País Verde - Abril 2007

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Sexta-feira: 13 de Abril de 2007

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O País

O PAÍS VERDE Propriedade da JA! Justica Ambiental no , Tel: 21496668 E-mail: ja@uninet.co.mz, anabela@aism-moz.com Director: Anabela Lemos * Editor: Marcelo Mosse * Periodicidade: Mensal * 10 de Abril de 2007 * Edição nº: 0

A folha de papel branca...

Nota Editorial HCB: Porquê Está Muda? A JA!, Justiça Ambiental, é uma organização não-governamental moçambicana da área do meio ambiente, fundada em 2003. Nestes poucos anos de existência, temos vindo a fazer advocacia e monitoria em várias vertentes ambientais, uma das quais é a área de Água, Rios e Barragens. Pensamos que uma gestão mais transparente e equitativa dos nossos rios pode trazer-nos benefícios a longo prazo. Por isso, desde 2005 que temos vindo a solicitar junto à Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), na pessoa do Eng. Henrique Silva, esclarecimentos sobre o processo de gestão da hidroeléctrica. As questões que nos inquientam são cada vez mais prementes uma vez que se levantam suspeitas sobre se essa gestão tem sido feita de forma rigorosa, criteriosa, não dando azo a desastres naturais. Concretamente, ao nível de especialistas do sector, há quem hoje relaciona a ocorrência de cheias no Zambeze com uma alegada má gestão da hidroeléctrica. Se for esse o caso, estamos na presença de uma submissão clara de interesses economicistas de curto prazo sobre os interesses do desenvolvimento sustentável, de longo prazo. E, também, estamos perante uma situação em que uma hidroeléctrica desta pujança acaba prejudicando o conjunto das populações pobres que vivem ao longo do Zambeze. Por isso, usamos esta primeira edição do “País Verde” para voltar a colocar, agora publicamente, as questões que temos vindo colocando deste 2005. Ei-las: • • • • • • • •

Em que período e sob que condições são feitas as descargas de água? Qual é o nível máximo de água que a barragem suporta? Quem pode solicitar que seja feita descargas de água? E de quem é a decisão final? A decisão é anunciada a que órgãos? As comunidades à jusante da barragem são informadas? Com quanto tempo de antecedência? Existe comunicação com as comunidades à jusante? Que meios utilizam? Existe comunicação com os gestores da barragem de Kariba? Existe algum relatório ou registo de actividade sismíca na região da albufeira?

Estas questões não têm sido respondidas. Nós cremos que a lei em vigor em Moçambique obriga a HCB a fornecer estas e outras informações sobre a gestão da hidroelétrica. Aqui no “País Verde” vamos continuar a pressionar para que a informação nos seja disponibilizada, a bem de todos. No actual contexto democrático em que vivemos, o fluxo de informação é um requisito básico para uma coexistência saudável entre os interesses das empresas e os interesses da sociedade em geral. Numa era em que preceitos de corporate governance e responsabilidade social são reafirmados aos vários níveis, não se compreende as razões do silêncio da HCB. Por que será? Justiça Ambiental

Por Janice Lemos A folha de papel branca olha para mim... eu olho para ela e ao mesmo tempo para o infinito...o que vou escrever agora? Pediram-me para escrever...mas inspiração não há muita...nem temas...nem vontade...fiquei alguns minutos assim nesta letargia sem fim...olhei para o mar...as árvores...os pássaros e o céu...a Natureza se estendia à minha volta na sua pureza e beleza....mas as palavras essas não saíam...e a folha ali a olhar para mim... inerte, apática e branca....o produto final do que foi uma árvore um dia! Problemas ambientais?Há aí aos montes a começar por esta folha branca a olhar para mim...é só pegar num deles e desenvolver... mas o que fazer com esta apatia que me consome? De repente pensei numa frase que ouvi durante as notícias na televisão sobre a vila de Vilanculos após a passagem do ciclone Fávio por ali....que terminavam mais ou menos assim: “temos que estudar para vencer a Natureza” ...fiquei estupefacta com o sentido da frase...por muitos estudos que o ser humano tenha nunca poderá vencer a natureza; é uma utopia pensar sequer nisso...a Natureza já deu imensas provas do seu poder pelo Mundo fora e ao longo de séculos e séculos...maremotos, ciclones, terramotos, vulcões, tufões, furacões e cheias...o que temos sim de fazer, e isso com muito urgência, é tentar proteger o meio ambiente aonde vivemos, pelo futuro de todo o SER VIVO, pelo futuro da sobrevivência

