% em relação ao trimestre anterior. A explicação para a redução homóloga estará na diminuição de 7,8% (19,7 mil) no número de mulheres desempregadas, tendo o número de homens desempregados subido 9,7% (17,9 mil). Já o aumento verificado no último trimestre terá por base a evolução observada ao nível dos indivíduos à procura de novo emprego, de desempregados à procura de emprego há menos de um ano, dos indivíduos pertencentes às faixas etárias dos 15 aos 24 anos e dos 35 aos 44 anos e ao nível das mulheres em geral. A infografia ao lado contém informação diversa relativa a conceitos da economia do trabalho e a empresas que se encontram em dificuldades e reduziram ou pensam reduzir os seus quadros de pessoal. Destas empresas, natural destaque para as do cluster automóvel (fabrico de automóveis e seus componentes). De facto, não só em Portugal, como no resto do mundo, tem sido a indústria automóvel uma das mais afectadas pela crise, levando os governos a apoiá-las. A Autoeuropa, a mais importante empresa do sector no país, já assegurou a sua continuidade, garantindo os postos de trabalho permanentes e prevendo uma melhoria da situação após o Verão.

O BÊ-Á-BÁ DAS QUESTÕES LABORAIS A GEOGRAFIA DOS DESPEDIMENTOS

ALGUNS CONCEITOS POPULAÇÃO INACTIVA

conjunto de indivíduos de qualquer idade que, no período de referência, não podiam ser considerados economicamente activos, isto é, não estavam empregados nem desempregados

QIMONDA (Vila do Conde)

empresa de memórias para computadores e que enfrenta um eventual despedimento em massa devido a processo de falência da casa mãe alemã

POPULAÇÃO ACTIVA CARFER (Esposende)

empresa têxtil que pediu insolvência. Não efectuou pagamento de salários em Janeiro

CORTICEIRA AMORIM (Santa Maria da Feira) dos seus 3000 trabalhadores, dispensou 193, em Fevereiro

AUTOEUROPA (Palmela)

suspendeu a produção durante mais de 3 semanas e encontra-se a dispensar trabalhadores temporários

conjunto de indivíduos com idade mínima de 15 anos que, no período de referência, constituíam a mão-deobra disponível para a produção de bens e serviços que entram no circuito económico

LAY-OFF INTIPOR (Braga)

empresa que encerrou, procedendo ao despedimento dos seus trabalhadores

CONTROLINVESTE (Lisboa e Porto)

TAXA DE DESEMPREGO

dona dos jornais O Jogo, Jornal de Notícias, Diário de Notícias e 24 Horas. Iniciou processo de despedimento colectivo de cerca de 120 colaboradores

obtém-se calculando o quociente entre a população desempregada e a população activa

BORGSTENA (Nelas)

AEROSOLES (Ovar)

empresa de componentes para a indústria automóvel. Efectuou despedimentos e reduções de horários

empresa do sector do calçado. Reduziu a mãode-obra em cerca de 15% e fechou 30 lojas na Europa

refere-se à suspensão temporária dos contratos de trabalho sendo aplicada no caso da diminuição do volume de encomendas, que obriga a paragens de produção. Os trabalhadores não operam num determinado período de tempo, recebendo, durante as paragens, dois terços do seu habitual salário

LONGA DURAÇÃO

indivíduo desempregado à procura de emprego há 12 ou mais meses

DESEMPREGO CONJUNTURAL resulta da variação cíclica da economia, isto é, das épocas de expansão e das épocas de recessão

MARCOPOLO (Coimbra)

AP-AMONÍACO (Barreiro) empresa química cujo encerramento lançará no desemprego a larga maioria do seus trabalhadores

empresa de componentes automóveis com produção suspensa. Esta empresa emprega cerca de 220 colaboradores

PSA PEUGEOT-CITROËN (Mangualde) com produção reduzida. Há a possibilidade de não renovar o contrato a cerca de 600 trabalhadores

HI FLY HOLIDAYS (Lisboa)

operador turístico da Air Luxor. Entrou em processo de insolvência, interposto por um credor

TYCO ELECTRONICS PORTUGAL (Évora) a suspender contratos de trabalho por seis meses

NÚMEROS

8,7

POR CENTO foi a taxa de desemprego que se verificou no Norte, no 4º trimestre de 2008

3

MIL TRABALHADORES tinham, no primeiro mês deste ano, os salários em atraso. Este número diz respeito a cerca de 60 empresas

INFOGRAFIA: JOANA KOCH FERREIRA


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ECONOMIA

No banco não há como eles

São dois, são portugueses, têm estilo, aproximadamente a mesma idade e são difíceis de substituir. José Mourinho, treinador do Inter de Milão, e António Horta Osório, presidente do banco britânico Abbey National, mostram como dar crédito aos portugueses, mais do que justo, é absolutamente merecido. TIAGO PEREIRA

António Mota de Sousa Horta Osório, presidente do banco Abbey, nasceu a 28 de Janeiro de 1964 e concluiu a licenciatura em Administração e Gestão de Empresas na Universidade Católica Portuguesa, em 1987. Era já professor assistente quando acabou o curso. Começou a carreira na banca ao serviço do Citibank, fez um MBA no INSEAD e transferiu-se para o banco Goldman Sachs, em Londres. Poucos anos depois, em 1993, ingressou no Santander, um dos maiores bancos do mundo, presidido pelo espanhol Emílio Botín, onde ainda hoje permanece. Lançou o banco em Portugal, foi presidente do banco no Brasil e, com a aquisição do Banco Totta & Açores pelo Santander, passa a exercer as funções de presidente do Totta. Tinha 36 anos. Em 2006, novo voo na carreira, novamente rumo a Londres. O destino é a presidência do Abbey, outro banco, desta feita britânico, comprado pelo Santander. Trata-se, contudo, de um banco diferente. Não comercial, como o Santander Totta, mas hipotecário. Isso mesmo, do tipo daqueles que ficaram com a corda na garganta com a crise do subprime. O Abbey não ficou. Pelo contrário, viu os resultados crescerem, adquiriu dois bancos doentes, o Alliance & Leicester e o Bradford & Bingley, aumentando assim a sua dimensão (para o dobro) e o número de clientes. 2008 fechou

com uma subida de 21% nos lucros e com mais uma distinção para o banqueiro português: é considerado, pelo jornal City AM & CMC Markets, o terceiro homem mais influente da cidade londrina, uma das principais praças financeiras mundiais. Em entrevista ao “Jornal de Negócios”, em Outubro do ano passado, defende uma regra básica nestes momentos difíceis: a necessidade de trabalhar e poupar mais. Afirma que a crise actual é produto dos excessos gerados nos últimos anos, salientando que o crédito tem crescido a um ritmo muito superior àquele a que crescem os depósitos. Isso fez com que as pessoas se deslumbrassem e vivessem acima das suas possibilidades. Defende uma regulação mais activa, mas não excessiva e assume a existência de erros na governação dos bancos. Exalta a importância dos valores e da ética e exorta os governos a utilizarem a política fiscal, não têm outra alternativa, suportando défices que posteriormente terão de ser corrigidos, o que nem sempre acontece. José Mário dos Santos Mourinho Félix, treinador do Inter de Milão, nasceu a 26 de

O spread bancário é, basicamente, uma margem paga ao banco pelo crédito concedido. O contexto com que nos defrontamos com o termo no quotidiano está normalmente associado ao crédito à habitação, embora ele

junto do holandês Louis Van Gaal. Em 2000, espantou o mundo do futebol quando se anunciou a sua transferência para o Sport Lisboa e Benfica. Com a mudança de presidente no Benfica, José Mourinho abandona o cargo de treinador. Muda-se para a União de Leiria e constrói, com um orçamento de tostões, uma das melhores equipas da liga portuguesa. Antes de se mudar para

o FCP, em 2002, estava à frente dos dragões na classificação. Em 2003, remodela a equipa à sua imagem, vai buscar jogadores ao Leiria, Maniche à equipa B do Benfica, constrói o melhor Porto de sempre e a base da selecção nacional. Ganha a Taça UEFA e, no ano seguinte, a Liga dos Campeões. Em 2004, vai treinar o Chelsea, onde se sagra bicampeão inglês. Sai em 2007 após desavenças com Roman Abramovich. Está no Inter desde o início da época. As equipas de Mourinho têm a organização e a força mental da sua personalidade. Não admira que ganhem tantas vezes. O treinador português, qual guru da gestão, é frequentemente convidado por variadas organizações para dar palestras sobre motivação e gestão de recursos humanos. Liderar e gerir uma equipa de futebol, com todos os seus conflitos e diferenças individuais, não será muito diferente de gerir um quadro de pessoal. Dos discursos do Special One nessas apresentações ficam expressões como “O líder é aquele com quem vamos para a guerra de olhos fechados.” ou “Gosto de ter jogadores pobres que queiram ficar ricos, e sem títulos e que os queiram conquistar. Mas depois, por vezes, interrogo-me se o sucesso lhes faz mal.”. Talvez esta última seja a explicação para os jogos menos conseguidos do Inter, ou para a saída conflituosa do Chelsea, ou ainda para a máquina vitoriosa que construiu no FCP.

banco, daí o seu nome. Os empréstimos são activos dos bancos porque representam direitos que o banco tem sobre terceiros. As taxas de juro passivas são as taxas a que o banco remunera os seus financiadores. O financiamento dos bancos é assegurado pelos depósitos e pelo mercado monetário interbancário, mercado onde os bancos concedem empréstimos uns aos outros e onde a taxa de juro em vigor, para prazos de empréstimo ou maturidades entre uma semana e um ano, é a Euribor (Euro Interbank Offered Rate). Os prazos mais comuns para as taxas Euribor são 3 meses, 6 meses e 12 meses. A taxa de juro do crédito à habitação em Portugal está indexada à Euribor a 3 meses que se encontra, de momento (09/03/2009), nos 1,7%. Se um banco obter recursos junto de outro a uma taxa Euribor de 3% (taxa de juro passiva) e conceder crédito à

habitação a uma taxa de juro de 5% (taxa de juro activa), o spread implícito nesta operação é de 2%. Uma questão que muitos colocarão prende-se com a elevada descida das taxas Euribor que não é acompanhada por uma descida dos spreads em igual montante. Ora, o que os bancos estão a fazer neste momento é recuperar a sua situação patrimonial após as perdas com a crise financeira. Em contexto de incerteza e perante a necessidade de reequilibrar novamente as contas, vão-se protegendo mantendo um spread que lhes permite atingir os seus objectivos. Dentro de algum tempo poderão descê-los como, se houverem anúncios de novos problemas, subi-los. O spread acaba por funcionar como uma válvula de segurança para a banca. No mercado de capitais e na transacção de títulos como acções ou obrigações, também poderá ser utilizada a palavra spread. Sempre com o signifi-

cado de margem ou diferença. Se comprarmos uma acção ao preço de 3,70 € e a vendermos a 4.00 €, o spread é de 0,30 €. Ou se adquirirmos uma obrigação que nos ofereça 6% de taxa de juro quando a taxa Euribor é de 2%, existe um spread de 4%, na nossa perspectiva. O spread fixado depende de vários factores, sobretudo da procura e da oferta de crédito ou de títulos, conforme se trate de um spread bancário ou não, do risco associado aos empréstimos ou aos títulos, mas também da própria conjuntura económica. Quanto maior a procura por crédito ou por títulos, maiores tendem a ser os spreads. O mesmo se passa com o risco. Quanto maior o risco, maior o spread. Em períodos de maior turbulência, também se aumentam os spreads. Cada uma destas conclusões, porém, deve ser acompanhada da expressão “tudo o resto constante”, muito própria da economia. TIAGO PEREIRA

Dois portugueses de sucesso dentro e fora de portas

ECONOPÉDIA Spread (bancário): diferença, em pontos percentuais, entre a taxa de juro dos empréstimos (ou outros activos) e a taxa de juro paga pelos recursos. O spread é também, frequentemente, calculado sobre uma taxa de referência de mercado (e.g. Euribor). FONTE: BANCO BPI

