POESIA E EMOÇÃO: YASUJIRO OZU

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EMOÇÃO E POESIA o cinema de

Yasujiro

Ozu São Paulo de 30 de junho a 25 de julho

Rio de Janeiro de 27 de julho a 22 de agosto

2010


A rotina tem seu encanto (c) 1962 Shochiku Co., Ltd.



(c) Shochiku Co., Ltd.


O Centro Cultural Banco do Brasil, com o apoio da Fundação Japão no Brasil, apresenta a mostra Emoção e poesia: o cinema de Yasujiro Ozu, que oferece ao público brasileiro toda sensibilidade e delicadeza deste que é um dos maiores cineastas do Japão e da história do cinema.

nesa: a tensão entre a tradição e a modernidade, os conflitos entre gerações, a inevitabilidade da decadência e do passar do tempo. Começo de primavera (Sôshun, 1956), Ervas flutuantes (Ukigusa, 1959), Dias de outono (Akibiyori, 1960) e Crepúsculo em Tóquio (Tokyo boshoku, 1957) são apenas alguns marcos de sua extensa filmografia.

Trata-se da primeira mostra na Améria Latina a contemplar tão amplamente a obra do cineasta, trazendo 35 dos seus 36 filmes existentes. Uma retrospectiva que oferece a exibição em cópias novas de 16mm e 35mm, além de a programação ser complementada com uma seleção de filmes inspirados pela obra de Ozu. Um inegável legado do diretor ao cinema mundial.

Seus filmes são considerados verdadeiras obras de arte e têm sido cada vez mais apreciados pelas novas gerações, apesar de sua descoberta tardia nos países ocidentais. No Brasil, porém, poucos filmes do cineasta chegaram a ter distribuição. Filmes de um período menos conhecido de Ozu, como A bela e a barba (Shukujo to hige, 1931), Onde estão os Sonhos de juventude? (Seishun no yume ima izuko, 1932), A delinquente (Hijosen no onna, 1933), permaneciam inéditos no país. A mostra Emoção e poesia: o cinema de Yasujiro Ozu oferece, portanto, uma oportunidade única para o público brasileiro desfrutar da obra completa disponível do cineasta.

Considerado “o mais japonês dos cineastas”, Yasujiro Ozu é criador de um estilo pessoal que foge à gramática comum do cinema comercial. Mas seu perfeccionismo e rigor estético estão sempre a serviço da simplicidade, e tocam temas muito caros à cultura japo-

Centro Cultural Banco do Brasil


Concordando plenamente com o cineasta Wim Wenders, ao afirmar que se existe algum tesouro sagrado neste mundo é a obra do cineasta Yasujiro Ozu, partimos para a prazerosa aventura de ir buscar no Japão cópias de todos os filmes do cineasta que resistiram ao tempo, e oferecer ao público brasileiro a mostra Emoção e poesia: o cinema de Yasujiro Ozu. Cinéfilo ávido, no início de sua carreira Ozu foi notoriamente influenciado por nomes como Howard Hawks, Joseph Sternberg e Ernst Lubitsch. Entre seus primeiros filmes encontramos comédias e até mesmo tramas policiais ao estilo de Hollywood, tornando difícil acreditarmos na transformação que sua obra sofreu ao longo do tempo. O filme de maior sucesso neste início de carreira foi Eu nasci, mas... (Umarete wa mitakeredo, 1932), que contava a história de dois irmãos que, envergonhados com a submissão do pai ao seu patrão, rebelam-se. O filme é absolutamente delicioso. Outros filmes desta fase também se destacam: como Coração Caprichoso

(Dekigokoro, 1932) e A bela e a barba (Shukujo to hige, 1931), títulos pouquíssimo conhecidos por aqui e que já testemunham a genialidade do mestre. Ozu, teimoso, foi fiel ao cinema mudo até o último momento, e só começou a experimentar o uso do som em 1932, no filme Até o próximo encontro (Mata au hi made, 1932 – infelizmente este, como outros desta fase inicial, é uma obra perdida). Não podendo mais resistir às pressões da época, fez seu primeiro filme verdadeiramente falado em 1936, Filho único (Hitori musuko, 1936). É curioso se assistir ao filme e perceber que a emoção dos personagens, os seus rostos e os silêncios, fazem com que os diálogos sejam coadjuvantes. Gradualmente, a estética e os fundamentos do cinema de Ozu se consolidavam. No final da década de 1930, dentro de um contexto politicamente inflamado, num estado militarista e evidentemente pouco propício a expressão artística, Ozu passou dois anos no exército e teve um roteiro censurado, o de O sabor do chá verde sobre o arroz (Ochazuke no aji, 1952), realizado somente 15 anos depois. Ele conseguiu, no entanto, dirigir


neste período alguns filmes nos quais notamos que pouco a pouco ele ia renunciando as trucagens e os movimentos de câmeras incrementados. Ozu fez alguns filmes pós-guerra menos apreciados, e o considerado verdadeiro “renascimento” do cineasta foi o filme Pai e filha (Banshun, 1949), que celebrou a renovação da parceria com o roteirista Kogo Noda. O filme trouxe de volta a questão dos casamentos à cinematografia de Ozu, onde víamos um pai viúvo insistia em casar a filha mais nova, que termina aceitando o casamento com um noivo que não era exatamente quem amava. É impossível conter as lágrimas neste filme, em diversos momentos, seja na cena em que a filha esconde-se para chorar ao saber que seu amado era comprometido com outra moça, mas especialmente na cena que o pai, depois do casamento arranjado da filha, descasca uma maçã, sozinho. Os atores preferidos de Ozu eram notoriamente Tatsuo Saito, Tokihiko Okada e Tokkan Kozo. Mas foi em Pai e filha, que o célebre ator Chishu Ryu afirmou-se como alter ego do cineasta. A partir deste filme, Ozu assegurou-

se que Ryu era o ator que ele buscava para seus principais personagens masculinos. Foi em Pai e filha também que Ozu descobriu Setsuko Hara, a atriz que dá vida à personagem Noriko, com a qual Ozu desenvolveu uma trilogia que se completa com Também fomos felizes (Bakushû, 1951) e Era uma vez em Tóquio (Tokyo monogatari, 1953). Em As irmãs Munekata (Munekata shimai, 1950), Também fomos felizes e O sabor do chá verde sobre o arroz, o abandono das técnicas de filmagens elaboradas usadas no início de sua obra evidenciou-se, e a câmera fixou-se finalmente sobre o tatame. Como muitos dizem: Ozu, o escriba, havia nascido. Após O sabor do chá verde, Ozu fez a obraprima de sua carreira: Era uma vez em Tóquio. Desde que fora descoberto, o filme figura em todas as listas de melhores filmes do mundo, recebendo até hoje edições especiais das publicações especializadas, sendo objeto de teses e dissertações. A partir de Era uma vez em Tóquio, Ozu virou parâmetro, referência, marco na história do cinema e das artes.


As questões familiares dispostas em Era uma vez Tóquio não são incomuns aos filmes de Ozu, porém o próprio considerava este um de seus filmes mais melodramáticos. Acompanhando os desdobramentos das relações entre pais e filhos, Era uma vez em Tóquio demonstra como o sistema familiar japonês começou a se desintegrar, tornando a dissolução da família tradicional japonesa um dos temas principais desta última fase do cineasta. As nuances do filme, o gestual de seus personagens, os sentimentos reprimidos, são conduzidos de maneira magistral sob o olhar de Ozu. Os silêncios que permeiam as cenas, as repetições do que há de corriqueiro nas vidas dos personagens, fazem com que o enredo do filme seja submetido ao cotidiano e, em última instância, ao real. Suas escolhas estéticas tornam seu cinema idiossincrático à primeira vista – alguns chamam até mesmo de “antinarrativo” – mas, no quase completo abandono do movimento da câmera, sempre estática sobre o tatame, a visão de mundo de Ozu pode ser desvendada: em Era uma vez em Tóquio, as lentes de Ozu capturam, na altura dos olhos, a vida em si.

A partir desta que é sua obra mais representativa, podemos chegar no que há de mais tocante em sua obra: a simplicidade. Sua narrativa pouco convencional percorre temas pertinentes ao seu tempo e ao seu lugar, mas sempre através de um suceder fragmentado dos acontecimentos, evidenciando uma condição mais própria do real e do humano do que referente (ou reverente) ao cinema tradicional. A tensão entre tradição e modernidade, os conflitos entre gerações, são temas muito caros ao cinema de Ozu, implicítos sempre no dia a dia e nos acontecimentos da vida dos tipos comuns que encontramos em seus filmes. Obras posteriores de Ozu, como Começo da primavera (Sôshun, 1956) e Crepúsculo em Tóquio (Tokyo boshoku, 1957) traduzem perfeitamente as modificações sofridas pelas famílias japonesas no pós-guerra. Assim como havia acontecido com o som, Ozu evitou o uso das cores até os últimos instantes, mas em Flor do equinócio (Higanbana, 1958) que Ozu aceitou finalmente colorir seus filmes. Seus trabalhos seguintes são variações de filmes já feitos por ele


mesmo, são os “autorremakes”, todos absolutamente impecáveis. Em Bom dia (Ohayô, 1959), uma versão contemporânea de Eu nasci, mas..., a greve de fome das crianças é em virtude da vontade de terem uma televisão. Ervas flutuantes (Ukigusa, 1959) traz uma revisão de Uma história de ervas flutuantes (Ukigusa monogatari, 1934), mas neste novo filme tanto a fotografia quanto a direção de atores são quase insuperáveis, é um filme surpreendente. Seu último longa, A rotina tem seu encanto (Sanma no aji, 1962), é talvez o mais nostálgico de seus filmes, mas também o que melhor condensa toda a obra do diretor. Ozu que viveu ao lado de sua mãe ao longo dos seus sessenta anos, morreu logo após a partida desta. Pouco se sabe de sua vida pessoal, mas o seu precioso legado, seus filmes, atravessaram as fronteiras do Japão e hoje são merecidamente admirados e constantemente revistos em todo o mundo. Em Tokyo-Ga (1985), filme-homenagem de Wim Wenders a Ozu e à cidade que mais filmou, o diretor alemão afirma: “Para mim, nunca antes ou depois o cinema chegou tão perto de sua essência e propósito de representar a imagem

do homem e seu século quanto nos filmes de Yasujiro Ozu”. E, mais uma vez, concordamos plenamente. Dos 54 filmes feitos por Ozu, apenas 36 resistiram ao tempo. Todos estes serão exibidos na mostra, dentre estes alguns cujos negativos julgavam-se perdidos, mas que recentemente foram recuperados e transformados em cópias pela produtora Shochiku, na qual Ozu realizou quase a integralidade de seus filmes. Além dos filmes do próprio Ozu, fizemos uma pequena seleção de filmes abertamente inspirados por ele, nos quais diretores como Abbas Kiarostami e Claire Denis, homenageiam e enfatizam a grandiosidade do mestre. Apesar de tantos adjetivos usados para descrever a sua obra, talvez estes não sejam suficientes para enaltecê-lo: é difícil achar palavras para descrever ou para avaliar os filmes de Ozu, já que assisti-los enche a alma de tal emoção que quaisquer palavras terminam sendo reducionistas. Por isso, nossa verdadeira homenagem é poder compartilhar os filmes existentes do mestre com o público brasileiro. Curadoria


(c) Shochiku Co., Ltd.


Sumário

15

Por que Ozu hoje por Denilson Lopes

21

A atualidade do cinema de Ozu por Marcelo Ikeda

23

Ozu para todos por Keiji Kunigami

29

Conhecimento de Ozu por Ronald Monteiro

33

Um impressionista rumo à perfeição por Tatiana Monassa

37

O cotidiano, o ritmo e os três registros do tempo por Ruy Gardnier

41

Ozu-Hara: o sublime no cinema japonês por João Luiz Vieira

49

Setsuko Hara por Donald Richie

53

Yasujiro Ozu por Donald Richie

59

Filmes de Ozu

158

Programação Complementar

160

Sessão especial com Benshi


(c) Shochiku Co., Ltd.


Índice por título de filmes

65 83 67 93 79 102 68 86 153 84 105 127 90 143 137 95 85 139 69 149 135 115 147 62 64 87 107

A abóbora 1928 A bela e a barba 1931 A beleza da carne 1928 A delinquente 1933 A esposa de uma noite 1930 A inocente 1935 A montanha do tesouro 1929 A primavera das damas 1932 A rotina tem seu encanto 1962 A tristeza da bela 1931 A universidade é um bom lugar 1936 As irmãs Munekata 1950 Até o próximo encontro 1932 Bom dia 1959 Começo de primavera 1956 Coração caprichoso 1933 Coral de Tóquio 1931 Crepúsculo em Tóquio 1957 Dias de juventude 1929 Dias de outono 1960 Era uma vez em Tóquio 1953 Era uma vez um pai 1942 Ervas flutuantes 1959 Espada da penitência 1927 Esposa perdida 1928 Eu nasci, mas... 1932 Filho único 1936

151 141 71 77 74 104 97 75 91 73 80 109 131 81 89 113 123 119 70 82 63 129 66 103 121 99 72

Fim de verão 1961 Flor do equinócio 1958 Formei-me, mas... 1929 Fui reprovado, mas... 1930 Iniciação ao casamento 1930 Kagamijishi 1935 Mãe tem quer ser amada 1934 Marchar com alegria 1930 Mulher de Tóquio 1933 O ator Tokkan Kozo 1929 O espírito vingativo de Eros 1930 O que foi que a senhora esqueceu? 1937 O sabor do chá verde sobre o arroz 1952 O sopro da sorte 1930 Onde estão os sonhos da juventude? 1932 Os irmãos da família Toda 1941 Pai e filha 1949 Relato de um proprietário 1947 Rivais à japonesa 1929 Senhorita 1930 Sonhos de juventude 1928 Também fomos felizes 1951 Um casal em mudança 1928 Um hotel em Tóquio 1935 Uma galinha no vento 1948 Uma história de ervas flutuantes 1934 Vida de assalariado 1929


Era uma vez em Tรณquio (c) 1953 Shochiku Co., Ltd.


Por que Ozu hoje Por Denilson Lopes

Meu objetivo neste artigo não é vincular os filmes de Ozu a um debate sobre a cultura e cinema japoneses, mas considerá-los uma ponta de lança para defender um cinema do cotidiano e do comum – especialmente centrado na casa, sem contudo lidar com a oposição privado/público, em que a maior intimidade pode estar não no vasculhamento de sentimentos e desejos supostamente ocultos e não revelados a não ser entre quadro paredes. Há um delicado sentimento de passagem do tempo, de nascimentos e mortes, e tantas outras pequenas perdas e transformações de que uma existência é feita, não tanto a nostalgia de uma casa ou de uma família tradicionais, nem demonização do espaço da cidade, como na postura serena do pai envelhecido que perdeu sua esposa ou cuja filha se casou e que se vê só na sua casa tanto em Era uma vez em Tóquio (Tokyo monogatari, 1953) como em Pai e filha (Banshun, 1949). Mesmo a viagem, ato de formação de uma subjetividade na tradição ocidental do Bildungroman, aparece rebaixada a algo mais prosaico em Era uma vez em Tóquio. A viagem que Shukichi (Chishu Ryu) e Tomi (Chieko Higashiyama), um casal de idosos, faz para ver seus filhos. Viagem marcada pelas dificuldades com que os filhos têm com a presença dos pais, a ponto de Shukichi em tom meio irônico, meio melancólico se chamar de “sem casa”, mas logo depois, curiosamente, Tomi se sentir mais acolhida na pequena casa da nora, viúva do filho morto na Segunda Guerra Mundial, do que nas casas de seus filhos, ainda que brevemente. A maior intimidade, como nos aponta Ozu, pode estar não na sexualidade, cada vez mais hoje em dia banalizada e espetacularizada, mas no comparti-

lhamento de um momento, de uma imagem, de uma visão que pode ser de roupas que balançam no varau, de um trem que passa, do calor do sol, de uma refeição em família ou de uma conversa com amigos sem nada a dizer de muito importante, a não ser estar lá. Os chamados pillow shots ou planos de tempos mortos, em que os objetos e espaços não ocupam um sentido muito explícito no desenrolar da ação, não funcionam tanto como contextualização da cena, nem são apenas momentos de suspensão, paisagens ou naturezasmortas a serem contempladas, eles apontam para um olhar que não é nem dos personagens mergulhados em sua interioridade nem do narrador onisciente, mas “um olhar objetal ausente, invisível e caótico”(YOSHIDA, 2003, p. 196), um olhar qualquer sem que os objetos e espaços adquiram demasiada autonomia (a ponto de a própria câmera se colocar em cena nem de enfatizar a linguagem nem a câmera se coloque em cena criando algum tipo de metalinguagem. Na busca de sustentação de um drama desdramatizado é que chegamos a uma figura do comum, o neutro, não tanto como formulado por Blanchot mas por Barthes. O neutro vive um paradoxo: como objeto é suspensão da violência, e como desejo é violência (BARTHES, 2003, p. 30). O neutro não é tanto alvo, mas travessia (idem, p. 140), desejo. E o desejo do neutro é suspensão das ordens, leis, arrogância, exigências, do querer reter para si, como o pai em Pai e filha, que encena um envolvimento para que sua filha possa se casar, viver sua própria vida, não a reter narcisicamente; enquanto ele se dissolve na casa, no ocaso da sua velhice, em meio a algo que poderia ser uma dor ou tédio insustentáveis – 15


mas como é momento a momento, torna-se quase invisível. Desapego mas não indiferença, “não é ausência, recusa do desejo, mas flutuação eventual do desejo fora do querer agarrar” (idem, p. 34). Não a perda de si vista como angustiante alienação no mundo moderno, nem a integração pelo êxtase, pelo transe, pelo excesso, mas sutil e discreta dissolução, desaparecimento, eclipse, calma, não manifestação dos desejos – mas eles estão presentes. O desafio do banal, de um dia após o outro, não o desafio do excesso, da desmesura, do grande feito, dos grandes acontecimentos. O vazio em Ozu não fala da ausência da presença humana, de uma falta angustiante, mas o espaço e objetos quase se tornam protagonistas como os personagens que passam pela tela. É apenas um momento de escape ou de descentramento de uma lógica que se cristalizou desde a perspectiva renascentista, centrada no olhar humano, mas sem se perder no informe, no inumano que tanto interessa às experiências das vanguardas. Dizendo de outra forma, a maior intimidade pode estar numa vivência de exterioridades, não num mergulho no inconsciente, nas confissões, como vemos em tantos planos em que os personagens de Ozu estão lado a lado; em vez da postura de campo e contracampo, de confronto direto. Os personagens são mais pontos no quadro do que o seu centro. O neutro, portanto, seria a base de um drama desdramatizado, em vez do conflito que move a ação, na esteira da poética aristotélica, ou de uma poética do excesso, na explosão dada-surrealista-artaudiana. Em Ozu, o diálogo não é o do olho no olho, das verdades a serem desenterradas e ditas. O diálogo em Ozu é tanto com o espaço e objetos quanto com as pessoas que estão nele. Talvez seja dessa forma é que melhor devem ser aproveitadas, lidas a formalidade e a polidez das relações pessoais nos filmes de Ozu, não como fingimento e repressão, mas associadas a um “estado fraco” (BARTHES, 2003, p. 151), a uma “existência mínima” (idem, p. 157). Se a desdramatização a partir de Beckett e do Bresson de Mouchette seguem o caminho da aspereza, da se16

cura, da rarefação que pode sufocar, em Ozu, a desdramatização ainda pode ser preenchida por pequenos e breves momentos de beleza, num mundo empobrecido e marcado pelo trabalho e pelo tédio da rotina. Em Ozu o neutro remete não à indiferenciação, mas a sutis gradações de uma pintura abstrata monocromática Que Ozu, ao mesmo tempo tão distante e tão perto, é este que podemos ver em 2010? Não se trata de desconsiderar a história de sua recepção fora do Japão. Diferente de Kurosawa e Mizoguchi, que são consagrados em festivais europeus nos anos 1950, Ozu durante sua vida é conhecido praticamente só no Japão por um público vinculado à cultura japonesa – e reconhecido como cineasta popular e clássico desde 1932. Gradualmente, após sua morte em 1963, é convertido fora do Japão em autor e uma alternativa ao cinema hollywoodiano, considerado como um “formalista rigoroso” (HASUMI, 1998, 116), um cineasta moderno – e diferentemente, dentro do Japão, foi criticado por cineastas da Nouvelle Vague japonesa como Nagisa Oshima e Shonei Imamura (NYGREN, 2007, 148), tido como um cineasta conservador, tanto do ponto de vista formal como dos valores morais centrados na família. Não me interessa prosseguir numa leitura que insiste nas suas marcas japonesas, desenvolvidas desde trabalhos clássicos como o de Donald Richie (1977) ou no interior da história do cinema japonês, nem como o cineasta conservador criticado por Oshima e Imamura, mas talvez resgatar Ozu de uma outra forma: um cineasta obcecado pelo comum, pelo banal traduzido em frágeis dramas familiares muito bem redimensionados na bela homenagem que Hou Hsiao-hsien fez a Ozu em Café Lumière (Kôhî jikô, 2003) – bem como os cineastas japoneses contemporâneos como Hirokazu Kore-eda, especialmente em Maborosi, a luz da ilusão (Maboroshi no hikari, 1995); Naomi Kawase, destacando seu filme de estreia Moe no Suzaku (1997); e Jun Ichikawa, por exemplo, em Tony Takitani (2004). A recepção de Ozu, no Japão, após os anos 1980 inclui desde novas avaliações críticas até mangás sobre sua vida


(KORNES, 2007, p. 78). Não se trata tanto de mitificar a família convencional, mas encenar as classes médias (nem muito pobres nem muito ricas), sem idealizar seus valores, mas sem lhes tirar uma possibilidade de beleza e encantamento, sem cair “num estilo de cine New Age elegante, ilustrando lugares comuns confortáveis, brandos, quase místicos” (MARTIN, 2008, p. 52). Outra crítica feita a Ozu é de que seus filmes seriam irreais: cenários muito arrumados, composições bonitas demais. Para aqueles que só acreditam num realismo de“boca do lixo”, isto pode ser verdade: não se veem favelas ou malandros que corrompem pessoas inocentes nos filmes de Ozu. Trata-se de um tipo diferente de realismo, que acredito muito superior. (ZEMAN, 1990, p. 125).

Me interessa pensar, para além do Japão, numa perspectiva comparativa e transcultural, este outro real, o cotidiano na sua materialidade, sem nenhuma pretensão alegorizante nem pelas marcas fortes da história, exemplificado pela maneira como a Segunda Guerra Mundial aparece em o clássico de Ozu – Era uma vez em Tóquio – sem ser sob a lógica do ressentimento, nem do trauma; mas simplesmente derivado da passagem do tempo, de continuar a viver. Talvez esta perspectiva nos abra uma outra possibilidade de transitar por seus filmes sem a referência a um estilo transcendental como o que Paul Schrader (1988) desenvolveu ao relacionar Ozu, Dreyer e Bresson. Se os filmes, de caráter mais histórico, produ ziram uma imagem sobre o Japão de grande alcance, repletas de samurais e de um passado pré-moderno – ao mesmo tempo em que uma cultura massiva emergia e se desenvolvia no Japão – os filmes de Ozu alcançam um reconhecimento no circuito cinéfilo ocidental que pode se inserir em um outro estereótipo do Japão, a partir do cotidiano pós-Segunda Guerra Mundial, como uma sociedade em que se moderniza economicamente ao mesmo que mantém

suas tradições (com especial ênfase no vínculo como o zen-budismo). Se a recepção de Ozu e seu papel na crítica já foi mapeada, gostaria de pensar um efeito-Ozu no cinema, a começar pelas homenagens explícitas que foram feitas a ele por Wim Wenders, Hou Hsiao-hsien e Abbas Kiarostami, para depois dialogar com outros filmes contemporâneos. O que chamamos de efeito-Ozu pode ser uma possibilidade de manter ainda um cinema narrativo, clássico, que não se dissolve nas experiências radicais dos cinemas novos dos anos 1960, base para a proposta conciliatória do cinema pós-moderno que emerge com a crise da noção de vanguarda nos anos 1970. Talvez menos o caminho da cinefilia e do simulacro que foi o que Wim Wenders percorreu, na busca de dar intensidade aos espaços urbanos marcados pelo consumo transnacional e pelo excesso de imagens midáticas, tão em sintonia, com muito do chamado cinema pós-moderno dos anos 1980, mas muito pelo que se poderia ser uma fragilidade diante de um modelo clássico narrativo, pela sua ausência de fortes momentos dramáticos, pela rarefação e pelo despojamento de um cotidiano sem ornamentos (ver ERLICH, 1997, p. 70), que longe de tornar a narrativa seca e desprovida de afetos, de encenar uma ambiência familiar fortemente opressora, apenas a traduz sob o plano da sutileza e do detalhe em que espaços e objetos se tornam tão centrais quanto os personagens, diluindo e recolocando a intensidade emocional para além da voz, da palavra e da confissão. Ozu poderia nos dar uma pista para um drama que não passe pelo trágico nem pelo melodramático mas também não pelo cotidiano marcado por um tempo saturado que se quer cada vez mais perto de um tempo real, com longos planos como em várias experiências do cinema underground dos anos 1960 e que reaparece em vários autores contemporâneos tão diversos como Béla Tarr e Tsai Ming Liang. Quanto à produção cinematográfica brasileira, apesar do elogio a Ozu feito em Santiago (2007) de João Moreira Salles, com direito à citação de trecho de filme de Ozu ou o uso de “pla17


nos mortos” em A casa de Alice (2007) de Chico Teixeira, não parecem ecoar um diálogo particular ou forte com com a proposta que defendemos neste ensaio. Um drama desdramatizado, sob o signo do neutro, a que já nos referimos, marcado por elipses mas que não chegam a quebrar a narrativa tradicional, mas não busca dar densidade psicológica aos personagens como no grande teatro naturalista do século XIX. Não há monólogos interiores. Os personagens falam só com os outros e as falas são contidas. Em vez do excesso de ação ou de emoção, a ênfase está na ambiência e no tom (DESSER, 1997, p. 10), nas pausas e silêncios que ecoam a tradição do drama Nô, mas também o Impressionismo, colocando em cena personagens comuns, nem épicos, nem trágicos, personagens medianos, com vidas medianas, nada de excepcionais nem heroicas, com falas convencionais sobre assuntos banais, sem nenhuma pretensão intelectual e poética, frases de efeito, reflexões abstratas e lições de vida, sujeitos em eclipse não por serem alienados, anônimos na multidão urbana como o homem moderno, mas figuras quase fantasmais, por marcarem pouco a sua presença, a sua voz, a sua vida, contudo sem nenhuma dimensão metafísica. Mas para recuperar a experiência de desdramatização, do neutro em Ozu, não se pode repetir, emular Ozu. Talvez esta tentação seja mais visível em Tokyo-Ga (1985) de Wim Wenders. Se a homenagem de Wenders dialoga o cinema de Ozu com o cinema do simulacro; Cinco dedicados a Ozu (Five Dedicated to Ozu, 2003) de Abbas Kiarostami parece levar o cinema de Ozu para um outro caminho, na esteira do cinema moderno, sem personagens individuais, apenas passantes pelos cinco longos planos fixos e sem cortes,

Denilson Lopes é professor da Escola de Comunicação da UFRJ. 18

equiparando no mesmo nível pessoas, objetos e animais em paisagens à beira-mar, num tempo saturado, presente desde as experiências do cinema underground norte-americano a trabalhos de videoarte. Talvez a homenagem que mais me mobilize em nossa entrada no cinema contemporâneo seja Café Lumière de Hou Hsiao-hsien, filmado no Japão. Em Café Lumière, sua homenagem a Ozu não implica em uma paráfrase mas em um real diálogo. Se a família tradicional é ainda forte nas decisões dos personagens, aqui a jovem solteira fica grávida, não quer se casar e esta decisão é sugerida mais do que revelada dramaticamente. Mesmo na cena em que fala com os pais, este assunto parece ser tratado em pé de igualdade com outros assuntos mais corriqueiros. No fim do filme, os trens caminham como as várias possibilidades da vida e do cotidiano, igual e diferente a tantos outros dias, entre os muitos ou poucos dias que nós viveremos. Enfim, por que (re)ver Ozu hoje em dia? Não como a sombra marcada pelo autocontrole e disciplina, mas pela possibilidade de trazer um pouco de delicadeza em meio a um mundo de excesso de informação, falas, imagens e sons, por um desejo de uma vida mais comum mas não menos bela. Uma questão que ainda nos fica e insiste a partir de Ozu é de como mostrar a casa diante da exploração máxima da intimidade, da espetacularização dos afetos e dos reality shows? Que casa é essa que pode nos acolher? O pudor que nos vem a partir de Ozu reaparece não como forma de silenciar e reprimir afetos, mas de revalorizar a sutileza e a invisibilidade dessa casa que começava a se dispersar nos seus filmes. Fica talvez ainda o desejo de reconstruir, reconquistar uma sensação de estar em casa no mundo.


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Era uma vez em Tรณquio (c) 1953 Shochiku Co., Ltd.


