FREDERICK WISEMAN: O DOCUMENTÁRIO ALÉM DA OBSERVAÇÃO

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Na Alemanha com Wiseman

Por Marcos Pimentel

Vivi na Alemanha no ano de 2005. Foram tempos difíceis e de muita introspecção. Talvez tenha sido o período da minha vida em que experimentei o silêncio de forma mais profunda. Por fora e por dentro. Vinha de uma longa temporada em Cuba, onde senti a intensidade do calor tropical na pele e no trato com as pessoas. Lembranças quentes, alegres e coloridas. De repente, cruzei o Atlântico e caí em um país cinza, de gente opaca e gestos sóbrios. Baixa temperatura, baixa interação com as pessoas, pouca variação na paleta de cores. Como interagia pouco, observava muito. Procurava entender uma lógica que não me era familiar. Tentava me comportar como um observador neutro navegando lentamente por aquela realidade. Depois da forte neve de fevereiro, as aulas foram retomadas. Um ciclo sobre o cinema de Frederick Wiseman estava entre as atividades programadas. Tive meu primeiro contato com a obra dele no fim dos anos 90 e me lembrava (como me lembro até hoje) do impacto que Titicut follies (EUA, 1967) e Hospital (EUA, 1969) me causaram naquela ocasião. Em 2005, eu passava por uma temporada de imersão estudando cinema documentário e teria a oportunidade de rever filmes que ainda reverberavam em mim e também de descobrir Lei e ordem (EUA, 1969), Juizado de Menores (EUA, 1973) e Carne (EUA, 1976). As projeções eram semanais e havia sempre poucas pessoas na sala de exibição. Éramos uns quatro ou cinco, nada mais que isso. Quando assisti à Titicut follies pela primeira vez, fiquei semanas trocando impressões com amigos e pessoas próximas. Ali, no fim do inverno alemão, nenhuma palavra foi trocada pelas cinco almas assoladas por algumas das mais impactantes imagens da história do cinema documentário. Desconfio que a culpa não era da rudeza do idioma alemão. Talvez fosse novamente a tal da falta de interação, aquela distância confortável que acaba evitando maiores intimidades.

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