Janeiro de 1963. Foi futebolista, mas, como jogador, nunca singrou. Investiu na carreira académica e formou-se em Educação Física. Chegou ao Futebol Clube do Porto (FCP) para ser tradutor de Bobby Robson. O técnico inglês cedo percebeu as qualidades de Mourinho e tornou-o seu adjunto, primeiro no FCP, depois no Barcelona. Com a saída de Robson da equipa espanhola permanece como ad-

também exista noutros contratos de crédito. Com a descida das taxas Euribor, há ambiente para o recuo dos spreads, mas, como vamos ver, não é exacto que assim seja. Quando no mundo financeiro se fala em spread, está-se a referir a uma diferença ou margem. Existem vários tipos de spreads. Os bancários são apenas um deles e aqueles com que nos vamos preocupar mais nesta Econopédia. O spread é a diferença entre as taxas de juro activas e as taxas de juro passivas. As taxas de juro activas são as taxas que os bancos cobram pelo crédito que concedem aos seus clientes. São taxas que remuneram os activos do


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CULTURA MANUEL RIBEIRO

Deolinda ao vivo na Casa da Música

“A Deolinda acaba por ser transversal a toda a realidade portuguesa” ENTREVISTA A ZÉ PEDRO LEITÃO CONTRABAIXISTA E VOCALISTA DOS DEOLINDA CARLOS DANIEL REGO

Ao lado da música popular portuguesa e do fado mora, algures nos subúrbios de Lisboa, o álbum de estreia dos Deolinda, “Canção ao Lado” que, em menos de um ano, atingiu o ouro e depois a platina. A pouco tempo de iniciar uma digressão internacional conversámos ao telefone com o contrabaixista da banda, Zé Pedro Leitão. No horizonte, navega, para Terra, um novo disco. Quem é a Deolinda? A Deolinda é uma personagem que vive nos subúrbios de Lisboa e que aparece na capa do disco “Canção ao Lado”. Terá entre os 40 e os 45 anos, vive com dois gatinhos, um peixe e um melro. Vive a olhar a vida dos vizinhos, a viver o dia-a-dia e a escrever canções. Quando e como surgiu o projecto? A Deolinda surgiu quando o Pedro, autor de todas músicas e letras, nos apresentou, a mim, à Ana e ao Luís, três ou quatro canções que tinha escrito para a voz da Ana. No primeiro ensaio que fizemos percebemos logo

que havia uma química entre nós e, ainda sem nome, podemos dizer que começou aí génese da Deolinda. Porquê o nome Deolinda e não outro como Maria ou Ana? Por acaso houve um nome anterior. A história começou assim: depois dessas três ou quatro canções, continuámos a ensaiar e foram aparecendo mais canções. A partir daquela altura, começámos a perceber que aquele conjunto de canções formava um imaginário de uma personagem feminina que ainda se encontrava em construção. O Luís lembrou-se do nome Ivone. Eu logo a seguir lembreime do nome Deolinda que acabou por ficar. No vosso site, a Deolinda aparece ao lado de personagens como a Amália, José Afonso, António Variações ou mesmo o Santo António. Essas são algumas das vossas influências? Sim. Isso até surgiu de uma forma engraçada. Quando o João Fazenda fez as ilustrações para aparecerem no disco preocupou-se em ter um retrato de família da Deolinda, isto é, ter personagens das histórias que aparecem nas canções, como a garçonete, alguns membros da banda filarmónica do “Fon-Fon-Fon” ou Toninho.

A partir daí, o João decidiu também introduzir algumas influências à Deolinda, que também coincidem com as nossas, como o António Variações, a Amália, o Sérgio Godinho ou o Alfredo Marceneiro. Já disseram várias vezes que a vossa música não é propriamente fado tradicional. Contudo, consideras que “Canção ao Lado” rima com Fado? Eu acho que pode rimar com Fado. Nós costumamos dizer a brincar que a nossa música é canção ao lado porque está um bocado ao lado do fado, um bocado ao lado da música popular portuguesa e um bocado ao lado da canção popular portuguesa. Realmente, “Canção ao Lado” pode rimar com fado porque o fado é uma das nossas grandes influências, por isso, já que não rima com música popular portuguesa, pode rimar com fado. O vosso primeiro álbum, “Canção ao Lado”, foi lançado em Abril de 2008. Esperavam atingir a platina em menos de um ano? Não. Nós já tínhamos dado alguns concertos de pequena dimensão antes do disco sair e percebíamos que as pessoas gostavam das nossas músicas e tinham uma reacção positiva. Percebíamos que quando alguém nos vinha

ver mostrava-nos depois aos amigos do MySpace e, eventualmente, se houvesse outro concerto mais perto levava alguns amigos ou os pais para ver. Agora, que isto fosse crescendo tão depressa como cresceu, de forma a chegarmos ao ouro e depois à platina, ainda o ano passado, não estávamos, de todo, à espera. Estão agora a preparar uma digressão internacional pela Holanda, Alemanha e Suiça? Como esperam ser recebidos? Nós esperamos ser bem recebidos. Já tivemos uma experiência lá fora, a 14 de Fevereiro, quando fizemos a primeira parte de um concerto da Teresa Salgueiro, num dia dedicado à cultura portuguesa, em Leuven, na Bélgica. E, por incrível que pareça, ao fazermos a apresentação das músicas em inglês isso acaba por quebrar a barreira das letras e da mensagem que não passa tão facilmente como para quem percebe o português. Além disso, sente-se que as pessoas compreenderam na mesma as histórias de outra maneira, se calhar mais pela musicalidade. Estamos com muitas expectativas para os concertos que vamos fazer lá fora em Abril e Maio. Agora que vão sair de Portugal, com quem vão ficar os gatos e o peixe da Deolinda?

Por acaso já resolvemos isso. Os gatos vão para casa de uma vizinha e o peixe, como é mais fácil de tratar, fica em casa da Deolinda e essa mesma vizinha, de dois em dois dias, passa em casa da Deolinda para lhe dar comida. Têm transformado os palcos onde actuam na sala de estar da Deolinda. Qual é a ideia que querem transmitir ao público? Ao transformar o palco na sala de estar da Deolinda tentamos, de um modo visual, colocar as pessoas mais próximas das histórias que a Deolinda conta e das suas vivências. Deste modo, as pessoas talvez consigam mais facilmente perceber todo aquele universo das músicas e todo o universo português que a Deolinda canta. Eu acho que a sala de estar da Deolinda é uma representação visual ou uma das visões da música que nós tocamos. Voltando um pouco atrás, há algum tempo estiveram na Casa da Música, sala esta na qual já tinham dito que gostavam de actuar. Foi um concerto especial? Foram momentos muito especiais, primeiro porque é uma casa fantástica e está num sítio espectacular e depois porque ao início era para ser só uma noite, que acabou por esgotar com muita antecedência, e, por isso, teve que se abrir uma segunda data que acabou também por se esgotar. Tivemos um público fantástico nas duas noites e realmente a Casa da Música tem condições impares em Portugal. Foram uns óptimos dias passados no Porto. No tema Movimento Perpétuo Associativo trocaram a parte que diz “agora não que joga o Benfica” por “agora não que joga o FCP”. De quem foi a ideia? Nós geralmente por piada e também por simpatia ao sítio onde tocamos, ás vezes, trocamos a palavra Benfica pelo clube da terra onde actuamos, embora agora isso só aconteça algumas vezes. Contudo, achámos que no Porto faria todo o sentido trocar Benfica por FCP. Acho que as pessoas ficaram contentes. A Deolinda, ao fim ao cabo, vive nos subúrbios de Lisboa, mas acaba por ser uma personagem transversal a toda a realidade portuguesa. Porque não às vezes o Benfica, outras vezes o Sporting e outras o Porto ou até o Beira Mar que é o meu clube. No final do concerto tiveram que repetir algumas músicas no encore. Achas que um novo trabalho poderia acrescentar mais alguma coisa às vossas actuações ou para já isso não está nos vossos horizontes? Já temos duas ou três músicas novas que apresentamos no concerto da Casa da Música e que não fazem parte do álbum “Canção ao Lado”. “Às portas de Benfica”, “Quando Janto em Restaurantes” e o “Fado Notário”. Temos estado a trabalhar em músicas novas. Um novo disco vai-nos permitir ter um espectáculo mais alargado e poder brincar ainda mais com o reportório. Estamos todos ansiosos, e espero que o público também esteja, por mais músicas e por mais discos.


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Serralves: 20x10

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CULTURA

Serralves comemora em 2009 vinte anos de Fundação e dez anos do Museu de Arte Contemporânea. MANAÍRA AIRES

MANAÍRA AIRES

A Fundação de Serralves, criada em 1989, assinalou uma parceria entre o Estado e cerca de 50 entidades representantes da sociedade civil. Actualmente, integram a instituição cerca de 149 entidades, entre empresas e privados. Segundo o director do Museu, João Fernandes, “um factor essencial é que Serralves não depende de contentos políticos nem de suas mudanças, não depende das estruturações governamentais, o projecto conseguiu construir uma grande autonomia e estabilidade ao longo desses anos”, afirma. Para a assessora do Museu, Marta Morais, “o dinamismo e a multiplicidade de acontecimentos são duas importantes características da fundação. Serralves leva ao público de Portugal eventos e exposições que as pessoas só teriam oportunidade de ver no estrangeiro”, complementa.

A programação

Com instalações, concertos, cinema, mesas-redondas e conferências, o Ciclo Documente-se! este ano incorpora a ideia de registos na primeira pessoa ao documentar práticas, vivências e opções de vida. O ciclo acontece em dois momentos, de 12 a 16 de Março e de 20 a 28 de Abril. No festival Serralves em Festa, segundo o director do Museu, João Fernandes, “os públicos poderão encontrar mais de cem actividades durante 40 horas no stop. Estima-se cerca de 80 mil pessoas no evento que será este ano a grande festa do aniversário do Museu, nos dias 29, 30 e 31 de Maio”. O grande bónus das comemorações é a Exposição da Colecção de Serralves. A partir do dia 30 de Maio, o público poderá presenciar “uma exposição da década de 60 até a atualidade. Nesta viagem temporal de 40 anos, as obras de diferentes artistas e épocas estarão em diálogo e confronto”, afirma João Fernandes. A mostra ocupará todo o Museu e o Parque e ficará em Serralves até o dia 27 de Setembro.