A atualidade do cinema de Ozu Por Marcelo Ikeda para Denílson Lopes para João Luiz Vieira Quando Yasujiro Ozu faleceu em dezembro de 1963, seus filmes eram praticamente desconhecidos fora do Japão. Em 1954, Akira Kurosawa e Kenji Mizoguchi receberam uma grande projeção internacional com o Leão de Prata no Festival de Veneza por Os sete samurais (Shichinin no samurai) e O intendente Sansho (Sanshô dayû). Apenas um ano antes, Ozu finalizara Era uma vez em Tóquio (Tokyo monogatari), considerado por muitos sua obra-prima. No entanto, a Shochiku, empresa produtora dos filmes de Ozu, distribuiu o filme apenas no mercado doméstico, porque considerava seus filmes “japoneses demais para interessar a uma plateia do Ocidente”. Quase cinquenta anos após sua morte, a situação hoje se inverte: é cada vez maior o culto ao cinema de Ozu fora do Japão, tanto no Ocidente quanto em outros países orientais. Multiplica-se o número de livros publicados, de palestras proferidas e de mostras realizadas em todo o mundo em torno do cinema de Ozu. No entanto, o que mais nos encanta é que, para além das honrarias a esses encantadores filmes do passado, a obra de Ozu permanece viva, pulsante, atual. Um exemplo marcante desse fato é a sua influência sobre outros cineastas. Podemos ver desde influências indiretas (pensamos em alguns exemplos como Estranhos no paraíso (Stranger Than Paradise, 1984), de Jim Jarmusch, Jeanne Dielman (Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles, 1976) de Chantal Akerman, ou mesmo o curta brasileiro O sol alaranjado (2001), de Eduardo Valente) até homenagens diretas ao cinema de Ozu. Neste breve texto, pretendo examinar o legado do cinema de Ozu através de três filmes que se apresen-

tam como diálogos explícitos, realizados por diretores não-japoneses: Tokyo-Ga (1985), de Wim Wenders, Café Lumière (Kôhî Jikô, 2003), de Hou Hsiao-hsien e Cinco dedicados a Ozu (Five Dedicated to Ozu, 2003), de Abbas Kiarostami. Tokyo-Ga é um documentário realizado por Wim Wenders em 1985, cujo próprio corpo da obra respira a ideia de uma avaliação do legado do cinema de Ozu para além da revisão de seus filmes. Em Tokyo-Ga, Wenders viaja para o Japão em busca da Tóquio vista através dos filmes de Ozu. Ou seja, mais que conhecer o Japão (um documentário sobre o Japão), interessa a Wenders fazer um paralelo entre o Japão visto por ele in loco e o visto a partir do cinema de Ozu. No entanto, Wenders não procura realizar um “documentário neutro”, uma análise fria e racional desse abismo entre o Japão de 1985 e o Japão dos filmes de Ozu, como poderia realizar um típico documentarista, mas simplesmente faz questão de explicitar que a motivação de sua revisitação é estritamente pessoal. Isso já está claro desde o magnífico prólogo do filme, em que Wenders, entre imagens dos créditos iniciais de Era uma vez em Tóquio, recita em off um texto em que justifica seu encantamento com o cinema de Ozu. Desde o início, Wenders, cineasta “no auge de sua carreira”, já consagrada após a repercussão de Paris, Texas (1983), assume a sua posição dentro do filme: como um mero discípulo que quer deixar flores no túmulo do mestre e simplesmente dizer-lhe ‘obrigado’. Já Café Lumière é um filme de ficção, realizado em 2003 pelo chinês Hou Hsiao-hsien, como um projeto comemorativo do centenário de nascimento de Ozu, criado pela mesma produtora dos filmes de Ozu, a 21


Shochiku. Mas a grande sabedoria de Hou é evitar os lugares-comuns das homenagens, nunca buscando uma mera emulação dos recursos estéticos de Ozu, mas exatamente reavaliando a atualidade de Ozu para além dos meros fetiches (a câmera baixa e estática, a lente de 50mm, etc), para observar as transformações da família e da sociedade japonesas. Se antes era a sociedade japonesa pós-Segunda Guerra na sua reconstrução econômica que flerta com o capitalismo norte-americano, agora, trata-se da posição do Japão em um mundo globalizado pós-Guerra Fria. Hou abandona os recursos estilísticos típicos de Ozu, optando por planos longos e sutis movimentos de câmera, mas não é por isso que o filme deixa de ser profundamente íntimo ao cinema de Ozu. Ao contrário, Ozu sempre foi atento à inevitabilidade das transformações do mundo, nunca defendendo um cinema anacrônico ou passadista. Essa é a maior das lições de Café Lumière: pensar no cinema de Ozu como um estilo fluido, em que o essencial é estar ligado a uma ética particular do plano e do tempo, ou como uma certa delicadeza, conforme a bela expressão do Professor Denílson Lopes, estabelecendo um “efeito Ozu no cinema contemporâneo”. Se Tokyo-Ga e Café Lumière estabelecem relações diretas com a obra de Ozu, a relação de Cinco, de Abbas Kiarostami, é menos direta, mas não por isso menos intensa. Explicitamente, Kiarostami se refere à

obra de Ozu através de seu próprio título: Cinco dedicados a Ozu. No entanto, essa influência se torna difusa: Cinco é um filme composto por cinco planossequência, em que o próprio cineasta, com uma câmera digital, se põe a observar determinados acontecimentos da vida, aparentemente banais. A princípio, Cinco se afasta de vários dos princípios de Ozu: o cinema ficcional, a importância da decupagem, a encenação de dramas familiares, o cinema de estúdio. No entanto, podemos pensar o legado de Ozu neste singelo filme de Kiarostami a partir da poética de seu minimalismo: Cinco é uma complexa reavaliação das relações entre tradição e modernidade no cinema, entre a tradição do realismo oriunda do “simples registro da vida” pelos Irmãos Lumière e seu extremo oposto, a radicalização da forma do filme, através de um diálogo com as artes plásticas e com a videoarte, por meio do digital. O sutil equilíbrio de Cinco reside na forma como Kiarostami trabalha entre o acaso das situações encontradas e que a câmera “somente registra” e um forte rigor na composição dessas mesmas situações. Talvez seja exatamente na justeza desse equilíbrio improvável, entre a leveza da brisa que sopra um tempo da vida e o rigor da construção de um campo cinematográfico que Kiarostami promove uma reflexão sobre a essência do cinema de Ozu, uma transposição serena, ética e humana, que confirma a atualidade da obra desse singelo diretor japonês.

Marcelo Ikeda é professor do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará e mantém o blog www.cinecasulofilia.blogspot.com 22


Ozu para todos Por Keiji Kunigami

Diz-se que Yasujiro Ozu foi o “mais japonês” dos cineastas. Encontramos essa assertiva em muito do que veio a se tornar a visada consolidada sobre a obra deste tão importante realizador. Contudo, torna-se premente pensar o porquê dessa opinião ser largamente utilizada e de que maneira tão pregnante pôde ter servido politicamente para toda a constituição de um campo imaginário que chamamos de cinema japonês – e Japão. Já está mais do que evidente que o cinema – como qualquer outra manifestação cultural – encontrase imbricado em uma rede densa de discursos que o constrói, posiciona e lhe dá funcionamento político, ao mesmo tempo que ele mesmo compõe uma importante linha de força na conformação de poderes e identidades políticas, especialmente se consideramos a pujança que possuem as imagens na cultura dos séculos XX e, claro, XXI. Dessa forma, pensar a alcunha de “mais japonês dos cineastas” pode abrir o entendimento sobre como uma cinematografia de expressão pode servir para

construir um imaginário territorial, servindo politicamente para a formação de uma imagem de nação. A partir da abordagem clássica, Yasujiro Ozu encontra-se posicionado em um paradoxo: ao mesmo tempo que encerraria valores simultaneamente herméticos e revelatórios acerca do que seriam a moral e estética japonesas – desde o “zen” de seu estilo até a temática familiar de suas narrativas –, também seria o ponto de interseção entre o diferente e o conhecido, ocupando o tão duvidoso lugar do universal – ironicamente, pelos mesmos motivos que lhe garantem o título de “mais japonês”.1 Exatamente esse paradoxo lhe garantiu a imagem de epítome do que se pensa sobre o seu país e seu cinema. Não se deve esquecer que, culturalmente, a ideia de “zen” advinda do budismo japonês foi importante objeto de fetiche dos movimentos orientalistas ocidentais desde os anos 1960 (contracultura beatnick, movimento hippie). Trata-se, portanto, de entender a visada que buscou a transcendência da condição humana

.................................................................................................... 1A exemplo, conferir os textos de Martin Zeman, A Arte Zen de Yasujiro Ozu, o poeta sereno do cinema japonês (in: Nagib, L. e Parente, A. (org) Ozu: o extraordinário cineasta do cotidiano, pp. 109-126. São Paulo: Marco Zero, 1990) e de Paul Schrader, Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dryer (Berkeley: University of California, 1972). Para ambos, Ozu, em sua forma, transcendia as particularidades da cultura japonesa, lançando mão da transcendência que seria, por sua vez, uma especificidade do zen. Contudo, o texto mais clássico e importante na trajetória de Ozu fora de seu país talvez tenha sido o livro de Donald Richie Ozu: his life and films, de 1974 (Berkeley e Los Angeles: University of California Press), que se tornou um clássico. Na abertura do seu texto, Riche já lhe atribui o “sabor japonês” (que, segundo ele, é mais paupável do que o americano ou francês). Outros exemplos ainda podem ser encontrados em grandes trabalhos de teoria de cinema como o livro de Noël Burch To the Distant Observer: form and meaning in Japanese Cinema (Berkeley: University of California Press, 1979), no qual, como pano de fundo a análises muito perspicazes, Burch se utiliza também da noção da tradição japonesa (texte japonais, nas suas palavras). 23


Bom dia (c) 1959 Shochiku Co., Ltd.


nos filmes de Ozu, utilizando-se do glossário “zen”, como uma forte referência que contribuiu para uma paradoxal delimitação do nacional japonês através de suas películas, e também da nossa identidade em relação a um Oriente fetichizado. Dir-se-ia: em uma primeira camada, conhecer os filmes de Ozu é, de forma ao mesmo tempo sutil e pugente, entrar em contato com uma das fontes primordias da construção da proximidade e antítese modernas entre “Ocidente” e “Oriente”, da maneira com a qual ainda se manifesta na atualidade: a ideia da “contemplatividade” oriental, a “paciência” e “sabedoria” que são, no senso comum, atribuídas ao que se refere à sua “milenar tradição”. Trata-se, portanto, de um entendimento da nossa própria história cultural (nossas imagens do diferente e a nossa identidade conformada a partir disso). Por outro lado, temos, dentro do cinema japonês, a polaridade primeira que se estabeleceu a partir da exposição internacional arrebatadora conquistada por Akira Kurosawa, com seu Rashomon (1950) vencedor do Grande Prêmio de Veneza em 1951. Com Kurosawa, criou-se uma “estética da alteridade” no imaginário comum acerca do cinema japonês: passado feudal, samurais, guerras civis, religiosidade exótica, costumes impenetráveis, paisagens distintas. Se a produção japonesa dos “filmes de samurai” (chanbara) e dos filmes de época (jidaigeki) já era um forte nicho do mercado cinematográfico interno, servindo sobremaneira para a pedagogia do novo éthos da nação, com a descoberta da possibilidade de exportação de sua imagem, mostrar o exótico do país serviu como âncora tanto para a constituição da imagem do Japão como para a abertura de mercados externos. Neste sentido, Ozu foi recebido com algum atraso – passou a ser visto, estudado e comentado, consistentemente, a partir da década de 1970 –, porque, aos olhos de seus conterrâneos, não era passível de apreciação pelo público estrangeiro, ávidos por consumir o radicalmente exótico e pitoresco passado feudal japonês. Contudo, não deixa de ser importante notar que, muito antes, já na década de 1940, foi concedido ao seu filme Era uma vez um pai

(Chichi ariki, 1942) o prêmio “Bureau of Information Award” pelo governo japonês, por sua contribuição à moral nacional e aos valores que se esperava dos cidadãos japoneses. Desinteressante para telas estrangeiras, mas importante para a educação do povo dentro do país: assim Ozu tornou-se descoberta tardia fora do Japão e a noção de que era algo demasiado japonês ganhou fundamento empírico. O argumento de que se trata do “mais japonês” dos cineastas, portanto, recai muito sobre a maneira como ao seu próprio país não foi interessante por muito tempo que Ozu fosse visto internacionalmente. Tratou-se, dessa forma, também de uma relação ambígua entre o que pensavam os japoneses sobre si mesmos, e o que queriam como sua imagem para o mundo, e de que forma consumiam a imagem do Japão os espectadores não-japoneses. Dessa forma, flutuou Ozu como uma questão nacional-cultural, apesar da sua enorme força estética. Em diálogo curto, porém marcante de A rotina tem seu encanto (Sanma no aji, 1962), último trabalho de Ozu, o personagem Shuhei Hirayama (Chishu Ryu, rosto que quase se confunde com a própria obra de Ozu) profere uma frase que soa ambígua, porém esclarecedora em algum sentido. Em um bar, um colega exsubordinado no exército durante a guerra, com o qual havia muito não encontrava, põe-se a narrar as suas dificuldades após o fim da guerra. O colega lhe pergunta: “O que teria sido do Japão se tivéssemos ganhado a guerra?”, lamentando-se do fato dos jovens agora estarem todos “chacoalhando os traseiros ao som de jazz”, e segue: “Se não a tivéssemos perdido, agora os [norteamericanos] de olhos azuis estariam usando perucas com cabelos japoneses e ouvindo shamisen [instrumento musical de corda tradicional japonês]”, deixando claro o orgulho nacional ferido com a derrota e a subsequente ocupação (militar, econômica e cultural) norteamericana. Hirayama, então, à sua maneira lacônica, responde: “Talvez tenha sido melhor a derrota…”. A moral nacionalista, em uma curta porém aguda frase, é pron25


tamente colocada sob suspeita. Ao contrário dos que viram em Ozu uma crítica à derrocada dos valores tradicionais japoneses – ecoando algum resquício de nacionalismo e nostalgia do pré-moderno – e também ao uso político que o governo japonês ou a intelectualidade “ocidental” possam ter embutido à suposta estética “superlativamente japonesa” e à “moral familiar” dos seus filmes, dir-se-ia que enfatizar o distinto e a “orientalidade zen” de Ozu é uma redução, além de um risco de se remeter ao discurso nacionalista do pré-guerra. A outra opção parece mais adequada: a de se apreciar e pensar Ozu como alguém que dramatizou a mudança de um mundo varrido pela sua ânsia capitalista progressista, nas suas nuances locais dos dramas individuais, com oscilações de humor e resignação. Trata-se, muito mais, de se fixar à imagem e à história que nos narra: um olhar que consegue se grudar ao presente da narrativa que flui, esta sim uma das características preciosas aos seus filmes. Imagens exemplares disso estão no ensolarado e cheio de humor – e não melancolia nostálgica – Bom dia (Ohayô, 1959). Ozu nos convida a ver o que aí está. É com essa potência de experiência que mais se ganha ao assistir Ozu. Potência essa que sofreu fetichização culturalista, utilitarismo nacionalista. Os filmes de Ozu estiveram sempre em um discreto campo de disputas de significado, entre ser “zen”, ser moderno, ser tradicional, ser japonês, ser universal. As diversas interdições que se ergueram sobre o ato de ver seus filmes foram significativas e implicaram alguns possíveis prejuízos. “Para ver Ozu, antes, há que se entender Ozu”. Assertiva que se torna tão mais descontextualizada quanto mais conhecemos seus filmes de simplicidade brutal. Essa canonização de um Ozu imaginário também afetou o campo cinematográfico japonês profundamente. Já há muito se sabe que o processo de canonização pode ser tão lisonjeador ao seu objeto quanto interditor aos demais. Os jovens cineastas da Nouvelle Vague japonesa, como Nagisa Oshima e Shohei Imamura, por exemplo, célebres por seus trabalhos de ousadia inédita até então no país, de crítica política aguda 26

ao Japão que sempre se disse homogêneo e igualitário, sabidamente quiseram (ou tiveram que) se posicionar como não-seguidores de Ozu. Ou seja, deste Ozu que construíram como algo de tradicional e hermético. Diferente da geração de cineastas que surgiu logo em seguida à de Ozu, os jovens realizadores destas duas últimas décadas deixam claro que não sentem a necessidade de se opor ou romper com o paradigma de Ozu. Nesse processo, a interditória presença de um Ozu intocável vai dando lugar a outras formas de se ver seus filmes, menos contaminadas pelo fetiche culturalista dos anos 1960 e 1970. Filmes como Tokyo Sonata (2008), de Kyoshi Kurosawa; O gosto do chá (Cha no aji, 2004), de Katsuhito Ishii; e os filmes de Nobuhiro Suwa e Naomi Kawase, por exemplo, tratam igualmente das relações familiares no Japão, todos em um âmbito que foge das alegorias nacionais, concentrando-se no ordinário cotidiano. Poder-se-ia afirmar que há aí algum lastro de Ozu. Por exemplo, os dois primeiros citados fazem referência clara a trabalhos de Ozu, se levamos em consideração os seus títulos originais: Era uma vez em Tóquio (em japonês, Tokyo monogatari, de 1953) e, no segundo caso, O sabor do chá verde sobre o arroz (Ochazuke no aji, 1952) e também A rotina tem seu encanto (no original, Sanma no aji, “o sabor do peixe”). Para não se cair no risco do discurso interditório, é necessário se observar de que maneira essa referência é retrabalhada, reposicionada e, principalmente, reinventada – e não reproduzida. As novas poéticas que vão sendo criadas dão visibilidade a um contexto distinto de uma sociedade que, se, à época de Ozu, estava em transição, agora encontra-se já incrustrada nas vísceras do capitalismo competitivo. Dessa forma, por sobre os temas do cotidiano familiar, vemos as novas gerações dando outras respostas a isso: apresentam narrativas que se desconstróem (Tokyo Sonata), que extrapolam o limite do verossímil (O gosto do chá) ou que trazem o espectador à sensação corpórea da imagem (os trabalhos de Naomi Kawase e Nobuhiro Suwa). Se Ozu nos ensinou como se narrar o simples do dia a dia,


Era uma vez um pai (c) 1942 Shochiku Co., Ltd.


neste mesmo território estes jovens japoneses parecem conseguir sair de qualquer dicotomia tradicional-moderno, real-ficção, pessimismo-otimismo, mostrando que a lição deixada por Ozu não caiu na reprodução vazia de um modelo. Longe de somente repetirem os recursos tão exaustivamente comentados do diretor (câmera baixa, planos fixos, elipse), conseguiram lograr a difícil tarefa de escapar de estereótipos estilísticos e deixar claro que, apesar de toda a abordagem clássica que viu o “zen” num supostamente hermético Ozu, que seria “o

mais japonês” de todos os diretores, seus filmes estão muito mais além (ou aquém) de qualquer tradição milenar inacessível, culturalismo de especialistas ou maneirismos de estilo. Antes, são uma experiência de sincera e aberta relação com o ato de ver imagens que nos narram histórias simples. É nesta simples e extremamente acessível atividade de nos engajarmos nas imagens que encontramos o motivo mais urgente de se ver os filmes de Yasujiro Ozu.

Keiji Kunigami é Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Em 2009 e 2010, esteve realizando pesquisa na Universidade de Quioto, no Japão. 28


Conhecimento de Ozu Por Ronald Monteiro

Qualquer análise da obra de Ozu feita no Ocidente estará fatalmente limitada pelo reduzido percentual dos trabalhos conhecidos. Cerca de meia dúzia de filmes exibidos no Brasil para um total superior a 50. Com os acréscimos das sesões especiais, os filmes do veterano cineasta conhecidos na Europa e nas Américas não atingem 1/5 do total. Todavia, a restrição acima não impede que o crítico se aventure na interpretação do autor. De um lado, o conhecimento da maioria dos trabalhos da última fase (1949-1963); de outro, a singularidade de um estilo que, pelo menos nos últimos quinze anos de atividade, revelouse único, até mesmo em relação aos seus conterrâneos. O primeiro contato desconcerta: o plano fixo como constante, invariavelmente interrompido pelo corte seco; o confronto do campo / contracampo como sistema: a contemplação da câmera pelo personagem como processo habitual de comunicação. A irritação e o desinteresse seriam a consequência imediata, não obstante a minuciosa exatidão do enquadramento, o aspecto pictórico da plasticidade do quadro, no rigor da decupagem/montagem das cenas, a objetividade dos diálogos, a sobriedade dos desempenhos. Porque a primeira impressão é a do mais anacrônico – embora eficiente academicismo. E, no entanto, os filmes não são estáticos. A rigorosa e seca decupagem, a desejada neutralidade emocional dos enquadramentos estabelecem um contato direto entre personagens e espectador; a exacerbada focalização daqueles no seu cotidiano e a inexistência de trama significante obrigam o espectador a travar conhecimento vulgar com o personagem. Daí à

intimidade é apenas obra de Ozu, através dos diálogos, dos gestos e movimentos de suas criaturas, dos ambientes que as circundam. E o que é fundamental, em se tratando de cinema intimista, sem o artifício dramático da carga emotiva, recurso habitual do intimismo, sobretudo na corrente nipônica (confira-se a propósito, a obra de Naruse e Gosho, os mais destacados no gênero). A sucessão do dia a dia fornece ao espectador uma visão dinâmica do personagem, não em função do que ele faz, mas por sua presença espaço-temporal: o personagem “vive” aos olhos do espectador, embora sem ação cristalizada, ou melhor, embora sem aquela ação específica primordial de que o cinema geralmente lança mão para caracterizá-lo. Porque o cinema de Ozu é, antes de tudo, filosófico. Sobre a estabilidade essencial da natureza budista “passam” os seres animados no seu permanente fluxo. O indivíduo só cria sentido enquanto dinamizado pelo contato com os demais. Daí ser a família, micro-organismo social por excelência, o background permanente das obras do cineasta. E a solidão da velhice – então vivenciada – o maior objeto de pequisa nos últimos anos, posto que marginalizadora do homem em sua união vital e propulsora da tendência contemplativa, da observação e racionalização do que é ou, se torna, para proveito pessoal do personagem, generalizado pela divulgação artística. Uma soma de experiências. Melhor: a velhice excluindo o homem da participação, permitelhe uma visão mais objetiva desse mundo de participações. Daí ao esforço, racional para atingir a simplicidade – base da prática zen –, é apenas uma questão de dialética (e talento, se tratando de obras de arte). E, toda a 29


Eu nasci, mas... (c) 1932 Shochiku Co., Ltd.


linguagem de Ozu – pelo menos em seus filmes mais recentes – é um esforço na tentativa de concretizar seu pensamento no reflexo audiovisisual do cinema. Contra essa diretriz, aplicada mediante rígido sistema de técnicas de estilo, que a sutileza do autor e a encantação do cinema transfiguram em arte, opõemse aqueles que exigem a rebeldia, ainda que reificada, colocando-a na base de qualquer criação cinematográfica. Esquecem-se, porém, de que o cinema de Ozu foi tematicamente “ativo” – basta ler os comentários da crítica estrangeira sobre A Senhorita (1930) [Senhorita / Ojosan], Embora eu tenha nascido (1932) [Eu nasci, mas... / Umarete wa mitakeredo] e Havia um pai (1942) [Era uma vez um pai / Chichi ariki] – e que a sua posição mais recente é uma decorrência necessária da passagem dos anos dentro da mesma linha de pensamento. Será, por acaso, falsa, a velhice contemplativa? Ou é o

aspecto contemplativo uma característica da velhice? O importante é não confundir contemplação com conformismo. Ainda que o pensamento do autor suponha uma conformação circunstancial às forças exteriores, é no impulso vivificador desse pensamento e nas conclusões a que ele leva que se deve apoiar a interpretação do seu sentido. O despojamento laborioso de Pai e filha [Banshun, 1949], História de Tóquio [Era uma vez em Tóquio / Tokyo monogatari, 1953], Flor Higanbana [Flor do equinócio / Higanbana, 1958], Dia de outono [Dias de outono / Akibiyori, 1960], Fim de verão [Kohayagawa-ke no aki, 1961] e A rotina tem seu encanto [Sanma no aji, 1962] transcende a aplicação artesanal e a constatação rotineira, pela mágica da imagem projetada, revelando ao espectador o complexo mistério das coisas mais simples. É uma provocação imperceptível da sensibilidade. E uma dialética.

notas Este artigo foi publicado, originalmente, no jornal Correio da Manhã em 7 de agosto de 1966, e sua reprodução foi autorizada por Marialva Monteiro, sua viúva. O artigo está reproduzido na íntegra, tendo sido revista sua redação para atender à nova norma ortográfica. As fotos não ilustravam o artigo original. Alguns filmes citados pelo autor passaram a ser conhecidos posteriormente por outros títulos. Mantivemos a redação do autor, porém acrescentamos os títulos vigentes em português, os títulos originais e o ano de produção do filme. Vale a pena ressaltar o ano de publicação do artigo: 1966 – muito pouco tempo depois de Ozu passar a ser conhecido fora do Japão.

Ronald Monteiro (1932-1996) foi professor, curador do Departamento de Documentação da Cinemateca do MAM, jornalista e crítico de cinema. Foi editor de Guia de Filmes e trabalhou para os jornais Correio da Manhã e Tribuna da Imprensa. 31


Os irmãos da família Toda (c) 1941 Shochiku Co., Ltd.


Um impressionista rumo à perfeição Por Tatiana Monassa

Na precisão de sua técnica e na secura de seu estilo, Yasujiro Ozu realizou talvez a mais impressionista das obras cinematográficas. Uma obra extensa que se inicia no cinema mudo com um filme de samurai (hoje perdido), e encontra sua vocação e sua verdadeira força quando o autor se dedica a registrar filme após filme as sutis variações de um mesmo objeto: as relações familiares. Mais do que se filiar a um gênero – o gendai-geki, dramas contemporâneos focados na família e nas transformações sociais e econômicas –, Ozu buscou captar mudanças tênues que só se manifestam na repetição, e aperfeiçoar a técnica e a percepção através da reiteração. Ao longo de sua obra, é possível notar um refinamento do “traço”, o progressivo isolamento do objeto intraduzível que é o coração do seu cinema: o efeito do tempo nas pessoas. Nos filmes que terminaram por se tornar a obra “prototípica” de Ozu, aqueles realizados a partir de 1941 (quando ele retorna de uma missão militar na China e realiza Os irmãos da família Toda / Toda-ke no kyôdai), a preferência por espaços restritos e escopo delimitado funciona como um “laboratório”, definindo um cenário a se observar e inquirir do qual apenas mudam as conjunturas: famílias pobres, famílias ricas, famílias sem a mãe, famílias sem o pai... A eleição da família como moto cumpre um importante papel: célula da sociedade e contexto de gestação do indivíduo, a família é o âmbito que primeiro registra a continuidade ou o rompimento com hábitos e pensamentos. Focando-se, portanto, na aparente fixidez da rotina e das tradições culturais, Ozu encontrou as condições ideais para captar um tempo que move-se em espiral, a despeito de seu aspecto circular. Através das gerações, das mu-

danças de estação, dos ciclos da natureza, podemos ver o homem sujeito a uma série de desígnios infinitamente mais indetermináveis do que a luz que banha uma paisagem. Enfrentando impasses que os redefinem e fazem a vida e a história avançarem, os personagens precisam sempre encontrar o seu lugar no mundo, em sua relação com os outros, com as coisas e com o espaço. É então através da atenção à repetição de gestos realizados de forma automática e inconsciente, e de atos circunscritos pela lógica funcionalista da sociedade, que Ozu coloca em evidência aquilo que, em meio ao fluxo de todas as coisas, demonstra que cada processo é único. E que não importa quantas vezes se observem determinados rituais, eles sempre revelarão algo novo. É assim que as atividades cotidianas, como cozinhar, comer, ir para o trabalho ou tomar banho, constituem a base comum das narrativas; e cerimônias como casamentos e velórios ganham papel de destaque – afinal, tratam-se de pontos de inflexão fundamentais para uma família, por representarem os momentos em que esta toma consciência de si, seja no sentido de sua propagação, seja de sua finitude. Nestes momentos, o individual se confronta com o coletivo e as decisões tomadas incidem na vivência de todos. O foro familiar é, portanto, equivalente ao foro social e está sempre chamando o indivíduo à responsabilidade. Defender um ponto de vista, redimir-se ou agradecer configuram, portanto, ações corriqueiras carregadas de sentido – ao contrário de levar a comida à boca, por exemplo. Profundamente conectada ao sentimento designado em japonês pelo termo mono no aware (algo como “o páthos das coisas”, ou “a perplexidade das coi33


sas”), a estética de Ozu é marcada pelo estabelecimento do espaço e dos objetos como âncora para o trabalho de câmera e palco fixo para a passagem dos homens e suas oscilações. Nos interiores, o quadro é quase sempre imóvel e as paredes, portas e janelas servem de baliza para o enquadramento, dentro do qual o cenário, as pessoas e os objetos terminam por constituir diferentes “camadas”. Não raro um objeto é colocado em primeiro plano (ou é evidenciado em um quadro vazio), sugerindo de fato que o mundo material e inanimado observa os homens, ou que é o partido de sua existência silenciosa que o filme toma. E é exatamente este o princípio do cinema de Ozu que o cineasta iraniano Abbas Kiarostami homenageia em seu Cinco dedicados a Ozu (Five dedicated to Ozu, 2003): a câmera estabelece um pacto profundo com o “olhar” da parte de eterno do mundo para observar tudo aquilo que simplesmente passa. Se por um lado isso implica num leve sentido de melancolia pela consciência da impermanência, por outro permite um ponto de vista privilegiado para identificar os efeitos da passagem do tempo. Pois, apesar de sofrer também a ação deste, as casas e os objetos sobrevivem às pessoas e não possuem almas trêmulas. Como se deslizassem na superfície de um mundo bidimensional, percorrendo um labirinto sem relevo, os personagens de Ozu circulam no interior das casas atravessando quadros nos quais o mundo encontra-se “achatado”, reduzido ao essencial. A imagem é plana e as ações, banais. Sob esta perspectiva frontal, a profundidade (espacial e espiritual) se manifesta em movimentos laterais. São os personagens que entram e saem de quadro repetidamente; são as intenções e sentimentos manifestados de forma dissimulada, ocultos em dobras da fala e disfarçados com interjeições assignificantes, muitas vezes repetidas de forma inócua. Nesta estrutura que pouco sofre variações, uma narrativa de linhas simples serve de esqueleto e abre caminho para as micronarrativas que são o real interesse do cineasta: a indecisão de um personagem, a teimosia de outro, a negligência de um terceiro. Em suma: todo o tipo de mo34

vimento que provoca algum tipo de trava ou nó na progressão das coisas, que obriga que se pare e pense, que ocasiona mudanças. A ideia do descompasso, de que as coisas nunca se processam no tempo devido ou em sincronia (seja em respeito às solicitações do mundo, seja nos relacionamentos entre as pessoas), desenvolvida pelo cineasta Kiju Yoshida no livro O anticinema de Yasujiro Ozu (São Paulo: Cosac & Naify, 2003), vai ao encontro desta demarcação do tempo como agente de modificações sutis. É como se tal “desencontro” – o fato dos homens apenas se darem conta das coisas de forma retardada – fosse o atestado de que nada permanece tal como é, de que é da natureza do mundo provocar rupturas, mesmo ali onde muitas vezes apenas enxergamos continuidade. Talvez isto explique o gosto de Ozu pela quebra de eixo entre os planos, ou pelo espaçotempo fragmentado em “fatias”, ou, ainda, pelas elipses que ocultam acontecimentos decisivos do campo da ação. Entre uma imagem e outra, nunca nos sentimos perfeitamente orientados, há sempre um delay, um tempo necessário para que reencontremos os parâmetros espaciais – ou mesmo narrativos. Esta sensibilidade eminentemente moderna aliada à observação de eventos ligados ao cotidiano fez de Ozu um dos cineastas-chave em termos de referência para o cinema contemporâneo centrado na experiência do indivíduo. De Jim Jarmusch na década de 1980 à delicadeza com tendência para a afetação do world cinema dos anos 2000, o impulso de desdramatização e a placidez narrativa do cineasta japonês serviram de inspiração a estéticas que primam pela sensorialidade e pela dilatação da percepção do tempo e do espaço. O que poucos parecem lembrar, no entanto, é que o estilo de Ozu nunca esteve estritamente a serviço das subjetividades, e que no cerne de sua estética estava uma preocupação em captar os humores de seu tempo profundamente ligada à noção de sociedade e do coletivo. Afinal, antes de se assentar nos dramas familiares urbanos, Ozu fez diversos filmes alinhados com o realismo social pré-neorrealismo.


