FREDERICK WISEMAN: O DOCUMENTÁRIO ALÉM DA OBSERVAÇÃO

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O mundo

Por João Cândido Zacharias

Alguns elementos no cinema de Frederick Wiseman são extremamente conhecidos e repetidos com frequência: seu foco são as instituições norte-americanas; ele não faz entrevistas; seu olhar é “observacional” etc. Besteira reducionista, eu diria. Nos últimos anos, dois dos principais filmes que ele lançou se passavam na França. Um deles – Crazy Horse – tinha uma sequência grande de entrevista que, ainda que estivesse sendo dada a outra câmera que não a de Wiseman, configurava-se como talvez a primeira entrevista de seus filmes. E quanto ao “observacional”, o próprio diretor repudia esse termo, definindo-o como limitador: “O que eu tento fazer é montar os filmes para que tenham uma estrutura dramática. É por isso que eu me oponho, de certa maneira, ao termo ‘cinema observacional’ (...) Porque cinema observacional, para mim pelo menos, significa apenas juntar uma coisa à outra, como se tivessem o mesmo peso, o mesmo valor, o que não é verdade”. 1 Digo isso pois me parece que certos elementos definidores às vezes parecem ter mais peso do que o próprio mundo de Frederick Wiseman – que tanto pode ser o mundo que ele vê quanto o mundo que ele constrói. Crazy Horse não faz menos parte desse mundo porque tem uma entrevista. Menos ainda por se passar quase inteiramente dentro de um teatro de Paris e ser falado quase todo em francês. Dizse o mesmo de A dança – o balé da Ópera de Paris, sua produção de poucos anos antes passada na mesma cidade. Mas se não esses elementos fáceis de se apontar, o que faz parte do mundo de Frederick Wiseman? A declaração citada anteriormente nos dá uma pista bastante boa do que julgo ser a parte mais importante de seus filmes: a montagem. Em Berkeley, seu trabalho mais recente, teve um processo de filmagem que durou seis meses. E não raro o material bruto que filma passa de 100, 150 horas. A montagem durou incríveis 14 meses, um número assustador 1  Em entrevista a Kaleem Aftab e Alexandra Weltz para a revista irlandesa Film West, 1999. O mundo João Cândido Zacharias

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