Novos Desafios

A Fundação de Serralves é composta por cinco sítios – o Museu, a Casa, o Parque, o Auditório e a Biblioteca –, mas é certo que o motor principal da instituição é o Museu, com mais de 400 mil visitas por ano. Para o director do Museu de Serralves, João Fernandes, o maior desafio dos museus de arte contemporânea “não é só conquistar novos públicos, mas o que fazer com esses públicos, porque muitas vezes os museus são vistos como monumen-

Vários eventos estão a ser preparados para comemorar os 20 anos da Fundação e os 10 anos do Museu.

tos históricos, em que o turista nem observa a sério o sítio onde esteve porque só objectiva ver as fotografias depois que chegar a casa”, afirma. “O que distingue um museu de um centro de arte é o facto de o museu reunir uma colecção que fica para a geração vindoura conhecer a arte do tempo em que vivemos”, ainda completa Fernandes. Ao contrário dessa perspectiva, alguns especialistas de arte acreditam que hoje os museus se tornaram verdadeiras galerias, em que o objectivo de construir uma colecção de arte passou a ser secundário em virtude da apresentação de exposições temporárias, colectivas e individuais. Essa dinâmica seria responsável por fomentar o diálogo entre os contextos artísticos de diferentes lugares, numa prática de globalização. Faz parte do novo entendimento de museu a organização de programas pedagógicos que ampliam os públicos interessados na arte contemporânea e suscitam uma relação com a comunidade local. “Os museus contemporâneos são hoje um espaço vivo, onde as pessoas encontram certas funcionalidades da vida contemporânea, como ir a um bar, a uma livraria, a uma loja”, afirma o director do Museu de

Serralves, João Fernandes. Alguns especialistas de arte ressalvam que o museu dos dias de hoje não é só um espaço de preservação, de conservação e de exibição de uma colecção, como ocorria na função tradicional. “Hoje, o museu também vira um ateliê, uma oficina, pois os artistas transferem os seus estúdios e trabalham dentro do próprio espaço museológico”, aponta Fernandes. Além disso, o museu é um espaço de intermediação entre o artista e os seus públicos. “Enquanto antes os museus eram feitos para pessoas que procuravam e conheciam arte, os museus hoje existem para as pessoas que não procuram e não conhecem arte”, completa João Fernandes. Para o docente Celso Santos, do curso de História da Arte da Universidade do Porto, “o museu hoje não é só um sítio de mostras, mas de debates, de música, de espectáculos, de cinema, ou seja, um espaço com acções de várias naturezas ao longo do ano. E Serralves sabe muito bem fazer isso, porque se tornou um lugar não só para se ver arte, mas para se debater as novas noções de arte e as práticas artísticas”. Para alguns investigadores da arte, o museu não é mais necessariamente o lugar de retenção do passado,

mas um lugar para exposições itinerantes e dinâmicas que resultam das mudanças no contexto da produção artística. “A arte já não é de parede, com aquelas esculturas e quadros todos organizados num espaço determinado. A arte de hoje é, sobretudo, de acções. Os modelos já não podem ser para o objeto de arte, mas sim para acção e para o discurso sobre essa acção”, afirma Celso Santos. Assim, o maior desafio dos espaços museológicos seria fazer com que tantas informações provenientes de diferentes fontes possam chegar aos mais variados públicos. Para além, conseguir fazer com que esses públicos descodifiquem uma arte cada vez mais complexa e conceitual. “A arte de hoje é difícil de classificar e compreender por ser pluridisciplinar, e o museu é o lugar para o discurso das artes se tornar mais claro, mais prático e mais abrangente, já que o nosso campo é tão fechado”, completa Celso. Para a docente Leonor Soares, também do curso de História da Arte da Universidade do Porto, o grande desafio dos museus de arte contemporânea é “conseguir conciliar a informação, que continua restrita e especializada, com o tipo de expectativas que as pessoas têm quando visitam o museu. creio que ainda não conseguiram isso

a nível suficiente, com uma dinâmica leve para o maior número de pessoas. Isto é, ainda não se conseguiu cativar o público na maneira de passar as mensagens”, aponta. A docente ainda completa: “Eu tenho ouvido de alunos do curso de História da Arte, quer dizer, estamos a falar de um público especializado, que ir a Serralves é uma ‘seca’. Imagine fazer pessoas que não são da área entender uma visão da arte contemporânea e associar aquilo às suas realidades, às suas vidas”. João Fernandes defende as directrizes de Serralves ao afirmar que “nenhuma forma de arte é difícil. Quanto mais conhecimento tivermos sobre outras obras de arte, mais estaremos preparados para ver pela primeira vez outras obras de arte”. O director ainda ressalva que muitas vezes as crianças são o melhor público para a arte contemporânea porque não têm preconceitos e não procuram na arte aquilo que a arte não propõe. “Muitas pessoas querem descobrir o que um artista pensou quando fez uma obra de arte ou qual a mensagem dela. Uma obra de arte não tem mensagem, não é uma forma de significação, não revela aquilo que o seu autor possa ser biograficamente”, finaliza João Fernandes.


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CULTURA

“Idiots and Angels” foi o grande vencedor do Fantasporto O JUP em parceria com o portal cultural Rascunho.net acompanharam todos os passos do Fantasporto numa edição especial on-line. Veja tudo o que foi escrito em www.fantasporto.rascunho.net. Aqui fica um pequeno resumo. DR

INTRODUÇÃO: RICARDO ALVES CRÍTICA: MANAÍRA AIRES

“Idiots and Angels”, do velho conhecido do Fantas Bill Plympton, acabou por ser o vencedor da 29ª edição do festival, arrecadando o prémio da secção Cinema Fantástico. Esta secção destacou ainda “Hansel & Gretel” com o prémio especial do júri (que acabou por vencer na categoria Orient Express) e James Watkins com o prémio de melhor realização “Eden Lake”. Na secção Semana dos Realizadores, “Moccow, Belgium” foi o galardoado, ficando o prémio especial do júri para Wim Wenders com o seu “Palermo Shooting”, e melhor realizador para Bent Hamer por “O’Horten”. O Prémio da Crítica foi para “Delta”, de Kornel Mundruczó e o da Audiência foi para “The Wrestler”, de Darren Aronofsky. É ligeiramente bizarro que o prémio do 29.º Fantasporto tenha sido atribuído a um filme de animação sem diálogos enquanto “Palermo Shooting”, que virá a ser um dos pontos de destaque da filmografia de um dos maiores cineastas europeus, tenha apenas levado apenas uma medalha de participação. Por esta altura também já se perdeu a necessidade de manter o apartheid a filmes vindos da Ásia, já não é uma novidade que há filmes muito bons a originar ali. Mas o facto de haver uma categoria como Orient Express poderá explicar como “Hansel & Gretel” ou “The Chaser” (este último com uma menção especial na categoria) não te-

PRÉMIOS FANTASPORTO 2009

nham obtido um maior destaque nos prémios principais.

Crítica

Um negociante de armas frequenta todos os dias o mesmo bar. Olhos pesados, corcunda, sempre a fumar e a beber: os aspectos físicos denunciam o carácter imoral, corrupto e violento do protagonista. Um belo dia, o homem percebe que lhe está a crescer, nas costas, um par de asas que possui vida própria. A bondade e a justiça das asas fazem o homem tentar livrar-se, sem êxito, daquele fardo que outrora lhe parecera um grande bónus. As asas nascem para aproximar o anti-herói da mulher que ama, a esposa do dono do bar, e acabam por tornar-se o objecto símbolo da redenção do homem. Bill Plympton constrói um belo filme de animação, no sentido mais clássico e estético a que a palavra belo possa ascender. É uma leitura muito peculiar de fábulas que permeiam a memória colectiva. A construção do enredo até parece uma continuação da alegoria da Parelha Alada, de Platão. Nesta alegoria, o homem fez tantas coisas erradas que as suas asas perderam as forças e, sem elas para o sustentar, o ser humano caiu no mundo das sombras, condenado a pairar apenas pelos espectros da verdade. Plympton devolve ao homem as asas neste mundo sombrio de excessos – grosseria, perversões sexuais, corrupção, ambição desmedida. E todas essas violações estão subordi-

SECÇÃO OFICIAL CINEMA FANTÁSTICO GRANDE PRÉMIO MELHOR FILME FANTASPORTO

Idiots and Angels – Bill Plympton (EUA) PRÉMIO ESPECIAL DO JÚRI/PRÉMIO SUPER BOCK

Hansel & Gretel – Gunnar Gudmundsson Phill-Sung Yim (COR. SUL) MENÇÃO HONROSA DO JÚRI INTERNACIONAL

Astropia – Gunnar Gudmundsson (ISL/GB/FIN) MELHOR REALIZAÇÃO

Eden Lake – James Watkins (GB) MELHOR ACTOR

Jack O’Connel – Eden Lake (GB) MELHOR ACTRIZ

Macarena Goméz – Sexykiller (ESP) MELHOR ARGUMENTO

Bill Plympton – Idiots and Angels (EUA) MELHOR FOTOGRAFIA

James Hawkinson – The Unborn (EUA) MELHOR CURTA-METRAGEM

Next Floor – Denis Vilebeuve (CAN) 19ª SEMANA DOS REALIZADORES

A edição de 2009 do Fantasporto ficou marcada pela crise

GRANDE PRÉMIO MANOEL DE OLIVEIRA, MELHOR FILME SEMANA DOS REALIZADORES

Moscow, Belgium – Christophe Van Rompaey (BEL)

nadas a uma: o excesso de liberdade leva o ser humano a ignorar os seus próprios limites, o que culmina em solidão e escárnio. Em termos estilísticos, o filme é sóbrio e elegante. O tom lírico (e por

vezes onírico) é preservado em meio a cores mornas e a um traço de desenho denso, com muitos rabiscos e um acabamento prodigioso. A trilha sonora é um espectáculo à parte, inclusive com a participação de Tom Waits.

PRÉMIO ESPECIAL JÚRI

Palermo Shooting – Wem Wenders (ALE/FRA/ITA) MELHOR REALIZADOR

Bent Hamer – O’Horten (NOR/ALE/ FRA) MELHOR ACTOR

Brian Cox– The Escapist (GB) MELHOR ACTRIZ

CRÍTICA

PALERMO SHOOTING WIM WENDERS

Palermo Shooting não é só um filme. Da forma como o fim para o qual foi pensado pelo realizador transformamno quase automaticamente num filme de culto. Um filme com uma fotografia exemplar pensado quase fotograma por fotograma, sensível ao movimento e com um ritmo lento mas propositado para nos arrastar para a forma como sentimos a passagem do tempo. Os ingredientes estão todos lá e passando pela homenagem até ao

ponto do ensaio, as referências para a filosofia inerente ao acto da captação de imagem agiganta-se sobre o público causando um rol de sensações que nos acompanham por muito tempo depois de sair da sala. Bergman e Antonioni são assumidos, mas há no filme muito mais. Há Dziga Vertov no Homem por trás da Camera de Filmar, há Barthes na procura do entendimento entre o fotógrafo e o objecto. Há um pouco de nós todos e

não foi por acaso que na apresentação do filme Wenders disse que era o primeiro filme interactivo a passar pelo Fantasporto. A história do filme é simples. Um fotógrafo famoso de renome mundial quer nas artes como na moda, Finn leva uma vida agitada, dorme pouco, o telemóvel nunca pára de tocar e a música dos seus auscultadores são a companhia mais constante e que lhe dão o poder de se isolar completamente do mundo. Na verdade a música é o primeiro tijolo na construção de um mundo só seu que tenta recriar nas fotografias que faz. A verdade fotográfica e a manipulação, o drama do fotógrafo perante a impossibilidade de capturar o

momento e a preocupação atenta com o que rodeia caracterizam esta personagem tipo com a qual é fácil, para qualquer fotógrafo, se identificar. Subitamente, a sua vida fica fora de controlo, uma viagem que o transporta para fora de si mesmo leva Finn a partir e deixar tudo para trás. A sua viagem leva-o de Dusseldorf até Palermo. Aí, vê-se perseguido por um misterioso atirador que o segue com um propósito de vingança. Sobre o resto, contá-lo seria um spoiler. O melhor conselho é que o vejam atentamente e o interpretem da forma que o realizador nos aconselha: sintam-se atingidos pelo shoot deste filme e interajam com ele. PEDRO FERREIRA

Mamatha Bhukya – Vanaja (IND/ EUA) MELHOR ARGUMENTO

Sergey Rokotov, Yevgeniy Nikishow – The Vanished Empire (RUS) SECÇÃO OFICIAL ORIENT EXPRESS PRÉMIO MELHOR FILME ORIENT EXPRESS

Hansel & Gretel – Phill-Sung Yim (COR. SUL) PRÉMIO ESPECIAL JÚRI

The Chaser – Hong-Jin Na (COR. SUL) PRÉMIO DA CRÍTICA Delta – Kornel Mundruczo (HUNG) PRÉMIO DE AUDIÊNCIA JN The Wrestler – Darren Aronofsy (EUA)


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CULTURA JOÃO TUNA

NUNO CARINHAS É agora no mês de Março que o encenador substitui Ricardo Pais como Director Artístico do Teatro Nacional São João. No entanto, Nuno Carinhas está ligado a esta casa desde 1996, quando encenou O Grande Teatro do Mundo, de Caldéron de la Barca. Estudou pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e tem colaborado como cenógrafo e figurinista não só em teatro como também em dança. Nuno Carinhas é, várias vezes, responsável pela encenação, cenografia e concepção de figurinos, dotando os seus espectáculos de uma grande preocupação plástica. Encenador freelancer, Carinhas tem vindo a colaborar com várias companhias e estruturas como o Teatro Nacional D. Maria II, Cão Solteiro, ASSéDIO e Teatro Nacional São João, e assinou espectáculos como “Amor de Dom Perlimplim” com Belisa em Seu Jardim, de Frederico García Lorca (1987), “A Ilusão Cómica”, de Corneille (1999), “O Fantástico Francis Hardy, Curandeiro”, de Brian Friel (2000), “Tio Vânia”, de Tchekhov (2005), e “Omnisciência”, de Tim Carlson (2008), entre outros.