do planeta TERRA. Senão o futuro será sem futuro nenhum! A maioria das pessoas pensam e acham que os ambientalistas são todos uma “cambada de radicais alarmistas e histéricos” que só berram e são contra qualquer tipo de desenvolvimento na Terra. É mentira. Como na política, onde existem os maus e os bons políticos (será que existem mesmo os bons?), também existem no mundo ambientalistas radicais...isso não ponho em causa.... Gostaria, no entanto, de chamar a atenção para uma coisa muito simples: na situação em que o nosso Planeta está, moribundo, qualquer “cidadão do Mundo” com um pouco de consciência deveria ser “UM AMBIENTALISTA” e lutar por um Planeta mais verde e menos cinzento...pois se não for assim vamos todos caminhar para uma tragédia mundial e aí então o Planeta não sobrevivência nem tão pouco qualquer ser vivo que nele habita. Ser ambientalista hoje em dia não é uma mania não...é um dever de todos nós seres humanos....um dever cívico para o futuro da sobrevivência do nosso planeta! Não vamos entrar em utopias e pensar que vamos conseguir vencer a natureza....vamos tentar simplesmente viver em harmonia com ela! Pensem bem nisso! Saudações ambientalistas Janice Lemos Março 2007

A Publicação do País Verde, foi possível graças ao apoio da Cooperação Francesa.

AMBASSADE FRANCE AU MOZAMBIQUE ET AU SWAZILAND

O Conteúdo nele expresso não reflectem necessariamente os pontos de vista da Embaixada da França, e são da responsabilidade exclusiva da Justiça Ambiental


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Sexta-feira: 13 de Abril de 2007

Alterações Climáticas:

O vazio nos planos e políticas governamentais Por Carlos Serra

No dia 19 de Março de 2007, sobrevoei o município de Vilanculo e fiquei impressionado com os enormes e avultados estragos causados pelo furacão Fávio, um mês antes (22 de Fevereiro). Residências, serviços públicos, empresas públicas e privadas, complexos turísticos e uma série de infra-estruturas não resistiram à intensidade da mais violenta tempestade que assolou o sul do continente africano, segundo fontes meteorológicas. Poucos dias antes, vimos acontecer um pouco mais a Norte, em pleno Vale do Zambeze, as terceiras grandes cheias da presente década, que deixaram largas dezenas de milhar de moçambicanos desalojados, tendo algumas quatro dezenas de pessoas perdido a vida. Mas as coisas não ficaram por aqui, pois, no dia 20 de Março, Maputo despontou com um fenómeno anormal: as águas do mar invadiram os bairros da Costa do Sol, Pescadores e Luís Cabral, deixando estupefactas inúmeras famílias. O mesmo aconteceu noutros pontos do litoral moçambicano. Há registo de que diversos países foram igualmente afectados. Da leitura que fiz às declarações dos governantes sobre estes fenómenos, não foi feita qualquer associação entre os três incidentes, bem como se descuraram totalmente quaisquer esforços para identificação das eventuais causas. Sabemos que o nosso país sempre sofreu catástrofes naturais. Porém, o mesmo já não se pode dizer em relação à frequência e à intensidade das mesmas. E é neste ponto que reside a preocupação. Há ainda um completo vazio no discurso político quanto ao enquadramento destes fenómenos no conjunto de consequências provocadas ou intensificadas pelas alterações climáticas em curso no Mundo e já cientificamente comprovadas pelo próprio Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, sob a égide das Nações Unidas. Muito recentemente, Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos da América e ambientalista convicto, publicou o seu mais recente livro, do qual foi realizado um documentário, ambos denominados de Verdade Inconveniente. Quer um quer o outro têm vindo a provocar uma onda de consternação em todo o mundo e a constatação de que o Homem tem que obrigatoriamente despertar para a necessidade de uma mudança radical de comportamento, sob risco de perdermos irreversivelmente o Planeta.