Na realidade, a obra de Ozu flerta com o melodrama familiar ali onde ele pode assumir uma faceta política (não nos esqueçamos de Nicholas Ray ou Emilio Fernández): o registro da emancipação da mulher, da transformação dos hábitos e costumes, e da família colocada em xeque por um evento qualquer. Envolvidos com questões práticas (desde encontrar um emprego até dividir um espólio), os personagens de Ozu devem se confrontar o tempo inteiro com a instância do social, devem desempenhar um papel em que tentam, em última análise, escapar. Para eles, falar é um ato, inclusive. Um ato que os revela. E o casamento, questão recorrente na obra do cineasta, nunca é colocado como uma demanda sentimental, mas sempre prática – como em grande parte do cinema indiano, aliás. O amor é consequência dos elos existentes, dos laços que se tecem. E é esta consciência que parece hoje faltar a quem compra a adoração à obra deste cineasta japonês e dela retém apenas os efeitos de superfície. Afinal, o olhar impressionista a que me referia no início é resultado, não apenas de uma sensibilidade perceptiva para as sutilezas do mundo mas, sobretudo, de uma cons-

ciência profunda do espaço e da relação do artista com ele, que se manifesta no decorrer do tempo e através de uma obra reiterativa. Ou seja, o gesto do pintor impressionista é um gesto que articula a subjetividade deste com o seu posicionamento num determinado lugar e os efeitos do tempo no ambiente (o caminhar do mundo, em outras palavras). Concluindo: ver a extensa obra de Ozu em conjunto (ou o que restou dela) é como percorrer diversos quadros pintados ano após ano sobre uma mesma paisagem em diferentes épocas do ano e diferentes horas do dia. A diferença é que, em vez de caminhar rumo à abstração, Ozu avançou mais e mais em direção ao detalhe, aos gestos e intenções imperceptíveis, aos movimentos invisíveis da alma, numa apuração do estilo traduzida pela tentativa de isolar uma ou outra marca fugidia de mudanças que se processam na extensão de uma determinada duração. A nós, resta o prazer de nos entregarmos a esta duração, de nos deixarmos levar pelo embalo de um cotidiano tão banal e tão singular, tão distante e tão próximo do nosso.

Tatiana Monassa é editora da revista eletrônica Contracampo (www.contracampo.com.br). 35


Flor do equinรณcio (c) 1957 Shochiku Co., Ltd.


O cotidiano, o ritmo e os três registros do tempo Por Ruy Gardnier

Antes de sermos apresentados aos verdadeiros protagonistas de Flor do equinócio (Higanbana, 1958), existe uma espécie de prólogo em que dois funcionários numa estação de trem comentam a afluência de noivas naquele dia específico. Uma é cheinha, uma é magra demais e assim por diante. Os mecanismos narrativos do cinema habitualmente nos apresentariam a partir daí uma noiva radiante, espetacular, que dominaria todas as atenções e seria a premissa ficcional do filme. Não num filme de Ozu. O casamento para o qual somos transportados na sequência seguinte não tem uma noiva excepcional. A noiva, o noivo e suas famílias rigorosamente não importarão à trama: a sequência serve à narrativa, de modo mais direto, apenas para apresentar o protagonista do filme, o Sr. Hirayama, e vêlo discursar no jantar de recepção sobre as diferenças do casamento por amor e do casamento arranjado. A partir daí o jogo está lançado, porque o filme será sobre a dificuldade do Sr. Hirayama em aceitar a escolha de sua filha por um noivo sem passar por sua autoridade antes, uma enorme ironia em se tratando do homem que discursara tão bem elogiando o amor entre noivos e, mais tarde, aconselha pai e filha separados justamente pela não-aceitação de um enlace amoroso. Voltemos, no entanto, à primeira cena, a dos funcionários fofoqueiros: em que ela nos ajuda a compreender a história? No fundo, e isso é fundamental para o cinema de Yasujiro Ozu, ela nos ajuda a entrar em sintonia com o tipo de dramatização do cotidiano operada comumente pelo cineasta. Quando os dois falastrões comentam sobre a variedade de noivas, o que o filme faz é nos apontar para a virtual infinidade de histórias a serem

contadas, de vidas a serem seguidas e observadas de perto. Como não se pode acompanhar todas, o filme tem que escolher apenas uma. Ozu nunca escolherá o caso mais chamativo: a delícia de seu cinema existe nas nuances, e os fatos narrativos mais retumbantes tenderiam a eclipsar todos os outros. A inserção do prólogo em Flor do equinócio, que serve apropriadamente para nossa imersão em todo o éthos de cinema de Ozu, existe justamente para minimizar a opção narrativa, para mostrar que ela é apenas uma história diante de muitas outras, tão especiais quanto. Mas, contrariando a lógica do bigger than life típica da ficção e especialmente da ficção cinematográfica, é justamente por sua aparente banalidade, por parecer definitivamente com nossas vidas, ou com vidas de pessoas que conhecemos, é que devemos acompanhá-la. Só dois cineastas perseguiram de forma tão maníaca e sistemática a dramatização em tom menor surgida dos ligeiros desarranjos do cotidiano: Eric Rohmer, com as coincidências da trama e as ideias fixas de seus personagens, e Yasujiro Ozu, basicamente encenando situações em que a mudança de registro de um ou mais personagens – jovem/adulto, adulto/idoso, solteira/casada – ocasiona mudanças sensíveis no funcionamento da rotina de seus protagonistas. Com seus instrumentos particulares, ambos construíram estéticas distintas e se focaram em aspectos distintos do manancial de possibilidades que a dramatização do cotidiano pode dar. Para Rohmer, jogos de acaso e caráter. Para Ozu, a reflexão sobre a passagem e sobre a permanência das coisas. Nos dois, em todo caso, o artesanato do plano e do enquadramento fornece uma intensa sensa37


ção de materialidade do espaço físico, quase uma percepção táctil dos lugares em que a ação dramática transcorre. A narrativa pode incitar nossa imersão no cotidiano, mas é a forma cinematográfica, em especial sua relação com o tempo, que nos captura irrevogavelmente. O ritmo de um filme de Ozu é sem par na história do cinema. Os instantes do plano antes que a ação propriamente dita comece; as pausas dos diálogos nas cenas filmadas em campo/contracampo; os detalhes aparentemente banais flagrados com uma agudez formidável; o tempo que a câmera leva até registrar um gesto fugidio no rosto de um personagem – o tempo cinematográfico nos filmes de Ozu tem menos a ver com a lógica de montagem e timing do cinema narrativo do que numa observação acerca da temporalidade do próprio cotidiano, onde pequenos prazeres e detalhes sutis ganham dimensões magnificadas. Tampouco o tempo se faz notar como um peso para os personagens (e consequentemente para o espectador), como nos filmes de Antonioni, Monte Hellman ou Kaurismaki. O tempo é algo em que se está instalado, e que pode ser vivido em diversas instâncias, e mesmo simultaneamente, porque é de forma variada que o vivemos: o tempo de uma refeição é diferente do tempo de uma juventude, que é diferente do tempo de uma pedra. Em todo caso, o tempo é sempre algo a ser fruído (a enormidade de cenas à mesa, de passeios, de conversas prazerosas em restaurantes, em salas de estar ou em escritórios) ou algo que, no limite, exige a aprendizagem. Um tal tempo demanda leveza, graça e serenidade, e outro não é o objetivo de Ozu ao ritmar seus filmes, equilibrando os acontecimentos ao diapasão da rotina de seus personagens, mas observando-os de fora, contemplativamente. A respeito desse “de fora”, existe o traço mais maravilhoso, enigmático e marcante dos filmes de Ozu. Trata-se do recorrente aporte dos planos “de paisagem” que acontecem frequentemente entre sequências, às vezes designando elipses mais pronunciadas de tempo (dia/noite), às vezes deslocamentos geográficos sim38

ples (bar/casa) ou mais complexos (mudança de cidade), às vezes sem um propósito narrativo mais claro. São ocorrências em todos os seus filmes de maturidade, e podem flagrar ruas, cartazes, linhas férreas, postes de luz, varais, casas rústicas, céu ao fundo, e geralmente vêm às trincas. A interpretação corrente é que esses planos “de respiração” existem para ritmar a passagem entre sequências. Certamente eles se prestam a esse fim, mas especialmente nos momentos de maior intensidade dramática, eles parecem adquirir um papel muito mais pronunciado, decisivo mesmo. O tema predileto de Ozu, já dissemos, é o caráter passageiro das coisas (e, por extensão, da vida). E o que podemos intuir quando, depois de uma mudança definitiva, uma morte, um abandono, uma ameaça de perigo, somos confrontados com imagens terrivelmente bem enquadradas, em perfeito equilíbrio geométrico, de objetos inanimados? O páthos é sempre certeiro: essas paisagens atestam com toda força a efemeridade das relações humanas diante do tempo e da certeza de que as coisas haverão de mudar. Como Manoel de Oliveira, como Robert Bresson, Yasujiro Ozu é um desses cineastas que filma seus personagens à luz da eternidade. Não que ele dê às suas ações pouca importância; o que ele faz é perspectivá-las diante de toda a existência, sabendo tratar-se de um caso, uma das possíveis modulações da vida dentre muitas (assim como há muitas noivas, e a história poderia ter sido desviada para outra noiva, revelando outro Sr. Hirayama). Em modo mais filosófico, é aí que entram os planos “de respiração” do cinema de Ozu: à tensão binária entre a rotina inicial da vida dos personagens e o desarranjo ocasionado pelo tempo – por exemplo, a filha estar em idade de casar –, o cineasta acresce uma outra dimensão, a dos serenos objetos que contemplam tudo em sua aparente imutabilidade. Essa terceira dimensão, esse terceiro registro do tempo – um tempo indiferente às ações humanas, cabe notar – é no fim das contas o ponto de vista a que ascedem os personagens de Ozu ao fim de seus filmes. Sabedoria é notar que o tempo


passa e as coisas mudam, e que tentar fixar o tempo é um impulso que apenas resultará em sofrimento. Malgrado nossos poderes (no caso, os poderes dos patriarcas e dos jovens adultos dos filmes de Ozu), estamos todos dentro do tempo, submetidos a ele, e a suprema liberdade consiste em saber fruí-lo tendo a ciência de que ele é passageiro. Um cinema confor-

mista, portanto? Muito pelo contrário: cada enquadramento , irrepreensível no equilíbrio das formas e na simetria da disposição dos objetos diante da câmera, mergulha cada um de nossos instantes de cotidiano na mais perfeita eternidade, celebrando a cada imagem o sabor dos breves momentos contidos no tempo.

Ruy Gardnier é jornalista, crítico, pesquisador e fundador das revistas eletrônicas Contracampo (www.contracampo.com.br) e Camarilha dos Quatro (camarilhadosquatro.wordpress.com). 39


Era uma vez em Tรณquio (c) 1953 Shochiku Co., Ltd.


Ozu-Hara: o sublime no cinema japonês Por João Luiz Vieira

Num dado momento ao final do hoje clássico e cultuado Era uma vez em Tóquio (Tokyo monogatari, 1953), a personagem Noriko, interpretada por Setsuko Hara, volta para Tóquio de trem e segura nas mãos, com carinho, um relógio de bolso, que lhe fora ofertado pelo sogro, pertencente à sogra recém-falecida. Sutilmente, seus olhos saem do relógio, seu olhar interioriza-se e parte na direção do espectador, quase que numa interpelação direta a quem está do lado de cá da plateia, com quem compartilha esse afeto privado. Por alguns instantes suas mãos se fecham sobre o relógio, como que protegendo a memória de alguém que já não está mais ali e um olhar tristonho, desolado e intenso parece apenas visualizar sua emoção interior. Num plano médio, câmera frontal, típico de Ozu, a duração desse gesto contido é mantido sem cortes – um tempo subjetivo carregado de afeto e emoção, que deixa um gosto amargo no final da cena e do filme –, marca do sistema de direção de Ozu na busca de um estilo de construção narrativa sempre calcada na gestualidade mínima e controlada.

Este é apenas um entre diversos momentos de um conjunto de filmes que marcam a parceria entre o diretor e uma equipe constante de técnicos e atores. De 1949, ano de Pai e filha (Banshun), até o seu último filme, de 1962, A rotina tem seu encanto (Sanma no aji) – feliz título brasileiro, emblemático do grande tema dessa obra singular –, com poucas alterações, esse grupo principal permanece mais ou menos imutável de filme para filme como o momento considerado ápice da carreira do mestre japonês.1 Dessa última fase, e de um total de doze títulos, seis se destacam pela presença da atriz Setsuko Hara, formando um conjunto de filmes notáveis, de rara beleza e intensidade emocional que, em minha opinião, permanecem até hoje como grandes obras do cinema japonês e mundial.2 Filmes que transcendem uma identidade local e nacional para atingir públicos e plateias mundiais em mostras, como esta, que possibilitam sua redescoberta constante por novas gerações. Para além da curiosidade com um outro diferente e também da redescoberta de hábitos, com-

.................................................................................................... 1Ozu, a exemplo de outros realizadores como John Ford, Ingmar Bergman, Alain Resnais ou Akira Kurosawa, também mantinha o hábito de trabalhar com equipes mais ou menos fixas desde o início de sua carreira nos estúdios Shochiku. Dessa equipe, na fase final de sua obra, além de Setsuko Hara, destacam-se também outros atores como Chishu Ryu – este trabalhando com Ozu desde pelo menos 1935 – e Haruko Sugimura. Da equipe técnica, são presenças constantes o roteirista Koko Noda, o fotógrafo Yuharu Atsuta], o montador Yoshyiasu Hamamura e os autores das trilhas sonoras, Senji Ito e Takanobu Saito. Os seis filmes, por ordem cronológica: Pai e filha (Banshun, 1949), Também fomos felizes (Bakushu, 1951), Era uma vez em Tóquio (Tokyo monogatari, 1953), Crepúsculo em Tóquio (Tokyo boshoku, 1957), Dias de outono (Akibiyori, 1960), Fim de verão (Kohayagawa-ke no aki, 1961). 2

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portamentos, arquitetura, ambientação e costumes de um passado cultural rigorosamente distante e arqueológico, permanece o sentido estético que, me parece, tem muito ainda a nos dizer enquanto método de trabalho e, principalmente, no conhecimento e domínio da linguagem cinematográfica. Neste aspecto, os filmes do período aqui destacado exibem uma afinada noção de mise-en-scène e construção de unidade orgânica onde enquadramento, escala, iluminação, duração temporal, construção de espaço, música, vestuário, movimentação e expressão de atores, tudo se harmoniza numa coreografia única pautada por uma economia e rigidez estéticas, marcas autorais reconhecidas e celebradas no cinema de Ozu. Nesse sistema de direção singular, o encontro entre Ozu e Setsuko Hara não poderia ter tido maior afinidade. Ozu parece ter percebido o quanto aquele corpo poderia expressar, especialmente o rosto, muito bem aproveitado nos planos médios utilizados em diálogos. Mas também, a postura de corpo inteiro em emblemáticos planos gerais de câmera baixa, com as personagens interpretadas por Hara e relacionadas à geometria arquitetônica dos espaços domésticos das narrativas. Esse profundo conhecimento mútuo permitiu a Ozu tirar partido da delicadeza gestual da atriz, seja no caminhar (muitas vezes ela parece levitar), seja no cotidiano dos gestos e atitudes mais comuns como sentar e levantar, dobrar e guardar uma roupa, servir o chá ou o saquê, não importa. Testemunhamos uma integração muito especial entre a direção e a expressão e movimentação dessa atriz. Reconhecido e admirado pela simplicidade, economia e minimalismo de seu estilo – aspectos que, de certa forma sinônimos intercambiáveis – Ozu privile-

gia enquadramentos em plano médio, tomadas com a câmera baixa e, na montagem, o corte seco, na recusa de efeitos e truques óticos como as fusões (“tudo isso é atributo da câmera e não do cinema”). Assim parece construir um cinema frio que posiciona o espectador de forma distanciada e desengajada, o que de fato ocorre.3 No entanto, Ozu é um mestre também em mexer com as nossas reações ao povoar sua rígida geometria com algumas das personagens mais humanas de todo o cinema. Segundo Donald Richie, um dos mais importantes e perceptivos críticos do cinema japonês, Ozu constrói narrativas onde afloram, delicada e sutilmente, personagens de carne e osso, com suas contradições, revelações, esperanças, desencanto, tudo isso tornado visível em sua aparente refiguração.4 Tal vibração humana consegue pulsar por toda a geometria fria e pela linguagem controlada trabalhada por Ozu no detalhismo preciso dos espaços e enquadramentos por onde transitam suas personagens. O resultado sempre parece contraditório na experiência única de percepção desses seis filmes, com destaque para Pai e filha, obra inaugural desse, digamos, ciclo em que atua Setsuko Hara. Ao mesmo tempo em que percebemos essa rigidez (que chama atenção para si mesma, se comparada, por exemplo, à decupagem comum do plano-contraplano nos diálogos do cinema narrativo clássico hollywoodiano desse mesmo período), também sentimos a emoção, o calor humano que impregna essas imagens, numa tensão permanente entre distância e proximidade. A sequência-chave de Pai e filha que talvez exemplifique muito bem essa tensão entre exterior e interior, entre objetividade e subjetividade é a da ida ao teatro Nô quando Noriko se dá conta de que seu pai poderia estar inte-

.................................................................................................... A observação acima, atribuída a Ozu, vem de um texto crítico de Donald Richie sobre Também fomos felizes, publicado no volume 1 da série de monografias temáticas Japanese Society Through Film, intitulada The Japanese Family (New York: Japan Society, s/d). p.22 4ibidem, p. 23 3

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ressado em outra mulher, Aya (Yumeji Tsukioka), viúva, espectadora da perfomance em andamento. Apesar do público ser heterogêneo, incluindo jovens adultos aparentemente desacompanhados, há casais na plateia ressaltando o fato de que Noriko, aos 27 anos, ainda é vista acompanhada pelo pai, em vez de um marido, como tradicionalmente seria o caso. Todos seguem, impassíveis, o enredo da peça que tematicamente se relaciona com o que Noriko sente, sublinhando um comentário sobre o que se vê, ou seja, tanto a performance Nô quanto sua reação no desenrolar da cena.5 A sequência é longa, composta por vinte e cinco planos, que se alternam entre tomadas em plano médio de Noriko e seu pai atentos ao desenrolar da peça; planos gerais e frontais do palco a partir da plateia; planos de conjunto do palco mais próximos do ator da peça e close-ups de Noriko reagindo aos poucos ao perceber o interesse mútuo entre seu pai e uma possível rival. Na primeira metade da sequência, somos apresentados à peça, da mesma forma em que a plateia diegética o é. Ozu, numa cons-

trução de espelhamento, nos coloca na posição dupla de espectadores da performance Nô e também do drama íntimo pelo qual passa sua trágica, discreta e contida heroína/espectadora na plateia. Interioridade e exterioridade ganham fluxos e contornos sutis através de pontos de vista que alternam os de Noriko (olhando ora o pai, ora a viúva) e os da câmera, que observa o desenrolar desse outro drama centrado, basicamente, no olhar e na pouca, mas intensa, expressão facial de Setsuko Hara encenada para o espectador do filme. O efeito parece devastador, uma vez que o enigma do rosto aparentemente impassível, tal qual a máscara Nô do ator no palco, vai aos poucos ganhando sentido pela precisa movimentação do olhar, da boca, do pescoço e da respiração da atriz, mais ou menos nessa ordem, num complexo clima emocional que define uma tomada de posição da personagem, ainda confusa, mas já vivenciando uma nova situação emocional no ambiente e postura tradicionais japoneses. O plano de transição para a sequência seguinte é de uma árvore, sobre a

.................................................................................................... 5A origem e identificação dessa peça tem sido objeto de referências contraditórias por parte da crítica ocidental. A maioria dos estudiosos de Ozu (entre eles David Bordwell), indica a peça intitulada Morikawa para estabelecer o paralelo entre o que se desenrola no palco e o intenso estado emocional por que passa Noriko, na plateia. Segundo Bordwell, a peça dramatiza a narrativa de uma mulher aristocrata, levada à loucura pela lembrança de um amor perdido (ver David Bordwell, Ozu and the Poetics of Cinema. Princeton: Princeton University Press, 1988. P. 310). Entretanto, a tradução para o francês do roteiro original de Ozu e Kogo Noda indica como fonte, nas notas do tradutor, a peça Kakitsubata. Além da referência vir direto do roteiro original (e de um tradutor japonês), uma leitura detalhada dessa narrativa traz um paralelismo menos óbvio, muito mais sutil e, portanto, mais afinado com a discreta sofisticação de Ozu. No início da peça, de curta duração e com apenas duas personagens, um viajante recita para uma mulher um poema de cinco versos, onde cada um se inicia com os ditongos kakitsubata (uma espécie de íris aquática), que falam da acomodação e conforto provocados por um relacionamento de longa duração, utilizando a metáfora da roupa – um quimono que, de tanto ser usado se confunde com o próprio corpo – e do sofrimento da separação. O clímax dramático é mostrado na sequência do filme: a mulher revela-se como o espírito da flor íris, relembrando o azul intenso dessas flores, lembrança do seu amado, cuja cor confunde-se com o aroma da flor de laranjeira, enquanto a cigarra chora na árvore e espalha seu vestido de brocado. O dia amanhece e Buda aparece. A íris abre suas pétalas e as dobras de seu coração, e toda a terra se ilumina, incluindo árvores e flores. Para acesso ao roteiro do filme em sua versão francesa (La fin du printemps, par Yasujiro Ozu et Kogo Noda, tradução de Takenori Noumi,com revisão e correções de Christianne Estrop) ver http://www.01.246.ne.jp/tnoumi/noumi1/default.html Para o texto completo da peça, em inglês, ver http://www.the-noh.com/en/plays/data/program_029.html 43


qual ainda se estende o canto da performance Nô, sutilmente sendo substituído pela música não diegética do filme. Ao sair do teatro, Noriko não suporta caminhar ao lado do pai na mesma calçada. Inventa uma desculpa e segue pelo meio da rua. Pai e filha, idades e gerações diferentes seguem numa mesma trajetória, mas agora separados emocional e espacialmente. Completando 90 anos em junho de 2010, Setsuko Hara nasceu em Yokohama, na prefeitura de Kanagawa, registrada com o nome de Masae Aida. Pelas mãos de um cunhado, o realizador Hisatora Kumagai, em 1935, portanto aos 15 anos, ela entrou para o cinema. Foi a Nikkatsu, companhia produtora de seu primeiro filme, quem sugeriu a mudança de seu nome verdadeiro para Setsuko, aproveitando-se do sucesso do filme onde sua personagem chamava-se Setsuko.6 De imediato, sua juventude e beleza chamaram atenção do diretor alemão Arnold Fank, que a escalou para o papel principal da coprodução nipo-alemã A filha do samurai (Die Tochter des Samurai / Atarashiki tsuchi, 1937).7 Daí para a frente foi uma carreira bastante promissora e de muito sucesso, com viagens ao exterior, incluindo Berlim, Paris e Hollywood. Ao longo de pouco mais de trinta anos de carreira, e sob a direção de mestres como Akira Kurosawa, Mikio Naruse, Yasuki Chiba, Tadashi Imai ou Hiroshi Inagaki, mas, especialmente, Ozu, foi uma das atrizes mais cultuadas do cinema japonês, ao lado de outras não menos famosas e queridas como Kinuyo Tanaka, Machiko Kyo e Hideko Takamine, todas, assim como Hara, associadas ao período de ouro do cinema japonês. Seu precoce afastamento do cinema e da vida pública pouco tempo depois da morte de Ozu – o enigma de sua reclusão fez dela uma espécie de Greta Garbo do cinema japonês – deixou órfã uma legião de fãs que até hoje lamenta seu retiro e estilo de

vida. Em oposição aos papéis principais desempenhados nesses seis filmes sob a direção de Ozu, ou seja, a de filha, esposa e mãe, Hara nunca se casou e mora só, até hoje e, segundo a lenda, em Kamakura – cenário de Pai e filha e também local onde se encontra o túmulo de Ozu –, uma região que hoje já faz parte da grande Tóquio. A permanência desse mito no imaginário japonês tem inspirado diretores tão diversos como Kaizo Hayashi, no belo Dormir como se sonhasse (Yumemiru yôni nemuritai, 1986) exibido no Festival do Rio nesse mesmo ano. Também é o caso da animação Millenium Actress (Sennen joyû, 2001) de Satoshi Kon. Tenho uma história com Setsuko Hara. Em agosto de 1991, quando de minha primeira visita a esse país, e a convite da Fundação Japão, havia acabado de oferecer no semestre anterior da UFF um curso dedicado à filmografia dos grandes mestres japoneses, onde Ozu era naturalmente destaque. Sabedores dessa programada viagem, alguns alunos, também encantados pelo contato com essa cinematografia e particularmente fascinados pela descoberta de Setsuko Hara, arquitetaram um plano onde eu seria o portador de um presente dessa turma especialmente preparado para ser entregue à atriz. De antemão, já sabia das dificuldades que teria pela frente, ciente do mito e do fato de que, com exceção de uns poucos amigos, ela não recebia mesmo ninguém, reclusa na proteção de uma espécie de autoexílio desde meados dos anos 1960. Ainda assim pensei em arriscar – quem sabe um estrangeiro, vindo de tão longe, do Brasil, décadas depois desse afastamento... quem sabe? Parti, portanto, levando como presente uma pequena caixa de madeira feita de nós de várias madeiras diferentes, acompanhado de um poema feito por um aluno em ho-

.................................................................................................... 6Tamerau nakare wakodo yo, direção de Tetsu Taguchi (Nikkatsu, 1935) 7Dados retirados do site http://www.imdb.com/name/nm0361697/ acessado em 26/05/2010. No Japão, esse filme chamou-se A nova terra. 44


menagem a Hara (gentilmente traduzido para o japonês pelo pessoal do Centro Cultural do Japão no Rio), num cartão assinado por toda a turma de graduação. Em Tóquio, numa agenda apertada de visitas e contatos com realizadores, cinematecas e escolas, eu pressionava a Fundação Japão para agendar essa (im)possível visita. Os funcionários, que não acreditavam em tamanha ingenuidade, afirmavam ser impossível, pois ela era “mais difícil que o próprio Imperador”. Não demorou muito para eu perceber que não deveria insistir e, principalmente, que esse desejo era absurdo e egoísta, uma vez que a resolução dessa atriz deveria ser simplesmente respeitada. Diante desta decisão, passei a deixar o assunto de lado. As coisas começaram a tomar um novo e surpreendente rumo. A caixa continuava ali, na mesa de cabeceira de um quarto de hotel em Shinjuku, olhando para mim. Numa primeira visita à Fundação Kawakita – tradicional centro de difusão do patrimônio fílmico do Japão e onde fui atrás de alguns filmes de Kon Ichikawa, um dos meus diretores preferidos, comentei sobre o presente e a iniciativa de alunos de cinema de um país tão distante com o funcionário que me recebeu, Sr. Akira Shimizu. Certamente sensibilizado, acredito eu, ele me disse que levaria o assunto ao conhecimento da presidente da Fundação, a Senhora Kashiko Kawakita, e que, como eu retornaria no dia seguinte para ver mais filmes, ele teria uma resposta. No dia seguinte, lá estava eu, presente nas mãos, recebido pelo Sr. Shimizu. Em minu-

tos, ouço passos ritmados pelas sandálias japonesas e, do alto de seus conservados oitenta anos, muito bem disposta e elegante em seu quimono, surge a Senhora Kawakita, que me recebe com um chá, conversa um pouco, pede para ver o tal presente, o cartão com a poesia e as diversas assinaturas e, num sorriso menos enigmático do que o de Setsuko Hara, confirma algo que o Sr. Shimizu já me havia dito – ela não só era amiga pessoal de Setsuko Hara, como sua vizinha em Kamakura. Um pouco surpresa com o fato da atriz ser conhecida e admirada num país tão distante e, mais ainda, por uma novíssima geração de cinéfilos, ela prometeu entregar o presente pessoalmente a “Sesie”, como carinhosamente se referia à atriz. Ao sair da Fundação naquele final de tarde, tive uma sensação de alegria e, caminhando pelo parque Ueno, ouvindo o grasnar dos corvos (karasu) misturado ao canto dos grilos (korogi), pensava sobre a natureza dos presentes, a circulação das pessoas e dos objetos, sobre aquela caixa de madeira artesanal trazida “do outro lado do mundo” e que seria, afinal, entregue ao seu destinatário. Imaginava o espanto de Setsuko Hara ao abrir o presente e ver o cartão com todas aquelas assinaturas de pessoas com nomes estranhos, e para ela completamente anônimas, mas que um dia também foram tocadas pelo brilho e pela luz que emanam de seu rosto, quase sempre triste e de uma dramaticidade absolutamente contida.