Tragédia e comédia na estreia de Nuno Carinhas como director artístico do TNSJ

O jovem Brecht no Teatro Nacional São João “Tambores na Noite” (1919) é uma das primeiras peças de Bertolt Brecht. Uma comédia provocadora que marca o regresso do encenador Nuno Carinhas ao Teatro Nacional São João, mas agora como Director Artístico. MARIA INÊS MARQUES

O regresso de um soldado chamado Kragler “[...] por trás de uns biombos de cartolina de cerca de dois metros de altura, que representavam as paredes de um quarto, estava a grande cidade pintada de maneira infantil. Alguns segundos antes do aparecimento de Kragler, a luz luzia vermelha. [...] a Marselhesa que se ouve no último acto vinha de um gramofone”. São estas as indicações cénicas de Brecht logo no início da peça. Estamos entre Novembro de 1918 e Janeiro de 1919, no fim da Primeira Guerra Mundial. O Armistício antecede a abdicação do Kaiser, que leva à instauração da República de Weimar. Crescem as revoltas populares e surgem movimentos revolucionários como os Espartaquistas, comunistas apoiantes da revolução

Soviética, que serão, em Janeiro de 1919, derrotados pelo governo social-democrata. Por outro lado, intensificam-se as facções altamente nacionalistas e de extrema direita. É a esta Alemanha em crise e prestes a entrar em ruptura profunda que regressa Andreas Kragler. Soldado que combateu durante a Primeira Guerra e foi feito prisioneiro no Norte de África, Kragler volta a casa depois de quatro anos de ausência e depara com “um mundo de valores abalados”. A sua noiva, Anna, está grávida e comprometida com um novo rico que enriqueceu à custa da guerra. O choque e o desespero levam Kragler a juntarse aos Espartaquistas e proletários que marcham pela noite e invadem os bairros dos jornais. Mas a convicção política de Kragler não é verdadeira, resulta apenas do seu choque emocional e de desejo de vingança. Andreas é, portanto, um falso revolucionário

que, momentos antes de ser tomado como símbolo da revolta espartaquista, resolve, pragmaticamente, perdoar Anna e voltar para casa, para a “cama grande, branca e larga”. Uma escolha anti-expressionista O dilema que esta peça nos coloca é este: o homem pela sociedade ou por si mesmo. Kragler escolhe a segunda opção e admite-o sem qualquer vergonha. Este final, que leva Brecht a recusar um importante movimento social que, mais tarde, vai ser elemento em várias peças suas, tem a sua explicação no simples facto de o dramaturgo, nos seus primeiros trabalhos, querer afirmar um estilo próprio e demarcar-se do Expressionismo, em voga no início do século XX. Aproveitando o tema tipicamente expressionista do soldado que regressa a casa, Brecht não escolhe um final trágico, profundamente romântico em que o protagonista se

agarra a um ideal e se transforma como pessoa. Pelo contrário, Kragler é o protótipo do homem comodista que escolhe aquilo que é mais seguro e melhor para si. Por isso mesmo, Brecht insiste no abandono de quaisquer “olhares românticos” que aproximem a peça do Expressionismo e “embriaguem” o espectador. Afinal de contas, era este o maior objectivo de Brecht: que o espectador interviesse e assumisse uma posição crítica perante o que via em palco. Isto é o teatro “épico”, teorizado e desenvolvido por Brecht. Acção em três planos “Tambores na Noite” foi classificada como comédia pelo próprio Brecht. Na verdade, a “comédia”é protagonizada pelos burgueses ou “punhos brancos”, como forma de ridicularização desta classe que Brecht não suportava, sobretudo como público

de teatro. Neste plano, a cena hilariante protagonizada por dois burgueses que tentam escapar ilesos à revolta comunista merece grande atenção. Em contrapartida, existem mais dois planos: o do regresso do soldado, que constitui o enredo da peça e que é mais trágico e repleto de momentos de tensão, e as revoltas espartaquistas, que funciona como contextualização, como pano de fundo. No Palco do São João A nova encenação de “Tambores na Noite”, com tradução de Claudia J. Fischer, estreia no Teatro Nacional São João no próximo dia 20 e ficará em cena até dia 26 de Abril. Em palco, estarão nomes habituais do elenco residente como Emília Silvestre, Pedro Almendra, João Castro ou Jorge Mota. A música será, sem dúvida, elemento essencial neste encenação. Desde Wagner até à trágica e irónica “Balada do Soldado Morto”, canção escrita por Brecht, passando por ostinatos poderosos, feitos instrumentos rítmicos, que nos colocarão, decerto, bem próximos da revolta espartaquista. De resto, podemos contar com um cenário simples, onde sobressai uma enorme lua vermelha, símbolo do comunismo. Depois de o teatro alemão ter já pisado o palco do São João na presente temporada, com “O Café”, de Fassbinder, “Tambores na Noite” é um espectáculo a ser visto. Mas, como nos pediu o dramaturgo, “nada de olhares românticos”, por favor!


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CULTURA CONTA-ME COMO É...

Guardar e contar segredos RITA OLIVEIRA

O PostSecret é um blogue criado por Frank Warren (EUA) que agrega segredos de milhares de pessoas de todo o mundo. Os segredos chegam a Frank pelo correio, sob a forma de postais. Frank Warren vive nos Estados Unidos da América e há mais de 4 anos que conta segredos de outros a todo o mundo. Foi em Janeiro de 2005 que Frank criou o PostSecret (www.postsecret. blogspot.com), um blogue onde publica postais que lhe são enviados. Estes postais têm a particularidade de conterem segredos. Segredos do emissor da mensagem, que acaba por confiar no PostSecret como num psicólogo. Frank é orador e dá palestras sobre motivação por todo o país. A ideia começou quando distribuiu postais por 3 mil pessoas a convidá-las a partilhar um segredo: “Imprimi 3 mil postais endereçados a mim a convidar pessoas para partilharem um segredo comigo. Alguma coisa verdadeira e nunca antes contada. Entregueios a pessoas desconhecidas nas ruas de Washington há quatro anos atrás. E ainda tenho cerca de 1000 postais extremamente criativos enviados anonimamente todas as semanas”, conta.

Frank diz acreditar m todos os segredos que lhe são confiados e que, quando os segredos não correspondem à verdade, então, é possível que o emissor esteja a esconder verdades ainda mais negras e profundas. No blogue encontram-se segredos relativos a episódios caricatos, amor, sexualidade, trabalho, etc. O responsável pelo projecto afirma preferir os segredos mais chocantes. Exemplos desses mesmos segredos são os que dão conta de tentativas de suicídio ou testemunhos de violações. Frank diz que através do PostSecret as pessoas libertam o seu “eu” mais escuro, tornando-se mais livres. E é esta a ideia que é sustentada também por quem revela segredos a este orador. Há mesmo quem diga que o PostSecret é um autêntico psicólogo, pois a ele contam os seus segredos mais profundos, acabando por e sentir uma leveza e libertação que às vezes nem no psicólogo conseguem encontrar. Talvez pela sua condição de orador, Frank sente-se à vontade ao lidar com os segredos dos outros. Dedica grande parte do seu tempo ao PostSecret, mas ainda consegue arranjar tempo para dar as suas palestras sobre motivação bem como sobre o PostSecret. Além disso, ainda consegue ter tempo para apresentar livros sobre o PostSecret

DR

Um dos muitos segredos revelados no PostSecret em forma de postal

Além do blogue, o PostSecret tem ainda expressão no MySpace, Flickr, fóruns e outros sites de redes sociais

– compilações de postais que Frank foi convidado a fazer depois de atingir os 100 milhões de visitas no blogue - que acontecem um pouco por todo o país. Além do blogue, hoje em dia existe ainda um MySpace, Flickr, fóruns e outros sites de redes sociais dedicados ao PostSecret. Não será uma febre, nem uma

moda. A verdade é que apesar de estar a expor um segredo, de o estar revelar para todo o mundo, quem conta um segredo a Frank e, consequentemente, a qualquer pessoa no mundo, sente que está a falar com um “conselheiro anónimo e livre de censuras”, como contou ao JUP alguém que já enviou segredos.

AS AVENTURAS DOS CINCO

Triunfos do piano na música dance Não costumava ser nada de estranho encarar o piano como um instrumento propício para a música dançável. O Ragtime tocava-se no piano, claro, e a música popular americana da primeira metade do século XX está recheada de groove com teclas: o Jazz de Duke Ellington, o Boggie de Fats Waller, o Western Swing de Fred “Papa” Calhoun. Mesmo entre os primeiros rockeiros havia adeptos do piano – nomes como Little Richard e Jerry Lee Lewis dispensam introduções. Mas muito rapidamente, o Rock instalou a ditadura da guitarra, e o piano foi relegado quase completamente para as baladas, como símbolo de introspecção e pretensão ao clássico. Continuava a fazer dançar noutros cantos, claro, mais notoriamente na música latina, mas na Pop anglo-americana transformou-se em algo sóbrio e solene. Congratulemos portanto a música electrónica por devolver o instrumento à pista de dança, como um suporte melódico para a batida perfeita.

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“MOVE YOUR BODY” DE MARSHALL JEFFERSON (1986) O avô do Piano House e uma das canções mais conhecidas de sempre da música electrónica, “Move Your Body” apresenta o mesmo dilema de todas as faixas que atingiram estatuto icónico na cultura Pop: é difícil separar a música do momento cultural, dos clichés e da sobreaudição. Mas neste caso, vale a pena – não é por nada que “Move Your Body” também é conhecido pelo título de “House Music Anthem”.

do mais doce Piano House, culminando num freak out de sintetizadores no bom estilo Acid House. A DFA, editora a qual McLean se encontra associado, tem lucrado bastante com o reaproveitar das sonoridades Disco Sound praticado por artistas como Holy Ghost e Hercules & Love Affair, mas a meu ver McLean é a arma mais poderosa no seu arsenal. “Happy House” vinga pelo groove Paradise Garage da banda tanto como pelo desempenho vocal de Nancy Whang que, sem grande virtousismo, dá uma joie de vivre essencial à faixa.

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“HAPPY HOUSE” DE THE JUAN MCLEAN (2008) O meu single favorito de 2008 consiste em pouco menos de doze minutos e trinta e oito segundos

“SMALL BLACK CHURCH” DE MOODYMAN (1999) Ao longo da sua carreira, Moodyman tem insistido sempre de forma militante em realçar que a música

electrónica tem raízes negras (entre outras.) “Small Black Church” transporta assim o House ao Gospel dum sermão de Domingo. O resultado é uma faixa agressiva, insistente, uma mistura do sagrado e do profano que aguenta comparações com os maiores momentos espirituais dum Marvin Gaye ou dum Al Green.

4

“GOING BACK TO MY ROOTS” DE RITCHIE HAVENS (1981) Um cantor de Folk negro famoso por ter tocado em Woodstock, Havens não seria propriamente um candidato óbvio para a criação dum dos maiores hinos da música Dance. Mas se ouvirmos “Going Back To My Roots” é fácil entender o que atraiu os fãs de House que redescobriram a faixa: não a performance caracteristica-

mente solene de Havens, não os coros no bom tom blaxploitation dos anos setenta, mas aquele piano, aquele obsessivo, deliciosamente repetitivo piano.