A temperatura da Terra está a aumentar de uma forma assustadora devido à emissão de gases tóxicos para a atmosfera; o degelo é já uma realidade comprovada nos pólos Norte e Sul, bem como nos picos gelados um pouco por todos os continentes; a subida das águas do mar já começou a provocar estragos em alguns países (vejase o plano de transferência de populações do pequeno Estado ilhéu de Tuvalu); a população mundial não pára de crescer a um ritmo insustentável; os recursos naturais têm vindo a ser explorados até à exaustão, com particular destaque para a água e as florestas; está em curso a sexta maior extinção de espécies jamais realizada e a primeira devido à acção humana, e muito mais. Nas páginas 114 e 115 do livro de Al Gore figura um mapa-mundo contendo a localização geográfica das principais alterações climáticas. Procurei Moçambique e constatei que todo o Norte se encontra numa região em que se prevê chover cada vez mais, ao contrário do Sul, no qual se verificará uma tendência para a redução da precipitação e consequente desertificação. Curioso, se constatarmos aquilo que aconteceu em Moçambique na presente estação húmida (2006/2007), somos forçados a confirmar a exactidão daquela previsão. Contudo, continua-se a perspectivar todos estes fenómenos de uma forma totalmente desfasada da problemática das alterações climáticas, não se fazendo qualquer referência quanto à necessidade de nos preparamos para as consequências cada vez mais devastadoras do aquecimento global. Veja-se que tais incidentes são inclusivamente denominados na linguagem política e institucional como “calamidades naturais”, como se da Natureza unicamente decorressem. No entanto, Moçambique é signatário de alguns dos mais importantes instrumentos internacionais com relevância para o problema, nomeadamente: a Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação nos Países Afectados pela Seca e/ou Desertificação, ratificada através da

Resolução n.º 20/96, de 26 de Novembro; a Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, ratificada por intermédio da Resolução n.º 1/94, de 24 de Agosto; e o seu Protocolo de Kyoto das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, ratificado através da Resolução n.º 10/2004, de 28 de Julho. Não há qualquer registo que nos certifique que Moçambique está a realizar esforços no sentido da aplicação destes instrumentos em termos de preparação em relação aos inúmeros impactos das alterações climáticas. Por exemplo, sabemos que o nível das águas do mar poderá subir até 1 metro no decurso do século XXI, no pior dos cenários, no entanto ainda não percebemos que temos de travar a enorme pressão que exercemos sobre o litoral, ao permitir a implantação de construções em plenas dunas e mangais enquanto barreiras naturais contra o avanço das águas do mar. Por outro lado, ainda não se avançou para a construção de inúmeros cenários sobre as consequências do avanços das águas do mar em Moçambique como forma de prevenir eventuais desastres, bem como de contribuir para um correcto e mais sustentável ordenamento do território. O mesmo se diga em relação à contribuição do país na luta contra o aquecimento global. Dou um pequeno exemplo: sabendo que a destruição da cobertura vegetal é uma das causas do aquecimento global, devido à consequente emissão de dióxido de carbono para a atmosfera que se encontrava acumulado essencialmente na madeira, continuamos a realizar uma exploração florestal predominantemente orientada para a exportação de madeira em estado bruto e exploração de carvão vegetal, sem qualquer cuidado em termos

Tudo o que Moçambique necessita é de uma dose saudável de sol Por Anabela lemos

O ano de 2006 foi marcado pela corrida desenfreada aos mega projectos, sejam de exploração de gas e petróleo, minas de carvão, barragens, ou exploração legal e ilegal das florestas. A justificação? A mesma de sempre, em nome do desenvolvimento e para erradicar a pobreza... Será mesmo? Para qualquer uma destas justificações deve-se ter um plano e uma explicação do que se pretende alcançar como objecti-

vo... pelo menos em relação aos projectos de exploração, estes estão em contradição com o Plano Quinquenal do Governo

2005-2009, uma vez que este plano considera como prioritário o desenvolvimento da indústria do turismo, que é uma das áreas fundamentais para se alcançar o desenvolvimento sustentável e combater a probreza, tal como aliás se pode hoje ver com as iniciativas em curso em diversas áreas de conservação (Gorongosa, Bazaruto, Quirimbas e Niassa).

de repovoamento. Há que passar das actuais iniciativas de carácter isolado, não sistemáticas e organizadas, para um verdadeiro programa de florestamento do país (não baseado em espécies exóticas, sublinhe-se, dadas as implicações ecológicas), que teria inclusive a mais valia de contribuir para minimizar as consequências da desertificação, principalmente na região Sul. Contudo, sinais de que algo está a mudar no país se tornam cada vez mais evidentes: nunca como agora a imprensa nacional pública e privada deu tanto destaque à questão ambiental: as televisões e os jornais estão repletos de intervenções sobre os mais diversos assuntos: alterações climáticas, desflorestamento, desaparecimento das espécies, construção desordenada, erosão, poluição, entre outros. Este trabalho digno de louvor poderá constituir um importante mecanismo de pressão junto do Governo para a urgência da tomar em consideração as alterações climáticas nos seus planos, políticas e estratégias de acção. Ninguém pode prever o futuro com exactidão, mas duma coisa se tem a certeza: se nada se fizer para travar o aquecimento global, as alterações climáticas tornarão a vida na terra cada vez mais difícil, e a responsabilidade para lutarmos contra as causas de semelhante fenómeno é actualmente de toda a Comunidade Internacional. Concluindo, se há acções que dependem da actuação global, outras temos que podem ser levadas a cabo a nível local, contribuindo para uma maior prevenção contra as consequências dos desastres provocados pela acção humana. Não podemos de modo algum estar alheados desta luta, há que nos juntarmos no movimento global para a salvação do planeta. ®