João Luiz Vieira é pesquisador, crítico, ensaísta e professor associado no Departamento de Cinema e Vídeo e no programa de pósgraduação em Comunicação da UFF. 45


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Referências bibliográficas

Sites consultados

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Pai e ďŹ lha (c) 1949 Shochiku Co., Ltd.


TambĂŠm fomos felizes (c) 1951 Shochiku Co., Ltd.


Setsuko Hara Por Donald Richie

Deve estar na casa dos sessenta, a "eterna virgem" do Japão – tão citada, até hoje, em contínuas referências em jornais e revistas; até hoje, passados mais de vinte anos de seu desaparecimento. O desaparecimento em 1963 foi um escândalo. Ela fora a mais amada das estrelas de cinema, seu belo rosto, seu sorriso condescendente eram familiares a todos. Então, de repente, bruscamente, sem pedir desculpas, ela iria desaparecer – aposentar-se. Aqui, onde os astros perduram, uma aposentadoria voluntária é inusitada, especialmente da parte de alguém do calibre de Setsuko Hara. Tornara-se um ideal: os homens queriam se casar com alguém como ela; as mulheres queriam ser como ela. Esse fenômeno ocorria porque na tela Hara se reconciliava com a vida de um modo impossível para as pessoas reais. Não importa o que interpretasse nos filmes – filha, esposa ou mãe –, fazia sempre uma mulher que ao mesmo tempo, de algum modo, era ela mesma. Seus papéis sociais não eclipsavam aquele eu individual, a nossa Setsuko. Em Pai e filha, de Ozu, queria continuar sendo filha, não queria se tornar esposa. Permanecer ao lado do pai era-lhe suficiente. Mas por fim casou-se e por trás disso tudo mostrou seu próprio ser. Em Dias de outono, uma versão de 1960 do filme de 1949, interpretou a mãe em vez da filha. Agora, ela era uma viúva que percebe que o melhor é sua filha se casar, embora isso signifique que ela mesma ficará só. Em tudo isso, ela mostrou seu verdadeiro ser. Conseguiu esse feito ao transcender as limitações que lhe eram impostas. Conquistou a liberdade

ao perceber que o conceito de liberdade só se torna relevante quando existem limitações. Aceitou. No desfecho de Era uma vez em Tóquio, está conversando com a cunhada mais nova, que se aborrecera com o comportamento da irmã mais velha no funeral. Não gostaria jamais de ser como a irmã, diz a jovem: Seria cruel demais. A nora, Setsuko Hara, concorda e diz: É cruel, mas os filhos vão ficando assim... gradualmente. – Então... você também?, pergunta a jovem cunhada. – Pode ser que eu fique assim. Mesmo não querendo. A moça se surpreende. Depois, perturbada ao imaginar as consequências: – Mas então... a vida não é decepcionante? Setsuko sorri, um sorriso pleno, quente, de aceitação. – Sim, é. Ela saudava a vida, aceitava suas condições. Do mesmo modo, aceitava seu papel, absorvia-o para dentro de si, deixando intato o precioso tecido social. Não importava que suas palavras fossem escritas e as ações dirigidas por Yasujiro Ozu. A persona da tela tornou-se a sua, de todo modo, Ozu não teria criado tais personagens se não estivesse escrevendo para Setsuko Hara. Assim, na tela, ela não perturbava a harmonia, criava-a. E nesta harmonia encontrava-se. Por isso foi tão amada. Mesmo o fato de ser uma "eterna virgem" (não ter se casado, não ter tido filhos num país onde o casamento fértil é quase obrigatório) nunca foi usado 49


contra ela. Afinal, não era uma solteirona. Não, era algo positivo, a virgem eterna. Mas, de repente, a aposentadoria. E o modo como o fez. Um simples anúncio. Isso não eram modos de um personagem de Ozu. Grande foi a grita. A produtora, que sempre tivera em Setsuko seu maior sucesso de bilheteria, ofereceu-lhe de tudo. Ela se manteve firme contra todos. Os críticos, que até então a adoravam, sentiam-se feridos, ofendidos – correu o boato de que ela era onna rashikunai, sem feminilidade. Ignorou-os. Houve também o que ela disse, as razões que deu. Sugeriu que nunca havia gostado de fazer filmes, que os fizera meramente para sustentar uma família numerosa, que nada de seu desempenho como atriz lhe parecia bem e, agora que a família estava em boa situação, não via razão para continuar fazendo algo que não a interessava. Tudo isso foi expresso no estilo Setsuko Hara, evidentemente, com mostras de hesitação, repentinos sorrisos luzindo através da dúvida. Fora mais uma performance de Hara, a única que não agradou. Pela primeira vez desde sua estreia em 1935, foi severamente criticada, não tanto por querer se aposentar, mas pela maneira como apresentou seu desejo. Não teve a polidez de criar uma ficção relativa a problemas de idade – ela tinha apenas 43 anos –, a saúde delicada, a algum desejo ardente de se entregar a obras de caridade, a um manda-mento espiritual de entrar para um convento. Nada disso – apenas uma declaração que soava como a verdade nua e crua. Nunca foi perdoada. Mas imprensa e público não tiveram outras oportunidades de manifestar sua decepção, pois ela nunca mais apareceu. Onde se metera? Era como se tivesse saído daquela última coletiva de imprensa direto para o esquecimento. Mas, é claro, não há algo chamado esquecimento no Japão. Logo foi descoberta vivendo sozinha, com seu nome real – não o nome das telas, escolhido pelas autoridades da produtora –, numa casinha em Ka50

makura, onde se passa a história de tantos de seus filmes. E lá permanece, remota, mas ainda a mais falada das reclusas. Leitores da imprensa diária ou semanal sabem o que ela adquire quando vai às compras, quantas vezes por semana sua roupa é visível no varal e quais dos antigos colegas de escola ela recebe. De vez em quando, alguém tenta bater uma foto, mas, graças à sua experiência passada, ela logo percebe um intruso, e a foto é sempre tirada de tão longe e fica tão granulada com a alta velocidade do filme, que poderia ser qualquer senhora de idade, estendendo os cobertores ou pendurando a roupa. Ao longo dos anos, todos os sentimentos de ira, rancor e decepção do público se esvaeceram. Permanece apenas uma obstinada curiosidade. Além de uma nova admiração. Agora parece, especialmente para as mulheres mais jovens, que essa atriz verdadeiramente se reconciliou com a vida. Na realidade, por mais que tenha encarnado todos os papéis sociais – filha, esposa e mãe – só os desempenhou no cine¬ma. Eram invenções, esses papéis. Não eclipsaram o eu individual da nossa Setsuko. Foi assim que ela os expôs, como ficções que são. Não permitiu que os papéis a definissem; preferiu definir-se a si mesma. E o fez estabelecendo suas próprias limitações, não as dos papéis fictícios. Seus limites reais são aqueles autodeterminados pela casinha em Kamakura, à saída diária, às visitas das amigas. Apenas dentro de tais limites escolhidos é que um conceito real de si se torna relevante. Assim, Setsuko Hara / Masae Aida permanece uma lenda – para aqueles de sua época e para as jovens que vieram depois. E uma lenda exerce uma atração irresistível sobre todo mundo, queira-se ou não. Muitas vezes se tentou fotografar, muitas vezes se ofereceram papéis no cinema ou na televisão, a todo instante alguém se aproxima da casinha em Kamakura. A resposta é sempre a mesma – a porta batida na cara do intruso.


Até mesmo quando um grupo de amigos e colegas de trabalho apareceu. Estava-se fazendo um documentário sobre a vida e os filmes de Yasujiro Ozu, o mentor de Hara e o diretor que provavelmente melhor capturou, ou criou essa persona. Ela não faria a gentileza de aparecer no documentário? Por amor a seu querido sensei? A porta não foi batida desta vez. Foi educadamente fechada. Mas a resposta continuou sendo não.

notas Capítulo "Setsuko Hara" do livro Retratos Japoneses: crônicas da vida pública e privada de Donald Richie. Escrituras Editora: Editora UNESP, 2000, pp. 22-25. A reprodução foi gentilmente cedida pela Fundação Editora UNESP. O capítulo está publicado na íntegra, tendo tido sua redação revista para atender à nova norma ortográfica. A foto é uma ilustração do catálogo.

Donald Richie tem mais de 40 livros publicados e é um dos maiores especialistas em Yasujiro Ozu. 51


Dias de outono (c) 1960 Shochiku Co., Ltd.


Yasujiro Ozu Por Donald Richie

Encontrara-me com Ozu várias vezes, quase sempre em festas da Shochiku, mas nunca o vira filmando. Poucos tinham tido essa oportunidade – Ozu não gostava de visitas. Mas graças à ajuda de um amigo, o diretor cedeu e deixou o crítico estrangeiro visitar o set. Um dos estúdios de Ofuna estava inteiramente ocupado por uma pousada japonesa em tamanho natural: dois cômodos de oito tatami, mais à frente um pátio e adiante, na lateral, os três andares completos de uma ala da pousada. Ali, Ozu estava filmando Dias de outono. Eu sabia um pouco sobre o filme. Sua estrutura era parecida com a de Pai e filha, feito onze anos antes: uma filha se casa, abandonando à solidão o progenitor viúvo. No filme anterior (com Setsuko Hara), é o pai (Chishu Ryu) quem fica só. Neste, a mãe (Setsuko Hara) será deixada pela filha (Yoko Tsukasa). Assim como os temas de Ozu eram sempre praticamente os mesmos, também seus métodos. se fundiram em um: a câmara em posição invariável, um único modo de pontuação – o corte seco. E, assim como já se haviam banido os fades e fusões, nos filmes recentes não se permitiam o giro da câmera (a panorâmica) ou seu deslocamento (o travelling). Todas essas restrições deveriam resultar num filme livre e cheio de vida. Eu queria ver como isso acontecia. Quando cheguei, os atores tinham acabado de completar a primeira parte da cena marcada para aquele dia. Chishu Ryu (desta vez, no papel do dono da pousada, cunhado de Setsuko) terminara suas falas e estava sentado num canto observando – como era seu costume, diziam. Uma pausa para o cigarro e Ozu estava pronto para continuar. O próximo episódio trazia Setsuko

e Yoko, mãe e filha, sentadas em lados opostos de uma mesa baixa. A câmera estava a cerca de meio metro do chão (a posição habitual, na altura do olho do operador sentado), focalizando uma das atrizes. O método de Ozu era filmar um lado da conversa e depois o outro. A alternativa seria virar a câmera a cada corte, então seu método era lógico – mas o modo de fazê-lo era todo especial. Cada fala do diálogo era considerada uma unidade em si e deveria ser filmada como se nada mais existisse. Trata-se de procedimento completamente diverso do normalmente usado em tais cenas. É bastante comum filmar separadamente cada lado da conversa, mas via de regra o diretor não para a câmera ao final de cada fala. A câmera grava o diálogo, tanto as deixas quando as réplicas, que depois são intercaladas na montagem. Ozu gravava fala a fala. Disparava a câmara, depois parava. O roteiro ficava aberto a sua frente e ele o usava como uma planta, consultando-o constantemente e conferindo os esboços que desenhara nas margens, um desenho para cada fala do diálogo. A câmara estava apontada para Setsuko Hara. Ozu acenou para Yoko Tsukasa, sentada de um lado, e ela pronunciou sua fala do diálogo. Ação, disse Ozu, e seu câmera, Yuharu Atsuta, agachado atrás da máquina, começou a filmar. O diretor acenou para Setsuko, que pronunciou sua fala. Corta, disse Ozu, e Atsuta parou de filmar. O diretor parecia satisfeito com o desempenho e passou para a próxima fala. Nem sempre isso aconteceu, no entanto; ao longo dessas horas vespertinas de filmagem, várias vezes ele fez com que uma das atrizes repetisse a fala. 53


Terminado um plano, completada uma fala do diálogo, Ozu começava a preparar a seguinte. As condições pareciam idênticas sob todos os aspectos, mas mesmo assim Ozu refazia o enquadramento a cada tomada. Hara não se movera, mas Ozu, olhando pelo visor, insistia numa correção de meio milímetro à direita. Ao ver o filme pronto, notei que a toalha de mão de Yoko, na base do quadro, ficava mais visível em algumas tomadas que em outras, mas no todo tal efeito só era perceptível para o diretor. Tendo reenquadrado a seu gosto, Ozu estava pronto para gravar a próxima fala do diálogo. Corta. Novos ajustes da câmara. Atendendo a um aceno do diretor, Yoko produziu sons de choro. Ação. – Como foi agradável a nossa viagem!, disse Sesuko, enxugando os olhos a seguir. Este era o final de sua parte da conversa. Após um intervalo para o chá, a câmera foi invertida, Setsuko sentou-se em seu lado da mesa e pronunciou suas falas novamente, e todas as falas de Yoko foram filmadas. Isso ocupou o resto do dia. Todos estavam exaustos. Que jeito de fazer um filme! Não houve cumprimentos, como aqueles normalmente dados a um ator que dominou um trecho difícil do diálogo, nada da atmosfera de comemoração ou abatimento que sela a finalização de uma sequência. Não houve alegria, nem desespero – nenhum sinal visível de emoção. Era carpintaria. Contudo, quando mais tarde assisti a essa sequência na cabine, fiquei maravilhado. Ali estava a reunião de pequenos segmentos feitos ao longo de vários dias numa velocidade tão lenta, que qualquer noção de ritmo ou mesmo de interpretação era virtualmente impossível. No estúdio, ocorreram cenas de duas mulheres conversando com ninguém, reagindo a nada. No entanto, na tela, estava a própria vida, a vida com seu próprio ritmo, sua própria realidade

rarefeita. Os cálculos de Ozu relativos às angulações e à distância da câmera, à ação, à cronometragem – tudo estava lá, embora não mais aparente. Ocorrera uma transformação. O que fora uma planta, era agora uma moradia completa, habitada. Lembrei-me de um quadro pontilhista – um Seurat que vira numa exposição alguns dias antes. Observado de perto, não passava de um conjunto de pontos de várias cores. Visto à distância, porém, os pontos se fundiam e compunham a ilusão da vida. O mesmo se faz com um filme de Ozu. Toma-se distância. Assim, paradoxalmente, chega-se mais perto. Mantendo-se distância, alcança-se intimidade. Talvez, em consequência, quanto mais escassos os recursos, maior o efeito. Duas mulheres, mãe e filha, sentadas juntas em 1960, na pousada de uma estância termal japonesa. Uma conversa de três minutos em que quase nada é dito. Mas, através dela, compreende-se a afeição filial como pela primeira vez e tem-se acesso à trama secreta, profunda que se tornou visível. – Nem pense em chorar, lembro que ele disse a Yoko. Apenas, de repente, esconda o rosto nas mãos – é o bastante.

notas Capítulo "Yasujiro Ozu" do livro Retratos Japoneses: crônicas da vida pública e privada de Donald Richie. Escrituras Editora: Editora UNESP, 2000, pp. 19-21. A reprodução foi gentilmente cedida pela Fundação Editora UNESP. O capítulo está publicado na íntegra, tendo tido sua redação revista para atender à nova norma ortográfica. As fotos são ilustrações do catálogo.

Donald Richie tem mais de 40 livros publicados e é um dos maiores especialistas em Yasujiro Ozu. 54


Dias de outono (c) 1960 Shochiku Co., Ltd.


O sabor do chรก verde sobre o arroz (c) 1952 Shochiku Co., Ltd.


Aprofundando o conhecimento do cinema de Ozu e do cinema japonês Bibliografia sugerida pelo professor Denilson Lopes

Sobre Ozu BURCH, Noël. “Ozu” in To The Distant Observer. Forms and Meanings in Japanese Cinema. Berkeley: University of California Press, 1979. DESSER, David. (org.) Ozu´s Tokyo Story. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. FISCHER, Sandra. “Azuis de Ozu e de Aïnouz: Clausura e Deslocamento”, Paper apresentado no XII Encontro Internacional da Socine, Brasília, UnB, 2008. GEIST, Kathe. “West looks East: The Influence of Yasujiro Ozu on Wim Wenders and Peter Handke”, Art Journal, Vol. 43, 3, outono 1983. HASUMI, Shiguéhiko. Yasujiro Ozu. Paris: Editions de l’Étoile/Cahiers du Cinéma, 1998. KORNES, Abé Mark. “The Riddle of the Vase: Ozu Yasujiro´s Late Spring (1949)” in PHILIPS, Alistair; STRINGER, Julian (orgs.). Japanese Cinema: Texts and Contexts. New York: Routledge, 2007. MARTIN, Adrian. “Cierto Oscuro Rincón del Cine Moderno” in LÓPEZ, José Manuel (org.). Op. cit. 2008. McDONALD, Keiko. Reading a Japanese Film. Honolulu: University of Hawai’i Press, 2006. NAGIB, Lúcia e PARENTE, André (orgs.). Ozu: o extraordinário cineasta do cotidiano. São Paulo: Marco Zero/Cinemateca Brasileira/Aliança Cultural Brasil-Japão, 1990. PARENTE, André. Ensaios sobre o cinema do simulacro. Rio de Janeiro, Pazulin, 1998. RICHIE, Donald. Ozu. Berkeley: University of California Press, 1977. ______ “Yasujiro Ozu”, “Setsuko Hara” e “Chishu Ryu” in Retratos Japoneses. Crônicas da vida pública e privada. São Paulo: Escrituras/Ed.Unesp, 2000.

SCHRADER, Paul. Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer. Da Capo, 1988. VIEIRA, João Luiz. “Quem sou eu? Cinema japonês contemporâneo e a identidade em xeque”, Poesia sempre, ano X, n.17 (dezembro 2002), Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional. YOSHIDA, Kiju. O anticinema de Yasujiro Ozu. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

Sobre cinema japonês ALMAS, Almir. “Japão de Brasileiros: O Cinema Japonês e sua Inter-Imagem no Cinema Brasileiro” in GREINER, Christine; FERNANDES, Ricardo Muniz (orgs.). Tokyogaqui: um Japão Imaginado. São Paulo: SESC SP, 2008. CADZYN, Eric. The Flash of Capital. Filme and Geopolitics in Japan. Durhan: Duke University Press, 2002. HARTOG, Simon. “Interview with Carlos Reichembach for the television program Visions”, Framework: The Journal of Cinema and Media, 28 (1985), 50-5. NOVIELLI, Maria Roberta. História do Cinema Japonês. Brasília: Ed.Unb, 2007. NYGREN, Scott. Time Frames. Japanese Cinema and the Unfolding of History. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2007. STANDISH, Isolde. A New History of Japanese Cinema. A Century of Narrative Cinema. New York/Londres: Continuum, 2005. YOSHIMOTO, Mitsushiro. “Japanese Cinema in Search of a Discipline” in Kurosawa. Film Studies and Japanese Cinema. Durham: Duke University Press, 2000.

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A bela e a barba (c) 1931 Shochiku Co., Ltd.


A força de Ozu

Não se pode dizer que produzir um catálogo sobre o Ozu seja uma tarefa difícil. Sua obra continua deslumbrando os espectadores. Portanto, continua sendo produzido todo tipo de material sobre seus filmes: livros, artigos, críticas, comentários, sites de fãs, de tudo se encontra. E de fãs de todas as épocas, das mais diferentes formações, dos mais diversos países. As abordagens vão das esperadas às inesperadas. Análises dos planos de filmagem, de colocação da câmera, dos temas, dos diálogos, da posição dos atores, do som (ou não) dos filmes, do preto e branco, da cor, do uso do vermelho, da constância de seus colaboradores, da opinião de seus colaboradores sobre ele, de um determinado objeto de cena, de um certo olhar de um ator... Enfim, o material é fartíssimo. Apresentaria um material inédito quem escrevesse sobre a sua vida. Ozu sempre foi discreto e lacônico neste item. Pode-se até pinçar uma informação aqui, outra ali, mas... há mais lacunas do que fatos. O que ele queria que se soubesse dele, está aí, para sempre: 36 de seus 54 filmes. Os 18 filmes perdidos foram vítimas da época em que nasceram: eram facilmente inflamáveis e muitos provavelmente sucumbiram aos bombardeios da Guerra do Pacífico (ou de má armazenagem). Mas dos 36 remanescentes, temos o que já se convencionou chamar de as duas fases da filmografia de Ozu: antes da guerra e pós-guerra. Ozu começa a gostar de cinema desde cedo. Quando menino viu um filme japonês que o impressionou tanto que não só começou a acalentar o sonho de ser um diretor de filmes, como o fez um espectador fiel de cinema. Via tudo o que podia, principalmente filmes americanos, mas sem nunca deixar de ver os japoneses. Chegou a per-

der uma prova de ingresso para a prestigiosa Kobe Higher Commercial School (Escola Superior de Comércio de Kobe) porque não queria perder a exibição de O prisioneiro de Zenda (The Prisoner of Zenda, Rex Ingram, 1922). É este Ozu que dirige os filmes de antes da guerra. Filmes cheios de referências a tudo que tinha visto até então. Mas sempre testando, sempre procurando entender os processos, os resultados. Ainda muito jovem, declarou, sem pudor, que teria preferido continuar a ser assistente de direção e beber com os amigos à noite a ser um sóbrio diretor cheio de obrigações. Mas esta declaração não significa que não tenha sido dedicado ao que fazia e nem que não ambicionasse galgar este degrau – só queria ter “aproveitado” mais, começado um pouquinho mais tarde. Tinha apenas 24 anos quando dirigiu seu primeiro filme, não tinha pressa... A indústria de cinema americana era, e ainda é, extremamente poderosa. Muito eficiente para fazer negócios e se autopromover (a primeira premiação do Oscar se deu em 16 de maio de 1929!), torna padrão a estética do cinema americano. Nenhum cinema que não fosse o americano era apreciado. A começar pelos olhos, os olhos não aceitavam. E Ozu era um espectador de filmes americanos que começa a trabalhar em um estúdio que seguia a escola europeia de cinema! Mas... O Ozu que volta da guerra – para um Japão destruído – é o Ozu dos filmes do pós-guerra. Mais velho, e moldado por si mesmo, passa a abordar outros temas, se consolidando como “o mais japonês dos cineastas japoneses”. Este Ozu declara: “Eu formulei o meu estilo de direção, sem nenhuma imitação desnecessária ... Para mim não teve esta coisa de professor. Eu só contei com a minha própria força”. 59


Os irmãos da família Toda (c) 1941 Shochiku Co., Ltd.


Yasujiro Ozu nasceu em Fukagawa, Tóquio, em 12 de dezembro de 1903. Atribuiu sua fascinação por cinema a um filme que havia visto ainda menino – com o ator Matsunosuke Onoe – no cinema Atagoza, em Matsuzaka. Anos depois, em frente a este cinema, então caindo aos pedaços, declararia a Kogo Noda (amigo e frequente colaborador em roteiros de seus filmes): “Não fosse por este cinema, talvez eu nunca tivesse me tornado diretor...” Em 1923, o tio de Ozu, sabedor de seu amor por cinema, o apresenta a Teihiro Tsutsumi, diretor de um estúdio de cinema da Companhia Shochiku. A Shochiku, então sob a direção de Henry Kotani, tinha adotado a tecnologia de Hollywood e a europeia, sua divisão de trabalho e técnicas de roteiro. Ozu começa a trabalhar como assistente de câmera. Em 1924, Shiro Kido, genro de um dos fundadores da Shochiku, se torna presidente. Kido estava sempre atento a jovens promissores, e Ozu se encaixava neste perfil. Em 1926, Ozu passa a ser assistente de direção de Tadamoto Okubo. E em 1927, estreia na direção.

*Após cada ficha técnica é oferecido um comentário, quase sempre de Ozu, sobre o filme em questão. Se o leitor ler sequencialmente os comentários, que são oferecidos após algumas fichas técnicas, poderá ter uma ideia do foi que a vida profissional de Ozu. E vislumbrar, ocasionalmente, passagens de sua vida.

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FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

ESPADA DA PENITÊNCIA ZANGE NO YAIBA THE SWORD OF PENITENCE mudo, p&b – utilizados 7 rolos

Direção Yasujiro Ozu Argumento Yasujiro Ozu Roteiro Kogo Noda Fotografia Isamu Aoki Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tsumasaburo Go, Kunimatsu Ogawa, Kanji Kawara, Shoichi Nodera, Akiko Atsumi, Ryuto Hana, Uiko Konami, Reikichi Kawamura Lançamento 14 de outubro de 1927

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Sakichi (Tsumasaburo Go), um ladrão, visita seu irmão, Ishimatsu (Kunimatsu Ogawa), recém-saído da prisão. Ishimatsu quer se indireitar, mas seu antigo comparsa, Shozaemon (Shoichi Nodera), não permite. Sakichi rouba um grampo de ca-

belo, que deixa com Ishimatsu, que acaba preso. A mulher roubada inocenta Ishimatsu, mas ele perde seu emprego, começa a beber e acaba voltando para a vida de crimes; e Sakichi acaba sendo morto em uma briga com Shozaemon.

Comentário de Ozu Para ser honesto, eu não estava com pressa de me tornar um diretor. Como assistente de direção eu poderia viver com calma; já como diretor, eu não teria tempo para dormir. Mas todos ao redor ansiavam que ao menos eu fizesse uma tentativa. Inicialmente, eu decidi dirigir um filme usando um roteiro que eu havia escrito: “Kawaraban kachi kachi yama” [montanha de tempos difíceis]. Mas como filmar estava sendo um negócio, eu passei a tarefa do roteiro para Kogo Noda. Em 1927, eu soube da cláusula adicional da Shochiku dizendo: “Você agora foi promovido para direção, mas você precisa fazer filmes jidaigeki”. Naquele tempo, os filmes jidaigeki [filmes de época, tendo como subcategoria os filmes de ação, os chanbara] rendiam menos que os gendai-geki [dramas domésticos]. Quando a pré-produção começou, fui convocado para o serviço militar. Eu tentei realizá-lo o mais rápido possível, mas fui chamado para uma unidade em Ise antes que pudesse terminá-lo. Saito Torajiro acabou dirigindo a primeira cena por mim. Quando eu voltei, o filme já estava pronto, e a unidade de jidaigeki do Estúdio Kamata tinha sido extinta. Eu o vi no cinema, mas não senti como se fosse meu. Sei que é visto como minha estreia, mas eu só o vi uma única vez.