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“THE MELODY (C2 REMIX)” DE FRANCESCO TRISTANO (2008) Tristano, residente em Barcelona, toma música erudita e tem cabelo de artista New Age. Admito sentir um certo medo de investigar o seu álbum, no qual alegadamente mistura música clássica com Jazz e electrónica, mas o certo é que sob a tutela remixal do grande Carl Craig, o puto sai-se bem. O piano está no centro duma faixa bem old school, recheada daquela melancolia cyberpunk que caracterizou a decadência urbana da Detroit que Carl Craig tem passado décadas a evocar. DANIEL REIFFERSCHEID


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CULTURA MARÇO/ABRIL 09

Cardápio TEATRO 20 DE MARÇO A 26 DE ABRIL

TAMBORES NA NOITE

4 DE ABRIL A 28 DE SETEMBRO

4 E 5 DE ABRIL

INVASÔES, PORTUGAL VISTO PELOS FOTÓGRAFOS FRANCESES

Teatro Campo Alegre

Casa da Música

18 E 19 DE ABRIL ATÉ 22 DE ABRIL

A ESTAÇÃO INEXISTENTE

10 RETRATOS, 10 ESCULTURAS GaiaShoping

WORKSHOP: DIRECÇÃO DE FOTOGRAFIA DIGITAL PARA CINEMA

ATÉ 22 DE ABRIL

RONY SIZE

Teatro Sá da Bandeira

NUMA JANELA DO EDÍFICIO PRESTES MAIA 911

Mar Shoping

ARTES PLÁSTICAS

Passos Manuel

REMADE IN PORTUGAL

DANÇA

Serralves

17 A 24 ABRIL

7 DE MARÇO A 11 DE ABRIL

4 DE ABRIL

NAZARÉ ÁLVARES PRINCÍPIOS ACTIVOS

THE WEATHERMAN – JAMBOREE PARK TOUR

Galeria Alvarez

Serralves

BAAL Teatro Nacional S. João

THIS WILL DESTROY YOU + WITHOUT DEATH PENALTY

16 DE ABRIL

RAMP

Teatro Sá da Bandeira

TRYANGLE

Breyner 85

15 DE ABRIL

26 DE MARÇO A 11 DE ABRIL 9 DE ABRIL

4 DE ABRIL

Universidade Católica

Teatro Carlos Alberto

4 DE ABRIL

MAGIC NUMBERS + LEGENDARY TIGER MAN + RADIOLA

Centro Português de Fotografia

Teatro Nacional S. João

2 A 5 DE ABRIL

8 1/2 FESTA DO CINEMA ITALIANO

4 DE ABRIL

ALÍPIO C NETO NY QUARTET & IVO PERELMAN TRIO Casa da Música

17 DE ABRIL

EMIR KUSTURICA & THE NO SMOKING ORCHESTRA

Pavilhão Rosa Mota

23 A 25 DE ABRIL

DEUS.PÁTRIA. REVOLUÇÃO

Teatro Carlos Alberto

6 A 8 DE ABRIL

OFINAS DA PÁSCOA: DANÇA CONTEMPORÂNEA Contagiarte

17 DE ABRIL 7 DE MARÇO A 11 DE ABRIL

EXPOSIÇÃO DE SABHAN ADAM

21 DE ABRIL 7 A 11 DE ABRIL

OLHARES

Porto-Rio

Galeria Arthobler

FOTOGRAFIA 21 DE MARÇO A 26 DE ABRIL

ANTI-CLOCKWISE + THE JILLS

AO ALCANCE DE TODOS

MÚSICA

THAT FUCKING THANK

Porto-Rio

Casa da Música

3 DE ABRIL

Centro Português de Fotografia

MIKE DOUGHTY

CINEMA

Passos Manuel

24 DE ABRIL

THE GLOKENWISE Armazém do Chá BRUNO SILVA || CARLOS DANIEL || FILIPA MORA


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JUP MARÇO | ABRIL’09

CULTURA Críticas

8/10 GRAN TORINO CLINT EASTWOOD Próximo de completar setenta e nove anos, Clint Eastwood apresentou num espaço de seis meses dois novos filmes: “Chagelling” e “Grand Torino”. O primeiro abraça enfadonhos lugares comuns e desinteressantes personagens encarnadas com pouco fulgor por conhecidos actores. O segundo, pelo contrário, é uma obra de valor inversamente proporcional à celebridade dos actores que compõem o seu elenco ou à grandiosidade dos seus cenários. Com o recurso a actores estreantes e uma filmagem extraordinariamente sóbria e intimista, quase naturalista, Eastwood compõe a história do irascível, incorruptível, incorrigível, austero, reaccionário e racista Walt Kowalski, personagem que o próprio interpreta de forma sublime. Depois da morte da sua mulher, reformado e com laços familiares quebrados, Walt, veterano da guerra da Coreia, vive de forma solitária num bairro multicultural, na companhia do seu Golden Retriever, das suas cervejas e de um “Gran Torino” de 1972. Para seu infortúnio, ou talvez não, Walt tem como vizinha uma família Hmong, escória étnica, a seu ver. De forma imprevisível, depois de salvar o adolescente Thao (Bee Vang) de um confronto com um gang asiático e de o ter como empregado durante uma semana (enquanto penitência por ter tentado furtar o seu “Gran Torino”), Walt torna-se progressivamente próximo da família Hmong, dos gooks, como lhes chama de forma comicamente abjecta: ‘I have more in common with these gooks than with my own spoiled-rotten family’. Na verdade, são vários os momentos do filme em que os maneirismos de Walt decalcam personagens de outros tempos. Quem mais poderia dizer “Did you ever come across someone every once in a while you shouldn’t have fucked with? Well, that’s me.” senão Dirty Harry. No entanto, em Grand Torino vemos misturado este registo de algumas das suas primeiras obras com o humanismo dos seus filmes mais recentes. Os profundos laços de respeito e amizade que se criam entre Walt, Thao e a sua irmã Sue (Ahney Her) conduzem-no no a iniciar uma verdadeira jornada de redenção espiritual e também de reencontro com afectividades esquecidas. Partindo de um argumento sobejamente bem escrito, com passagens de delicioso humor, Clint Eastwood reafirma-se como um grande mestre, alguém capaz de brilhantes exercícios de direcção cinematográfica e de interpretação de complexas personagens. “Gran Torino” reflecte esse domínio holístico da arte do Cinema e assume-se como uma das melhores películas na filmografia do realizador. JOAQUIM GUILHERME BLANC

7/10 DEOLINDA CASA DA MÚSICA A Casa da Música serviu, pela primeira vez, de sala de estar da Deolinda, uma menina de Lisboa que veio ao Porto deixar os rapazes do Norte em alvoroço. O entusiasmo foi tal que os bilhetes para o concerto esgotaram num abrir e fechar de olhos, tendo a menina, para agrado de todos, decidido prolongar a sua estada na casa com arquitectura esquisita (deve ter pensado ela) por mais um dia. Já no palco, um candeeiro suspenso do tecto pairava sobre três cadeiras de madeira clara e uma mesa de três pernas ornamentada com um pano bordado com coraçõezinhos e que servia de poiso a uma jarra de flores e a um retrato catita da Deolinda. Defronte a isto tudo, encontravase uma janela pequena com vista para uma sala Guilhermina Suggia a rebentar pelas costuras e que aguardava impacientemente a entrada da Deolinda em casa. Eis então que chega ao lar, à hora marcada, a Deolinda. Entrou sem bater, debruçou-se sobre a janela e abriu os cortinados para ver a procissão passar. Iam lá o brejeiro, “Fado Toninho”, “Não Sei Falar de Amor” e “Contado Ninguém Acredita”. Pelo meio lixou-se o romantismo com o “Fon-Fon-Fon” e animou-se o bailarico com “Ai Rapaz”. A procissão chegou ao adro, de punho fechado, com a bela música de intervenção, “Movimento Perpétuo Associativo”, que até teve direito a uma mudança de letra inesperada – onde se devia escutar “agora não que joga o Benfica” ouviu-se um “agora não que joga o FCP”. E a menina foi-se embora, corada, sob um coro de aplausos e assobios amigáveis. Mas, apesar de tudo, o reportório da Deolinda foi pequeno para o entusiasmo do público portuense. Durante a sua passagem pela Casa da Música, a Deolinda percorreu todo o álbum de estreia, “Canção ao Lado”, mas, mesmo assim, teve de voltar a entrar em casa, a pedido do público, mais três vezes para o encore. Repetiramse: “Fado Castigo”, “Fon-Fon-Fon”, “Fado Toninho” e, por fim, “Movimento Perpétuo Associativo”, com plateia a aplaudir de pé e a entoar “vão sem mim que eu vou lá ter”. CARLOS DANIEL REGO

4/10 ROSA MONTERO INSTRUÇÕES PARA SALVAR O MUNDO “Instruções para Salvar o Mundo” é um livro que poderia ter tomado muitos caminhos em direcção a géneros mais restritivos. Facilmente faria um livro de detectives, facilmente uma história de cordel. Rosa Montero acabou por escolher o caminho mais difícil que é, precisamente, manter o livro afastado dos grilhões restritivos de qualquer subtipo. Assim, “Instruções para Salvar o Mundo” - que poderia ter sido um sofrível policial ou um meloso romance consolida-se num razoável decadentismo. São três as grandes histórias que se cruzam: o taxista viúvo, o médio infeliz e a prostituta africana. Enquanto estas histórias se vão cruzando, há um mórbido serial killer em acção. Mata velhos sozinhos e prepara-lhes uma festa de aniversário com direito a bolo. As vítimas são todas encontradas com um sorriso no cadáver. É apelidado de assassino da felicidade. “Instruções para Salvar o Mundo” é um livro de acasos que se misturam. As vidas e as histórias tornam-se parte umas das outras. As relações e consequências vão-se tornando progressivamente mais previsíveis ao longo do livro. No princípio, fica-se com um gosto a policial barato, é dado grande ênfase ao caso do assassino da felicidade que se metamorfoseia numa simples metáfora para o tema central da narrativa. As histórias sobre as teorias científicas que tentam explicar a tendência do universo para a estabilidade soam a desculpa para justificar os acasos improváveis com que as pontas se unem. A atmosfera permanente de decadência está bem construída. A noite eterna que rodeia os tristes protagonistas invade, em muitos pontos, também o leitor. Há uma tristeza conformada em cada página que não passa despercebida. Rosa Montero conseguiu recriar a solidão de uma enorme cidade industrializada. As histórias regem-se por fórmulas, os desenlaces são previsíveis e a personificação de um assassino da felicidade é forçada. Salva-se a atmosfera criada que transpira das folhas e as representações da decadência e do abandono em Matías e Daniel. TIAGO SOUSA GARCIA

9/10 CLUBBING MARÇO CASA DA MÚSICA A edição de Março do Clubbing revelou-se uma das mais sólidas dos últimos meses. Enquanto os X-Wife se consagraram na cidade que os viu nascer, os ingleses Metronomy fariam a festa perante uma sala tão cheia como quente. Ao terceiro disco, os X-Wife provaram a sua consistência no panorama musical português, conseguindo atingir o sucesso muito graças ao hit “On The Radio”. E foi muito o público a chegar cedo para assisir ao concerto dos portuenses, que destacou o último álbum: “Are You Ready for the Blackout?”. Os temas novos, como “Summertime Death”, “Good Times” ou “Fireworks”, partilharam atenções com os menos recentes “Fall”, “Eno”, “Ping Pong” ou “Rockin’ Rio”, este último a finalizar um concerto seguro de uma banda que cresce a cada actuação. Aos ingleses Metronomy cabia o destaque da noite, com “Nights Out” na bagagem – álbum do ano passado que lhes trouxe o reconhecimento. Perante uma sala cheia e compacta, o trio subiu a um palco despido, com objectos luminosos colados no corpo ou instrumentos a ajudar na teatralidade da actuação, com direito a coreografias. “The End of You Too”, “Heartbreaker” ou “A Thing for Me” seriam pontos altos de um concerto que recordou ainda “Pip Paine (Pay The £5000 You Owe)”, primeiro disco do projecto. Já com a Sala 2 aberta a todo o público, o projecto inglês Modernaire encerrou a noite. Praticantes de uma pop electrónica descomplexada, contagiante e divertida, foi na atitude das duas vocalistas que o público encontrou motivos para assistir a um concerto que obrigou a banda a um encore recebido de forma entuasiasmada. Os Modernaire revelaram-se a surpresa da noite. Em simultâneo com os dois últimos concertos, o alemão Shir Khan esteve encarregue da animação na zona dos bares, depois da abertura da noite com Lovers & Lollypops Soft System. No cartaz constavam ainda as actuações de Labrador + P.MA, Henrik Rylander e Quarteto Concordas, além do documentário “Novas Águas de Março” apresentado por Álvaro Costa. BRUNO SILVA


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AMBIENTE

Centro de Investigação da UP ficará pronto em 2011 O novo Pólo do Mar, localizado em Leixões, é uma aposta do Parque de Ciência e Tecnologia da UP na investigação marinha.