O facto confrangedor é que os mega-projectos propostos podem ter um impacto negativo sobre o turismo, um sector com enorme potencial para a erradicação da probreza absoluta e para o alcance dos MDG’s. Será que vamos resolver os nossso problema pelo caminho que estamos a enveredar? Com contradições? Será que os beneficios serão superiores aos impactos negativos? Quem será beneficiado? Quem sofrerá com os impactos? Será que existe um balanço entre os ganhos e os custos? Muitas perguntas às quais gostaríamos de ter respostas sinceras e com sentido.


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Por outro lado, a aprovação desses mega projectos nem sempre têm em conta a auscultação da sociedade civil e por isso, em muitos casos, acaba não havendo um balanço entre as vertentes de Saúde, Educação, Economia e Ambiente. Os mega projectos deviam ser aprovados depois de acauteladas essas vertentes. Alguns mega projectos são aprovados sem que se tenha em conta os seus verdadeiros impactos ambientais e sociais....há uma síndrome de desenvolvimento a todo o custo, numa lógica onde os impactos ambientais e sociais não interessam aos proponentes do projecto. Em Moçambique ainda há falta de transparência em certos projectos e falta de consideração pelos inputs feitos pela sociedade civil, acrescido da agravante de termos um Ministério do Ambiente fraco.

Sobre barragens Vamos falar de barragens. Os nossos governantes têm referido que Moçambique vai ter construir 50 barragens nos próximos tempos. A questão que se coloca é a seguinte: vamos construir 50 barragens quando o nosso povo não tem o mínimo que devia ter por direito, nomeadamente água potável? Queremos barragens para energia, mas será que a nossa prioridade é isso? Não estaremos a andar de pernas para o ar? Estamos a priorizar a energia quando as crianças nos arredores das Um dos goals do MDG é água potável para a população e, por isso, esta deveria ser a nossa prioridade e só depois abraçaríamos a energia. Mãs não é

Sexta-feira: 13 de Abril de 2007

À Comissão Mundial de Barragens, um organismo independente, foi atribuída a tarefa de lidar com os assuntos contenciosos que envolvem a construção de barragens em grande escala. Num seu relatório, a WCD recomenda um grupo de requisitos standards, descrevendo-os Devíamos, antes de construirmos barracomo “Melhor Prática Internacional” no gens, analizar as fontes alternativas de que refere ao planeamento e construção energia, como a solar, biomassa, vento de grandes barragens. e géisers, etc. Sobre a proposta desta nova barragem No Vale do Zambeze, em Mpanda nós, Justiça Ambiental (JÁ!), temos presKkuwa, o Governo quer erguer outra sionado no sentido de haver um processo central de energia hidráulica. Os propode discussão multifacetado sobre as linhasnentes do projecto afirmam que isso trará guia da WCD no contexto moçambicano desenvolvimento para a zona e ajudará e, mais especificamente, para que se a lutar contra a pobreza através de um abordem urgentemente as insuficiências efeito de conta-gotas (UTIP, 2002). No do planeamento de Mphanda Nkuwa tendo entanto, se Moçambique e os potenciais em conta aquelas recomendações. financiadores da barragem falharem no cumprimento das linhas-guia estabeleci- A JÁ! também tem tentado analisar os das pela Comissão Mundial de Barragens impactos sociológicos e ambientais da (World Comission of Dams-WCD), a bar- barragem proposta e as necessidades de ragem pode acabar por trazer mais danos energia da região, focando-se particularque benefícios. O facto é que o design da mente na Southern African Power Pool barragem proposta para Mphanda Nkuwa (SAPP). Não tem sido tarefa fácil, uma resultará em flutuações significativas no vez que a última peça de documentação, fluxo do rio a jusante, o que provocará relacionada com a construção de Mphanda impactos negativos sérios na ecologia, Nkuwa, disponível para consulta pública, fauna e assentamentos humanos que foi o parte do Estudo de Viabilidade de 2002. dependem do rio. Por outro lado, fomos informados que foi As duas flutuações diárias do rio irão feito um estudo em 2005, para a actualizavariar de 2.80 metros na área de descarção do processo. Apesar de inúmeras carga para 0.50 metros na cidade de Tete, tas pedindo copias deste novo estudo, até situada a 70 km da parede da barragem a data ainda não nos foi disponabilizado. proposta, em direcção à foz do rio. Por outro lado, a construção da barragem irá Um dos factos mais estranhos do projecto afectar os direitos de um número signifi- da barragem é a sua dificuldade em encativo de pessoas. Tais direitos incluem contrar financiamento. Desde 2002 que o acesso aceitável e adequado à água, tem havido uma enorme procura de finanpesca, segurança na navegação de ca- ciamento para o projecto, mas apenas em Abril de 2006 é que, num comunicado de noas e agricultura (UTIP, 2002). isso que está a acontecer...só estamos a pensar em barragens, petróleo e gás. Tristemente, barragens e petróleo são as infraestruturas que tem maiores impactos ambientais e sociais, sem falar em corrupção.