SONHOS DE JUVENTUDE

FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

WAKODO NO YUME DREAMS OF YOUTH mudo, p&b – utilizados 5 rolos

Dois estudantes, Okada (Tatsuo Saito) e Kato (Hisao Yoshitani), vivem em um alojamento. Uma situação cômica envolve uma dívida de Kato com seu alfaiate, que a quita com as roupas de Okada. Quando o pai de Okada (Takeshi Sakamoto) o vi-

sita, ele não tem roupas para vestir, e pega as roupas de Kato, que são menores que as suas. Concomitantemente há um romance dos dois com duas mulheres. O filme acaba com um final feliz, com os dois casais passando um belo dia juntos.

Direção Yasujiro Ozu Argumento e roteiro Yasujiro Ozu Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Junko Matsui, Kenji Oyama, Chishu Ryu, Tatsuo Saito, Takeshi Sakamoto, Nobuko Wakaba, Hisao Yoshitani Lançamento 28 de abril de 1928

Comentário de Ozu Depois de Espada da penitência [Zange no yaiba, 1927], eu recusei seis ou sete ofertas da Shochiku. Eu não estava tão ávido para me tornar um diretor ainda, porque eu queria estender minha ociosidade um pouquinho mais. Entretando, logo depois, eu tive uma chance de filmar meu próprio roteiro. Nem preciso dizer que este roteiro foi escrito de acordo com a orientação da companhia. Minha amizade com Hideo Mohara [cinegrafista] começou nesta época. Ele serviu de guia para muitos dos meus filmes ao longo dos anos. Mohara é um câmera de mão-cheia, e produz um lindo trabalho. Meu câmera atual, Yuharu Atsuta, foi assistente de Mohara. [Primeiro filme de Ozu do gênero gendai-jeki – como são conhecidos os dramas domésticos.]

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FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

ESPOSA PERDIDA NYOBO FUNSHITSU WIFE LOST mudo, p&b – utilizados 5 rolos

Direção Yasujiro Ozu Argumento Onozuke Takano Roteiro Momosuke Yoshida Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tatsuo Saito, Fumiko Okamura, Shoichi Okajima, Shichiro Kanno, Takeshi Sakamoto, Tokio Seki, Junko Matsui, Shigeru Ogura Lançamento 15 de junho de 1928

Apesar de ter uma linda esposa (Junko Matsui), o marido (Tatsuo Saito) se encanta por uma dançarina (Fumiko Okamura). O tio da esposa (Takeshi Sakamoto) contrata um detetive (Shoichi Okajima) para espionar seu marido. De-

pois de uma série de percalços, o marido e a dançarina são rastreados pela esposa e seu tio até um hotel. O filme termina com uma perseguição envolvendo um policial em uma motocicleta.

Comentário de Ozu O filme foi desenvolvido a partir de um roteiro que ganhou um prêmio em uma revista qualquer. A história não era particularmente interessante, filmei como uma obrigação profissional. Na verdade, acho que me esqueci da trama porque era extremamente aborrecida.

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A ABÓBORA

FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

KABOCHA PUMPKIN mudo, p&b – utilizados 5 rolos

Jovem (Tatsuo Saito) tem inúmeras namoradas. Nenhuma outra informação sobre a história foi encontrada.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Yasujiro Ozu Roteiro Komatsu Kitamura Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tatsuo Saito, Yurie Hinatsu, Hidemaru Handa, Yoko Kozakura, Takeshi Sakamoto Lançamento 31 de agosto de 1928

Comentário de Ozu Este filme foi muito corrido e muito curto, mas eu acho que foi aqui que eu comecei a pegar o jeito de como fazer continuidade.

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FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

UM CASAL EM MUDANÇA HIKKOSHI FUFU A COUPLE ON THE MOVE mudo, p&b – utilizados 3 rolos

Direção Yasujiro Ozu Argumento Ippei Kikushi Roteiro Akira Fushimi Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Atsushi Watanabe, Mitsuko Yoshikawa, Ichiro Oguchi, Tomoko Naniwa, Kenji Oyama Lançamento 28 de setembro de 1928

Casal (Atsushi Watanabe e Mitsuko Yoshikawa) acaba de se mudar, quando o vendedor de móveis (Kenji Oyama) aparece em sua antiga casa para cobrar o que devem. Consegue rastreá-los no novo endereço e a esposa paga parte da dívida. Ela sai de casa e encontra o marido na loja da esquina, e o vê ajudando a funcionária da loja (Tomoko Na-

niwa) a abrir a caixa registradora – e presume que ele estava flertando com ela. Volta furiosa para casa. O senhorio (Ichiro Oguchi) os visita e a mulher flerta com ele para fazer ciúmes no marido. Depois de brigarem, resolvem se mudar novamente, mas descobrem que a funcionária da loja e o senhorio estavam se casando naquele noite; e resolvem ficar.

Comentário de Ozu A Shochiku me deu o roteiro. Por mais que a companhia fosse responsável, e por mais que eu achasse que desse conta, eu aceitei a missão em dúvida. Eu fiz um esforço consciente para tentar umas poucas coisas diferentes. Eu acho que eu consegui oferecer algo novo e interessante mas, infelizmente, a Shochiku desprezou o meu material em detrimento do deles – quase metade do meu material foi jogado fora. Então, o resultado final não correspondeu ao meu esforço.

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A BELEZA DA CARNE

FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

NIKUTAIBI BODY BEAUTIFUL também conhecido pelo título A BELEZA FÍSICA Mudo, p&b – utilizados 5 rolos

Por estar desempregado, Ichiro (Tatsuo Saito) acaba fazendo os serviços domésticos para sua mulher (Choko Iida), assim como – apesar de seu corpo esquelético – posa como modelo para suas pinturas. Quando um rico patrono (Kenji Kimura) vem ver o progresso da artista, acaba flertando com ela debaixo do nariz de Ichiro. Mais tarde, o humilha em um bar, e Ichiro

volta para casa cheio de sentimentos de vingança. Decide estudar pintura; enquanto sua esposa passa a usar um belo homem (Kenji Oyama) como modelo. As pinturas de ambos participam de uma exposição e a de Ichiro ganha um prêmio. Ela joga fora seus pincéis e se torna uma esposa submissa – assim como sua modelo.

Direção Yasujiro Ozu Argumento e roteiro Yasujiro Ozu, Akira Fushimi Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tatsuo Saito, Choko Iida, Kenji Kimura, Kenji Oyama, Chishu Ryu, Mitsuko Yoshikawa Lançamento 1º de dezembro de 1928

Comentário de Ozu Com este filme eu finalmente tinha achado o meu próprio estilo. Foi também o primeiro trabalho a ganhar reconhecimento da Shochiku. Eu ainda me lembro da crítica de Uchida Kisaburo na Kinema Junpo [conceituada revista japonesa especializada em cinema, conhecida por elaborar anualmente uma lista dos melhores filmes japoneses]. Eu tinha, naquela altura, percebido o que era filmar. Hoje em dia, um diretor novato pode fazer filmes com 7 ou 8 rolos, mas no meu tempo, para principiantes eram dados apenas uns 3 a 5 rolos. Em outras palavras, era muito mais difícil para jovens diretores perceberem quais eram seus pontos fortes e fracos. Demorava-se muito mais para entendermos o que éramos.

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FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

A MONTANHA DO TESOURO TAKARA NO YAMA TREASURE MOUNTAIN mudo, p&b – utilizados 6 rolos

Direção Yasujiro Ozu Argumento Toshio Okuma Roteiro Akira Fushimi Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tokuji Kobayashi, Yurie Hinatsu, Mariko Aoyama, Fumiko Okamura, Choko Iida, Tomoko Naniwa, Takiko Wakami, Kyoko Itokawa Lançamento 22 de fevereiro de 1929

Um jovem (Tokuji Kobayashi) que vive em uma casa de gueixas, se apaixona por uma delas (Mariko Aoyama). Seu pai se recusa a lhe dar dinheiro se ele não se tornar um homem respeitável, e sua prometida (Fumiko Okamura) exige que ele saia de lá. Eventualmente ele acaba saindo, e procura

sua prometida com esperança de engrenar em um romance, mas ela já estava noiva de outro. Em uma festa reencontra a gueixa, que está se apresentando, e os dois se reconciliam. Volta para a casa dela, e na última cena, que se passa na manhã seguinte, ele está comendo arroz com chá verde.

Comentário de Ozu Minha única memória deste filme é que foi feito na correria. Trabalhávamos dia e noite, e eu não dormi por cinco dias seguidos. Apesar disto, nós não nos sentiámos muito cansados. Até jogamos beisebol na manhã do sexto dia. Eu consigo, ainda, até visualizar a bola. Nós erámos jovens, afinal. Eu não seria capaz de fazer isto posteriormente. Teria me tomado um tempo muito grande para me recuperar.

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DIAS DE JUVENTUDE WAKAKI HI DAYS OF YOUTH (YOUNG DAYS) mudo, p&b, 100 min (c) 1929 Shochiku Co., Ltd.

Após concluirem seus exames finais, os amigos Toshi e Akiichi resolvem passar o final de semana em uma estação de esqui com outros estudantes. A amizade entre os dois fica ameaçada quando

passam a disputar o amor de Chieko, uma colega de turma. O mais antigo filme existente de Ozu em versão integral.

Comentário de Ozu Este trabalho é uma comédia estudantil com cenas de esqui. O protagonista se instala indevidamente em um alojamento depois de retirar o cartaz “Quarto para alugar”. Sempre que um inquilino em perspectiva aparece, ele o afasta com palavras desagradáveis ou mente que o lugar já foi alugado. Entretanto, quando uma garota bonita bate na porta, ele “se sacrifica” e a deixa ficar com o quarto. Claro que ele sai sem seus pertences. Que desculpa melhor para ter contato com a garota do que a de pegar isto ou aquilo? Naqueles dias, Akira Fushimi e eu estávamos sempre escrevendo histórias deste tipo. Muitos dos meus trabalhos desse período foram em conjunto com Fushimi. Quando vinha o crepúsculo, nós andávamos por Ginza, bebíamos e jantávamos, e a seguir falávamos sobre nosso roteiro no caminho de volta para Fukagawa. Então, nós conversávamos, escutávamos música e preparávamos algo para beber. Nós ficávamos acordados a noite toda, e ao amanhecer já tínhamos o esboço da história. De algum modo, nós sempre conseguíamos fazer o roteiro em uma noite. Olhando para trás, realmente me assombro.

Direção Yasujiro Ozu Argumento e roteiro Yasujiro Ozu, Akira Fushimi Fotografia e montagem Hideo Mohara Assistente de fotografia Yuharu Atsuda Iluminação Toshimitsu Nakajima Direção de arte Yonekazu Wakita Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Ichiro Yuji (Toshi Watanabe), Tatsuo Saito (Akiichi Yamamoto), Junko Matsui (Chieko), Choko Iida (tia de Chieko), Eiko Takamatsu (senhoria de Watanabe), Shoichi Kofujita Her Son (Katsuji), Takeshi Sakamoto (professor), Ichiro Okuni (professor Anayama), Shinichi Himori (Hatamoto), Chishu Ryu (estudante) Lançamento 13 de abril de 1929

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FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

RIVAIS À JAPONESA WASEI KENKA TOMODACHI FIGHTING FRIENDS mudo, p&b – utilizados 7 rolos

Direção Yasujiro Ozu Argumento e roteiro Kogo Noda Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Atsushi Watanabe, Hisao Yoshitani, Eiko Takamatsu, Tomoko Naniwa, Ichiro Okuni, Nobuko Wakaba, Ichirô Yuki Lançamento 5 de julho de 1929

Dois motoristas de caminhão (Atsushi Watanabe e Hisao Yoshitani) convidam uma garota sem-teto (Eiko Takamatsu) para morar com eles. Ambos se apaixonam por ela e acabam brigando. Mas ela se apaixona por outro rapaz da vizinhança, Okamura (Ichiro Okuni). Os caminhoneiros desejam sua felicidade e restauram sua

amizade. Mas quando veem Okamura com uma outra mulher, proibem a garota de voltar a vê-lo – mas acabam descobrindo que a outra mulher era sua irmã. Na cena final, Okamura e a garota se casam e partem em viagem; enquanto os dois caminhoneiros são mostrados lado a lado, sorrindo, na boleia do caminhão.

Comentário de Ozu Noda escreveu esta história sobre dois homens que se apaixonam pela mesma mulher. Isto era tão batido que nós tivemos que acrescentar o tal do “estilo japonês” no título.

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FORMEI-ME, MAS... DAIGAKU WA DETAKEREDO I GRADUATED BUT... Mudo, p&b – utilizados 7 rolos – 35 min existentes (c) 1929 Shochiku Co., Ltd.

Recém-saído da faculdade, Takada está à procura de emprego, mas recusa uma vaga de recepcionista por considerar-se qualificado demais para aquela posição. Às vésperas de seu casamento com Machiko, ele esconde da noiva o fato de que está desempregado. Só depois de casa-

dos que ela finalmente toma conhecimento da situação, e os dois discutem seriamente. Takada em seguida descobre que sua esposa está trabalhando em um bar para pagar as despesas de casa e, comovido com seu sacrifício, volta atrás para conseguir o emprego.

Comentário de Ozu Eu escalei Minoru Takada e Kinuyo Tanaka pela primeira vez neste filme. Eu fiz um bom número de filmes sobre estudantes, mas quando comecei a filmar jovens atores foi duro ir além dos conhecidos temas de assalariados. Entretanto, naqueles dias, imagens de funcionários administrativos eram limitadas. Quanto aos estudantes, eles eram, naturalmente, uma raça diferente dos de hoje em dia, que confrontam a polícia. Eram todos muito despreocupados, e comparativamente mais fáceis para alimentar os gracejos das comédias de nonsense. Hiroshi Shimizu [autor do argumento] iria originalmente dirigir este filme, mas por alguma razão, o roteiro caiu no meu colo. Eu pensei que se eu estava determinado a ser um diretor, então eu teria que agarrar qualquer gênero e fazer quantos filmes eu pudesse. É muito bom para os chamados filmes de autor ter ideias artísticas, mas também é necessário se ter um faro profissional para abordar diferentes aspectos em filmes. Reconhecidamente, o profissionalismo excessivo pode significar problema, mas eu era nada menos do que extremamente grato pela possibilidade de desenvolver meu profissionalismo ao aceitar fazer qualquer tipo de filme.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Hiroshi Shimizu Roteiro Yoshio Aramaki Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Minoru Takada (Tetsuo Nomoto), Kinuyo Tanaka (Machiro), Utako Suzuki (mãe), Kenji Oyama (Sugimura), Takeshi Sakamoto (secretário) Lançamento 6 de setembro de 1929

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FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

VIDA DE ASSALARIADO KAISHAIN SEIKATSU THE LIFE OF AN OFFICE WORKER mudo, p&b, 14 min

Direção Yasujiro Ozu Argumento Yasujiro Ozu Roteiro Kogo Noda Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tatsuo Saito, Mitsuko Yoshikawa, Tomio Aoki, Seiichi Kato, Shoichi Kofujita, Teruaki Ishiwatari, Takeshi Sakamoto Lançamento 25 de outubro de 1929

A esposa (Mitsuko Yoshikawa) de Tsukamoto (Tatsuo Saito) gosta tanto do emprego de seu marido – ainda mais por ele ganhar um bônus duas vezes por ano –, que ele não tem coragem de contar a ela que perdeu o emprego. Um amigo dele, Okamura (Takeshi Sakamoto), lhe faz uma oferta de emprego, mas sua esposa a recusa por ele. Quando um colega de seu

antigo emprego o visita para dizer que todos os seus colegas estão empenhados em que ele seja readmitido, sua esposa descobre a verdade e fica furiosa. Mas quando Okamura volta a fazer sua oferta, os problemas da família ficam resolvidos. Primeiro filme do gênero shoshimin-geki – comédia sobre questões sociais da vida da classe média baixa.

Comentário de Ozu Um precursor do gênero sobre assalariados: eu deliberadamente teci as cenas com um toque mais na comédia. Eu também fiz, excepcionalmente, cenas sobrepostas, dissolvendo, fazendo surgir, como por encanto, a atmosfera do alvorecer. Eu somente o fiz uma vez, eu não penso muito nisso. Eu não nego que algumas pessoas usam este recurso como um efeito brilhante, mas a maior parte das vezes serve mais como um truque. Eu tenho aversão por este tipo de recurso.

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O ATOR TOKKAN KOZO TOKKAN KOZO TOKKAN KOZO A STRAIGHTFORWARD BOY mudo, p&b, 35 min (c) 1929 Shochiku Co., Ltd.

Ao brincar de esconde-esconde, um menino é sequestrado (Tomio Aoki). Para mantê-lo calado, o sequestrador lhe compra balas e brinquedos. O sequestrador fica tão enlouquecido com o mau compor-

tamento do menino, que resolve devolvêlo ao pai, que o recusa. Então, só lhe resta deixar o menino onde o encontrou: com seus amigos.

Comentário de Ozu

Direção Yasujiro Ozu Argumento Chuji Nozu (pseudônimo comum a Yasujiro Ozu, Kogo Noda, Tadao Ikeda e Tadamoto Okubo) Roteiro Tadao Ikeda Fotografia Ko Nomura Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tatsuo Saito (Bunkicki), Tomio Aoki (Senbo), Takeshi Sakamoto (patrão) Lançamento 23 de novembro de 1929

Havia um menino que era um astro em Vida de assalariado [Kaishain Seikatsu, 1929] – e que algumas vezes ficava sonolento no meio da filmagem. Chamava-se Tomio Aoki [e que a partir de O ator Tokkan Kozo ficou sendo conhecido como... Tokkan Kozo]. Ele era tão divertido que eu decidi que ele teria o papel principal no meu filme seguinte. Se eu bem me lembro, as filmagens foram concluídas em 3 dias. [O argumento deste filme é de Chuji Nozu, que nada mais é do que um pseudônimo criado por Yasujiro Ozu, Kogo Noda, Tadao Ikeda e Tadamoto Okubo. Chuji quer dizer dois “Chu”. Chu é um caractere que aparece nos nomes tanto de Tadao Ikeda quanto no de Tadamoto Okubo. Nozu é uma combinação do “N” de Noda com o próprio nome Ozu. Daí o Chuji Nozu.]

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FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

INICIAÇÃO AO CASAMENTO KEKKON-GAKU NYÛMON INTRODUCTION TO MARRIAGE mudo, p&b – utilizados 7 rolos

Direção Yasujiro Ozu Argumento Toshio Okuma Roteiro Kogo Noda Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tatsuo Saito, Sumiko Kurishima, Shinyo Nara, Fumiko Okamura, Minoru Takada, Shizue Tatsuta, Mitsuko Yoshikawa Lançamento 5 de janeiro de 1930

Takebayashi (Minoru Takada), um dentista, e sua esposa (Shizue Tatsuta) estão presos a um casamento enfadonho. Sua tentativa de viajar para reaquecer o casamento fracassa. No trem da volta, Takebayashi flerta com uma moça (Sumiko Kurishima), que o ignora. Takebayashi percebe que a moça esqueceu suas luvas e

as guarda. O marido desta moça, Kitamiya (Tatsuo Saito), a recebe de forma indiferente. A moça, com dor de dente, acaba caindo justo no consultório de Takebayashi. O filme explora flertes, jogo com as luvas, ciúmes, mas no final os dois casais encontram seu ponto de equilíbrio e tudo acaba bem.

Comentário de Ozu Um filme meu, que se chamaria Ikiru chikara [força para viver], deveria ter precedido Iniciação ao casamento, mas foi engavetado antes mesmo do roteiro ficar pronto. Como este último era um filme alegre, foi programado para ser lançado no ano novo, mas foi uma produção de 1929. Como todo filme desta época do ano, era bastante conservador e calmo. Foi a primeira vez que eu escalei Sumiko Kurishima.

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MARCHAR COM ALEGRIA

(c) 1930 Shochiku Co., Ltd.

HOGARAKA NI AYUME WALK CHEERFULLY também conhecido pelo título MARCHAI ALEGREMENTE mudo, p&b, 96 min

Kenji é um criminoso que, com a ajuda de seus cúmplices, Senko e Gunpei, e sua namorada Chieko, planeja roubar uma joalheria. Mas na loja ele conhece a discreta Yasue, por quem se apaixona. A moça

desperta em Keiji o desejo de abandonar o crime, mas Chieko e seus parceiros não aceitam a decisão, e planejam entregar Kenji à polícia.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Hiroshi Shimizu Roteiro Tadao Ikeda Fotografia e montagem Hideo Mohara Assistente de fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Tatsumi Yoshimura Cenário Hiroshi Mizutani Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Minoru Takada (Kenji Koyama), Hiroko Kawasaki (Yasue Sugimoto), Nobuko Matsuzono (irmã caçula de Sugimoto), Utako Suzuki (mãe de Sugimoto), Hisao Yoshitani (Senko), Teruo Mori (Gunpei), Satoko Date (Chieko), Takeshi Sakamoto (Ono) Lançamento 1º de março de 1930

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(c) 1930 Shochiku Co., Ltd.


FUI REPROVADO, MAS... RAKUDAI WA SHITAKEREDO I FLUNKED BUT... mudo, p&b, 64 min (c) 1930 Shochiku Co., Ltd.

Às vésperas dos exames finais da faculdade, Takahashi rabisca uma cola para a prova na manga de sua camisa e passa os dias se divertindo com os amigos em um café. No dia do exame, porém, sua

roupa é levada por acidente para a lavanderia e ele é reprovado. Mas os que se formam, por outro lado, passam por dificuldades para conseguir emprego.

Comentário de Ozu Pode-se dizer que este é o outro lado da moeda de Formei-me, mas... [Daigaku wa detakeredo, 1929]. Embora Chishu Ryu tenha aparecido em meus filmes anteriores, foi a primeira vez que o escalei para um papel mais significativo.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Yasujiro Ozu Roteiro Akira Fushimi Fotografia e montagem Hideo Mohara Direção de arte Yonekazu Wakita Assistente de direção Yasushi Sasaki Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tatsuo Saito (Takahashi), Kaoru Futaba (senhoria), Tomio Aoki / Tokkan Kozo (filho da senhoria), Kinuyo Tanaka (Sayoko), Furuo Wakabayashi (professor), Ichiro Ohkuni (professor), Chishu Ryu (Hattori), Dekao Yokoo (estudante reprovado), Tokio Seki (estudante reprovado), Hiroshi Mikura (estudante reprovado), Goro Yokoyama (estudante reprovado) Lançamento 11 abril de 1930

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(c) 1930 Shochiku Co., Ltd.


A ESPOSA DE UMA NOITE SONO YO NO TSUMA THAT NIGHT'S WIFE Mudo, p&b, 65 min (c) 1930 Shochiku Co., Ltd.

O empobrecido artista Shuji Hashizume precisa pagar o tratamento médico de sua filha Michiko, e para isso decide assaltar um escritório. Ao chegar em casa, o motorista que o levara revela ser policial e tenta

prendê-lo. A situação se inverte quando Mayumi, esposa de Shuji, desarma o policial e o mantém sob a mira da pistola para que Shuji, enquanto isto, possa tomar conta da filha deles.

Comentário de Ozu O roteiro veio de uma novela traduzida e que foi publicada na revista Shin Seinen. Esta foi minha primeira experiência de trabalho com Tokihiko Okada. Seis dos sete rolos descrevem a ação em um mesmo set. Eu perdi o sono por causa da continuidade, pois era uma história de amor, com um grande significado para mim. Shiro Kido [Presidente da Shochiku] só tinha elogios para mim, e até me incentivou a fazer uma pausa durante a quente primavera.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Oscar Shisgall Roteiro Kogo Noda Fotografia e montagem Hideo Mohara Assistente de câmera Yuharu Atsuta, Minoru Kuribayashi Assistentes de direção Akira Kiyosuke, Yasushi Sasaki Decoração do set Kojiro Kawasaki Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tokihiko Okada (Shuji Hashizume), Emiko Yagumo (Mayumi), Mitsuko Ichimura (Michiko), Togo Yamamoto (detetive Kagawa), Tatso Saito (médico), Chishu Ryu (policial) Lançamento 7 de junho de 1930

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FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

O ESPÍRITO VINGATIVO DE EROS EROGAMI NO ONRYO THE REVENGEFUL SPIRIT OF EROS mudo, p&b – utilizados 3 rolos

Direção Yasujiro Ozu Argumento Seizaburo Ishihara Roteiro Kogo Noda Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tatsuo Saito, Hikaru Hoshi, Satoko Date, Ichiro Tsukida Lançamento 27 de julho de 1930

Kentaro (Tatsuo Saito) e Yumeko (Satoko Date) fazem um pacto de amor suicida e se jogam no mar. Um amigo de Kentaro, Ishikawa (Hikaru Hoshi), o encontra desacordado, mas ainda vivo. Kentaro volta para a aldeia mas tem medo que o fantasma de Yumeko possa vir a assombrá-

lo. Acaba descobrindo que ela também sobreviveu e que trabalha em um teatro. Para se vingar dela, tenta assustá-la com cobras de borracha; mas ela percebe o engodo e no dia seguinte passa em frente a ele escoltada por dois rapazes, um em cada braço.

Comentário de Ozu Shiro Kido [Presidente da Shochiku], que havia me dito após meu último filme que eu descansasse bastante durante nossa primavera quente, ao mesmo tempo me pediu que voltasse com um filme pronto. Foi assim que eu fiz O espírito vingativo de Eros, ali mesmo, no balneário onde eu estava. Foi um filme sazonal, programado para ser lançado durante o verão, no Festival Obon [Feriado de Finados].

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O SOPRO DA SORTE

FILME PERDIDO roteiro, negativos e cópias perdidos

ASHI NI SAWATTA KOUN LOST LUCK Mudo, p&b – utilizados 7 rolos

Furugawa (Tatsuo Saito), um assalariado, encontra quatro mil ienes e é recompensado com quinhentos pelo dono. Seus colegas o atacam, vendendo apólices, pedindo dinheiro emprestado. Para desgosto de sua esposa (Mitsuko Yoshikawa), só sobram 180 ienes. No dia seguinte, seu chefe (Takeshi Sakamoto) lhe oferece uma fazenda com galinhas, galos e todo o ne-

cessário para criação de aves por apenas 100 ienes. Ele fica entusiasmado, mas ao chegar em casa, descobre que sua mulher usou o dinheiro para comprar uma máquina de costura e tecidos para confeccionar quimonos. Eles brigam. Quando no dia seguinte ele esbarra em algo embrulhado em um jornal... segue em frente para o trabalho.

Direção Yasujiro Ozu Argumento e roteiro Kogo Noda Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tatsuo Saito, Mitsuko Yoshikawa, Tomio Aoki, Takeshi Sakamoto, Ichiro Tsukida, Mitsuko Yoshikawa Lançamento 3 de outubro de 1930

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FILME PERDIDO roteiro existente, negativos e cópias perdidos

SENHORITA OJOSAN YOUNG MISS mudo, p&b – utilizados 12 rolos

Direção Yasujiro Ozu Argumento e roteiro Komatsu Kitamura Gagues Akira Fushimi, James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu), Tadao Ikeda Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Sumiko Kurishima, Tokihiko Okada, Tatsuo Saito, Ichiro Okuni, Kinuyo Tanaka, Togo Yamamoto Lançamento 12 de dezembro de 1930

Okamoto e Saita (Tokihiko Okada e Tatsuo Saito) são dois repórteres que são sempre batidos nos furos de reportagem por uma jovem repórter infame, conhecida como “a Senhorita” (Sumiko Kurishima). Acabam combinando um trabalho em

conjunto com ela: investigar um clube para homens que gostam de voyeurismo. O artigo de Okamoto expõe o clube. Saita se torna crítico de filmes do jornal. E no final, Okamoto passeia de braços dados com Senhorita vendo vitrines.

Comentário de Ozu A Shochiku queria usar este filme como veículo de lançamento para um casal de atores de comédia popular. Alardearam ter o mais poderoso elenco da época. Por interesse pessoal, me esforcei bastante. Talvez eu precisasse trazer à tona a identidade de James Maki [pseudônimo que passou a usar], que estava rebaixado nos créditos como um mero criador de gagues. Alguns pensaram que era meu pseudônimo, mas na verdade, foi criado para ser um nome ficcional usado por Akira Fushimi, Tadao Ikeda, Komatsu Kitamura e eu. Entretando, depois de inventado, ninguém quis usá-lo, então eu fiquei sendo seu único dono. [Esta é a primeira vez que James Maki aparece nos créditos. E Ozu brinca sobre como seria James Maki: “James Maki tem a esperteza de seu pai americano e a delicadeza de sua mãe japonesa... Em seu estúdio tem uma prateleira, forrada com um papel de desenhos intricados, sobre a qual tem uma coleção de brinquedos de todo o Japão”.]

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A BELA E A BARBA SHUKUJO TO HIGE THE LADY AND THE BEARD mudo, p&b, 74 min (c) 1931 Shochiku Co., Ltd.

Okajima, um universitário com grande habilidade no kendô, diverte as mulheres com seus trajes à moda antiga e sua grande e volumosa barba que cultiva com orgulho. Seu hábitos tradicionalistas dão margem a uma série de situações cômi-

cas, até conhecer a discreta e aristocrata Hiroko, que o convence a raspar sua barba. A partir de então, Okajima passa a atrair as mulheres, apesar de seu coração pertencer a Hiroko.