UPORTO

ALINE FLOR

Foi oficialmente anunciado, no passado dia 19 de Fevereiro, o projecto de construção do novo Parque de Ciência e Tecnologias do Mar da Universidade do Porto, resultante dum protocolo entre o Parque de Ciência e Tecnologia da UP (UPTEC), a Câmara Municipal de Matosinhos e a Associação dos Portos do Douro e Leixões (APDL). O projecto envolve a construção de um centro de investigação sobre tecnologias marinhas e faz parte de um complexo que envolve também o alargamento do Terminal de Cruzeiros de Leixões. As obras deverão estar concluídas até 2011 e envolvem alterações nos dois molhes do Porto de Leixões. O orçamento global atinge os 51 milhões de euros, sendo que 19 milhões destinam-se às obras de alargamento do Terminal de Cruzeiros de Leixões, cujo concurso público foi lançado também no dia 19 de Fevereiro. Segundo um comunicado do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, o novo cais poderá, a partir de então, receber navios de cruzeiro de até 300 metros e terá um porto de recreio para 170 embarcações. Relativamente ao protocolo com a Universidade do Porto (UP), o Pólo do Mar funcionará como incubado-

importantes na área da investigação sobre tecnologias e ecossistemas marinhos. A criação de um centro tão perto do mar é um grande passo para a investigação na área, como afirma o Professor Carlos Gil Martins, do CIIMAR. As novas instalações englobam laboratórios e oficinas projectados e equipados especificamente para o Centro, um auditório para palestras e conferências e um tanque de 12 a 15 metros de profundidade que permitirá efectuar testes não só na área da biologia marinha como também da robótica submarina e de vários outros tipos de equipamentos usados no mar, possibilitando actividades como estudos de pressão que, actualmente, não são possíveis de realizar nas actuais instalações. A localização do novo centro permitirá também a existência de “toda uma actividade continuada, por exemplo, estações permanentes de monitorização da água”, e facilitará algumas tare-

O novo cais terá um porto de recreio para 170 embarcações

Novas instalações em Leixões vão potenciar a investigação marinha da UP

ra do UPTEC e será também a nova sede do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR). A UPTEC é a entidade da UP que apoia empresas inovadoras, de base tecnológica avançada, disponibilizando-lhes meios para que se desenvolvam e entrem com sucesso no tecido empresarial. O

Pólo do Mar, onde se desenvolverão empresas na área da tecnologia de aproveitamento de recursos marinhos, é um dos três novos pólos em que a UPTEC tem investido, ao lado do Pólo das Indústrias Criativas, que se situará perto da Faculdade de Direito, e do Pólo do Vairão, de indústria agro-alimentar.

No novo Pólo do Mar estará sedeado também o CIIMAR, um centro de investigação onde colaboram várias faculdades da UP que, em conjunto com o centro de investigação marinha da Universidade do Algarve e algumas faculdades do resto do país, forma um laboratório associado que tem desenvolvido projectos

fas, tais como ”os projectos de barcos autónomos em que a logística torna complicado, estando no Centro do Porto, fazer experiências no mar. Estando perto do mar, o acesso é muito mais rápido. Esta parte da investigação sofre benefícios.” A construção do novo centro constitui, também, uma “abertura do Porto de Leixões à cidade”, permitindo o acesso do público ao local e potenciando o contacto da população com a ciência e tecnologias do mar. O complexo é também muito significativo do ponto de vista turístico, especialmente devido ao alargamento do Terminal de Cruzeiros, podendo gerar um aumento significativo de receitas para actividades como o comércio e a restauração.

Substâncias cancerígenas na atmosfera Estudo da FEUP alerta para o aumento exponencial de substâncias cancerígenas na atmosfera provenientes das emissões do tráfego automóvel. A urgência de se estabelecerem limites nas concentrações de compostos tóxicos torna-se inegável para combater os riscos de saúde pública. Coordenado por Conceição Alvim Ferraz – docente do Departamento de Engenharia Química da FEUP e especialista em qualidade do ar - o projecto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e realizado durante quatro anos em parceria com o ISEP revela, após intensas medições

em pontos estratégicos da área metropolitana do Porto, o aumento preocupante de 3500% das substâncias cancerígenas nas partículas inaláveis presentes no ar. A investigadora alerta para a consideração obrigatória da “redução das emissões com origem no tráfego automóvel para a defesa da saúde pública” , sendo o risco de cancro um dos motivos mais preocupantes. A docente afirmou ainda, na publicação online “Ciência Hoje” (www.cienciahoje.pt) que, “Do tabaco pode-se fugir, mas o trânsito está por todo o lado. Temos de evitar tantos carros em circulação. É preciso tomar medidas para a redu-

ção das emissões dos escapes”. * Apesar de, já desde 1996, existirem directivas europeias de valores-limite de emissão de determinados poluentes atmosféricos que assegurem a qualidade do ar, ainda se encontram por definir os níveis de emissões de dióxido de carbono (CO2). A directiva e os limiares de alerta são fixados pelo Parlamento Europeu e o Conselho mas a sua aplicação efectiva é responsabilidade dos Estados-Membros. Pode ler-se no site, www.europa. eu, que “A qualidade do ar ambiente é controlada em todo o território dos Estados-Membros. Esta avaliação é efectuada através de diferentes métodos: por medição ou modeli-

zação matemática, ou pela combinação destes dois métodos, ou por estimativas. Esta avaliação é obrigatória nas aglomerações de mais de 250 000 habitantes ou nas zonas em que as concentrações se aproximam dos valores-limite.” Programas como o CAFE (Clean Air for Europe), de 2001, com objectivos definidos de controlo e gestão da qualidade do ar são indispensáveis face à perigosa conjuntura atmosférica actual. Mais indispensável ainda é respeitar e aplicar-se, verdadeira e efectivamente, as medidas teorizadas nos programas e tratados relativos a este assunto. Apesar da insuficiente proibição de tráfego automóvel no centro de

algumas metrópoles europeias (ou então, sujeitas a coima específica), ainda não se encontram definidos os limites de emissões urgentes de adoptar, a fim de proteger os cidadãos. * Por motivos protocolares, não nos foi possível ouvir a opinião da especialista, que só após a apresentação conclusiva final do estudo, estará disponível para esclarecimentos. O JUP contactou a Câmara Municipal do Porto para apurar a existência de medidas de controlo de tráfego automóvel na baixa da cidade, sem obter qualquer resposta. O JUP irá aprofundar este artigo na edição do próximo mês de Maio. FILIPA MORA


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JUP MARÇO | ABRIL’09

JUPBOX O QUE SIGNIFICA PARA TI ESTA IMAGEM?

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TEXTOS: CARLOS DANIEL REGO E RICARDO ALVES FOTOS : MANUEL RIBEIRO

GABRIEL FARIA DESIGN DE COMUNICAÇÃO

JAIME COELHO ENGENHEIRO CIVIL

A caracterização não está má. Já vi pior. Ela está com um ar um pouco assustado. É uma pessoa que veio ao Baile dos Vampiros mascarada. É melhor vir mascarado do que não vir mascarado. É uma oportunidade, para além do Carnaval, de poder exorcizar todos os nossos demónios e assumir uma personalidade alternativa.

Fantástico. Já venho cá há muitos anos. A imagem transmite, no fundo, aquilo que se passa neste festival. Continuem.

MARIA SOFIA MORGADO REALIZADORA DE CINEMA

MANUELA AZEVEDO VOCALISTA DOS CLÃ

É o lado lunar de cada pessoa. Simboliza a parte mais escura e encoberta. É o inconsciente de uma forma não manifesta.

Bailarina de sangue frio.

O JUP oferece 2 Vouchers de Formação Rumos no valor de 200€ cada! Condições Gerais: Ser um dos dois primeiros a mandar um e-mail para jup@jup.pt a partir do 15/02/09. O e-mail tem de vir com o assunto “oferta rumos” e tem de conter o teu nome e o teu número de telefone. Os Vouchers têm validade de 6 meses após a atribuição. Os cursos são apenas viabilizados com um número minimo de participantes. A não viabilização implica a passagem para a data seguinte de calendário.


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DEVANEIOS DR

A minha falência humana é um bombardear de matérias soturnas perfuradas com visão privilegiada para os teus cachos de corações que parecem prontos para a vindima do pensamento. A tua temperatura não engana ninguém: estás viva e acendes a noite com a fogueira desencadeada da tez incandescente que é mascara de mil feições. Incendeias-me a minha pessoa, criança feita à tua beira. És o sopro fraco que derruba o meu forte castelo de cartas construído com uma vida de avanço. Atrais-me e és carnaval que rutila a estadia em mim. Fazes-me viver, apenas para me ires matando aos poucos, como tanto te convém. Restrito era o nosso espaço, cega a nossa condição.

Beija este texto como o musgo beija o tronco nu. Querias a solidão de amparos, agora estás presa por fios à farsa dos compinchas que te aturam a favor encomendado por quem tem nojo a ver-te encostada a um canto que já tem o teu nome

Finalmente, a conclusão. O êxodo contundente de ti face à minha vida. Não quero querer, mas caio-me no chão, pés de um qualquer mês assinalado no calendário com a tua partida. Queria ser cacho à espera da vindima de um qualquer desamor intemporal. ******

Pendes para a depressão enquanto te estacam felicidades genéricas. Ainda hás-de gritar pelo peso do mundo que te aboliu à mínima levitação do teu estado embriagado de festividades. A menina que dança é a menina que chora os passos quando as luzes se apagam. De tanto criticares os vultos tornaste-te num. Consome-te o dissolver da vida concreta. Não te preocupes, dizem os progenitores. Concluindo com o tradicional: “é só uma fase.” É só uma fase; era só uma fase e agora serás fase reduzida ao esqueleto dentro de um caixote trabalhado pela terra que te cobre. De disjuntor humano passaste a memória sem matéria para sofreres o gozo dos outros que agora mascara-se de lágrimas sempre que o teu nome é chamado a intervir.