Projecto de Monitoria Industrial na Cidade da Matola e Machava

JA! detecta poluição excessiva de gordura faz com que sejam ideais para o monitoramento de substâncias químicas que se dissolvem em gordura, tais como os Poluentes Orgânicos Persistentes. Também são um símbolo forte de nova vida. Por outro lado, as galinhas vivem livres, consumindo facilmente pequenos organismos existentes no solo. Em suma, os seus ovos são um óptimo instrumento para a biomonitorização ambiental.

Por Erika Mendes & Tiago Esmael

A JA! está desde a alguns tempos a implementar um Projecto de Monitoria Industrial na Cidade da Matola e Machava, que nasceu de uma desafio com a IPEN, uma Organização Internacional que trabalha há muitos anos em parceria com a JA!. A ideia do projecto consistia em tester ovos de galinhas e em apresentar vários resultados sobre o grau de contaminação dos POPS (Poluentes Orgânicos Persistentes) em vários países. A JA! encarou o projecto como uma oportunidade para conhecer o nível de poluição existente no nosso País. O Governo tem estado constantemente a declarar que Moçambique não tem problemas de poluição, usando-se o argumento de que não temos muitas unidades industriais. Trata-se, no nosso ponto de vista, de uma declaração sem fundamento, uma vez que não existe informação ou estudos que avaliem o presente nível de poluição - se existe não é pública. Para a implementação do projecto, escolhemos a àrea localizada entre a Matola e a Machava, onde se localizam boa parte das unidades industriais. Durante o trabalho de campo, foram recolhidos ovos e enviados por DHL para testes. Esses testes feitos aos ovos de galinhas foram recolhidos na área de Santos, na Matola. Os resultados dos testes são alarmantes, uma vez que mostram níveis elevados de dioxinas, DDT e PCB’s, excedendo o limite aceite como seguro pela União Europeia (UE).

Preocupada com os resultados preliminares da pesquisa, a JA! resolveu dar início ao Projecto, com o apoio da New World Foundation. O objectivo era o de criar uma base de dados e analisar de forma mais profunda a situação da poluição na zona industrial da Matola e Machava. Era necessário saber quais as actividades das indústrias na zona e como estas poluem o meio à sua volta; até que nível se está a submeter as populações vizinhas a estas condições e como se pode minimizar os impactos.

O níveis de dioxinas encontrados foi 2/3 superior ao limite proposto pela UE; o de PCB’s foi de cerca de 2/5 vezes também superior ao limite proposto pela União Europeia; por sua vez, o nível total de WHO-TQ ultrapassou o limite em cerca de 2 vezes o limite, assim como o DDT. O nosso conhecimento, este estudo representa os primeiros dados àcerca dos POPs presentes em itens alimentares em Moçambique. Os ovos de galinha devem apresentar nível zero de poluentes, especialmente de dioxinas que podem causar cancro ou outros problemas de saúde, mesmo em níveis muito reduzidos. Porquê os ovos de galinha? Por serem um item alimentar comum, o seu elevado nível

Foram marcadas reuniões com várias empresas. Algumas tiveram lugar, com sucesso, outras não. Foi feito um workshop em Fevereiro de 2007, com o objectivo de apresentar o projecto e estabelecer contactos com as comunidades. Depois de inquirirmos algumas unidades indústrias sobre a sua forma de funcionamento e controle de poluição, entramos na fase do trabalho de campo, onde entrevistamos as comunidades.