Comentário de Ozu Tokihiko Okada teve um desempenho sensacional. O filme é um nocaute. Apesar dos oito dias para as filmagens, a resposta foi muito melhor do que Senhorita [Ojosan, 1930 – um dos 18 filmes perdidos]. Este mercado de filmes é muito imprevisível!

Direção Yasujiro Ozu Argumento e roteiro Komatsu Kitamura Gagues James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu) Fotografia e montagem Hideo Mohara, Minoru Kuribayashi Assistente de fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Toshimitsu Nakajima Assistentes de direção Akira Kiyosuke, Yasushi Sasaki Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tokihiko Okada (Kiichi Okajima), Hiroko Kawasaki (Hiroko). Choko Iida (mãe de Hiroko). Satoko Date (Satoko), Ichiro Tsukida (Teruo Yukimoto), Toshiiko Iizuka (Ikuko, a irmã), Mitsuko Yoshikawa (sra. Tsukida), Takeshi Sakamoto (mordomo) Lançamento 7 de fevereiro de 1931

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FILME PERDIDO roteiro existente, negativos e cópias perdidos

A TRISTEZA DA BELA BIJIN AISHU BEAUTY'S SORROWS mudo, p&b, 158 min

Direção Yasujiro Ozu Argumento Henri de Regnier, adaptado por James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu) Roteiro Tadao Ikeda Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tokihiko Okada, Tatsuo Saito, Yukiko Inoue, Sotaro Okada, Mitsuko Yoshikawa, Teruko Wakamizu Lançamento 29 de maio de 1931

Okamoto e Sano (Tokihiko Okada e Tatsuo Saito) ficam deslumbrados por uma escultura feita por seu amigo Yoshida (Sotaro Okada). Sano consegue persuadir Yoshida e fica com a escultura. Mas Okamoto se casa com a filha de Yoshida, Yoshie (Yukiko Inoue), que tinha servido de modelo para a escultura. Durante uma visita de Yoshida a Tóquio, Yoshie fica

doente e morre. Depois do período de luto, Okamoto exige que Sano lhe dê a escultura. Sano se recusa e Okamoto ataca a escultura, a deixando em pedaços. Ambos se enfrentam em uma luta violenta, que culmina com a morte dos dois. Yoshida junta os fragmentos da escultura e os enterra sob uma árvore.

Comentário de Ozu Eu queria variar da comédia nonsense e criar uma vinheta que fundisse algum realismo com deliciosos elementos do tipo “algodão doce”. Entretanto, o produto final ficou longo e entediante. Muito do que trabalhei para que este filme desse certo, não funcionou. Eu até disse para Shiro Kido, Presidente da Shochiku, que levasse um travesseiro no dia da estreia.

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CORAL DE TÓQUIO TOKYO NO GASSHO TOKYO CHORUS mudo, p&b, 90 min (c) 1931 Shochiku Co., Ltd.

Para defender um colega recém-demitido, o jovem pai de família Okajima decide enfrentar seu chefe, e acaba também sendo despedido. Em plena depressão, sua família agora precisa en-

frentar as dificuldades de sua nova situação, até que surge uma oportunidade de emprego para Okajima em um restaurante de um velho amigo.

Comentário de Ozu Eu estava ficando cheio dos meus fracassos, e decidi fazer um filme de um jeito mais relaxado. As filmagens continuaram no auge do verão. Estava quente demais para filmar cenas ao ar livre em dias ensolarados. Naquele tempo, eu não poderia calcular o que era necessário para fazer um bom filme. O que um diretor pode legar para a posteridade? Eu comecei a achar que filmes eram sem sentido. Agora, eu sinto justo o contrário. O mero fato de que filmes podem se desvanecer no esquecimento é o que os tornam tão fascinantes.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Komatsu Kitamura Roteiro Kogo Noda Fotografia e montagem Hideo Mohara Assistente de fotografia Yuharu Atsuta, Eijirô Fujita, Minoru Kuribayashi Engenheiro de iluminação Toshimitsu Nakajima Assistentes de direção Kenkichi Hara, Akira Kiyosuke, Hamao Negishi Direção de arte Yonekazu Wakita Indumentária Kurenai Saitou Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Tokihiko Okada (Shinji Okajima), Emiko Yagumo (Sayoko Okajima), Hideo Sugawara (filho), Hideko Takamine (filha), Tatsuo Saito (Omura), Choko Iida (sra. Omura), Takeshi Sakamoto (Yamada), Reiko Tani (presidente da companhia), Kenichi Miyajima (secretária), Isamu Yamaguchi (funcionário), Naoji Kawahara (médico) Lançamento 15 de agosto de 1931

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FILME PERDIDO roteiro existente, negativos e cópias perdidos

A PRIMAVERA DAS DAMAS HARU WA GOFUJIN KARA SPRING COMES FROM THE LADIES mudo, p&b – utilizados 7 rolos

Direção Yasujiro Ozu Argumento James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu) Roteiro Tadao Ikeda, Takao Yanai Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Jiro Shirota, Tatsuo Saito, Setsuko Inoue, Hiroko Izumi, Takeshi Sakamoto, Reiko Tani Lançamento 29 de janeiro de 1932

Para evitar que Sakaguchi (Takeshi Sakamoto), seu alfaiate, lhe cobre contas atrasadas, o estudante Kato (Tatsuo Saito) deixa sua namorada, Masako (Hiroko Izumi), no café em que ela trabalha. Ao alcançar Kato, este lhe propõe que só o pagará se ele tomar seu lugar em uma prova e se sair bem. Sem alternativa, faz a prova mas fracassa. Kato não liga muito, pois poderá pas-

sar mais um ano na cafeteria dos estudantes com Masako. Enquanto isso, Yoshida, estudante e também em débito com o alfaiate, encontra a irmã dele. Acabam se casando e Yoshida também não paga suas dívidas. Sakaguchi só vê uma saída, frustrado distribui contas aos estudantes que passam: “A primavera vem das damas, nem por isso dívidas devem ser adiadas”.

Comentário de Ozu Eu fiz este filme em um estágio em que ainda estava cheio de dúvidas sobre como fazê-lo. Eu não consigo me lembrar deste trabalho em detalhes. Desde A bela e a barba [Shukujo to hige, 1931], eu vinha filmando sem usar continuidade. Reconhecidamente, nos sentimos mais seguros com a continuidade em mãos, mas eu eventualmente achava que isto não fazia diferença nenhuma. Talvez por não ter continuidade eu conseguisse visualizar cada sequência com mais clareza.

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EU NASCI, MAS... UMARETE WA MITAKEREDO I WAS BORN, BUT... lançado em dvd com o título MENINOS DE TÓQUIO mudo, p&b, 91 min (c) 1932 Shochiku Co., Ltd.

Os irmãos Ryoishi e Kenji mudam-se com a família para um subúrbio de Tóquio e vão viver perto de Iwasaki, um empresário poderoso na região e chefe de Yoshi, pai deles. Eles logo entram em contato com a turma local de meninos e, após alguns

confrontos, passam a liderar. Em contraponto à sua liderança, em uma visita com o pai à casa de Iwasaki, presenciam um episódio em que Yoshi se comporta de forma submissa em relação ao seu patrão.

Comentário de Ozu Esta história nasceu do meu desejo de fazer um filme sobre crianças. Uma história sobre crianças, a princípio, mas que termina com uma guinada em direção aos adultos. O tom é inicialmente leve, mas no meio da história acontece uma mudança e termina de forma desoladora. A companhia atrasou sua exibição em dois meses por conta do assunto ser “inesperadamente sombrio”. Dali em diante, eu nunca mais usei esta técnica de edição. Pela primeira vez, eu conscientemente desisti de usar os fade-in e fade-out. Geralmente não podem ser considerados como parte da gramática cinematográfica. São apenas atributos da câmera.

Direção Yasujiro Ozu Argumento James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu) Roteiro Akira Fushimi Fotografia e montagem Hideo Mohara Assistentes de fotografia Yuharu Atsuta, Masao Irie Iluminação Toshimitsu Nakajima Direção de arte Yoshiro Kimura, Takejiro Tsunoda Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco. Tatsuo Saito (Yoshii), Mitsuko Yoshikawa (esposa de Yoshii). Hideo Sugawara (filho mais velho de Yoshii). Tokkan Kozo (filho mais novo de Yoshii), Takeshi Sakamoto (Iwasaki), Teruyo Hayami (sra. Iwasaki), Seiichi Kato (Taro) Lançamento 3 de junho de 1932

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(c) 1932 Shochiku Co., Ltd.


ONDE ESTÃO OS SONHOS DE JUVENTUDE? SEISHUN NO YUME IMA IZUKO WHERE ARE THE DREAMS OF YOUTH? mudo, p&b, 85 min (c) 1932 Shochiku Co., Ltd.

Saiki e Horino fazem parte de um grupo de amigos que estudam na mesma faculdade. Mas a amizade um dia é colocada em prova quando Horino herda a companhia de seu falecido pai e tem

que manipular o exame de admissão de seus colegas na empresa. A relação entre Horino e Saiki fica ainda mais ameaçada quando ambos disputam o amor da garçonete Oshige.

Comentário de Ozu Eu fiz Onde estão os sonhos de juventude? durante uma pausa de Eu nasci, mas... [Umarete wa mitakeredo, 1932], que teve uma interrupção temporária por causa de um ferimento em uma das crianças. Naquela época, apesar de dirigir de quatro a cinco grandes produções por ano, eu não me sentia demasiado ocupado. Hoje em dia, o meu contrato é de apenas um filme por ano, e ainda assim me parece que nunca tenho tempo o suficiente.

Direção Yasujiro Ozu Argumento e roteiro Kogo Noda Fotografia e montagem Hideo Mohara Assistente de fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Toshimitsu Nakajima Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco , Uero Egawa (Tetsuo Horino), Kinuyo Tanaka (Oshige), Tatsuo Saito (Saiki Taichiro), Haruo Takeda (Kenzo Horino), Ryotaro Mizushima (Kanzo, o tio), Chishu Ryu (Shimazaki), Takeshi Sakamoto (faxineiro), Choko Iida (mãe de Saiki), Ayako Katsuragi (sra. Yamamura), Satoko Date (srta. Yamamura) Lançamento 13 de outubro de 1932

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FILME PERDIDO roteiro existente, negativos e cópias perdidos

ATÉ O PRÓXIMO ENCONTRO MATA AU HI MADE UNTIL THE DAY WE MEET AGAIN mudo, p&b, 103 min

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Kogo Noda Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Yoshiro Okada, Joji Oka, Shinyo Nara, Hiroko Kawasaki, Choko Iida, Satoko Date, Mitsuko Yoshikawa Lançamento 24 de novembro de 1932

Um jovem (Joji Oka) é deserdado por sua rica família por ter se apaixonado por uma prostituta (Yoshiro Okada). Arrasado, se alista para ir para guerra sem contar nada a seu pai (Shinyo Nara), mas a garota

avisa à família. Todos correm para a estação de trens, justo quando o trem tinha acabado de sair. E a prostituta volta para as ruas à noite.

Comentário de Ozu Foi a primeira vez que Yoshiko Okada apareceu em um filme meu. Ali já achei que ela era bastante boa. Com o lançamento do primeiro filme sonoro japonês [Madamu to nubo], um ano antes, todos tiveram que mudar para o som. Eu era o único que ainda permaneceria amarrado aos mudos. E isto porque Hideo Mohara [seu cinegrafista e já grande amigo] ainda estava testando seu próprio sistema de som. Eu havia prometido a ele que só faria filmes sonoros usando sua invenção. Por isso, eu não experimentei o sistema Dobashi adotado no Estúdio Kamata.

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MULHER DE TÓQUIO TOKYO NO ONNA WOMAN OF TOKYO mudo, p&b, 47 min (c) 1933 Shochiku Co., Ltd.

Para conseguir manter seu irmão Ryoichi na faculdade, Chikako trabalha durante o dia como datilógrafa e leva uma vida secreta durante a noite. Mas sua honra é colocada em questão quando surgem

suspeitas de que ela trabalha como anfitriã em um cabaré. Quando a namorada de Ryoichi descobre a verdade e lhe conta, o casal de irmãos entra em conflito.

Comentário de Ozu Este filme foi feito em oito dias. As filmagens começaram mesmo antes de o roteiro ter sido concluído. Conta a história de uma mulher que trabalha em um escritório de dia e faz um bico em um bar ordinário de noite. Nós tivemos esta ideia após vermos uma mulher deste tipo dançando. O ator de nome Katakana nos créditos é fictício. Eu acho este filme bastante bom. Um certo estilo de composição começou a emergir deste ponto em diante.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Ernest Schwartz Roteiro Kogo Noda, Tadao Ikeda Fotografia Hideo Mohara Assistente de fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Toshimitsu Nakajima Montagem Kazuo Ishikawa Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Yoshiko Okada (Chikako), Ureo Egawa (Ryoichi), Kinuyo Tanaka (Haruse), Shinyo Nara (Kinoshita), Chishu Ryu (repórter) Lançamento 9 de fevereiro de 1933

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(c) 1933 Shochiku Co., Ltd.


A DELINQUENTE HIJOSEN NO ONNA THE DRAGNET GIRL mudo, p&b, 100 min (c) 1933 Shochiku Co., Ltd.

A datilógrafa Tokiko namora Jyoji, um excampeão de boxe que agora lidera uma pequena quadrilha. Hiroshi, o membro mais novo da gangue, negligencia seus estudos para viver no crime, até que sua

irmã Kazuko intervém e implora para que Jyoji não permita isso. Mas o gângster acaba se envolvendo com Kazuko, dividindo-se entre sua nova paixão e seu amor por Tokiko.

Direção Yasujiro Ozu Argumento James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu) Roteiro Tadao Ikeda Fotografia Hideo Mohara Assistente de fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Toshimitsu Nakajima Montagem Kazuo Ishikawa, Minoru Kuribayashi Direção de arte Yonekazu Wakita Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco . Kinuyo Tanaka (Tokiko), Joji Oka (Jyoji), Sumiko Mizukubo (Kazuko), Hideo Mitsui (Hiroshi), Yumeko Oushi (Misako), Yoshio Takayama (Senko), Koji Kaga (Misawa), Yasuo Nanjo (Okazaki, o filho do presidente), Chishu Ryu (policial) Lançamento 27 de abril de 1933

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(c) 1933 Shochiku Co., Ltd.


CORAÇÃO CAPRICHOSO

(c) 1933 Shochiku Co., Ltd.

DEKIGOKORO PASSING FANCY também conhecido como CAPRICHO PASSAGEIRO mudo, p&b, 113 min

Depois da morte de sua esposa, Kihachi luta para criar seu filho Tomio em uma situação de extrema pobreza. Trabalha em uma fábrica com seu amigo Jiro, que também é seu vizinho. Quando conhece

Harue, uma mulher jovem e bonita, Kihachi apaixona-se imediatamente por ela – despertando ciúmes em seu filho e a rivalidade de seu amigo, que também tem interesse na jovem.

Comentário de Ozu Quando eu era jovem, em Fukagawa havia um homem afável que frequentava a nossa casa, mas que volta e meia distribuía socos. Ele se transformou em meu modelo para Kihachi. Como Tadao Ikeda [o roteirista] também tinha se deparado com este tipo de homem em Okachimachi, nós delineamos seu caráter juntos. Tem uma cena na qual o filho de Kihachi é provocado pelos seus colegas de classe por seu pai estar sempre escapando para flertar com uma garota de quem ele gosta. Quando o menino chega em casa da escola, ele atrapalha os planos de Kihachi, que chega todo alvoroçado após ter visto a garota de seus sonhos; e sua alegria vira fúria – e ele dá uma boa surra no filho. O garoto revida e os dois se envolvem em uma luta corpo a corpo. Finalmente, Kihachi se acalma, assim como seu filho, que explode em lágrimas.

Direção Yasujiro Ozu Argumento James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu) Roteiro Tadao Ikeda Fotografia Shojiro Sugimoto Assistente de fotografia Hiroyuki Nagaooka, Hideo Hoshii Iluminação Toshimitsu Nakajima Montagem Kazuo Ishikawa Direção de arte Yonekazu Wakita Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Takeshi Sakamoto (Kihachi), Nobuko Fushimi (Harue), Den Ohhigata (Jiro), Choko Iida (Otome), Tokkan Kozo (Tomio), Reiko Tani (barbeiro), Chishu Ryu (homem do barco) Lançamento 7 de setembro de 1933

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(c) 1934 Shochiku Co., Ltd.


MÃE TEM QUE SER AMADA HAHA O KOWAZUYA A MOTHER SHOULD BE LOVED mudo, p&b, 72 min (c) 1934 Shochiku Co., Ltd.

Após a morte do patriarca da família Kajiwara, sua esposa Chieko se volta com devoção à criação de seus filhos Kosaku e Sadao. Já na faculdade, Sadao descobre

que não é filho biológico de Chieko: sua verdadeira mãe, já falecida, foi a primeira esposa de seu pai. Ressentido por Chieko ter lhe escondido a verdade, Sadao sai de casa.

Comentário de Ozu Este filme, cujo fio condutor é o declínio de uma família ilustre, poderia ter tido um roteiro mais refinado. Hoje até se pode escapar incólume, mas, então, um enredo tão trivial nunca poderia ter se tornado um filme. Por esta razão, eu coloquei para fora a narrativa introduzindo dois irmãos cujo relacionamento se torna tenso por não compartilharem a mesma mãe. Este artifício desfigura realmente o filme, mas ainda deixa uma impressão profunda em mim. Ainda mais por meu pai ter falecido durante as filmagens.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Shutaro Komiya, adaptado por Kogo Noda Roteiro Tadao Ikeda Fotografia Isamu Aoki Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Iwata Yukichi (sr. Kajiwara), Mitsuko Yoshikawa (Chieko), Den Ohikata (Sadao), Seiichi Kato (Sadao quando criança), Hideo Mitsui (Kosaku), Shusei Normura (Kosaku em criança), Okazaki (Nara Shinyo), Kyoko Mitsukawa (Kazuko), Chishu Ryu (Hattori), Yumeko Aizome (Mitsuko), Choko Iida (empregada) Lançamento 11 de maio de 1934

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(c) 1934 Shochiku Co., Ltd.


UMA HISTÓRIA DE ERVAS FLUTUANTES UKIGUSA MONOGATARI A STORY OF FLOATING WEEDS mudo, p&b, 90 min (c) 1934 Shochiku Co., Ltd.

Kihachi e sua companhia itinerante de teatro chegam a uma pequena aldeia no campo, onde, há algum tempo atrás, ele teve um filho com Otsune, dona de um bar local. Otaka, a atual mulher de Kihachi, descobre que rever o filho é a razão que

levou Kihachi a voltar à aldeia e, enciumada, pede à jovem Otoki, membro da trupe, que seduza o rapaz. Enquanto isso, a companhia entra em falência e é obrigada a vender tudo e se desfazer.

Comentário de Ozu Este foi um filme bem aceito pela crítica e pelo público. Embora alguns o denominem como “a série Kihachi”. Naquela época, todos à minha volta faziam filmes sonoros, enquanto eu ainda permanecia nos mudos. Ainda assim, desde 1932, por três anos consecutivos, meus filmes mudos foram selecionados entre os melhores filmes pela revista Kinema Junpo. Antes da guerra, não importava quantos prêmios um diretor ganhasse, seu salário era sempre o mesmo. Eu fui até o Shiro Kido [Presidente da Shochiku] e pedi um aumento. Ele me disse para fazer um filme e só depois falar com ele. Então eu fiz este filme e foi um sucesso de bilheteria e também ganhou o primeiro prêmio da Kinema Junpo. Então, além de um aumento, ganhei um contrato de longo prazo com a Shochiku, e comecei a viver muito melhor depois.

Direção Yasujiro Ozu Argumento James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu) Roteiro Tadao Ikeda Fotografia e montagem Hideo Mohara Assistentes de fotografia Yuharu Atsuta, Masao Irie Iluminação Toshimitsu Nakajima Direção de arte Tatsuo Hamada Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Takeshi Sakamoto (Kihachi), Choko Iida (Otsune), Hideo Mitsui (Shinkichi), Rieko Yagumo (Otaka), Yoshiko Tsubouchi (Otoki), Tokkan Kozo (Tomibo), Reiko Tani (Tottsan), Nagamasa Yamada (Maako) Lançamento 23 de novembro de 1934

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O ator Tokkan Kozo (c) 1929 Shochiku Co., Ltd.


Ozu foi funcionário da Shochiku por 40 anos. Isto significou não apenas um emprego fixo com salário no final do mês, como também acesso a todos os recursos que um grande estúdio de cinema pode proporcionar. Apenas 3 de seus filmes não foram realizados pela Shochiku: As irmãs Munekata (Munekata shimai, 1950), Ervas flutuantes (Ukigusa, 1959) e Fim de verão (Kohayagawa-ke no aki, 1961).

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FILME PERDIDO roteiro existente, negativos e cópias perrdidos

A INOCENTE HAKOIRI MUSUME AN INNOCENT MAID mudo, p&b, 103 min

Direção Yasujiro Ozu Argumento Sano Shikitei Roteiro Kogo Noda, Tadao Ikeda Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Choko Iida, Kinuyo Tanaka, Takeshi Sakamoto, Tomio Aoki, Ryoichi Takeuchi, Kiyoshi Seino, Mitsuko Yoshikawa, Shusuke Ken, Kenji Oyama Lançamento 12 de janeiro de 1935

Constantemente acompanhado pelo filho, Kihachi (Takeshi Sakamoto) mora no final de uma ruela onde faz bolos de arroz. Perto dele existe uma complicada situação romântica: Oshige (Kinuyo Tanaka) é cortejada por um comerciante, mas ama Arata (Ryoichi Takeuchi), um jovem da vizinhança. A mãe de Oshige (Choko Iida)

ignora o amor da filha e combina seu casamento com o comerciante. No dia do casamento Kihachi tem sangue frio o suficiente para perguntar aos presentes a opinião de cada um sobre o que estão presenciando. Na cena final, Oshige e Arata estão em um trem indo para a lua de mel.

Comentário de Ozu A Shochiku planejou A inocente para ser uma série, mas depois dos muitos cortes da censura, o projeto ficou só neste filme. Como era um filme alegre, sua exibição estava programada para ser durante duas semanas no período do ano novo. A data de estreia seria em 30 de dezembro de 1934, mas como a câmera avariou, acabamos trabalhando inclusive no dia 31 – só terminando na manhã do novo ano. Eu ainda me lembro de como todos estávamos – barbas por fazer e comendo zoni [bolinho de arroz com vegetais] para comemorar.

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UM HOTEL EM TÓQUIO

(c) 1935 Shochiku Co., Ltd.

TOKYO NO YADO AN INN IN TOKYO mudo, p&b, 80 min

Kihachi é um viúvo, pai de dois filhos, que rece melhorar quando Kihachi encontra está à procura de emprego. A família vive Otsune, um velho amigo que lhe oferece na pensão Manseikan, onde muitos vivem trabalho em uma fábrica. em condições parecidas. A situação pa-

Comentário de Ozu Já não havia mais espaço para filmes mudos. Embora Um hotel em Tóquio seja um filme mudo, eu não tive escolha a não ser de adotar o método dos filmes sonoros. Por exemplo, na cena da conversa entre duas pessoas, eu me arrisquei a sobrepor o texto do personagem A em um close-up do personagem B. [E sobre os métodos de Ozu, Choko Iida, atriz regular em seus filmes declarou: “Eis aqui um homem que se recusa, de forma inflexível, a mudar sua abordagem. Sua fidelidade ao seu método original não permite acolher qualquer opinião que seja”.]

Direção Yasujiro Ozu Argumento Yasujiro Ozu, Tadao Ikeda, Masao Arata Roteiro Tadao Ikeda, Masao Arata Fotografia e montagem Hideo Mohara Assistente de fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Toshimitsu Nakajima Música Keizo Horiuchi Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Takeshi Sakamoto (Kihachi), Tokkan Kozo (Zenko), Takayuki Suematsu (Masako), Yoshiko Okada (Otaka), Kazuko Ojima (Kimiko), Choko Iida (Otsune), Chishu Ryu (policial) Lançamento 21 de novembro de 1935

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KAGAMIJISHI KAGAMIJISHI Documentário, p&b, 20 min

(c) 1935 KBS (The Japan Foundation) / Shochiku Co., Ltd. Direção Yasujiro Ozu Argumento Kenji Shuzui Roteiro Yasujiro Ozu Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Kokusai Bunka Shinko-kai / Shochiku – Estúdio Ofuna Com Kikugoro Onoe VI Lançamento sem data oficial de lançamento

Kagamijishi passa, por ocasião desta mostra, por um período de suspensão de exibição pelos detentores de seus direitos.

Documentário, dividido em duas partes, de uma dança tradicional japonesa (kabuki) – a Kagamijishi (dança do leão). A primeira parte – filmada em junho de 1935, e utilizando som sincronizado – registra parcialmente a dança (já que origi-

nalmente tem mais de uma hora) com o prestigiado ator de kabuki Kikugoro Onoe VI. A segunda parte – filmada em maio de 1936, e sem som – registra Kikugoro Onoe VI em seu camarim.

Comentário da Shochiku Este é o único documentário realizado por Ozu, e foi um pedido do Ministério de Educação. Começou a ser filmado em 26 de junho de 1935. A Associação para Promoção Internacional da Cultura (Kokusai Bunka Shinko-kai), fundada em 1934, planejou filmar performances extraordinárias da cultura japonesa para apresentá-las ao mundo. Foi solicitado à Shochiku um documentário da dança Kagamijishi, com performance do conceituado ator de kabuki, Kikugoro Onoe VI. Ozu era fã de Kikugoro e teve oportunidade de conhecê-lo um ano antes da proposta do projeto através de um parente dele, Hiroshi Tojo, que era funcionário da Shochiku. Quando o projeto foi concretizado, Kikugoro, já amigo de Ozu, solicitou que ele fosse escolhido para diretor. Ozu estava filmando Um hotel em Tóquio (Tokyo no yado), mas interrompeu o trabalho para realizar a primeira parte do documentário.

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A UNIVERSIDADE É UM BOM LUGAR

FILME PERDIDO roteiro existente, negativos e cópias perdidos

DAIGAKU YOITOKO COLLEGE IS A NICE PLACE mudo, p&b, 114 min

.

Em um alojamento, vários estudantes vivem ociosamente e em conflito com os estudos, enquanto os já são graduados procuram por emprego. Fujiki (Toshiaki Konoe) e Amano (Chishu Ryu) vão às aulas e sofrem com as aulas práticas. Aoki (Akira Hikabe), um jogador de beisebol machucado passa o dia deitado em seu quarto olhando para o teto. Nishida (Tokuji

Kobayashi), um estudante mais velho, implica com todos. Amano acaba resolvendo deixar a universidade e Fujiki rouba as economias de sua esposa para fazer uma festa de despedida. Depois da partida de Amano, Fujiki se questiona: “Algum dia seremos alguma coisa?”. E no dia seguinte os estudantes retornam às suas rotinas

Comentário de Ozu

Direção Yasujiro Ozu Argumento James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu) Roteiro Masao Arata Fotografia Hideo Mohara Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Toshiaki Konoe, Chishu Ryu, Sanae Takasugi, Tatsuo Saito, Kenji Oyama, Choko Iida, Akira Hikabe, Tsuruhiko Ikebe, Tokuji Kobayashi, Takeshi Sakamoto, Kiyoshi Seino Lançamento 19 de março de 1936

A trama gira em torno de alguns estudantes que moram na mesma pensão. A vida retratada não era nada feliz. Era um filme sombrio.

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(c) 1936 Shochiku Co., Ltd.


FILHO ÚNICO HITORI MUSUKO THE ONLY SON p&b, 87 min (c) 1936 Shochiku Co., Ltd.

Otsune, mãe solteira e operária de fábrica, sofre para conseguir criar e educar seu único filho. Com muito esforço, consegue que o rapaz se mude para Tóquio para

completar seus estudos. Após sua formatura, Otsune resolve visitá-lo e espera testemunhar seu sucesso. Primeiro filme sonoro de Ozu.

Comentário de Ozu Este foi meu primeiro filme sonoro. A trama foi adaptada do meu roteiro para A universidade é um bom lugar [Daigaku yoitoko, 1936 – um dos 18 filmes perdidos], que tinha sido parcialmente filmado e então eu o engavetei para transformá-lo posteriormente em um filme sonoro. Naquela altura, o set tinha sido realocado para o novo estúdio da Shochiku, em Ofuna, mas eu estava usando o sistema sonoro de Hideo Mohara, que não era compatível com suas instalações. Como resultado, nós tivemos que filmar no antigo estúdio em Kamata, que havia sido abandonado. O barulho dos trens que passavam perto nos impediam de filmar durante o dia, então nós trabalhávamos de meia-noite às 5 da manhã, mantendo nosso esquema em cinco cenas por noite. Nós estávamos com o astral alto. Entretando, a minha maneira de fazer silêncios já estava enraizada, difícil de mudar da noite para o dia, assim, os hiatos eram inevitáveis. Mesmo estando bem ciente que os filmes sonoros eram um jogo totalmente diferente, eu não conseguia evitar de cair nos silêncios. Eu fiquei preocupado que mesmo começando uns quatro ou cinco anos depois dos outros, ainda assim eu nunca conseguiria alcançá-los. Entretanto, agora eu percebo que minha persistência em fazer silêncios foi útil para o meu desenvolvimento futuro.