PEDRO S. MARTINS

A página DEVANEIOS está aberta à tua participação. Envia os teus textos e imagens para jup@jup.pt


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OPINIÃO

MANUEL RIBEIRO

te uma música: era um tempo, era a juventude alicerçada num desejo de a marcar no Mundo. Ao ouvi-la voltava, por momentos, ao seu coração a ligeireza esquecida de sonhos assim guardados nas notas da melodia. A vida faz-se mais real assim. Quem chega depois encontra o nosso mundo secreto construído em cima destes símbolos – palavras-passe de

É isso que encontra quem chega depois à nossa vida: todo o nosso arsenal de recordações onde vencemos a solidão

A PARTILHA Percebera porque os afectos o tinham cativo. Por que é que eram os mesmos rostos que afloravam na face dos seus dias. Os dias enchem-se do que acontece em simultâneo nas nossas vidas e nas daqueles com que dividimos o caminho. Isso é a partilha. A tudo o que entendemos e se nos revela com um significado único. Era assim que os outros haviam conquistado sobre si os dias que ainda não tinha. Ao ligarem-se as suas vidas por uma música perfeitamente prosaica; ao terem descoberto o sentido que afinal tinha uma qualquer coisa comum, garantiam a entrada nesse

reino seguro que é o do entendimento. A união que se estabelece e se cristaliza em pequenas coisas à nossa volta é uma forma de a sentirmos mais real. É o corpo partilhado sem profanação. E assim, ao som de uma determinada música; ao passar, de novo, por um local específico era a memória de alguém que aparecia por perto. O atribuirmos o mesmo significado às coisas do mundo mantém-nos secretamente ligados. E o facto do mundo, assim de surpresa, pôr no nosso caminho o som de palavras já ouvidas, dá-nos a ilusão de que há algo que se mantém para lá de nós, para lá do que se quebra e emudece.

Quando o corpo pesa menos e há alguém que conflui connosco na corrida dos dias, vamos bebendo uns dos outros o sentido por onde segue, afinal, o caminho. E vamos cravando na nossa memória conjunta aquilo que aprendemos como a linguagem do mundo. É isso que encontra quem chega depois à nossa vida: todo o nosso arsenal de recordações onde vencemos a solidão e nos encontramos com alguém. Coisas a que continuamos presos ou para onde nos foge o pensamento sempre que a nossa pele passa por elas, outra vez. Vivemos sempre na vida dos outros. É a nossa lembrança que as visita no som da música que havíamos

DESAPARECEU DE CASA DE SEUS PAIS #2

Morte na Família Nunca tinha ido de carro para o Algarve durante o Outono. Mas naquela manhã de Novembro, num dia de aulas, acordaram-me para ir até Albufeira. Perguntei se havia piscina lá no sítio para onde íamos e não me responderam. Perguntei pela bóia do golfinho e a resposta foi mais um longo silêncio. A insistência valeu-me a chapada que me calou até pouco depois da ponte sobre o Tejo. Foi por essa altura que comecei a vomitar. Era um ritual de viagem que deixava toda a gente incomodada. À mínima mudança de latitude o meu estômago parava e minutos depois eram os estofos do carro a saber como tinha sido o meu pequeno-almoço. O meu pai tinha, por aquela altura, equipado o nosso Peugeot 504 (branco, cinco portas) com uma pequena

fita de borracha que pendia do páralamas de uma das rodas de trás. Um fio preto, gasto na ponta, que tocava o asfalto e era, segundo ele, um «descarregador de electricidade estática». Comprou-o numa altura em que íamos todas as semanas ao médico a Lisboa por causa de umas dores de cabeça difíceis de justificar – era astigmatismo – mas o oftalmologista só veio depois do neurologista. Explicaram-me então que esse fio de borracha ligava o carro ao alcatrão fazendo circular a electricidade estática. E era essa electricidade, que eu não podia ver, nem cheirar nem sentir, que me fazia enjoar. O método resultou, e não vomitei enquanto soube que estava lá a fita presa ao pára-lamas. Quando me senti mal a caminho do Algarve o meu pai levou-me até

à traseira do carro e deu mais uns nós no pedaço de borracha: porque se calhar não estava bem preso e a electricidade andava por aí à solta. O resto da viagem foi tranquila. Dois dias antes de partirmos, ligaram para o café debaixo de casa a pedir para falar com o meu pai, que não estava. Foi a minha mãe quem desceu a atender o telefone e quando voltou foi para o quarto esperar: «Diz para ele vir aqui ter quando voltar». Na televisão estava a dar o resumo de um jogo do Benfica para as competições europeias. Yuran marcou um golo (assistência de Vítor Paneira) mas o resultado final foi uma derrota humilhante. Ainda assim, achei um exagero quando vi o meu pai a chorar a caminho da casa de banho. O meu tio Zé lembrava-me sempre

escolhido para nos dizer. Quem chega depois significa por outras coisas. Significa o mesmo ou mais até. Mas nunca pelo mesmo. O que vem depois instala-se noutros lugares da nossa vida. Lugares onde tudo pode e começa do nada. Onde o chão é todo seu para ficar. Prendera a vida e certos tempos dela ao som de certas palavras, ao corpo de certos objectos, ao significado aparentemente vazio de certos números ou ocasos. E ela aí continuava, como se se confundisse o que as coisas eram por si e o que ganhavam depois da sua vida se exilar nelas. Aquela música não era mais somen-

o Bebeto, avançado da selecção brasileira, campeão do mundo em 94, ponta-de-lança com uma carreira discreta a nível de clubes. O tio Zé era o mais novo dos meus tios e jogou à bola até morrer naquele acidente de mota. Era defesa central, um sarrafeiro à antiga que gostava de subir nos cantos. Jogava à bola para poder estar com os amigos e para não ter de estar com a mulher. Fumava nos intervalos e lembro-me de o ver pedir uma passa a um espectador enquanto esperava que um colega fosse assistido. Morreu num acidente de mota. Ia à pendura para uma festa de despedida de solteiro. Soube ao chegar a Albufeira que a mota era uma Honda. Foi só isso que eu quis saber quando percebi o que fazíamos todos no Algarve sem precisar de um par de calções de banho. O tio Zé era também meu padrinho, e ao saber que ele tinha morrido percebi que não ia receber a prenda dele nesse Natal. Nessa altura deu-me vontade de chorar, mas aguentei as lágrimas por vergonha do meu egoísmo. O meu pai foi à polícia buscar um

um mundo que vinha antes. E podemos, como amantes tímidos, desvendar alguma da magia que a partilha nos fez prender nessas coisas. E começar a beber nas pautas deste outro que chega um novo entendimento. Mas será sempre uma voz a que falta a pele; um significar que principia mas por outros caminhos. A vida é mesmo assim. Talvez a partilha seja a forma de darmos o nosso nome conjunto a alguma coisa que sempre nos guarde assim com alguém. E, em boa verdade, é garantir que o mundo quando nos visite na forma dessa canção ou dessa coincidência repisada nos mantenha perto do que já fomos. Partilhar é condenar o outro a um exílio nas coisas que partilhamos. Com elas volta sempre quem perdemos. Como se tudo continuasse na mesma. E talvez esses símbolos sejam o lugar da concórdia e da eternidade que os outros conquistaram na nossa vida. E uma forma de neles voltar o nome que já foi o nosso. RICARDO MESQUITA RICARDO67@IOL.PT

papel que descrevia o acidente, assinar outros papéis, falar com pessoas. Fui com a minha mãe à florista. O resto da tarde foi passado de carro pelas estradas largas dos arredores da vila, com menos carros e menos calor do que o costume. Os meus pais iam à frente em silêncio: o meu pai com um olho na estrada, de pescoço voltado para os rails e mapa ao colo, a acelerar e abrandar. «Não é aqui». A minha mãe no banco da frente com um casaco de cabedal sobre os ombros, de respiração pesada. Andámos às voltas durante mais de uma hora e parámos em quatro sítios. Anoitecia e levantava um vento frio a dizer que não, que com este tempo não se vendem casas de fim-de-semana. O meu pai deixou o ramo de flores tombado ao lado de um rail a seguir a um cruzamento. «Este serve». Perguntei-lhe se devíamos rezar, mas ele fingiu não ouvir. Levou-me pela mão até à fita de borracha junto à roda traseira e apertou o nó. Voltámos para casa de seguida, com os espíritos pacificados por dois gestos inúteis. MANUEL LEAL MANUEL.LEAL1983@GMAIL.COM


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OPINIÃO A CRISE É AFECTIVA DR

… Lembras-te de, quando apaixonada e antes de saberes se eras ou não correspondida, te esqueceres de que havia mais mundo?... Qualquer pequena coisa parecia o Universo ou, no mínimo, uma pequena lua que escondia todos os sóis, porque o Sol, verdadeiramente, nem existia; e, se houvesse, seria uma cópia do sol que havia em ti. Como eras generosa!... Nada que fosse teu te pertencia. As tuas mãos – a tua posse – eram apenas a ilusão de uma paragem definitiva; eram mais o apeadeiro breve de coisas a que davas outros destinos… Chegaste a perguntar-me por que é que as pessoas jogavam na lotaria, havendo felicidades que o dinheiro não alcança – dizias tu, entre dois beijos e dois abraços, imaginários e dados de

borla, porque só a dádiva e o sentimento faziam sentido; enquanto, ao lado, alguém preocupado se interrogava sobre como viverias na reforma. Meu Deus!... tinhas a boca cheia de palavras que distribuías como cicatrizes para todas as feridas. O teu coração mais parecia uma panela, enorme, onde fervia a sopa dos pobres e de que os seios eram as asas que queimavam sem arrependimento. Mal comias e mal compreendias como era possível alguém ter fome. Sonhavas, de noite, e sonhavas, de dia. A realidade era a falsa visão que os outros tinham, porque tu tinhas tudo que eles não viam. Em ti, a vida fluía com tempo. As estações chegavam e partiam sem danos que fizessem perigar as florestas; e as ár-

vores, não sendo, todas eram de folha perene, porque achavas que, sem elas – as folhas –, os braços te lembravam deserdados expostos ao frio… E irritastete e solidarizaste-te com aquela senhora que, em Espanha, se opôs ao projecto do arquitecto que prescindia das árvores como quem se desfazia do um estorvo, assim como quem queria garantir que a sombra não desmentisse o estafado e iludido refrão, segundo o qual, quando nasce, o Sol nasce para todos – como se o Sol não brilhasse alheado de nós, dos hemisférios e das nuvens! …Recordo-me,perfeitamente. Lembro-me como se fosse noite que se abatesse, súbita, e trouxesse todos os maus agouros. Os aromas perderam-se, e, do entardecer, já os teus olhos se haviam

FESTIM NU

Nada contra, Rui O Rui entrou para o meu grupo alargado de amigos depois de ter confundido dois irmãos por um casal de namorados. Era um rapaz esquálido, de maxilares bem definidos e brinco. O Rui conhecia toda a gente e toda a gente conhecia o Rui. Mas sempre que o encontrava ele fazia questão de me dizer olá, mesmo que só se lembrasse do meu nome à segunda tentativa. Não ficava aborrecido porque

pelo menos o Rui sabia quais eram os amigos que partilhávamos e se eu nunca fiz grande esforço para gostar dele também era justo que ele nunca tivesse feito questão de decorar o meu nome. Em dias bons chamava-me por Mário ou Marcelo (“ah pois, eu sabia que era com M”). O Rui seguia as modas mais estranhas e estava em todas as redes sociais. Um dia disseram-me que o Rui tinha começado a drogar-se porque ia

sair à noite e era presenteado com cocaína por ser um cliente fiel. Que mentira tão grande. O Rui queixava-se que os boémios estavam cada vez menos violentos e que agora raramente batia em alguém com gosto. Para compensar os nós dos dedos por esfolar um dia fez uma tatuagem, mas, quando chegou à loja, o Rui não sabia bem o que queria. Pediu umas letras “naquela fonte fixe dos anos 70”, acima do umbigo, que