Resultados da pesquisa A pesquisa apurou que a poluição existente é excessiva, havendo muitas fábricas a poluir de uma forma abusiva e até mesmo criminosa. Dentre os vários casos, escolhemos dois casos-chave como exemplo de práticas negativas de gestão ambiental: a Jumbo Plásticos

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imprensa, ficamos informados que o Exim bank da China iria financiar o projecto. Porquê tanta dificuldade em se encontrar financiamento? Será que há assim tantas falhas no projecto? O percurso de desenvolvimento de Moçambique precisa de uma total exposição e discussão pelo público em geral. As preocupações do público devem ser a força condutora na priorização das escolhas de desenvolvimento. Em especial para as comunidades que serão directamente afectadas e que correm o risco de sofrer elevadas perdas, no caso da construção da barragem em apreço. Era de grande utilidade que os potenciais financiadores e apoiantes da barragem respeitassem o processo normal e pusessem disponível a documentação e informação pedida. Terminamos com as reflexões de Peter Bosshard, da Rede Internacional de Rios (IRN), que declarou, num relatório recente da Transparency International, que “a luz solar é o melhor desinfectante para corrupção” uma vez que “ é necessária transparência completa para desencorajar práticas fraudulentas no processo de asessoria das necessidades e opções do desenvolvimento de infraestruturas. Os Parlamentos e as Organizações da Sociedade Civil devem exercer uma maior fiscalização dos governos e instituições financeiras, mesmo durante os estágios iniciais do planeamento de desenvolvimento de infraestruturas.” O processo de desenvolvimento energético de Moçambique seria grandemente melhorado por uma dose saudável de sol

e a Fasol. Várias populares entrevistadas falaram do que sentem em relação às indústrias, de como têm associado várias doenças e problemas a estas a elas. Também ficou patente que as indústrias não se preocupam com a saúde das comunidades e poluem de forma completamente irresponsável. Para além disso, foram recolhidas, por 2 vezes, amostras de água em 5 pontos-chave diferentes, para análise laboratorial da mesma. No fim desta primeira fase do projecto, realizou-se um workshop para a apresentação da informação recolhida, de alguns testemunhos (relatados pela JA!, na forma de fotografias e video) da população e dos resultados das análises do laboratório. Um membro da Groundwork, uma organização ambientalista de Durban, Bobby Peek, deu um contributo bastante importante, falando sobre a experiência dos cidadãos de Durban com a poluição. Bobby Peek, Director da organização sul africana Groundwork, com a sua experiência na área, apresentou e interpretou os resultados das análises, os quais, como ja dissemos, estavam acima do nível considerado aceite e com níveis bastante altos de sódio. O workshop teve uma boa adesão da população da Matola e Machava, tendo contado com a presença de instituições governamentais, líderes comunitários, representantes religiosos, chefes de bairros e ONG’s, teve um resultado bastante positivo, pois os presentes foram bastante participativos e interventivos. No fim do workshop ficou a promessa de dar continuidade ao Projecto, e de continuar com a monitoria industrial. Também ficou bem claro que todos nós temos uma responsabilidade cívica e social em relação à poluição e a como ajudar a manter um ambiente são ou a minimizar a poluição existente. O direito a uma vida saudável e num ambiente em condições devia estar acima de qualquer outro interesse, porém só se todos e cada um de nós se preocupar e fizer a sua parte poderemos um dia desfrutar dele, pois infelizmente ainda temos muito para corrigir, denunciar e melhorar.®


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Sexta-feira: 13 de Abril de 2007

Meios de Subsistência em Risco:

O caso da barragem de MPHANDA NKUWA Por James Morrissey

Nos fins de 2005 e princípios de 2006, a JA! (Justiça Ambiental) iniciou uma análise de risco social da futura grande Barragem Hidroeléctrica planeada para o Zambeze em Mphanda Nkuwa. O estudo foi feito como resposta às recomendações dadas pelo relatório da Comissão Mundial de Barragens (2000), que defendia uma metodologia de direitos e riscos na tomada de decisões relativas a grandes Barragens.

dar conhecimento dos meios de subsistência das pessoas na zona da futura Barragem, mas também dar possibilidades à população do Zambeze de mostrarem a sua visão do mundo.

foi necessário que o James fosse de avião para Tete.