Direção Yasujiro Ozu Argumento James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu) Roteiro Tadao Ikeda, Masao Arata Fotografia Shojiro Sugimoto Assistente de fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Toshimitsu Nakajima, Som Hideo Mohara, Eiichi Hasegawa Direção de arte Tatsuo Hamada Música Senji Ito Companhia produtora Shochiku – Estúdio Kamata Elenco Choko Iida (Nonomiya Tsune), Shin’ichi Himori (Ryosuke), Masao Hayama (Ryosuke criança), YoshikoTsubouchi (Sugiko), Eiko Takamatsu (Oshige), Mitsuko Yoshikawa (Otaka), Chishu Ryu (Okubo), Tomoko Naniwa (esposa de Okubo), Bakudan Kozo (filho de Okubo), Tokkan Kozo (Tomibo) Lançamento 15 de setembro de 1936

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(c) 1937 Shochiku Co., Ltd.


O QUE FOI QUE A SENHORA ESQUECEU?

(c) 1937 Shochiku Co., Ltd.

SHUKUJO WA NANI O WASURETAKA WHAT DID THE LADY FORGET? p&b, 71 min

Komiya é um respeitado professor de medicina em Tóquio, casado com a sofisticada Tokiko. A harmonia do casal é ameaçada quando a sobrinha Setsuko vem de Osaka passar um tempo com eles. De comportamento liberal, a menina entra em conflito

Tokiko, que tenta controlar seus hábitos com a bebida. Enquanto isso, Komiya mente para a esposa alegando que sairá para jogar golfe no fim de semana, quando na verdade vai para os bares de Guinza.

Comentário de Ozu Uma característica especial deste filme foi a locação, que mudou de Shitamachi [um quarteirão no centro], comum em meus filmes anteriores, para uma área ao longo da linha de Yamanote. Casualmente, eu havia me mudado de Fukagawa para Takanawa Minamicho, mas aquela não foi a razão para transferir meu filme para esta área. Foi observado que relativamente poucos filmes se passam nesta área, o que ainda é o caso dos filmes de agora, embora filmes em Shitamachi ou nos subúrbios sejam comuns.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro James Maki (pseudônimo de Yasujiro Ozu), Akira Fushimi Fotografia Hideo Mohara, Yuharu Atsuta Iluminação Toshimitsu Nakajima Montagem Kenkichi Hara Música Senji Ito Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Sumiko Kurishima (Tokiko), Tatsuo Saito (Komiya), Kayoko Kuano (Setsuko), Shuji Sano (Okada), Takeshi Sakamoto (Sugiyama), Choko Iida (Chiyoko), Ken Uehara (como ele mesmo), Mitsuko Yoshikawa (Mitsuko), Masao Hayama (Fujio), Tokkan Kozo (Tomio) Lançamento 3 de março de 1937

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Onde estĂŁo os sonhos da juventude? (c) 1932 Shochiku Co., Ltd.


Em julho de 1937, em uma época que a Shochiku estava insatisfeita com a falta de bilheteria de seus filmes (apesar de já aclamado pela crítica), Ozu foi convocado pelo Exército Imperial Japonês para servir durante dois anos na China, na Segunda Guerra Sino-Japonesa. Ao voltar para um Japão em total estado de guerra, começa a trabalhar no roteiro de O sabor do chá verde sobre o arroz (Ochazuke no aji). Apesar do protagonista estar indo para o fronte de batalha, tinha um caráter antibélico, mostrando um cotidiano que a censura oficial julgou impróprio, uma bobagem, incompatível com o momento que o Japão vivia. Este tipo de filme não interessava a um país que estava recrudescendo suas posições quanto a questões territoriais e que fatalmente o levariam à guerra – questões que culminaram com o ataque à Base Militar de Pearl Harbor (em 7 de dezembro de 1941), e sua consequente participação na Segunda Guerra Mundial. Depois de um ano e meio de tentativas fracassadas para realizar o projeto, acaba abraçando um outro: Os irmãos da família Toda (Toda-ke no Kiôdai). Mas não desiste de O sabor do chá verde sobre o arroz, que acabaria realizando em 1952.

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(c) 1941 Shochiku Co., Ltd.


OS IRMÃOS DA FAMÍLIA TODA TODA-KE NO KYÔDAI THE BROTHERS AND SISTERS OF THE TODA FAMILY p&b, 105 min (c) 1941 Shochiku Co., Ltd.

A próspera família Toda se reúne para celebrar o 69º aniversário da matriaca. Mas a festividade tem um trágico fim quando o pai, Shintaro, morre subitamente. Após o ocorrido, Shinichiro, o filho mais velho, anuncia

que seu pai deixara uma grande dívida. Os irmãos então precisam vender suas propriedades para sobreviver, iniciando um período de dificuldades para a família.

Comentário de Ozu A atmosfera da família neste filme é similar àquela de O sabor do chá verde sobre o arroz [Ochazuke no aji, 1952]. Por esta particular razão é que eu prestei especial atenção em fazer do amor material o tema dominante. As cenas finais foram filmadas na maior correria. A Shochiku disse: “Se não terminarmos o filme hoje, nós vamos perder a grade de exibição”. “Hoje” significando “duas horas”! Eu tinha muitas cenas longas para fazer e me senti mal de não as ter trabalhado bem. Apesar de não ter sido o ideal, ninguém percebe nada olhando para a composição final. Se todos se dão bem e se divertem durante a produção, então eu me torno fã daquele filme, independente do resultado final. Nesta questão, Os irmãos da família Toda foi um trabalho que me satisfez. Eu trabalhei com Shin Saburi e Mieko Takamine pela primeira vez. Pelos padrões daquela época, foi uma produção de classe e ambos já eram muito populares, o que talvez explique o sucesso de bilheteria – e refutou a teoria que meus filmes nunca seriam rentáveis. Desde este filme, meus filmes começaram a ter uma performance melhor de bilheteria.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Tadao Ikeda Fotografia Yuharu Atsuta Música Senji Ito Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Hideo Fujino (Shintaro Toda), Ayako Katsuragi (sra. Toda), Mitsuko Yoshikawa (Chizuru), Tatsuo Saito (Shinichiro), Kuniko Miyake (Kazuko), Shin Saburi (Shojiro), Yoshiko Tsubouchi (Ayako), Mieko Takamine (Setsuko), Kayoko Kuwano (Tokiko), Reikichi Kawamura (Suzuki), Choko Iida (Kiyo), Masao Hayama (Ryokichi), Mayuko Takagi (Mitsuko), Chishu Ryu (amigo), Takeshi Sakamoto (antigo traficante), Reiko Tani (fotógrafo) Lançamento 11 de março de 1941

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(c) 1942 Shochiku Co., Ltd.


ERA UMA VEZ UM PAI CHICHI ARIKI THERE WAS A FATHER p&b, 88 min (c) 1942 Shochiku Co., Ltd.

Horikawa é um professor, já viúvo, que costuma excurcionar com seus alunos. Quando um deles se afoga acidentalmente, Horikawa se sente responsável e, entristecido, pede demissão. Enquanto tenta ganhar a vida em Tóquio, matricula

seu filho em um colégio interno. Apesar de passarem a maior parte do tempo separados, pai e filho ocasionalmente vivem bons momentos em família, pescando e viajando pelo interior.

Comentário de Ozu Eu acho que Chishu Ryu fez um enorme progresso nesta atuação como um pai que dirige uma loja de tonkatsu (porco frito). Eu imagino por onde Haruhiko Tsuda, que fez o filho quando menino, anda. Eu gostaria de reencontrá-lo algum dia. A história é de um roteiro que escrevi há muito tempo atrás. Eu acho que o filme vai ficando mais sutil e refinado à medida que o tempo passa, então, não funcionaria apenas usar o roteiro já escrito sem fazer as emendas necessárias. [Tadao Ikeda e Takao Yakao atualizaram o roteiro.] Ainda assim, foi uma criação minha, e eu ainda fiz muitas mudanças, uma atrás da outra, mas, felizmente, melhorou a versão antiga. Este período não foi nada fértil. Ainda assim, quanto mais tempo eu ficasse no Japão, mais filmes poderia realizar. Se não fosse pela guerra, eu teria, certamente, no mínimo mais sete títulos na minha filmografia. [No artigo publicado neste catálogo, de Keiji Kunigami: “...foi concedido ao seu filme Era uma vez um pai (Chichi ariki, 1942) o prêmio ‘Bureau of Information Award’ pelo governo japonês, por sua contribuição à moral nacional e aos valores que se esperava dos cidadãos japoneses.”A premiação aconteceu cinco anos depois de O sabor do chá verde sobre o arroz (Ochazuke no aji) ter sido censurado por ser considerado distante da realidade japonesa no período de guerra.]

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Tadao Ikeda, Takao Yanai Fotografia Yuharu Atsuta Montagem Yoshiyasu Hamamura Música Kyoichi Saiki Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Chishu Ryu (Shuhei Horikawa), Shuji Sano (Ryohei), Haruhiko Tsuda (Ryonei quando criança), Shin Saburi (Yasutaro Kurokawa), Takeshi Sakamoto (Makoto Hirata), Mitsuko Mito (Fumi), Masayoshi Otsuka (Seiichi), Shinichi Himori (Minoru Uchid) Lançamento 1º de abril de 1942

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Bom Dia (c) 1959 Shochiku Co., Ltd.


Em 1943, Ozu foi convocado pelo Exército Imperial Japonês. Já bastante conhecido, Ozu é designado para fazer filmes de propaganda em Burma. Mas, houve uma mudança de planos, e acabou sendo mandado para Cingapura, onde se propõe a fazer um filme sobre o movimento de independência da Índia. Mas, na verdade, acaba nada fazendo, passando a maior parte do tempo vendo filmes americanos que tinham sido confiscados. Ozu conta que suspeitou que o Japão fosse perder a guerra depois de ter assistido à Fantasia (Estúdios Disney, 1940). “Estes caras [os americanos] vão dar trabalho...” A guerra chega ao fim com a derrota japonesa, e Ozu é confinado em um campo de prisioneiros, só retornando ao Japão em 1946.

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(c) 1947 Shochiku Co., Ltd.


RELATO DE UM PROPRIETÁRIO NAGAYA SHINSHIROKU THE RECORD OF A TENEMENT GENTLEMAN p&b, 72 min (c) 1947 Shochiku Co., Ltd.

Tashiro encontra um menino abandonado em um vilarejo assolado pela guerra e o leva para casa, na tentativa de conseguir que algum vizinho o adote. Ninguém parece aceitar a responsabilidade nem mesmo por uma noite, até que a viúva

Otane, a contragosto, fica com a criança. De início, o relacionamento entre os dois não vai muito bem, até que o dia em que menino foge de casa. Seu desaparecimento faz com que Otane perceba o quanto o ama.

Comentário de Ozu Eu estava liquidado depois de chegar da guerra, mas a Shochiku ficava insistindo para que eu voltasse ao trabalho. Eu não tive escolha e produzi rapidamente um roteiro em 12 dias. Para minha surpresa a resposta da Shochiku foi: “Quem poderia imaginar que você pudesse escrever um roteiro tão rápido?”. Eu respondi mais rápido ainda: “Só desta vez. Eu não vou ser capaz de escrever nesta velocidade na próxima vez”. Enquanto estava em Cingapura, vi mais filmes estrangeiros do que em qualquer outra época da minha vida. Parece que alguns acham que eu fui de alguma forma transformado por esta experiência. As mesmas pessoas, entretando, disseram que Relato de um proprietário não é diferente do meu trabalho anterior. Eles até foram mais longe dizendo que “este camarada não muda nunca”.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Tadao Ikeda Fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Akio Isono Som Yoshisaburo Seno Montagem Yoshi Sugihara Direção de arte Tatsuo Hamada Música Ichiro Saito Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Choko Iida (Otane), Hohi Aoki (Kohei), Eitaro Ozawa (pai), Mitsuko Yoshikawa (Kiku), Reikichi Kawamura (Tamekichi), Mimura Hideko (Ukiko), Chishu Ryu (Tashiro), Takeshi Sakamoto (Kihachi), Eiko Takamatsu (Tome) Lançamento 20 de maio de 1947

1947 119


(c) 1948 Shochiku Co., Ltd.


UMA GALINHA NO VENTO KAZE NO NAKA NO MENDORI A HEN IN THE WIND p&b, 72 min (c) 1948 Shochiku Co., Ltd.

Passando por dificuldades e com seu filho doente, Tokiko se prostitui por uma noite para poder pagar as despesas – enquanto Shuichi, seu marido, está lutando no fronte. Ao retornar, ela lhe revela o acontecido, levando-o à fúria. Shuichi então vi-

sita o prostíbulo onde sua esposa trabalhara, e lá conhece uma jovem que se prostituiu para ajudar sua família. Comovido, resolve ajudá-la a encontrar outro emprego, mas ainda tem dificuldade em perdoar Tokiko.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Saito Ryosuke Fotografia Yuharu Atsuta Montagem Yoshiyasu Hamamura Direção de arte Tatsuo Hamada Música Senji Ito Produção Kozo Kubo Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Kinuyo Tanaka (Tokiko Amamiya). Shuji Sano (Shuichi Amamiya). Hideto Nakagawa (Hiroshi Amamiya). Chieko Murate (Akiko Ida). Chishu Ryu (Waichiro Satake). Takeshi Sakamoto (Hikozo Sakai). Eiko Takamatsu (Tsune). Reiko Minakami (Orie Noma). Chiyoko Fumiya (Fusako Onoda) Lançamento 17 de setembro de 1948

1948 121


(c) 1949 Shochiku Co., Ltd.


PAI E FILHA BANSHUN LATE SPRING p&b, 108 min (c) 1949 Shochiku Co., Ltd.

Noriko é uma jovem que dedica sua vida a cuidar de seu pai, o viúvo Somiya. Mas Somiya e sua irmã fazem Noriko achar que ele vai se casar novamente, e assim ela aceita conhecer um pretendente a ma-

rido. Apesar de gostar de seu pretendente, se ressente por seu pai estar casando novamente, no que é aconselhada por ele a buscar sua própria felicidade.

Comentário de Ozu Pai e filha me deu a possibilidade de voltar a trabalhar com Kogo Noda. Desde A inocente [Hakoiri musume, 1935 – um dos 18 filmes perdidos] não havia aparecido nenhuma oportunidade de trabalharmos juntos. Se o diretor e o roteirista estão sempre em desacordo um com o outro, sua relação de trabalho está sempre prestes a desmoronar. Imagine que um vai cedo para cama e é um tipo que acorda cedo, enquanto o outro é um pássaro noturno – eles nunca encontrarão o equilíbrio certo, e um deixará o outro insatisfeito. Mas Noda, Saito [Ryosuke] e eu estávamos sempre sincronizados, até nos maus momentos, quando resolvíamos dar uma parada e tomar uma bebida. Era muito importante como Noda e eu tendíamos a pensar sobre cada linha ou diálogo juntos quando escrevíamos roteiros. Mesmo sem discutir detalhes sobre objetos a serem usados em cena ou indumentárias, havia uma harmonia entre nós. Nunca havia discordância, mesmo quando decidíamos usar um “wa” ou um “yo” [“ah” ou “oh”] nos diálogos. Era inacreditável. Naturalmente, havia vezes que um se agarrava a uma opinião, pois, apesar de tudo, ambos erámos um tanto teimosos e não transigíamos tão facilmente.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Kazuo Hirotsu Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Yuharu Atsuta Montagem Yoshiyasu Hamamura Direção de arte Tatsuo Hamada Música Senji Ito Produção Takeshi Yamamoto Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Chishu Ryu (Shukichi Somiya), Setsuko Hara (Noriko), Yumeji Tsukioka (Aya Kitagawa), Haruko Sugimura (Masa Taguchi), Hohi Aoki (Katsuyochi), Jun Usami (Shoichi Hattori), Kuniko Miyake (Akiko Miwa), Masao Mishima (Yuzuru Onodera), Yoshico Tsubouchi (Kiku) Lançamento 13 de setembro de 1949

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Um hotel em Tรณquio (c) 1935 Shochiku Co., Ltd.


Ozu e Noda haviam se retirado para um lugar afastado para terem tranquilidade para escrever o roteiro de Pai e filha. Foram para a cabana de Noda nas montanhas de Tateshina, em Nagano. Sobre este local, Chishu Ryu relata em seu livro Yasujiro Ozu by Chishu Ryu: As vezes que o sr. Ozu parecia mais feliz era quando estava empenhado em escrever cenários com o sr. Kogo Noda, na última cabana do planalto da Prefeitura de Nagano. Até ele terminar de escrever o roteiro, depois de uns 4 meses, já tinha na cabeça cada imagem para cada tomada; sendo assim, ele nunca mudava nada depois que nós estávamos no set. As palavras eram tão buriladas que ele não permitia um único erro que fosse.

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foto cedida pela Fundação Japão


AS IRMÃS MUNEKATA MUNEKATA SHIMAI THE MUNEKATA SISTERS A forma MUNAKATA também pode ser encontrada p&b, 112 min foto cedida pela Fundação Japão

Setsuko e sua irmã Mariko ganham a vida com muita dificuldade trabalhando em um bar. Setsuko é casada com Mimura, um homem desempregado que sofre de alcoolismo, porém seu grande

amor é Hiroshi, um sofisticado antiquário. A jovem Mariko também é apaixonada por Hiroshi, mas ainda assim incentiva a aproximação dos dois.

Comentário de Ozu Jiro Osaragi, o autor do argumento, disse: “[a história] ‘As irmãs Munekata’ é sua”. Escrever o roteiro foi uma brisa. Apesar de ter sido a primeira colaboração com a Companhia Shintoho, foi como velhos amigos se dando as mãos, a produção foi tranquila. Adaptar o material existente para as telas teve lá seus problemas. Transpor para o elenco o que estava na imaginação do autor foi uma tarefa deveras assustadora. Quando eu criava meus roteiros, eu sempre baseava meus personagens em atores que eu já tinha em mente. Isto tornava as atuações mais fáceis. No passado, eu me esforçava bastante para preparar um ator recém-chegado. Agora, eu só queria usar veteranos para obter desempenhos veteranos. Talvez eu não tivesse mais energia para treinar atores medíocres. Bem, isto não tem nada a ver com experiência. Qualquer um com qualidades decentes me serve bem. O pior tipo é aquele que tem só um pouco de talento mas quer ser elevado às alturas. Ao contrário, se eu me encantasse com alguém, eu faria o meu melhor para dar-lhe um espaço em meu filme, mesmo que eu tivesse que acrescentar um papel.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Jiro Osaragi Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Joji Ohara Montagem Toshio Goto Direção de arte Tomo Shimokawara Assistente de direção Seiichiro Uchikawa Música Ichiro Saito Produção Hiroshi Higo, Hideo Tamai Companhias produtoras Shintoho / Toho Elenco Kinuyo Tanaka (Setsuko Munekata), Hideko Takamine (Mariko Munekata), Ken Uehara (Hiroshi Tashiro), Sanae Takasugi (Yoriko Sadaka), Chishu Ryu (Tadachika Munekata), So Yamamura (Ryosuke Mimura), Tatsuo Saito (Yuzuru Uchida), Hori Yuji (Goro), Yoshida Tsubouchi (Fujie Mieko) Lançamento 25 de agosto de 1950

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(c) 1951 Shochiku Co., Ltd.


TAMBÉM FOMOS FELIZES BAKUSHÛ EARLY SUMMER p&b, 124 min (c) 1951 Shochiku Co., Ltd.

A família Mamiya está à procura de um marido para a filha mais nova, Noriko, que trabalha como secretária em Tóquio. Seu irmão mais velho, Koichi, já casado e com dois filhos, vê com maus olhos a independência – financeira, inclusive – da

irmã caçula. Mas Noriko, desafiando as pressões da família, e até mesmo de seu chefe, nega a proposta de um pretendente arranjado, preferindo se casar com um amigo de infância.

Comentário de Ozu Eu queria descrever temas profundos como reencarnação e mutabilidade, mais do que contar uma história. Por esta razão, Também fomos felizes foi um dos trabalhos que mais me exigiu em todos estes anos. Havia reprovação sobre jovens indisciplinados. Em meu ponto de vista, crianças e adultos obedecem a regras diferentes. Ao crescerem, elas também mudarão. Para atuar, é melhor não expressar as coisas, deixar coisas para serem ponderadas ou saboreadas. Aqueles que apreciam isto alcançam um estado transcendente. Setsuko Hara é uma pessoa admirável. Se houvesse apenas mais quatro ou cinco pessoas como ela...

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Itsuo Takashita Montagem Yoshiyasu Hamamura Direção de arte Tatsuo Hamada Assistente de direção Shohei Imamura Gravação Yoshisaburo Seno Música Senji Ito Produção Takeshi Yamamoto Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Setsuko Hara (Noriko), Chishu Ryu (Koichi), Chikage Awashima (Aya Tamura), Kuniko Miyake (Fumiko), Ichiro Sugai (Mamiya Shukichi), Chieko Higashiyama (Shige), Haruko Sugimura (Tami Yabe), Hiroshi Nihonyanagi (Kenkichi Yabe), Shuji Sano (Sotaro Satake), Zen Murase (Minoru), Isao Shirosawa (Isamu), Kokuten Kodo (Mokichi), Mitsuhiro Miori (Isamu) Lançamento 3 de outubro de 1951

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(c) 1952 Shochiku Co., Ltd.


O SABOR DO CHÁ VERDE SOBRE O ARROZ OCHAZUKE NO AJI THE FLAVOR OF GREEN TEA OVER RICE p&b, 115 min (c) 1952 Shochiku Co., Ltd.

Taeko e Mokichi mantêm há anos um casamento arranjado, sem filhos e em boas condições financeiras. Taeko considera seu marido, um executivo de uma empresa de engenharia, enfadonho e desinteressante, e o casal vive à beira de uma crise matrimonial. Sua sobrinha Setsuko,

por outro lado, decide não aceitar para si um casamento arranjado e se rebela contra essa tradição. Quando Taeko descobre que Mokichi teve um papel decisivo no comportamento de Setsuko, o casal tem uma briga intensa.

Comentário de Ozu Este roteiro tinha sido escrito durante a guerra e tinha sido censurado. Como a Shochiku achou que era um desperdício deixar um roteiro ficar juntando poeira, e eu o tirei da gaveta. Originalmente, o protagonista tinha sido convocado para o fronte de batalha. Como os tempos haviam mudado, o transformei em uma transferência de trabalho para a América do Sul. Evidentemente isto enfraqueceu o desenvolvimento dramático. Não obstante, o que importava era a perspectiva da mulher em relação aos homens. Em vez de discorrer sobre sua aparência, ou se ele tinha gostos e interesses refinados, eu quis enfatizar que, como homem, ele tinha seus pontos positivos. Lamentavelmente, este filme não obteve sucesso.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Yuharu Atsuta Montagem Yoshiyasu Hamamura Direção de arte Tatsuo Hamada Assistente de direção Shohei Imamura Música Takanobu Saito Produção Takeshi Yamamoto Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Shin Saburi (Mokichi Satake), Michiyo Kogure (Taeko), Koji Tsuruta (Noboru Okada), Chishu Ryu (Sadao Hirayama), Chikage Awashima (Aya Amamiya), Keiko Tsushima (Setsuko Yamauchi), Eijiro Yanagi (Naosuke), Yoko Uehara (Takako), Koji Shitara (Koji Yamauchi), Kuniko Miyake (Chizu Yamauchi), Yûko Mochizuki (Shige), Hisao Toake (Toichiro Amamiya) Lançamento 1º de outubro de 1952

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Comeรงo de primavera (c) 1956 Shochiku Co., Ltd.


Se O sabor do chá verde sobre o arroz não obteve sucesso, o mesmo não aconteceu com o seu filme seguinte. Era uma vez em Tóquio (Tokyo monogatari), foi o maior sucesso de sua carreira. E é reconhecido tanto no Japão quanto no resto do mundo como um dos melhores filmes de todos os tempos. Figura na maioria das listas com os melhores filmes já feitos, muitas vezes entre os 10 primeiros. Em qualquer lista que se faça sobre os melhores filmes, está sempre incluído entre os 100 melhores (e muitas vezes entre os 10 melhores) feitos no mundo. O gosto de Ozu por saquê era bem conhecido. Tanto ele quanto Kogo Noda costumavam dimensionar o trabalho que seus roteiros haviam dado não só em dias, mas também em quantidade de saquê que haviam tomado durante seu processo (neste filme, por exemplo, o roteiro foi escrito em 103 dias, com 43 garrafas de saquê consumidas).

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(c) 1953 Shochiku Co., Ltd.


ERA UMA VEZ EM TÓQUIO TOKYO MONOGATARI TOKYO STORY lançado em dvd com o título CONTOS DE TÓQUIO p&B, 135 min (c) 1953 Shochiku Co., Ltd.

Um casal de idosos vai a Tóquio visitar os rerem lhes dar atenção. Encontram, entrefilhos. Eles percebem que a relação entre tanto, compreensão e boa acolhida na eles mudou. A vida os tornou atarefados e casa da viúva de um dos filhos. sem tempo para os pais, apesar de que-

Comentário de Ozu Eu tentei representar o colapso do sistema familiar japonês através do crescimento das crianças. O elemento melodramático em Era uma vez em Tóquio é um dos mais fortes de todo o meu trabalho. Filmes com enredos óbvios me aborreciam. Naturalmente, um filme tem que ter algum tipo de estrutura, ou então não é um filme. Mas acho que um filme não é bom se tiver drama demais.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Itsuo Takashita Direção de arte Tatsuo Hamada Montagem Yoshiyasu Hamamura Assistente de direção Shohei Imamura Indumentária Taizo Saito Música Takanobu Saito Produção Takeshi Yamamoto Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Chishu Ryu (Shukichi Hirayama), Chieko Higashiyama (Tomi), Setsuko Hara (Noriko), Haruko Sugimura (Shige Kaneko), Nobuo Nakamura (Kurazo), So Yamamura (Koichi Hirayama), Kuniko Miyake (Fumiko), Kyoko Kagawa (Kyoko), Eijiro Tono (Sanpei Numata), Shiro Osaka (Keizo Hirayama), Zen Murase (Minoru) Lançamento 3 de novembro de 1953

1953

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(c) 1956 Shochiku Co., Ltd.


COMEÇO DE PRIMAVERA SÔSHUN EARLY SPRING p&b, 145 min (c) 1956 Shochiku Co., Ltd.

Shoji, um jovem assalariado, começa um cando que se separe de sua esposa, Maromance com uma datilógrafa de seu sako. Mas, nesta mesma época, Shoji é grupo de trabalho – o que acaba provo- transferido para uma filial em outro local.

Comentário de Ozu Já havia um tempo desde que eu lidara com assalariados, e eu queira poder representar seu estilo de vida. A emoção e inspirações que alguém sente como um recém-formado entrando na sociedade e gradualmente decaindo à medida que os anos vão passando. Mesmo para quem trabalha diligentemente por 30 anos, o que se acumula não é muito. Eu tentei retratar o páthos da vida de um assalariado em uma sociedade submetida à transformação. Eu tentei evitar tudo que fosse dramático, empilhando cenas onde nada acontecia, assim a plateia sentiria a tristeza dessa existência. Este filme, por ser um dos meus mais longos filmes do pós-guerra, tomou um grande tempo de filmagens. A equipe da Shochiku debochava dizendo que o filme deveria se chamar Próxima primavera, em vez de Começo de primavera...

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Yuharu Atsuta Montagem Yoshiyasu Hamamura Direção de arte Tatsuo Hamada Música Takanobu Saito Música não original Giuseppe Verdi, da ópera “La Traviata” Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Chikage Awashima (Masako Sugiyama), Ryo Ikebe (Shuji Sugiyama), Keiko Kishi (Chiyo Kaneko), Teiji Takahashi (Taizo Aoki), Chishu Ryu (Kiichi Onodera), Haruo Tanaka (Nomura), Seiji Miyaguchi (Seiichiro Tamura), Kumeko Urabe (Shige Kitagawa), So Yamamura (Yutaka Kawai), Haruko Sugimura (Tamako), Takako Fujino (Terumi Aoki) , Masami Taura (Koichi Kitagawa), Kuniko Miyake (Yukiko Kawai) Lançamento 29 de janeiro de 1956

1956 137


(c) 1957 Shochiku Co., Ltd.


CREPÚSCULO EM TÓQUIO TOKYO BOSHOKU TWILIGHT IN TOKYO p&b, 143 min (c) 1957 Shochiku Co., Ltd.

Takako volta para a casa de seu pai, Sugiyama, fugindo de seu marido abusivo. Sua irmã Akiko está grávida de uma gravidez indesejada e procura, em vão, pelo

namorado. Neste meio tempo, as irmãs descobrem que a mãe que julgavam morta, Kikuko, na verdade tinha abandonado o pai por outro homem.