fartado, porque a queda era repetitiva e enfadonha e trazia o crepúsculo como espectáculo deprimente. As estrelas eram, agora, penduricalhos de mau gosto, que, sem grande utilidade, pendiam do céu, por achares que não se pode, sob a luz delas, conferir o extracto bancário – ora bolas!!! Quais, de entre as notas, as notas falsas?! Percebes, agora, por que te deste a construir impérios; por que deixaste cair no esquecimento tudo e todos de que te lembravas, no que dizias ser o esquecimento de ti?... No desamor, de facto, ou te inibias ou lesavas, porque o Instinto só tem duas saídas, quando sai machucado: o suicídio ou a vingança, podendo ser-se cadáver ainda em vida, se desistimos e não temos a coragem de nos suicidarmos – lembra-me de te falar na alternativa. Para teu desconforto – para maior desconforto –, eu digo-te que os impérios são celas, e que quanto maior for a cela –o império–, mais pequeno é o imperador, por não ter entendido que o que lhe pertence –à condição, naturalmente– está em si, e que tudo em redor é para nosso episódico usufruto. Dir-me-ás que te aviso atrasado, que já havias investido na Bolsa e que os imperadores se encontram, quase todos, falidos. E eu respondo-te que os imperadores são sempre criaturas falidas, com a facilidade, apenas, de pagar quaisquer contas, porque o Estado – como se prova – chega sempre em socorro para salvar os da família, por serem, todos, costumeiros viajantes do mesmo espaço. Para além do mais, tenho de te dizer que não há crises inesperadas, porque todas as tempestades são antecedidas por sinais. E eram mais que evidentes os prenúncios de uma realidade que seria abalada. Depois, este breakbusiness é só um interlúdio preenchido de falsos medos, uma espécie de gravidez psico-

lógica, em que a hipocondria faz dilatar o útero, e os seios parecem carregados de silicone. Eu adiantaria que a questão nem é de prejuízos, mas de estagnação ou, vá lá!, de diminuição dos lucros, porque era suposto ser o crescimento – mais décima, menos décima – ininterrupto, na manutenção de jogos estupidamente especulativos, e que o Hirst, o Damien, continuasse a vender tubarões, e outros animais encaixotados, a preços que, vivos e activos, ninguém daria por eles. Feito um balanço, sem dramas, talvez concluamos que a crise funciona como antídoto contra parte do caos e da mentira, propondo ou impondo o reajustamento das expectativas, na medida em que a crise, a verdadeira crise, é a mesma que tem impedido os economicamente deficitários de viver calmamente e, mais ainda, de ir a jogo – sempre que parece chegada a minha vez, porque não posso, passo. Nem fichas nem dinheiro; animado, no entanto, por saber ser o Instinto essa arma bendita e maldita que nos segura e nos desnuda, que nos torna permeáveis às vontades de tudo. Ele é o enigma que congrega a tese e a antítese; que se propõe e se contradiz, consoante entender como melhor a forma de satisfazer a sua conveniência, o seu interesse. Ilude-nos e arrefecenos; instiga-nos e dissuade-nos, como quem brinca, ingénuo e sarcástico, com a vontade e o medo de termos consciência. E é ele, ainda, quem vai levar, quem a tem, a desamarrar a pasta, quando sentir o sabor do tédio por não promover a viabilidade social ou não ir, pelo menos, às compras – proponho-te que vejas IMPÉRIOS?... SEM SENTIDO! Confirmarás que os extremos se tocam, por haver, na miséria, os que se matam pela escassez; e, na abundância, os que se matam pela fartura.

diziam MOTHRA IS LOVE. Não deve ter sido suficiente porque cada vez mais o Rui consumia pornografia violenta online. Dizia que era por curiosidade. Um dia o Rui falou-me da sua banda, mas eu sabia que era só ele no quarto a violentar a guitarra do irmão com um cabide de metal. O Rui gostava muito de teorizar sobre o Guitar Hero e sobre como poderia vir a ser um grande guitarrista porque jogava muito ténis de mesa em jogos flash online, exercício que supostamente lhe fortaleceria o punho e dedos. O Rui morava com o Cristóvão, um homossexual que faz anos em Julho, e por vezes dormiam juntos só porque o sofá-cama do Rui era meio duro. Um destes dias o Rui arran-

jou uma namorada, mas dizia-se que só andavam juntos porque o Rui queria dormir numa cama a sério para variar. Eu, que já a vi ao vivo e em fotos, desconfio que seja por mais qualquer coisa. Quando o Rui leu o Festim Nu “Contra o Brasil (mais ou menos)” pensou que eu estava a ser irónico em relação aos grupos musicais de que falo. Tive que explicar-lhe que não, que era sério e que o texto não pretendia ofender uma cultura, mas apenas parodiar uma visão condescendente. Por isso decidi vir aqui explicar-me para não correr o risco de atirar achas para uma fogueira onde não me quero aquecer. Assim sendo: mea culpa (mais ou menos). MIGUEL AZEVE-

RODRIGO COSTA RODRIGOVCOSTA@GMAIL.COM

DO MIGUELDEAZEVEDOCARVALHO@GMAIL.COM

FICHA TÉCNICA DIRECÇÃO DO NJAP/JU - PRESIDENTE Daniel Reifferscheid VICE-PRESIDENTE Cíntia Morais TESOUREIRA Marta Leal VOGAIS Luis Lago (JUP) || Filipa Mora (aguasfurtadas) || Miguel Carvalho (espaçosJUP) || Tiago Cruz (galerias) DIRECÇÃO DO JUP - DIRECTOR Carlos Daniel Rego DIRECTORA DE PAGINAÇÃO Joana Koch Ferreira DIRECTOR DE FOTOGRAFIA Manuel Ribeiro EDITORES EDUCAÇÃO Vânia Monteiro Dias SOCIEDADE Mariana Duarte INTERNACIONAL Luis Lago ECONOMIA Tiago Pereira CULTURA Filipa Mora AMBIENTE Rita Oliveira OPINIÃO Miguel Carvalho DESPORTO Francisco Ferreira COLABORARAM NESTA EDIÇÃO (por ordem alfabética) Adriano Cerqueira || Ana Catarina || Bruno José Monteiro || Bruno Silva || Cátia Monteiro || Cíntia Morais || Daniel Reifferscheid || João Queirós || João Tuna || Joaquim Guilherme Blanc || José Ferreira || Manaíra Aires || Manuel Leal || Maria Inês Marques || Marília Cunha || Pedro Ferreira || Ricardo França || Ricardo Pinto Mesquita || Rita Ferreirinha || Rodrigo Costa || Saulo Mirando || Sara Moreira || Susana Correia || Sandra Silva || Tiago Sousa Garcia Fotografia da capa José Ferreira Depósito Legal nº23502/88 Tiragem 10.000 exemplares Design logo JUP Bolos Quentes Design Editorial/Grafismo Joana Koch Ferreira Paginação Joana Koch Ferreira Pré-Impressão Jornal de Notícias, S.A Impressão NavePrinter - Indústria Gráfica do Norte, S.A. Propriedade Núcleo de Jornalismo Académico do Porto/Jornal Universitário Redacção e Administração Rua Miguel Bombarda, 187 - R/C e Cave 4050-381 Porto, Portugal Telefone 222039041 Fax 222082375 E-mail jup@jup.pt Apoios(2007) Reitoria da Universidade do Porto, Serviços da Acção Social da Universidade do Porto, Universidade Lusófona do Porto, Instituto Português da Juventude.


Desporto P11

Educação P4

Cultura P23

Ambiente P27

Opinião P31

A nutrição e o desporto

Parlamento Europeu abre portas aos estudantes

“Tambores na noite” na estreia de Nuno Carinhas à frente do TNSJ

Novo Pólo do Mar pronto em 2011

“A crise é afectiva”, sugere Rodrigo Costa

EVENTO NA PRIMEIRA PESSOA: EXPOSIÇÃO

3 Formas de Ver o Hospital de S. João LUÍS FERREIRA ALVES

Os cenários onde a morte está presente prenderam a atenção de Luís Ferreira Alves

RITA FERREIRINHA E ANA CATARINA

Olívia da Silva, Luís Ferreira Alves e Paulo Pimenta foram convidados a entrar, a percorrer e a fotografar o maior hospital da cidade do Porto numa altura em que Hospital S. João comemora o seu cinquentenário. A visita resultou na exposição “3 Formas de Ver o Hospital de S. João”, que esteve patente no Centro Português de Fotografia de 12 de Fevereiro a 15 de Março. Qual foi o seu principal objectivo ao fotografar o Hospital S. João enquanto edifício arquitectónico?

LUÍS FERREIRA ALVES Embora uma grande parte da minha actividade seja a fotografia de arquitectura, não foi nessa perspectiva que fotografei o Hospital de S. João, pois estamos perante um edifício de tipo alemão muito característico e, logo na primeira sessão, fui em busca de uma imagem que tinha na minha memória e que se referia aos pátios interiores. As duas imagens que obtive desse tema são aquelas que considero melhores no meu trabalho e que mais se aproximam do que tinha para dizer por imagens. O que é que lhe prendeu mais a atenção enquanto fotografava? LUÍS FERREIRA ALVES Sem dúvida, e não por morbidez, os cenários onde a

morte está presente, que nos interpela de forma irrecusável. Não se tratou de fotografar os mortos, mas a ideia da morte e os seus cenários. A experiência foi gratificante? LUÍS FERREIRA ALVES A enormidade do objecto fotográfico que me era proposto, percorrido por milhares de pessoas, palco quotidiano de centenas de acções, profissões, estados de alma, casos, máquinas, confrontada com o número de imagens a eleger – 12 – e face à minha forma de fotografar, causou-me uma certa angustia inicial e chegou mesmo a perturbar o meu modus faciendi, chegou a levar-me por caminhos que não são os meus e que, à medida que me fui

tranquilizando, acabei por abandonar. Por isso, as minhas imagens são as imagens que me interpelaram, que colhi dentro da minha perspectiva estética. Não são uma reportagem de tipo jornalístico, não contam nenhuma história, são imagens soltas que escolhi entre dezenas que ensaiei. São de facto as minhas imagens. Porquê é que se centrou no ‘’lado Humano’’ do Hospital S. João? OLÍVIA DA SILVA Uma unidade hospitalar é um local, por excelência, onde o profissionalismo, a seriedade, a solidariedade, o conforto e a responsabilidade apelam à personalidade do indivíduo. Um hospital e a ideia de o humanizar em termos fotográficos passou pelo registo fotográfico dos funcionários que se deixaram fotografar. Qual foi o motivo que a levou a fotografar os funcionários do Hospital, ao lado do quadro de D.João VI? OLÍVIA DA SILVA No decorrer do processo de trabalho fotográfico apercebi-me que o Hospital de S. João reúne uma vasta colecção de imagens e escolhi, particularmente, o D. João VI pela sua ligação ao ensino da medicina e pela valorização histórica do retrato na pintura. Quais foram as sensações que obteve, enquanto fotografava os funcionários do Hospital? OLÍVIA DA SILVA Foram muito diversas, mas as mais fortes relacionaram-se com a capacidade directa de conviver com a vida e a morte mesmo quando se fala de nascimentos. Gostou do resultado final do seu trabalho? OLÍVIA DA SILVA Sim. Porque criei uma mensagem que reforça a valorização das pessoas representadas e que contribuem, de forma unívoca, para a celebração das comemorações dos 50 anos do Hospital S. João.

PAUTA 18 VALORES JOÃO BERNARDES E DIOGO AYRES CAMPOS Os professores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto foram considerados, pela BioMedExpertes, como primeiro e terceiro melhores investigadores na área da Cardiotocografia. Mais uma razão para crermos naquilo que se faz em Portugal.

16 VALORES SERRALVES Serralves está de parabéns. De uma assentada, a Fundação faz 20 anos e o Museu de Arte Contemporânea 10. Para além da efeméride, é o comemorar de duas/uma decáda(s) dedicadas à promoção da arte contemporânea e do ambiente.

14 VALORES IJUP 09 A segunda edição do IJUP continua a mostrar porque é que este é o maior encontro de jovens investigadores do país. Pelo evento passaram mais de 350 trabalhos e 600 estudantes de todas as faculdades da Universidade do Porto. A falta de público na plateia foi a única mancha que ficou para o currículo.

3 VALORES TURISTAS EUROPEUS Os turistas europeus e, de certa forma, os turistas dos países mais desenvolvidos, ajudam a desenvolver, através do turismo, várias partes do globo. Todavia, são também muitos desses turistas que alimentam a prostituição infantil no Brasil. É o reverso vergonhoso medalha.

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