É através da divulgação deste trabalho que esperamos que esta visão do mundo esteja a ser respeitada. As outras duas viagens ao rio foram em trabalho de campo. A primeira foi

O trabalho de campo impôs exercícios de preparação. Esses exercícios incluíram: mapeamento dos recursos e das comunidades; listagem e classificação de perigos e calendários sazonais. Outras metodologias usadas no campo foram: entrevistas semi-estruturadas, caminhadas e reuniões institucionais.

empreendida por James Morrissey, Anabela Lemos (ambos da JA!) e Benson Wilder.Esta viagem mostrou-se um desafio para todos os envolvidos, com um grave acidente de carro a caminho do rio a complicar o trabalho de campo e requerendo que o grupo de trabalho superasse estes obstáculos em conjunto para conseguir fazer o trabalho.A segunda viagem foi levada a cabo por James Morrissey. Devido a problemas com o carro por causa da viagem anterior nesta terceira viagem ao rio

O estudo constatou o seguinte: • O estado do meio ambiente está intimamente conectado à saúde, capacidade de trabalho e bem-estar espiritual da população do Zambeze; portanto, a sustentabilidade das estratégias de subsistência já existentes está dependente do estado do meio ambiente; • As actuais estratégias de subsistência levadas a cabo pelas comunidades que vivem perto do rio foram já comprometidas

Este estudo envolveu quatro viagens para e de pelo rio Zambeze. A primeira das quatro foi levada a cabo pelos membros da JA! Daniel Ribeiro, Tiago Esmael e James Morrissey, que foram acompanhados pelo David Gwen Evans. Esta primeira viagem foi feita como um exercício para a compreensão e identificação das comunidades e era parte fundamental para a conclusão do projecto: “Mphanda Nkuwa: Capacitação das comunidades”. Como resultado, grande parte da viagem teve de ser feita ao longo de grande parte do rio e, durante esse tempo, vários membros da comunidade foram entrevistados aleatoriamente. Como metodologia, decidiu-se que iam ser entrevistadas duas comunidades ou bairros situados perto do local proposto para a construção da Barragem, pois uma investigação deste tipo significava que tanto uma comunidade a ser alocada como uma comunidade que continuará a viver abaixo da Barragem sem serem compensadas deveriam ser incluídas no estudo. Dada a natureza do desenvolvimento do projecto da Barragem e a forma como as análises de risco são feitas, decidiu-se que era fundamental um contacto participativo com as comunidades ao longo do trabalho de campo. Esperava-se que isto não só deixasse às comunidades definirem o que eles consideravam serem os riscos a que estavam expostos e

Zambeze – um outro lado das cheias Cahora Bassa foi bem gerida? Os recentes picos de cheia no Zambeze poderiam ter sido evitados e, em minha opinião, eles constituem uma nova demonstração do perigo em se enfeudar águas ao economicismo hidroeléctrico. Comece-se por notar que, ao contrário das cheias de 1978, 1989, 1997 e 2001, neste dramático Fevereiro 2007 a contribuição dos escoamentos de Kariba em Cahora Bassa foi praticamente nula. Na verdade, o lago de Kariba (Zimbabwe/Zâmbia) está num dos seus mais baixos níveis de sempre (17% de enchimento) o que, teoricamente, deveria representar não só o anular da sempre crítica imprevisibilidade destes megafluxos em Cahora Bassa, mas também, hélas, uma raríssima simplificação da equação hidrológica no Zambeze moçambicano.

deste Fevereiro 2007. Em termos sumários, é esta a minha linha de raciocínio. Preocupada com 3 anos de baixíssimos níveis em Kariba, mas sempre muito ávida em maximizar proveitos, na estação 2006/7 a HCB insistiu em adoptar uma curva-guia de exploração apostando em mais 2 ou 3,000 GWh do que devia. E, iludida por uma Kariba vazia, a HCB deixou-se encher em demasia - não obstante as previsões pluviométricas emitidas em Outubro/Novembro 2006. Sucede que, nesta ansiosa busca de dólares-extra, a HCB (Hidroeléctrica de Cahora Bassa), mesmo apesar de cada vez mais “nossa”, parece ter cometido dois graves erros de gestão hidrológica:

Paradoxalmente, e muito embora a HCB continue remetida a um inaceitável e plúmbeo silêncio, eu julgo que terá sido exactamente este factor – Kariba vazia – um dos principais determinantes do que considero serem erros de gestão hidroeléctrica por parte da HCB e autoridades laterais.