Comentário de Ozu Ultimamente as críticas aos filmes com dramas domésticos têm sido bastante severas. Mas estes filmes são resultado de 30 anos. Não vão desaparecer de uma hora para outra. Acredito que a essência de um verdadeiro drama doméstico será encontrada neste filme. Embora dissessem que o filme era sobre as transgressões de uma jovem mulher, para mim, a ênfase era sobre a vida de Chishu Ryu – de como um homem abandonado pela mulher reajiria. O foco foi dirigido à geração mais velha. A geração mais nova serviu meramente para fazer paralelo. Entretanto, a maioria das pessoas somente teve olhos para o que era pretendido como acessório ao tema principal.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Katsuharu Koda Montagem Yoshiyasu Hamamura Direção de arte Tatsuo Hamada Música Takamaza Naito Produção Shizuo Yamaguchi Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Setsuko Hara (Takako Numata), Ineko Arima (Akiko Sugiyama), Chishu Ryu (Shukichi Sugiyama), Isuzu Yamada (Kisako Soma), Teiji Takahashi (Noburo Kawaguchi), Masami Taura (Kenji Kimura), Haruko Sugimura (Shigeko Takeuchi), So Yamamura (Seki Sekiguchi), Kinzo Shin (Yasuo Numata), Kamatari Fujiwara (Gihei Shimomura), Nobuo Nakamura (Sakae Aijima), Fujio Suga (Saburo Tomita), Isuzu Yamada (Kikuko Soma) Lançamento 30 de abril de 1957

1957

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(c) 1958 Shochiku Co., Ltd.


FLOR DO EQUINÓCIO HIGANBANA EQUINOX FLOWER cor, 121 min (c) 1958 Shochiku Co., Ltd.

No casamento da filha de um amigo, Wataru, o patriarca da família Hirayama, brinda à união do casal – constituído por livre arbítrio, contrariando os costumes

da época. No entanto, após saber que sua filha Mikami ficará noiva sem sua permissão, Wataru se recusa a comparecer à cerimônia.

Comentário de Ozu Este foi meu primeiro filme colorido. Eu tinha decidido fazer uma comédia vibrante. Inicialmente, eu não tinha nenhuma vontade de fazer um filme em cores [tanto que quando os filmes em cores começaram a ser feitos, Ozu havia dito: “Usar cor é legal de vez em quando, mas toda hora é como só comer tendon (prato típico japonês) – você acaba enjoando.”]. Mas a Shochiku me pediu para fazê-lo a pedido de Fujiko Yamamoto [que achava que sua “composição artística” ficava mais interessante em cores]. Eu acho que eu teria me arrependido posteriormente se não tivesse usado cor neste filme. [O primeiro filme japonês em cores é de 1951.]

Direção Yasujiro Ozu Argumento Ton Satomi Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Yuharu Atsuta Som Yoshisaburo Seno Montagem Yoshiyasu Hamamura Direção de arte Tatsuo Hamada Música Takanobu Saito Produção Shizuo Yamanouchi Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Shin Saburi (Wataru Hirayama), Kinuyo Tanaka (Kiyoko Hirayama), Ineko Arima (Setsuko Hirayama), Keiji Sada (Masakichi Taniguchi), Teiji Takahashi (Shotaro Kondo), Miyuki Kuwano (Hisako Hirayama), Chishu Ryu (Shukichi Mikami), Yoshiko Kuga (Fumiko), Fujiko Yamamoto (Sachiko Sasaki), Chieko Naniwa (Hatsu Sasaki), Fumio Watanabe (Ichiro Naganuma), Nobuo Nakamura (Toshihiko Kawai) Lançamento 7 de setembro de 1958

1958

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(c) 1959 Shochiku Co., Ltd.


BOM DIA OHAYÔ GOOD MORNING cor, 94 min (c) 1959 Shochiku Co., Ltd.

Depois que um jovem casal adquire uma televisão em uma pequena comunidade de Tóquio, as crianças do bairro passam a frequentar sua casa para assistir às lutas de sumô. Encantados com o aparelho, os

irmãos Isamu e Minoru exigem de seus pais uma televisão só para eles. Os pais recusam o pedido, e os dois em protesto fazem uma greve de silêncio, gerando um conflito familiar.

Comentário de Ozu Eu concebi esta história há séculos atrás. As pessoas adoram conversa fiada, mas quando precisam dizer algo importante em momentos críticos, ficam com a língua amarrada. Eu quis usar isto como tema para um filme; mas quando tudo estava encaminhado, as coisas não foram tão fáceis como me pareceram. Eu lancei a ideia na Associação dos Diretores, e todos acharam que era um tema interessante. Contudo, quando eu lhes ofereci para que a tornasse um filme, ninguém se candidatou. Assim, eu resolvi que eu mesmo o faria um dia. Apesar da história ter um viés um tanto amargo, ao ficar mais velho, fui considerado – pelas minhas bilheterias – para realizar esta comédia provocativamente aguda. Bem, para ser preciso, eu não estava tão preocupado com o desempenho de bilheteria, e sim com que o maior número de pessoas visse meu filme.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Akira Aomatsu Som Yoshisaburo Seno Montagem Yoshiyasu Hamamura Direção de arte Tatsuo Hamada Música Toshiro Mayuzumi Produção Shizuo Yamanouchi Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco, Keiji Sada (Heichiro Fukui), Yoshiko Kuga (Setsuko Arita), Chishu Ryu (Keitaro Hayashi), Kuniko Miyake (Tamiko), Haruko Sugimura (Kikue Haraguchi), Koji Shidara (Minoru), Masahiko Shimazu (Isamu), Hajime Shirata (Kozo), Keiji Sada (Heiichiro Fukui), Yoshiko Kuga (Setsuko Arita), Haruo Tanaka (Tatsuzo Haraguchi), Eiko Miyoshi (Mitsue), Toyo Takahashi (Shige Okubo), Masuo Fujiki (Zen) Lançamento 12 de maio de 1959

1959

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A esposa de uma noite (c) 1930 Shochiku Co., Ltd.


Ozu sempre declarava sua vontade de fazer uma refilmagem de Uma história de ervas flutuantes (Ukigusa monogatari, 1934). Esta oportunidade surgiu quando o Estúdio Daiei o convidou para fazer um filme, em 1959. Nesta época, o contrato de Ozu com a Shochiku previa que este realizasse um filme por ano, porque o ritmo de Ozu tinha diminuído bastante e, normalmente, não sobraria tempo para fazer nenhum outro trabalho. Naquele ano, entretanto, ele havia concluído Bom dia (Ohayô, 1959) em maio, o que o deixou com o resto do ano livre. E sobre esta refilmagem, com o título de Ervas flutuantes (Ukigusa), Ozu conta: “Há muitos anos atrás eu fiz uma versão silenciosa deste filme. Agora eu queria que fosse na nevada Hokuriku [a versão anterior tinha sido no centro do Japão, Kamisuwa]. Então, escrevi um novo roteiro com Kogo Noda... mas naquele ano quase não teve neve, então não pude usar as locações que tinha em mente...”

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(c) 1959 Kadokawa Pictures, Inc.


ERVAS FLUTUANTES

(c) 1959 Kadokawa Pictures, Inc.

UKIGUSA FLOATING WEEDS cor, 119 min

Companhia de atores de teatro kabuki aporta numa pequena ilha de pescadores. O ator Komajuro, fundador da companhia, passa a frequentar todos os dias a casa

de uma antiga amante, Oyoshi, dona de um bar de saquê – e com quem tem um filho, que pensa que seu pai está morto e que Komajuro é seu tio.

Comentário de Ozu É um tema melancólico, com a sensibilidade de uma era passada. Apesar das locações serem no presente, evoca a pureza e o espírito da Era Meiji [período do reinado do Imperador Meiji – de 8 de setembro de 1868 a 30 de julho de 1912]. Alguns propuseram que as locações tivessem apostado simplesmente na Era Meiji, mas eu não achei necessário. Adaptar para um determinado período demandaria uma exaustiva pesquisa histórica. Em vez disso, este filme se transformou em uma experiência em como dar vida a uma história antiga transposta aos tempos atuais. O cinegrafista Kazuo Miyagawa sofreu bastante até conseguir atingir este objetivo. Eu finalmente começava a me ajustar aos filmes em cores. Cores diferentes requerem graus diferentes de iluminação: as cores não visíveis ao olho parecem diferentes depois que o filme é projetado em película... somente nesta hora era que eu passava aperto.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Tadao Ikeda (do roteiro de Uma história de ervas flutuantes / Ukigusa monogatari, 1934) Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Kazuo Miyagawa Iluminação Sachio Ito Som Takeo Suda Montagem Toyo Suzuki Direção de arte Tomoo Shimogawara Coreografia Sueyuki Hanayagi Música Takanobu Saito Produção Masaichi Nagata Companhia produtora Daiei – Tóquio Elenco, Ganjiro Nakamura (Komajuro Arashi), Machiko Kyo (Sumiko), Ayako Wakao (Kayo), Hiroshi Kawaguchi (Kiyoshi Honma), Haruko Sugimura (Oyoshi), Hitomi Nozoe (Aiko), Chishu Ryu (dono do teatro), Koji Mitsui (Kichinosuke), Haruo Tanaka (Yatazo), Lançamento 17 de novembro de 1959

1959

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(c) 1960 Shochiku Co., Ltd.


DIAS DE OUTONO AKIBIYORI LATE AUTUMN cor, 128 min (c) 1960 Shochiku Co., Ltd.

Depois da cerimônia fúnebre em homenagem ao marido, Akiko e sua filha Ayako conversam sobre o falecido com os amigos Taguchi, Hirayama e Mamiya. Os três especulam sobre o futuro da moça e sugerem que ela se case. Ayako recusa a

ideia alegando não querer deixar a mãe sozinha. Com o tempo, os três amigos convencem Akiko a se casar novamente, permitindo, assim, que Ayako se sinta livre para fazer o mesmo. Mas o plano não sai conforme o esperado.

Comentário de Ozu As pessoas adoram complicar as coisas simples. As coisas até podem parecer complicadas, mas quem sabe a essência da vida não pode ser inesperadamente simples? Era isto que eu queria expressar. É fácil criar drama com emoções; chorar e rir denotando tristeza ou alegria para o público. Entretando, esta é exatamente a explicação. Mesmo quando os sentimentos são demonstrados, não significa que a personalidade ou estilo do personagem foram representados apropriadamente. Por muito tempo, eu quis eliminar os elementos dramáticos, expressando tristeza sem lágrimas, capturando o sentido da vida sem nenhuma emoção intensa. Desde Os irmãos da família Toda [Toda-ke no kyôdai, 1941], eu me empenho para conseguir este efeito, mas esta abordagem não é fácil de ser dominada. Em Dias de outono foi aceitável, mas ainda não alcançou o efeito que eu desejava.

Direção Yasujiro Ozu Argumento Ton Satomi Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Kenzô Ishiwata Departamento de som Ei Kaneko, Yoshisaburo Seno Montagem Yoshiyasu Hamamura Direção de arte Tatsuo Hamada Indumentária Toshikazu Sugiyama Música Takanobu Saito Produção Shizuo Yamanouchi Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Setsuko Hara (Akiko Miwa), Yoko Tsukasa (Ayako), Mariko Okada (Yuriko Sasaki), Keiji Sada (Shotaro Goto), Shin Saburi (Soichi Mamiya), Sadako Sawamura (Fumiko), Miyuki Kuwano (Michiko), Masahiko Shimazu (Tadao), Chishu Ryu (Shukichi Miwa), Ryuji Kita (Seiichiro Hirayama), Shinichiro Mikami (Koichi) Lançamento 13 de novembro de 1960

1960

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foto cedida pela Fundação Japão


FIM DE VERÃO KOHAYAGAWA-KE NO AKI THE END OF SUMMER cor, 103 min foto cedida pela Fundação Japão

A família Kohayagawa é proprietária de uma pequena fábrica de saquê. A crise do Japão do período pós-guerra obriga o patriarca Manbei a incorporar sua fábrica a uma grande empresa. Enquanto

isso, a filha mais nova, Noriko, está à espera de um casamento arranjado, além de ajudar sua cunhada viúva a encontrar um novo marido.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Asakazu Nakai Departamento de som Koichi Nakagawa, Hisashi Shimonaga Montagem Koichi Iwashita Assistente de direção Shigekichi Takemae Direção de arte Tomoo Shimogawara Música Toshiro Mayuzumi Produção Sanezumi Fujimoto, Tadahiro Teramoto, Masakatsu Kaneko

Comentário de Kogo Noda Fim de verão foi produzido pela Toho e sua afiliada, a Takarazuka, com fotografia de Asakazu Nakai. Toda a equipe de funcionários era da Toho. Embora Ozu não tivesse levado nenhum funcionário da Shochiku, foi uma experiência agradável porque todos se esforçaram muito. A inspiração da história veio da experiência pessoal de uma mulher que tinha ido a passeio para Tateshina. Um dia, seu pai desmaiou de repente por causa de um enfarte. Todas as crianças correram para casa assustadas, mas ele acordou na manhã seguinte bemdisposto, como se nada tivesse acontecido.

Companhias produtoras Toho / Takarazuka Elenco, Setsuko Hara (Akiko), Ganjiro Nakamura (Manbei Kohayakawa), Yoko Tsukasa (Noriko), Michiyo Aratama (Fumiko), Keiju Kobayashi (Hisao), Yoko Tsukasa (Noriko), Masahiko Shimazu (Masao), Hisaya Morishige (Eiichiro Isomura), Chieko Naniwa (Tsune Sasaki), Reiko Dan (Yuriko), Akira Takarada (Chu Teramoto), Haruko Sugimura (Shige Kato), Daisuke Kato (Yanosuke Kitagawa), Kakyu Sazan (chefe de escritório), Chishu Ryu (fazendeiro)

1961

Lançamento 29 de outubro de 1961

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(c) 1962 Shochiku Co., Ltd.


A ROTINA TEM SEU ENCANTO SANMA NO AJI AN AUTUMN AFTERNOON cor, 112 min (c) 1962 Shochiku Co., Ltd.

O viúvo Shuhei Hirayama leva uma vida tranquila graças aos cuidados que sua filha Michiko lhe dispensa. Durante uma reunião com seus antigos colegas, fica alarmado com a situação da filha de um

deles – ela, por ter dedicado sua vida a tomar conta do pai, agora já teria passado da idade de se casar. Pensando que este é o destino previsível para Michiko, resolve arrumar um marido para ela.

Comentário de Ozu Durante o desenvolvimento do roteiro, a mãe de Ozu morre aos 86 anos [em fevereiro de 1962]. Após o funeral, Ozu escreveu em um de seus diários [foram encontrados 32 diários após a sua morte – indo de 1933 a 1963, com lacunas de alguns anos]: Pelo vale já é primavera Nuvens de cerejeiras em flor; Mas aqui, o olhar preguiçoso, o gosto de cavala* – Todo este florido é melancólico E o sabor do saquê se torna amargo. *Em japonês, “o gosto de cavala” (um tipo de peixe comestível) é sanma no aji, que é o título original de A rotina tem seu encanto.

Direção Yasujiro Ozu Roteiro Yasujiro Ozu, Kogo Noda Fotografia Yuharu Atsuta Iluminação Kenzô Ishiwata Departamento de som Yoshiomi Hori, Ichiro Ishii, Yoshisaburo Seno Montagem Yoshiyasu Humamura Direção de arte Tatsuo Hamada, Shigeo Ogiwara Indumentária Yuji Nagashima Música Takanobu Saito Produção Shizuo Yamanouchi Companhia produtora Shochiku – Estúdio Ofuna Elenco Chishu Ryu (Shuhei Hirayama), Shima Iwashita (Michiko Hirayama), Keiji Sada (Koichi), Mariko Okada (Akiko), Shinichiro Mikami (Kazuo), Teruo Yoshida (Yutaka Miura), Noriko Maki (Fusako Taguchi), Nobuo Nakamura (Hidezo Kawai), Kuniko Miyake (Nobuko), Lançamento 18 de novembro de 1962

1962

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Uma galinha no vento (c) 1948 Shochiku Co., Ltd.


Ozu nunca se casou e nem teve filhos. Sempre morou com a mãe. Sua vida sempre foi cercada por discrição. No início de 1963, esboça o projeto do seu filme seguinte, e que se chamaria Daikon to ningin (nabos e cenouras). Tadao Ikeda seria chamado para desenvolver o roteiro com Kogo Noda. Mas Ozu só escreve umas poucas notas pois, pouco depois, descobre que está com câncer. A penosa batalha contra sua doença se encerra no final do mesmo ano. A Shiro Kino, Presidente da Shochiku e fã de filmes do gênero gendai-geki (dramas domésticos), diz já em seus últimos dias de vida: “Bem, senhor Presidente, afinal um gendai-geki”. Ozu morre em 12 de dezembro – no dia de seu kanreki, que é quando se completa 60 anos. Keiji Sada, amigo e um de seus atores habituais, não chega a tempo de vesti-lo com um chan-chanko – traje tradicional bem colorido usado no kanreki. Conforme seu desejo, suas cinzas foram dispostas no Templo de Engakuji, em Kita-Kamakura, e na lápide está apenas escrito “mu” – o vazio.

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Referências bibliográficas BORDWELL, David. Ozu and the Poetics of Cinema. London: BFI Pub.; Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1988. NAGIB, Lúcia; PARENTE, André (orgs). Ozu. O extraordinário cineasta do cotidiano. São Paulo: Marco Zero, 1990. RICHIE, Donald. Ozu: his life and films. Califórnia: University of California Press, 1977. YOSHIDA, Kiju. O anticinema de Yasujiro Ozu. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

Outras referências http://www.a2pcinema.com/ozu-san/home.htm http://archive.sensesofcinema.com/contents/directors/03/ozu.html http://www.imdb.com/

Fichas técnicas fornecidas pela Shochiku dos filmes: Dias de juventude, Fui reprovado, mas..., Eu nasci, mas..., Coral de Tóquio, Capricho passageiro, Kagamijishi, Uma história de ervas flutuantes, Uma galinha no vento, Filho único, Relato de um proprietário, As irmãs Munekata, Pai e filha, Também fomos felizes, O sabor do chá verde sobre o arroz, Era uma vez em Tóquio, Começo de primavera, Crepúsculo em Tóquio, Flor do equinócio, Bom dia, Ervas flutuantes, Dias de outono, Fim de verão, A rotina tem seu encanto,

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Comeรงo de primavera (c) 1956 Shochiku Co., Ltd.


TOKYO-GA Alemanha / Estados Unidos Documentário, cor, 89 min

Copyright: Reverse Angle

1985

Wim Wenders viaja ao Japão em busca da Tóquio revelada nos filmes de Yasujiro Ozu. Além da homenagem a seu filme Era uma vez em Tóquio (Tokyo monogatari, 1953), o filme traz entrevistas com o ator Chishu Ryu e com o cinegrafista Yuharu Atsuta, dois de seus colaboradores frequentes.

HANAMI – CEREJEIRAS EM FLOR HANAMI – KIRSCHBLÜTEN HANAMI – CHERRY BLOSSOMS França / Alemanha Ficção, cor, 127 min

2008 158

Trudi é informada que seu marido Rudi tem uma doença terminal, e sugere que visitem seus filhos em Berlim – mas sem contar a verdade sobre seu estado de saúde a ninguém. Ao chegar, seus filhos, em meio aos seus afazeres, os tratam com indiferença. Quando seguem sua viagem, o inesperado acontece e Trudi morre. Rudi só então descobre que o grande sonho de Trudi sempre foi ir ao Japão, e decide então fazer a viagem em homenagem à esposa.

Direção e roteiro Wim Wenders Produção Chris Sievernich, Wim Wenders Fotografia Edward Lachman Departamento de som Hartmut Eichgrün Edição Solveig Dommartin, Jon Neuburger, Wim Wenders Assistentes de produção Lilyan Sievernich , Ulla Zwicker Música Laurent Petitgand Com Chishu Ryu, Yuharu Atsuta, Werner Herzog, Chris Marker

Direção e roteiro Doris Dörrie Produção executiva David Groenewold Produção Harald Kügler , Molly von Fürstenberg Fotografia Hanno Lentz Departamento de som Christof Ebhardt, Magda Habernickel, Marc Parisotto Edição Frank C. Müller, Inez Regnier Departamento de arte Stefan Balzer Música Claus Bantzer Gerente no Japão Nobu Imai Elenco Elmar Wepper, Hannelore Elsner, Aya Irizuki, Nadja Uhl, Maximilian Brückner, Birgit Minichmayr, Felix Eitner, Floriane Daniel, Celine Tannenberger, Robert Döhlert, Tadashi Endo


Direção Claire Denis Roteiro Claire Denis, Jean-Pol Fargeau Produção Karl Baumgartner, Bruno Pésery Coprodução Christoph Friedel, Claudia Steffen Fotografia Agnès Godard Departamento de som Martin Boissau, Toni di Rocco, Josefina Rodríguez Edição Guy Lecorne Direção de arte Arnaud de Moleron Música Tindersticks Gerente no Japão Nobu Imai Elenco Alex Descas, Grégoire Colin, Jean-Christophe Folly, Mati Diop, Nicole Dogue Direção, roteiro, fotografia, som e edição Abbas Kiarostami Produção Marin Karmitz, Ali Reza Shoja-Nuri, Makoto Ueda

35 DOSES DE RUM 35 RHUMS 35 SHOTS OF RUM França / Alemanha Ficção, cor, 100 min

Lionel é um viúvo, condutor de trens, que vive em um complexo habitacional com sua filha, Josephine. No mesmo apartamento moram uma taxista, que faz de tudo para atrair a atenção de Lionel, e Noé, um jovem solitário apaixonado por Josephine.

2008

CINCO DEDICADOS A OZU FIVE DEDICATED TO OZU França / Irã / Japão Documentário, cor, 74 min

O aclamado diretor Abbas Kiarostami homenageia Yasujiro Ozu através de cinco sequências de imagens de uma praia do Mar Cáspio que se aproximam de pinturas distintas umas das outras.

2003 159


CORAL DE TÓQUIO SESSÃO ESPECIAL COM BENSHI

A palavra benshi deriva de ben (narração) e shi (mestre, samurai). Benshi, em japonês, é a denominação para os de filmes mudos. Os Benshis também eram conhecidos como katsuben - abreviação de katsudoo shashin benshi (narradores de imagens em ação). Durante as duas primeiras décadas após a introdução da arte cinematográfica no Japão (no final dos anos 1890), filmes ainda eram considerados uma curiosidade, “coisa de ocidental”. A figura do Benshi era fundamental, não só o filme apenas se iniciava após uma palestra sua – que introduzia a nova invenção e uma explicação sobre a história que seria projetada – como depois fazia a narração do filme (e a “tradução” quando o filme era estrangeiro). A princípio, se o público necessitava de um narrador para explicar as imagens que via, a evolução do cinema à uma arte mais habitual tornara o narrador irrelevante, pois, afinal, tanto a música quanto os intertítulos cumpriam esta função. E ainda mais com o fim da era dos filmes mudos, no final dos anos 1920. Mas não foi isto que ocorreu no Japão. Esta era durou até 1937, tendo tido a adoção da tecnologia dos filmes sonoros retardada, em grande parte, pela popularidade e pela influência do Benshi – além, também, de dificuldades técnicas que envolviam ter suas salas compatibilizadas com os emergentes equipamentos sonoros. Fora do Japão o espanto nem era tanto pela manutenção do Benshi, e sim porque frequentemente estes narradores tinham liberdade de acrescentar sua própria interpretação ao que se passava na tela. O

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Benshi era utilizado, também, a complementar o filme – pois como estavam acostumados ao improviso, davam sua própria explicação para cenas não filmadas, seu entedimento sobre filme. Não necessariamente a versão pretendida pelo diretor. Talvez porque as películas japonesas fossem frequentemente adaptações de peças Kabuki para às telas, o estilo do Benshi foi fortementeinfluenciado pelos narradores em peças Kabuki ou Nô, que executavam vários papéis – sendo que muitas vezes em um estilo bastante dramático, exagerado. Também devido a estas influências, o público já estava acostumado a não se distrair por ter um Benshi que exprimisse papéis masculinos e femininos, independente de seu sexo. Assim como nas películas silenciosas ocidentais, as japonesas eram acompanhados frequentemente por música ao vivo (além de contarem com a presença do Benshi, claro) – entretanto, ao contrário das películas ocidentais, que tenderam a ter um órgão como o acompanhamento, as japonesas contavam com um grupo que se utilizava de instrumentos japoneses tradicionais (como nas peças Kabuki). Por não contar com um sistema de amplificação de sua voz, o Benshi tinha que estar perfeitamente coordenado com a música para que pudesse ser ouvido. Naquele tempo os teatros comportavam mil espectadores, logo, a habilidade de um benshi era medida, também, pela capacidade de projetar sua voz em espaços vastos. Os japoneses consideravam essencial que houvesse uma participação ao vivo para que a atividade fosse legitimada como artística.


Portanto, o Benshi era mais reverenciado do que as próprias estrelas do filme, ainda mais por cinema não ser a atividade que se considerava como superior a de se ver uma apresentação Kabuki, ou mesmo, sair para beber. Ver apenas um filme nada representava, ver o Benshi, sim, era a verdadeira atração, a atração principal. Aliás, os posteres promotionais incluíam frequentemente a foto do benshi anunciando o filme. Atraíam mais espectadores do que os próprios atores.

Embora esta tradição não esteja mais tão presente, há ainda sessões com Benshi em apresentação no Japão. Serão oferecidas sessões especiais do filme Coral de Tóquio (Tokyo no gassho, 1931) com Benshi, apresentadas pela coreógrafa e diretora de dança Ângela Nagai, acompanhada por Felipe Fiani Veiga (percussão) e Tamie Kitahara (shamisen).


Coração caprichoso (c) 1933 Shochiku Co., Ltd.


A deliquente (c) 1933 Shochiku Co., Ltd.


Mulher de Tรณquio (c) 1933 Shochiku Co., Ltd.


Mulher de Tรณquio (c) 1933 Shochiku Co., Ltd.


Mulher de Tรณquio (c) 1933 Shochiku Co., Ltd.


O que foi que a senhora esqueceu? (c) 1937 Shochiku Co., Ltd.


Uma história de ervas flutuantes (c) 1934 Shochiku Co., Ltd.


Ervas Flutuantes (c) 1959 Kadokawa Pictures, Inc.


As irmãs Munekata foto cedida pela Fundação Japão


Crepúsculo em Tókio (c) 1957 Shochiku Co., Ltd.


Eu nasci, mas... (c) 1932 Shochiku Co., Ltd.



Fim de verão foto cedida pela Fundação Japão



O que foi que a senhora esqueceu? (c) 1937 Shochiku Co., Ltd.



Patrocínio e Realização Centro Cultural Banco do Brasil Copatrocínio Fundação Japão Promoção Revista Piauí Apoio institucional Consulado Geral do Japão Empresa produtora Zipper Produções PRODUÇÃO Coordenação de projeto Arndt Roskens, Cristiano Terto Idealização / curadoria Arndt Roskens, Tatiana Leite Produção executiva Alessandra Castañeda Coordenação de produção Fábio Savino Produção local Rio de Janeiro Fábio Savino Produção local São Paulo Renata Peña Assistente de curadoria Tiago Lyra Assistente de produção João Levy Legendagem eletrônica Casarini Produções Despachante KM Comex & Transportes DIVULGAÇÃO Design, coordenação gráfica Cristiano Terto Edição e revisão das peças gráficas Rachel Ades Criação de texto Rachel Ades Sinopses Rachel Ades, Tiago Lyra Assistente de design Licínio Souza Web design Cristiano Terto, Daniel Real, Ricardo Prema Programação website Daniel Real, Ricardo Prema Assistente administrativo Daniel Araújo Assessoria de imprensa Rio de Janeiro Claudia Oliveira Assessoria de imprensa São Paulo Cinnamon Comunicação, Mona Camargo Impressão das peças gráficas Gráfica Editora Stamppa EVENTOS Narração Benshi Ângela Mayumi Nagai Percussão Felipe Fiani Veiga Shamisen Tamie Kitahara COPYRIGHTS DAS FOTOS DA CAPA Capa (c) 1953 Shochiku Co., Ltd. Orelha (c) 1959 Kadokawa Pictures, Inc. Contracapa (c) Shochiku Co., Ltd.


AGRADECIMENTOS

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

Adriana Oliveira Andre Vianna Ângela Mayumi Nagai Ângelo Defanti Carlos Alberto Calil Carlos Alberto de Pinho Carvalho Jr. Cristina Zuardi Diana Leste Elisete Cristina Franzoni Felipe Fiani Veiga Flavio Delgado Fundação Editora Unesp Ines Aisengart Menezes Isabel Paranhos Jézio Hernani Bomfim Gutierre Julie Susset Kawakita Memorial Film Institute Kyoko Hirano Lalaïna Brun Marcio Lima Marco Barbosa Marialva Monteiro Olivier Masseglia Pedro Maranhão Raphael Jessouroun Shochiku International Tamie Kitahara Wilson Savino Yukiko Wachi

Goethe Institut: Alfons Hug, Sandra Lyra, José Zanetin Agradecimento especial ao prof. João Luiz Vieira por toda ajuda e dedicação Agradecimento muito especial à Fundação Japão São Paulo: Naoaki Uchiyama, Shingo Kajiwara, Jo Takahashi, Sergio Minehiro Kitayama A Fundação Japão São Paulo dedica esta mostra à memória de Bernardo Vorobow, falecido em 2009. Como integrante da Cinemateca Brasileira, apoiou a realização da primeira retrospectiva de Ozu, exatamente há 20 anos, e foi um dos grandes incentivadores da difusão do cinema japonês no Brasil. Sua atuação como pesquisador, autor e produtor também merece registro. Vorobow nos deixa como legado a dignidade da militância cultural, potencializada em seu grau de excelência.



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