1. a montante, a HCB subestimou as contribuições das redes zambianas de Kafue e Luangwa; umas sub-bacias que, não tão infrequentemente como isso, representam não só mais de metade dos usuais influxos Cahora Bassa, mas também pontas de cheia que, como na rede Luangwa, chegam a superar os 10,000 m3/s como no caso de 1989.

Erros que, a terem existido como aqui sugiro, conduziram às dramáticas pontas de cheia

2. a jusante, a HCB subestimou grosseiramente a importância das redes afluentes de

Norte (Shire, Revuboe, etc) e de Sul (Moz/ Zim). Um erro que, na zona de Mutarara / Caia, pode ter significado ignorar que, às suas já imensas descargas de 8,400 m3/s, havia que acrescentar pelo menos outro tanto destes agitados tributários. Este desequilibrado armazenar de água em detrimento da segurança de pessoas e bens pode e deve ser evitado. E, desde logo, eu sugiro que, para além de uma mais criteriosa e humana ponderação de riscos, à HCB passe a ser imposta a internalização dos custos de todas estas desgraças. Talvez só assim se possa começar a colocar Vida acima de GWh. E porque eu sei que é grave, e frequentemente desonesto, extrapolar provas com base em presunções e/ou factos circunstanciais, em particular quando se está perante tamanha desgraça humana, eu daqui convido a HCB a colocar todos os seus dados na mesa - para que todos a interpretem. José Lopes Fevereiro 2007 e ainda a meio da época chuvosa In www.xitizap.com

devido aos danos ambientais que o funcionamento da Barragem Hidroeléctrica de Cahora Bassa causou; • A subsistência das populações que vivem no local da Barragem/albufeira, e daquelas que vivem rio abaixo será comprometida pela construção da Mphanda Nkuwa. No futuro é bem possível que isso se estenda a ponto de tais estratégias de subsistência já não serem sustentáveis na zona; • O impacto nas formas de subsistência irá afectar negativamente não só o património base das comunidades, como irá também minar tanto as estratégias de gestão de risco já existentes como a estrutura social que une as sociedades; • Este impacto irá interagir violentamente com os desafios de desenvolvimento já existentes, tais como a mudança climática e o HIV/SIDA; • Os planos actuais de construção da Barragem geram um risco de colapso da parede da Barragem como resultado da actividade sísmica. O nível do risco sísmico ainda não foi compreensivamente estabelecido mas pensa-se ser de natureza inaceitavelmente alta. Para além disso, as actuais especificações da construção da Barragem apenas prevêm um risco sísmico que pensa-se ser alarmantemente pequeno dado a recente actividade sísmica na zona; • As populações que vivem rio abaixo da parede da Barragem não vão receber qualquer tipo de compensação em relação ao impacto induzido pela Barragem. Isto está actualmente em conflito com as recomendações da Comissão Mundial de Barragens; • As pessoas que serão forçosamente realocadas irão ser compensadas, porém o risco politico na área mostra que as tentativas de mitigação dos impactos negativos da Barragem tendem a falhar; • Mulheres, crianças e idosos irão sentir os impactos negativos associados à Barragem de forma mais aguda. A última viagem ao rio foi feita em 2006 por James Morrissey, Anabela Lemos e Daniel Ribeiro. O objectivo desta viagem era apresentar as constatações mencionadas acima às próprias comunidades que foram estudadas. Isto fez-se apresentando as conclusões num resumo de 10 páginas e noutro de 2 páginas, bem como através de um workshop de teatro participativo. Este trabalho foi feito como parte do processo de formação do “Vozes do Zambeze”. O estudo foi apresentado em meados de 2006 e foi concluído que, como a energia proveniente da Mphanda Nkuwa não é destinada a fornecer o meio rural, mas sim as mega-indústrias em zonas urbanas e para venda na região, as populações do Zambeze ganham muito pouco, se é que ganham alguma coisa, com a construção da Barragem. Para além disto, são também exactamente estas pessoas que serão sem dúvida alguma expostas à maior parte do impacto e dos riscos que a Barragem irá gerar. Esta situação é inaceitável. E mais, o risco politico (o risco para mitigar o impacto negativo da Barragem irá falhar) é considerado de um nível inaceitável. Acredita-se que o projecto, na sua actual forma e contexto, irá aumentar tanto o risco específico de catástrofes na área, como irá minar as formas de subsistência locais expondo as pessoas a um nível elevado de risco crónico. Tal desigualdade é vista como uma violação aos Direitos Humanos e, portanto, este trabalho recomenda que o projecto seja cancelado. O relatório completo e o resumo de dez páginas encontram-se disponíveis no site do IRN. X®


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